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TÍTULO EXECUTIVO
RENDAS
COMUNICAÇÃO DO SENHORIO
RECUSA DE RECEPÇÃO
Sumário
1 – O título executivo para pagamento de rendas, encargos ou despesas, previsto no art. 14º-A, do NRAU, é constituído por dois elementos: o contrato de arrendamento escrito e o comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida. 2 - A forma como deve ser efetuada a comunicação aí referida encontra-se prevista nos arts. 9 º e 10º do citado diploma. 3 - Conforme resulta desse regime, quando a comunicação integre título para pagamento de rendas, encargos ou despesas, ainda que esta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou se o aviso de receção tiver sido assinado por outra pessoa, a lei dispensa o senhorio do envio de nova carta registada com aviso de receção, nos termos do nº 3 do art. 10º, quando exista domicílio convencionado. 4 – Após a entrada em vigor da Lei 43/2017, de 14 de junho que alterou o NRAU e designadamente o nº 1 do seu art. 10º, o senhorio não fica dispensado do envio de nova carta, nos termos do nº 3 desse preceito, quando a carta vier devolvida com a menção “não reclamada” por o destinatário não a ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais. 5 – Nesse caso, de a primeira correspondência ter sido devolvida por não ter sido reclamada pelo locatário, não tendo o senhorio enviado nova carta àquele, tal como dispõe o mencionado nº 3, inexiste comunicação válida para a formação de título executivo, nos termos do preceituado no art. 14º-A do NRAU, devendo a execução ser rejeitada.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Relatório:
AA e EMP01..., LDA, executados melhor identificados nos autos de execução deduziram embargos à execução em que é exequente EMP02..., Lda.
No requerimento executivo foi alegado, com interesse para a decisão da causa, o seguinte:
1. A Exequente é dona e legítima proprietária de um pavilhão um pavilhão sito na Avenida ... freguesia ..., Concelho ..., inscrito na matriz predial urbana do Serviço de Finanças ... sob o número ...81... da freguesia ....
2. Mediante de contrato de arrendamento, celebrado a 21 de outubro de 2021, a Exequente deu de arrendamento à Executada EMP01..., o aludido imóvel, cfr. documento ..., que se junta e se dá por integralmente reproduzido - contrato de arrendamento.
3. Os Executados AA e BB figuram como fiadores do aludido contrato, tendo renunciado ao benefício da excussão prévia, assumindo solidariamente com a Executada EMP03... o cumprimento de todas as cláusulas deste contrato, seus adiantamentos e renovações até à efetiva entrega do arrendado, livre de pessoa e coisas e mais declarando que a fiança que prestaram subsistirá ainda que se verifiquem alterações da renda fixada contratualmente.
4. O contrato de arrendamento iniciou a sua vigência a 01 de outubro de 2021.
5. Quanto à renda, foi fixado que mesma é de 900.00€ (novecentos euros), no primeiro ano, 950,00€ (novecentos e cinquenta euros) no segundo ano e 1000,00€ (mil euros), no terceiro ano, e deve ser paga no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeitar, através de transferência bancária para o NIB n.º ...18, do Banco 1..., da agência em ....
6. Sucede que, no âmbito desse contrato de arrendamento, a Executada EMP01... parou de pagar a renda, sendo que, na presente data, tem em dívida as rendas de março de 2022 a dezembro de 2022 (a renda vence-se sempre até ao dia 8 dia útil do mês anterior àquele a que respeitar, correspondem, por isso, às rendas não pagas nos meses de fevereiro de 2022 a novembro de 2022), num total de 9 rendas vencidas e não pagas.
