ACIDENTE DE TRABALHO
CONDUÇÃO DE VEÍCULO
CONEXÃO COM A PRESTAÇÃO LABORAL
IPATH
FATOR DE BONIFICAÇÃO
Sumário

I - Em processo laboral, não é proibida a valoração do depoimento indirecto e as particulares razões que enformam o art. 129.º do CPP não têm paralelismo neste domínio.
II – O acidente sofrido pela A./sinistrada, quando conduzia o veículo que lhe foi disponibilizado pela empregadora, para o desempenho das suas funções de técnica comercial, actividade para que foi contratada, quando se dirigia para uma reunião com um cliente, dentro do seu horário de trabalho, após ter contactado a sua directora e na área geográfica que lhe foi atribuída, onde tinha ou procurava ter clientes e, em consequência, sofreu lesões, só pode ser qualificado como acidente de trabalho.
III - É de todo irrelevante, para que assim deixe de se considerar, que a sinistrada, antes do acidente, se tenha deslocado a uma clínica para tirar sangue, o que faz e de onde sai, antes do início do seu horário de trabalho, pois, sendo ela técnica comercial e o seu local de trabalho “disperso ou móvel”, acontecendo aquele, na área geográfica que lhe foi determinada, só pode ter-se por verificado que, existe uma ligação ao trabalho, isto é, uma conexão ou causalidade com a prestação laboral ou, pelo menos, com a relação laboral, não havendo qualquer quebra da conexão ou causalidade entre a sua verificação e a relação laboral.
IV - O exercício de uma profissão/trabalho habitual é caracterizado pela execução, e necessidade dessa execução, de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial dessa atividade profissional, não se podendo deixar de concluir que a sinistrada fica afectada de IPATH se as sequelas do acidente lhe permitem, apenas, desempenhar funções que não exigem deambulação, as quais não constituem a essência das funções exercidas (técnica comercial) nem são caracterizadoras dessa categoria.
V - Tratando-se embora a fixação de incapacidade de matéria sobre a qual o juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos, o laudo pericial não tem, todavia, força vinculativa obrigatória, estando sujeito à livre apreciação do julgador (arts. 389º do Cód. Civil e 489º do CPC/2013).
VI - A IPATH não é incompatível com a aplicação, ao coeficiente de IPP para o exercício de outro trabalho, do factor de bonificação de 1,5 previsto no nº 5, al. a), das Instruções da TNI.

Texto Integral

Proc. nº 9502/17.9T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de V.N. Gaia - Juiz 2

Recorrente: A... – Companhia de Seguros, SA
Recorrida: AA




Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto


I – RELATÓRIO
A A., AA, contribuinte fiscal n.º ...24, residente na Rua ..., ..., em Vila Nova de Gaia, intentou acção emergente de acidente de trabalho, contra A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pessoa coletiva n.º ...60, com sede no Edifício ..., ..., ... Lisboa, pedindo que deve a acção, “ser julgada provada e procedente e, por via disso:
a) Ser reconhecido o acidente de trabalho aqui em causa e o nexo de causalidade entre este e os danos sofridos – artigo 8.º da lei 98/2009;
b) Ser a R. condenada a pagar à A. a indemnização por ITA no montante de €46.454,37;
c) Ser a R. condenada a pagar à A. a pensão anual e vitalícia por IPP de 38,220% e IPA-AH, no montante de €18.135,42;
d) Ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de €107.664,90, correspondente ao valor da remissão parcial da pensão referida na alínea anterior.
e) Ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de €20.278,47, correspondente às despesas médicas, medicamentosas e de transporte que a A. teve de suportar em consequência do acidente de trabalho aqui em causa;
f) Ser a R. condenada a pagar à A. uma indemnização pelos danos patrimoniais futuros que esta venha a incorrer por força do acidente de trabalho de que foi vítima;
g) Tudo isto, acrescido dos juros legais.”.
Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que em 1 de Agosto de 2016, foi admitida ao serviço da B... - SUCURSAL EM PORTUGAL para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções de técnico comercial e no dia 27 de Junho de 2017, pelas 10 horas, quando, no exercício daquelas suas funções, se deslocava de Vila Nova de Gaia para o Porto para uma reunião marcada para as 10h30, com um cliente da B..., no Hospital ..., no Porto, na autoestrada A1, sentido sul-norte, junto à ..., na saída das ..., sofreu um acidente de viação.
Mais, alega que, em consequência direta e necessária do descrito acidente, resultaram para a mesma fortes dores na cavidade torácica, no esterno, no ombro esquerdo e na região do pescoço e cabeça, pelo que, se dirigiu às urgências do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho, onde deu entrada às 13h25 e, após a realização de vários exames, nomeadamente, RX ao tórax e grelha costal e RX ao externo, teve alta médica às 16h05. Contudo, uma vez que as dores e as queixas se mantinham, recorreu às consultas de vários médicos.
Alega, ainda, que na data do acidente, a sua entidade patronal havia transferido a totalidade da responsabilidade emergente de acidente de trabalho para a R., seguradora A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A, através da celebração de um contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...03.

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Citadas a R. e a Segurança Social, nos termos do disposto no art. 1º, nº 2 do Dl. 59/89, de 22.02., a primeira apresentou contestação, alegando, em síntese, que o acidente, uma colisão entre automóveis, se deu no regresso de uma deslocação da autora a uma clínica para realizar um exame e não quando estava no desempenho da sua actividade profissional, por isso, não aceita a qualificação do mesmo como sendo de trabalho e não aceita o resultado do exame médico efectuado na fase conciliatória.
Conclui que a, “ACÇÃO DEVERÁ SER JULGADA IMPROCEDENTE POR NÃO PROVADA, ABSOLVENDO-SE A RÉ DO PEDIDO.”.
Requer que a A. seja submetida a novo exame, por junta médica e juntou quesitos.
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Nos termos que constam a fls. 88 vº e ss., o Instituto da Segurança Social deduziu pedido de reembolso, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 1.471,56, respeitante ao período em que a A. esteve com baixa médica subsidiada de (11.05.2017 a 19.09.2017).
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A A., nos termos do requerimento junto, em 24.04.2020, exerceu o contraditório em relação à contestação da seguradora.
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Em 12.05.2020, foi proferido despacho saneador tabelar, fixados o objecto do processo, os factos assentes e temas de prova e ordenado o desdobramento do processo para organização do apenso para fixação da incapacidade para o trabalho.
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No processo apenso destinado à fixação da incapacidade para o trabalho, realizada a junta médica, decidiu-se:
“ Pelo exposto:
- fixa-se a incapacidade temporária absoluta num período total de 743 (setecentos e quarenta e três) dias (desde 28/6/2017 até 10/7/2019)
- fixa-se à sinistrada a incapacidade permanente parcial de 34,72% (trinta e quatro vírgula setenta e dois por cento) que poderá ser aumentada caso se venha a decidir que está também tem incapacidade permanente absoluta para ao trabalho habitual em conformidade com a TNI.
Notifique.”.
Com interesse para as questões a apreciar no recurso, lê-se na fundamentação daquela o seguinte: “Quanto à IPATH:
Recorde-se que a perícia do IML considerou que as sequelas são causa de incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional
Os peritos de otorrinolaringologia divergem. Os maioritários negaram a existência de IPATH. Embora em resposta ao pedido do tribunal para esclarecimentos, tenham escrito admitirem poder haver razões de ordem psiquiátrica que conduzam a semelhante incapacidade.
O perito indicado pela sinistrada defende que ela está com IPATH.
A solicitação do tribunal foi elaborado estudo do posto de trabalho realizado pelo IEFP, junto aos autos a 7/12/2021.
Porém, encontra-se controvertida no processo matéria de facto relativa às tarefas profissionais da sinistrada. Um dos temas de prova são as funções desempenhadas pela autora (artigos 5º a 9º e 13º da p.i.).
Ora, primeiramente é necessário determinar essas funções depois para se poder concluir se a sinistrada está ou não incapacitada para as desempenhar.
Logo, relega-se essa decisão para a sentença do processo principal.”.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, nos termos documentados nas actas de 14 e 17.02, 01.03 e 12.04.2023, foi proferida sentença que terminou com a seguinte: “Decisão
119. Julga-se a acção procedente e condena-se a ré A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. a reconhecer o acidente dos autos como de trabalho, bem como o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, e, consequentemente, vai condenada a pagar à Autora AA:
120. - a indemnização por incapacidade temporária absoluta no montante de 44.847,08€ (quarenta e quatro mil oitocentos e quarenta e sete euros e oito cêntimos);
121. - a pensão anual e vitalícia por IPP de 52,08% com IPATH, no montante de 19.007,53€ (dezanove mil e sete euros e cinquenta e três cêntimos) a remir em 30% (trinta por cento), actualizada nos anos de 2020, 2022 e 2023 nas percentagens de, respectivamente, 0,7 (zero vírgula sete), 1 (um) e 8,4 (oito vírgula quatro);
122. - 4.761,96€ (quatro mil setecentos e sessenta e um euros e noventa e seis cêntimos) de subsídio de elevada incapacidade.
123. - € 19.998,69 (dezanove mil novecentos e noventa e oito euros e sessenta e nove cêntimos), correspondente às despesas médicas e medicamentosas;
124. - condena-se a ré a pagar à A. uma indemnização pelos danos patrimoniais futuros que esta venha a incorrer por força do acidente de trabalho de que foi vítima e que sejam devidos à luz das regras da LAT.;
125. - condena-se a ré seguradora a pagar à autora juros de mora, à taxa legal, sobre a indemnização por incapacidade temporária absoluta em dívida e pensões pela incapacidade permanente desde os momentos dos respectivos vencimentos acima referidos e, sobre os demais valores, desde a citação