6.1. Entre 01/10/2021 e 30/09/2022 a renda cifrou-se em 900,00€;
6.2 Entre 01/10/2022 e 30/09/2023 a renda cifrar-se-ia em 950,00€;
7. Como a Executada EMP01... é pessoa coletiva, está sujeita a retenção na fonte à taxa e 25%.
8. Assim, as rendas que se encontram em dívida, são as seguintes:
- março de 2022 (renda que deveria ter sido paga em Fevereiro de 2022): 900,00€;
- abril de 2022 (renda que deveria ter sido paga em Março de 2022): 900,00€;
- maio de 2022 (renda que deveria ter sido paga em Abril de 2022): 900,00€;
- junho de 2022 (renda que deveria ter sido paga em Maio de 2022): 900,00€;
- julho de 2022 (renda que deveria ter sido paga em Junho de 2022): 900,00€;
- agosto de 2022 (renda que deveria ter sido paga em Julho de 2022): 900,00€;
- setembro de 2022 (renda que deveria ter sido paga em Agosto de 2022): 900,00€;
- outubro de 2022 (renda que deveria ter sido paga em Setembro de 2022): 900,00€;
- novembro de 2022 (renda que deveria ter sido paga em Outubro de 2022): 950,00€
9. A Exequente procedeu a diversas interpelações, sempre por carta registada com aviso de receção para as moradas declaradas no contrato, atento o facto de existir estipulado no mesmo convenção de domicílio, para todos os Executados.
10. Ao montante referido supra penalização de 20% incidindo sobre cada uma das rendas não pagas atempadamente, nos termos do artigo 1041º, nº 1 do Código Civil, perfazendo o montante de 1.640,00€ (mil seiscentos e quarenta euros) a título de penalizações pelo não pagamento atempado da renda (8.200,00€ x 20% = 1.640,00€).
11. Acresce ainda os juros devidos pelo não pagamento atempado das aludidas rendas, nos termos do artigo 805º, nº 2, alínea a) do Código Civil, no valor total de 168,48€.
12. Juntou a Exequente o contrato de arrendamento celebrado com os Executados, acompanhado de quatro comunicações, datadas de 9/8/22, com o seguinte teor:
“Deste modo, comunica-se a V/Exas. que, na presente data, se verifica a existência de sete rendas em atraso (rendas não pagas nos meses de fevereiro de 2022 a setembro de 2022, referentes aos meses de Março de 2022 a Setembro de 2022, atendendo a que a renda terá de ser paga até ao 8º dia do mês anterior a que respeitar), o que totaliza o valor de 4.725,00€ (quatro mil, setecentos e vinte e cinco euros) (675,00€ X 7 = 4.725,00€) (nota: o valor acima referido é o valor devido à M/ constituinte, após competente retenção na fonte).”
13. Tais comunicações não foram rececionadas pelos Embargantes.
14 . Com efeito, conforme decorre dos documentos juntos pela Embargada na Execução Apensa, as comunicações dirigidas à Embargante EMP04... foram devolvidas ao remetente, com a indicação “Mudou-se” e com a indicação “Objeto não reclamado”, respetivamente. A comunicação remetida ao Embargante AA foi devolvida ao remetente, com a indicação “Objeto não reclamado”.
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Nos Embargos, vieram os embargantes dizer, essencialmente, que a Exequente não tem título executivo porque as cartas juntas aos autos, que acompanham o contrato de arrendamento, não foram recebidas pelos Executados. Dizem ainda que não devem à Exequente os valores por esta reclamados, mas apenas 450,00€ discriminando pagamentos que alega terem sido efetuados à Exequente. Acrescentam que não é devida a penalização de 20%, prevista no art. 1041º, nº 1 do C. C. porque o contrato foi resolvido.
Pedem a condenação da Exequente como litigante de má fé.
Os Embargados contestaram dizendo que enviaram as cartas para os domicílios convencionados no contrato de arrendamento e que o facto de os Embargantes não terem levantado as cartas é juridicamente irrelevante. Assim, deve a exceção perentória de inexistência do título ser considerada improcedente, assim como o pedido de condenação como litigante de má fé.