126. Custas a cargo da Seguradora – art. 527.º, 1, parte final do Código do Processo Civil.
127. Valor processual a determinar nos termos do artigo 120º do Código de Processo do Trabalho e na Portaria nº 11/2000, de 13/01, com base no capital de remição que se apurar, mais pensão sobrante, subsídio de elevada incapacidade, indemnização pela ITA e despesas médicas e medicamentosas.
128. Após trânsito, proceda ao cálculo do capital de remição – arts 149.º e 148.º, 3, do Código de Processo do Trabalho e 75º, 1, da Lei 98/2009, de 4/9.
129. Registe e notifique.”.
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Inconformada a Ré interpôs recurso, cujas alegações, juntas em 26.05.2023, terminou com as seguintes CONCLUSÕES:
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TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVERÁ SER JULGADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA NOS TERMOS ACIMA PETICIONADOS E, ASSIM, SE FAZENDO JUSTIÇA!”.
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Respondeu a A./recorrida, nos termos das contra-alegações juntas, em 26.06.2023, finalizando com as seguintes Conclusões:
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TERMOS EM QUE,
e nos demais que V. Exas. se dignarão suprir, devem as presentes contra-alegações ser julgadas procedentes e, em consequência, ser o recurso apresentado julgado totalmente improcedente, sendo confirmada a douta sentença recorrida
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.
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Admitida a apelação com efeito meramente devolutivo foi ordenada a remessa dos autos a esta Relação.
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Neste Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do art. 87º, nº 3, do CPT, dizendo acompanhar “as doutas e exaustivas contra-alegações, e respetivas conclusões, formuladas pela sinistrada AA – salvo na parte referente à ampliação da matéria de facto, que aí requer, por se nos afigurar desnecessária, em face da clareza da matéria de facto fixada na douta sentença recorrida, e na respetiva fundamentação”, no sentido de “que o recurso deve ser rejeitado quanto à matéria de facto atinente ao ponto 29 da matéria de facto provada, e improceder totalmente, confirmando-se a douta sentença recorrida”, no essencial, porque “7. Quanto à matéria de facto impugnada, e tal como a recorrida, entendemos desde logo, e em breve síntese, que a recorrente não deu cumprimento ao ónus previsto no art.º 640.º, n.º 2, al. a), do CPC - segundo o qual estava obrigada “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso”.
Acontece que a recorrente, nesta parte, limita-se a tecer considerações genéricas sobre o alegado “depoimento indireto” da testemunha BB, sem sequer o transcrever, e sem indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, ignorando, assim, as exigências daquele artigo 640.º, n.º 2, alínea a) – o que implica a rejeição imediata do recurso da matéria de facto, quanto ao referido ponto 29 (Feita a recolha, a autora deslocou-se a uma cafeteria onde tomou o pequeno-almoço e fez uma chamada telefónica para a diretora de recursos humanos da sua empresa).
Assim tem entendido uniformemente a jurisprudência – de que é exemplo o Acórdão do STJ de 21/03/2019, também citado pela recorrida.
Pelo exposto, deverá ser rejeitado o recurso quanto à impugnação do referido ponto 29 da matéria de facto.
7. E quanto ao impugnado ponto 32 da matéria de facto (As sequelas da autora impedem-na (a sinistada) de realizar as tarefas profissionais que implicam deambulação) importa frisar que este foi corretamente julgado provado, com base no resultado das perícias médicas e seus esclarecimentos, competentemente apreciados pelo julgador, conforme este esclarece nos seguintes pontos da sentença:
“49. A prova das sequelas do acidente é que decorre das perícias médicas feitas no apenso para fixação da incapacidade. Consideraram-se as respostas dos peritos das juntas médicas de psiquiatria e dos peritos maioritários de otorrinolaringologia. Em audiência, os peritos prestaram esclarecimentos mantendo as suas conclusões.
50. A testemunha CC, médico de ORL, fez parte da equipa, que incluía ainda o perito DD, que operou a autora em 3/10/2018 por suspeita (aí confirmada) de fístula perilinfática no ouvido direito.
51. A testemunha descreveu o modo como se deparou com a autora (após o acidente) em cadeira de rodas. Pensou que estava mal diagnosticada e depois de estudar a questão e com a suspeita da fístula avançou para a cirurgia. Suspeita que lhe acudiu ao espírito por ter visto a filmagem no Youtube (que exibiu na audiência) de um caso com semelhanças
52. Num primeiro momento, a autora caminhou alguns passos sem apoios como se viu num vídeo filmado no hospital quatro dias depois da operação. Mas depois passou a caminhar apoiada num andarilho como actualmente faz.