Realizou-se o julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:
“5.1.- Julgar parcialmente procedentes os presentes embargos de executado e, em consequência, fixo o valor da quantia exequenda no montante de 5.375,00€ (deduzido o valor de 100,00 euros) a título de rendas vencidas e não pagas desde abril a novembro de 2022; no montante de 1.640,00€ a titulo de penalização pela mora no pagamento atempado das rendas, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento das renda até integral pagamento. 5.2.- Declarar que na pendência da ação executiva a sociedade arrendatária pagou diretamente à exequente o valor de 1.350,00€. 5.3.- Julgar improcedente o pedido de condenação dos embargantes como litigantes de má fé..”
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Inconformados vieram os Embargados recorrer formulando as seguintes Conclusões:
1. De acordo com o artigo 703.º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, à execução apenas podem servir de base os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva. E a disposição especial neste caso é a que consta do artigo 14º-A, nº 1, do NRAU, que atribui força executiva ao contrato de arrendamento acompanhada do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
2. Como título executivo, a Exequente juntou na Execução Comum, de que os presentes autos são apensos, o contrato de arrendamento celebrado com a arrendatária e os fiadores, assim como as cartas remetidas à arrendatária e ao fiador, aqui Recorrentes, que não foram rececionadas por estes, tendo sido indicado como motivo da devolução «objeto não reclamado».
3. Atendendo ao disposto nos artigos 9º e 10º, que estipulam as regras quanto à forma das comunicações e às vicissitudes, respetivamente, as cartas enviadas à arrendatária e ao fiador, aqui Recorrentes, não satisfazem os requisitos aí previstos, quer porque não foram assinadas pela senhoria nem demonstrado os poderes necessários para o efeito por parte de quem as assinou, e, principalmente porque não foram rececionadas pelos destinatários, uma vez que foram devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.
4. De sublinhar que o disposto nos números 1 e 2 do artigo 10º aplicam-se unicamente aos casos em que a devolução das comunicações tenha ocorrido por recusa do destinatário em recebê-las ou quando sejam recebidas por pessoa diferente do destinatário, situação que não ocorreu no presente caso.
5. Não tendo sido comunicado à arrendatária e ao fiador os montantes em divida, nem podendo considerar-se recebidas as cartas devolvidas, não obstante o domicilio convencionado estipulado no contrato, tem-se por inexistente o titulo executivo, que é de conhecimento oficioso e determina a extinção da execução, pelo que a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 9º, 10º, 14º-A, nº 1, todos do NRAU e 703º, nº 1, alínea d), e 726º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil.
6. Sem prescindir, para o caso, aliás não esperado, de se entender existir titulo executivo, sempre se diga que o título executivo previsto no artigo 14.º- A do NRAU, é restrito ao arrendatário, não se estendendo ao fiador ainda que tenha intervindo no contrato de arrendamento e renunciado ao benefício da excussão prévia.
7. A inclusão do fiador no âmbito dos sujeitos passivos do título executivo previsto no artigo 14º-A, nº 1, do NRAU constituiu manifesta violação do numerus clausus dos títulos executivos previstos no artigo 703º do Código de Processo Civil, pelo que se verifica a violação do disposto nos artigos 14º-A, nº 1, todos do NRAU e 703º, nº 1, alínea d), e 726º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil.
8. Ainda e sem prescindir, a sentença recorrida fixou a obrigatoriedade dos Executados pagarem à Exequente, para além das rendas em divida, a penalização pela mora prevista no artigo 1041.º, nº 1, do Código Civil.
9. Incumbia à Exequente alegar no requerimento inicial da Execução, o modo de extinção do vínculo contratual, de molde a afastar a hipótese de resolução do contrato com base em falta de pagamento.
10. Ora, não tendo alegado aquela factualidade, quer no requerimento executivo, quer mesmo em sede de contestação dos Embargos de Executado, ocorreu insuficiência de matéria de facto necessária à procedência de tal pedido formulado pela Exequente, omissão esta de alegação de factos essenciais que impediu o Tribunal recorrido de os elencar na decisão da matéria de facto.
11. Deste modo, a sentença recorrida está, nesta parte, ferida de nulidade, por contradição com os fundamentos de facto, tal como resulta do disposto no artigo 615º, alínea c), do Código de Processo Civil, sendo, ainda, manifesta a violação do disposto no artigo 1041º, nº 1, do Código Civil.
12. Por outro lado, a indemnização prevista expressamente na lei pela mora no pagamento da renda, a que alude o artigo 1041º nº 1 do Código Civil, não poderá ser cumulada com quaisquer juros de mora, que constituem igualmente indemnização pela mora, tal como resulta do disposto no artigo 804.º do Código Civil.
13. A Sentença recorrida condenou os Executados/Embargantes no pagamento de duas indemnizações resultantes da mora, a prevista no artigo 1041º, nº 1, do Código Civil, e a prevista no artigo 804º, nº 2, do Código Civil, duplicando diferentes indemnizações por um mesmo prejuízo, a mora, pelo que violou tais dispositivos legais.
14. Acresce que a Exequente fundamenta a sua pretensão na alegação de estarem em divida nove rendas, de março a novembro de 2022, admitindo posteriormente estarem em divida apenas oito rendas.
15. Não obstante, liquidou o valor da indemnização de 20% pela mora em 1.640,00 €, quando o valor de rendas por si alegado como em divida era de 6.150,00 €, o que determinaria um valor de 1.230,00 €, relativo à indemnização pela mora, caso fosse aplicável o disposto no artigo 1041º, nº 1, do Código Civil.
16. E o certo é que, não obstante a Embargada vir alegar que o número das rendas em divida seriam apenas 8 e não 9 e, consequentemente, o valor em divida daí resultante seria de 5.475,00 € e não de 6.150,00 €, sem que alguma vez tivesse alegado a não entrega pela arrendatária do valor retido à Autoridade Tributária, manteve o valor anteriormente liquidado de 1.640,00 €, relativo à indemnização pela mora.
17. Mais surpreendente foi o facto do Tribunal recorrido ter fixado o valor das rendas em divida no montante de 5.375,00 €, a título de rendas vencidas e não pagas desde abril a novembro de 2022 e fixado o montante de 1.640,00 € a título de penalização pela mora no pagamento atempado das rendas.
18. Nesta parte a sentença recorrida está, pois, ferida de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º., nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil, violando, ainda, o disposto nos artigos 703º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil, 14º-A, nº 1, do NRAU, e 1041º, nº 1, do Código Civil.
19. Posto isto e, ainda, sem prescindir, os Embargantes impugnam a decisão de facto, uma vez que as rendas que o Tribunal considerou como não estarem pagas pela arrendatária colide com a prova produzida em audiência de julgamento e, por outro lado, não resulta do documento nº ... junto nos autos principais ter ocorrido comunicação por parte da senhoria à arrendatária e ao fiador dos valores em divida, ao contrário do decidido pelo Tribunal recorrido, pelo que expressamente impugnam a decisão de facto relativamente aos pontos 6, 10, 12, 13, 14, 15 e 17 dos factos dados como provados.
20. Na verdade, resultaram provados, por confissão, os seguintes pagamentos: Transferência efetuada a 21 de janeiro de 2022, no montante de 2.350,00 € (cfr. artigo 27º da contestação); Transferência efetuada a 31 de março de 2022, no montante de 2.000,00 € (cfr. artigo 29º da contestação); Pagamento efetuado em 3 de junho de 2022, no montante de 1.350,00 € (cfr. artigo 35º da contestação;
21. E ficaram provados por documentos, pelo contrato de arrendamento junto aos autos pela Embargada - cláusula 4ª, nº 2 - o pagamento da quantia de 2.350.00 €, e pelo recibo emitido pela Embargada, datado de 28 de janeiro de 2022 - junto com a Petição Inicial de Embargos sob o documento nº ... – o pagamento da quantia de 1.350,00 €.
22. Relativamente à declaração emitida pela Senhoria/Exequente na cláusula 4ª, nº 2, do contrato de arrendamento, deverá ter-se presente de que se trata de um documento particular, cuja autoria não se encontra impugnada, e qual goza do valor probatório previsto no artigo 376.º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova a falsidade do documento.
23. Assente a força probatória plena do documento, não é admissível a prova testemunhal visando a demonstração da inveracidade da declaração com base em quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento, sejam as mesmas anteriores ou contemporâneas à formação do contrato (artigos 393.º, n.º 1 e 2, e 394.º, do Código Civil).
24. De sublinhar que a Embargada se limitou a alegar que o pagamento, que confessa em tal declaração ter ocorrido, deveria ter sido efetuado por transferência bancária o que não sucedeu. Ou seja, a Embargada nem sequer alegou factos suscetíveis de consubstanciarem o vício na formação da vontade e a consequente nulidade ou anulação da declaração confessória inserida no contrato, antes confirmando a existência de tal cláusula com o teor dela constante, pelo que nem sequer poderia ter produzido qualquer outra prova, designadamente testemunhal, acerca do «não recebimento» daquele valor.
25. Mas mesmo que se considerasse admissível a prova testemunhal, como parece ter ocorrido, o certo é que a Embargada não logrou fazer prova contrária à confissão constante do contrato, tal como lhe competia.
26. Na verdade, a testemunha por si indicada, CC, que é igualmente uma das Executadas, não obstante ter iniciado o seu depoimento referindo perentoriamente que tal pagamento a que se reporta a declaração constante do contrato não tinha ocorrido, acaba por referir que esse mesmo pagamento foi efetuado por ela própria, em numerário, o que foi confirmado pelo próprio Embargante, que referiu ter entregue aquela quantia à referida testemunha, conforme se constata das transcrições dos respetivos depoimentos anteriormente efetuados cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
27. Acresce ainda que a testemunha arrolada igualmente pela Embargada, DD, nada adianta a este respeito, bem antes pelo contrário, uma vez que declarou ter havido lapso na emissão de recibos, sendo o seu depoimento manifestamente seguidista e de encontro às perguntas que lhe iam sendo feitas, conforme se constata da transcrição do seu depoimento anteriormente efetuado.
28. Por outro lado o depoimento desta testemunha é contrariado pelo depoimento da testemunha CC, uma vez que aquela refere que os pagamentos de rendas nunca foram feitos em numerário, sendo que esta testemunha disse que quer as rendas que pagava – também era arrendatária da Embargada – quer o primeiro pagamento em nome da aqui arrendatária, foram feitos em numerário.
29. O Tribunal não deu como provado tal pagamento, cujo recebimento foi confessado pela Embargada no contrato de arrendamento por si junto, violando, assim, as regras da prova previstas no citado artigo 376º, nº 1, do Código Civil.
30. Da conjugação da prova por confissão com a prova documental, ficaram provados os seguintes pagamentos: 2.350,00 €, em 21 de outubro de 2021; 2.350,00 €, em 21 de janeiro de 2022; 1.350,00 €, em 28 de janeiro de 2022; 2.000,00 €, em 31 de março de 2022; e 1.350,00 €, em 3 de junho de 2022.
31. Por último, relativamente aos pontos 12 e 17 dos factos dados como provados, é manifesto que a redação dos mesmos é obscura e conclusiva, pelo que de direito, devendo ser dados como não escritos.
32. Com efeito, ter sido dado como provado que a Exequente interpelou a arrendatária e os fiadores é uma questão de direito, pois resulta da interpretação da lei quanto aos efeitos jurídicos atribuído à devolução das cartas com o fundamento nelas aposto.
33. Atento o exposto quanto à impugnação da decisão de facto, tal decisão deverá ser alterada nos seguintes termos:
a. Ponto 6 dos factos dados como provados: deverá ser dado como não provado;
b. Ponto 10 dos factos dados como provados: deverá ser dado como não provado;
c. Pontos 12 e 17 dos factos dados como provados: deverão ser dados como não escritos e em sua substituição serem acrescentados, como provados, os seguintes factos:
- Ponto 12-A: A carta registada com AR, datada de 9 de agosto de 2022, subscrita pelo Ilustre Mandatário, Dr. EE, dirigida à EMP01... lda, para a morada Parque Industrial ..., ..., ... ..., Concelho ..., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, foi devolvida ao remetente em 22 de agosto de 2022, com a indicação «objeto não reclamado»;
- Ponto 12-B: A carta registada com AR, datada de 9 de agosto de 2022, subscrita pelo Ilustre Mandatário, Dr. EE, dirigida a AA, para a morada Avenida ..., ... ... – ..., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, foi devolvida ao remetente em 23 de agosto de 2022, com a indicação «objeto não reclamado»;
- Ponto 12-C: Foi estipulado no contrato de arrendamento a convenção de domicílio;
d. Ponto 13 dos factos dados como provados: Provado apenas que a arrendatária pagou 2.350,00 € no dia 21/01/2022.
e. Ponto 14 dos factos dados como provados: Provado apenas que a arrendatária pagou 2.000,00€ no dia 31/03/2022.
f. Ponto 15 dos factos dados como provados: Provado apenas que a arrendatária pagou 1.350,00 € no dia 03/06/2022;
g. Deverão serem acrescentados, como provados, os seguintes factos:
- Ponto 18: A arrendatária pagou 2.350,00 € no dia 21/10/2022;
- Ponto 19: A arrendatária pagou 1.350,00 € no dia 28 de janeiro de 2022;
34. Consequente, na medida da alteração da decisão da matéria de facto, proferida sentença a julgar os embargos totalmente procedentes e a ordenar a extinção da Execução Comum.
Termos em que deverá o presente recurso ser admitido e julgado procedente, tudo com as legais consequências, designadamente ordenada a extinção da execução comum por falta de titulo executivo ou, caso, assim não se entenda a sua extinção pela procedência dos embargos de executado, como é de JUSTIÇA.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Questões a decidir:
- Analisar se a exequente possui título executivo;
- Caso se conclua afirmativamente pela existência de título, analisar se o recurso de impugnação da matéria de facto obedece aos requisitos legais;
- Caso obedeça a tais requisitos, verificar se a prova foi bem apreciada em 1ª instância;
- Caso se justifique, analisar se a subsunção dos factos ao direito foi corretamente efetuada na sentença recorrida.
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Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
1. Os factos alegados na p.i.;
2. O conteúdo do contrato de arrendamento junto com a p.i. sob doc. n.º ...;
3. Os factos constantes da contestação.
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Cumpre apreciar e decidir: Da (in)existência de título executivo:
O título executivo é um documento que constitui o meio legal de demonstração da existência do direito da exequente ou que estabelece, de forma ilidível, a existência daquele direito.
O título executivo constitui, pois, a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites daquela (art. 10º, nº5 do C. P. Civil).
No caso, o título executivo é complexo, sendo formado, nos termos do disposto no art. 14º-A, do NRAU, por dois elementos: o contrato de arrendamento escrito e o comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
A forma como deve ser efetuada a mencionada comunicação encontra-se prevista nos arts. 9 º e 10º do citado diploma.
Dispõem estes artigos o seguinte: Artigo 9.º Forma da comunicação 1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção. 2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado. 3 - As cartas dirigidas ao senhorio devem ser remetidas para o endereço constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior. 4 - Não existindo contrato escrito nem comunicação anterior do senhorio, as cartas dirigidas a este devem ser remetidas para o seu domicílio ou sede. 5 - Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele. 6 - O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de receção. 7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante: a) Notificação avulsa; b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original; c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação. Artigo 10.º Vicissitudes 1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que: a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la; b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário. 2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que: a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º; b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior. c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais. 3 - Nas situações previstas no número anterior, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta. 4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio. 5 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo anterior, se: a) O destinatário da comunicação recusar a assinatura do original ou a receção do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, o advogado, solicitador ou agente de execução lavra nota do incidente e a comunicação considera-se efetuada no próprio dia face à certificação da ocorrência; b) Não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
Na decisão de primeira instância considerou-se que existia título executivo, não obstante a comunicação enviada à locatária ter sido devolvida com a menção «objeto não reclamado». No entanto, os Recorrentes sustentam que a comunicação só produziria efeito se fosse enviada nova carta, nos termos do disposto no nº 3 do art. 10º.
Vejamos então se a comunicação enviada à locatária obedecia às formalidades necessárias para se considerar válida para os efeitos do disposto no art. 14º-A, nº 1 do NRAU.
Tal como resulta dos autos, as cartas enviadas à locatária para o domicílio convencionado, foram devolvidas com a menção «objeto não reclamado».
Conforme resulta do art. 10º, nº 1 e nº 2 – b) do NRAU (redação dada pela Lei 43/2017, de 14 de junho, aplicável ao caso), quando a comunicação integre título para pagamento de rendas, encargos ou despesas, ainda que esta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou se o aviso de receção tiver sido assinado por outra pessoa, a lei dispensa o senhorio do envio de nova carta registada com aviso de receção, nos termos do nº 3 do art. 10º, quando exista domicílio convencionado.
No caso, existe domicílio convencionado, que é aquele que “é fixado pelas partes em contratos escritos para efeito de o eventual devedor ser procurado pelo credor ou por algum órgão judicial ou administrativo com vista ao cumprimento das obrigações deles decorrentes” (Salvador da Costa in A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6ª ed., pág. 56).
No entanto, no caso em apreço, a carta enviada ao locatário foi devolvida com a menção «objeto não reclamado» e não por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou tendo o aviso ter sido assinado por terceiro, não se enquadrando, pois, nos casos em que é dispensado o envio de nova comunicação.
A versão deste preceito anterior à alteração introduzida pela Lei nº 43/2017, de 14/06, previa ainda no seu nº 1 o caso de a carta vir devolvida por o destinatário não a ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, no entanto, tal trecho da norma foi eliminado pela Lei 43/2017, pretendendo-se assim que a comunicação chegue ao poder do destinatário, ainda que haja domicílio convencionado.
Assim, no caso de a carta não ter sido recebida pelo destinatário por este não a ter levantado nos serviços postais, o senhorio tem de enviar nova carta àquele, no prazo de 30 a 60 dias sobre o envio da primeira, tal como dispõe o nº 3 do art. 10º, considerando-se, neste caso a comunicação recebida no 10º dia posterior ao seu envio, ainda que a mesma venha (novamente) devolvida (v. nº 4 do art. 10º).
Deste modo, não tendo a senhoria enviado nova carta à arrendatária, tal como dispõe o mencionado nº 3, inexiste comunicação válida para a formação de título executivo, nos termos do preceituado no art. 14º-A do NRAU.
Consideram-se, pois, procedentes os embargos, determinando-se a extinção da execução (arts 726º, nº 2 – a) e 734º, do C. P. Civil).
Em face do que acima foi decidido, encontra-se prejudicado o conhecimento das restantes questões invocadas no recurso.
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Decisão:
Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedentes os embargos, revogando a decisão recorrida e determinando-se a extinção da execução.
Custas a cargo da Recorrida.
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Guimarães, 16 de novembro de 2023
Alexandra Rolim Mendes Joaquim Boavida Eva Almeida