53. Esta testemunha atribui as dificuldades funcionais actuais da autora à conjugação das sequelas psiquiátricas e das que afectam o sistema auditivo. No que estão de acordo os peritos de psiquiatria. Apesar de analisadas separadamente, os problemas do ouvido e de psiquiatria estão interligados. Por exemplo, o psiquiatra EE disse que a autora não conduz por causa das vertigens e também por medo de ter vertigens (a depressão aumenta a insegurança).
54. Voltando, à fístula perilinfática, como lesão causada pelo acidente, ela não foi acolhida pelos peritos maioritários. Como o reafirmaram nos esclarecimentos prestados na audiência. E é ao seu parecer que o tribunal aderiu como está expresso na decisão do apenso para fixação da incapacidade.
55. Com a adesão ao parecer maioritário da junta médica de ORL, deu-se como provado que a autora não consegue exercer as tarefas profissionais que impliquem deambulação”.
Por isso, deverá ser julgada improcedente a alegada impugnação do ponto 29 da matéria de facto.
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8. Aqui chegados, e mantendo-se integralmente a faticidade provada na douta sentença recorrida, em nosso modesto parecer, e salvo melhor opinião, não haverá necessidade de ampliação da matéria de facto nos termos propostos pela recorrida, para que sejam confirmados os direitos decorrentes do acidente de trabalho que a vitimou e que lhe foram reconhecidos naquela douta sentença.
De facto, e como dela consta, não há controvérsia relativamente à verificação do acidente de viação que vitimou a recorrida e que lhe causou incapacidades. E também se privou que o acidente ocorreu dentro do horário e no período normal de trabalho, bem como no local de trabalho que estava amplamente previsto no seu contrato de trabalho – cf.r pontos 65 a 75 da sentença – tratando-se de um típico acidente de trabalho previsto no art.º 8.º, n.ºs 1 e 2, al.s a) e b), da LAT.
9. Por outro lado, a recorrida ficou afetada de IPP de 34,72%, com incapacidade permanente absoluta para exercício da profissão habitual (IPATH), pois o exercício das suas tarefas exige deambulação – cf.r pontos 84 a 92 da sentença.
Por isso, e contrariamente à tese da recorrente, a IPP de que padece a recorrente é sujeita à bonificação de 1,5, prevista no n.º 5, al. a) das Instruções Gerais da TNI – por não ser reconvertível no seu posto de trabalho, que exige deambulação – passando a IPP a ser de 52,08%, com IPATH - cf.r pontos 93 a 95 da sentença.
10. Por isso, tem a sinistrada/recorrida direito à pensão anual e vitalícia calculada com base nesta incapacidade, e às outras prestações decorrentes do acidente de trabalho que lhe foram fixadas na douta sentença recorrida.”
Notificadas as partes, respondeu a recorrente dizendo que, diverge do parecer do Ministério Público, cujo entendimento não deverá ser acolhido, “relativamente à defesa da rejeição do recurso quanto à matéria de facto constante do ponto 29 (matéria de facto provada) nos termos expostos e, quanto à improcedência sufragada, nos termos constantes das alegações apresentadas, para as quais se remete,…”.
No essencial, por considerar que, “mal andou o Tribunal a quo ao considerar provada tal factualidade, com base num testemunho indirecto do pai da Autora, podendo o mesmo ser confirmado (ou não) pela testemunha que alegadamente teve dele conhecimento directo, inexistindo respaldo em qualquer outro meio de prova.
Não obstante situarmo-nos no âmbito da livre apreciação da prova, a verdade é que a valoração do depoimento indirecto tem de atender às singularidades do caso, o que, manifestamente, não sucedeu no caso em apreço, porquanto, se as tivesse considerado, o Tribunal a quo não valorizaria o depoimento indirecto do pai da Autora nem poderia dar como provada aquela factualidade (que não teve respaldo em qualquer outro meio de prova).
Portanto, respondendo ao Parecer do Ministério Público, não se impunha indicar com exactidão as passagens da gravação, porque a factualidade em questão (que o pai da Autora tenha referido que a também testemunha (prescindida) FF lhe dissera ter contactado telefonicamente a Autora) não é posta em causa pela Recorrente.
O que a Recorrente coloca em questão é a decisão do Tribunal a quo valorar o depoimento de BB, por este ser um depoimento indirecto, que não tendo sido valorado pelas razões expostas, impunha uma decisão sobre o referido ponto de facto diversa da recorrida.
Por outro lado, a honestidade intelectual impõe verificar que a natureza indirecta do depoimento de BB decorre da fundamentação da sentença, conforme ponto 46 transcrito supra, não devendo, por isso, ser questionada.”.
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Após despacho da relatora, foi fixado à acção o valor de €176.589,73.
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Cumpridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigo 87º do CPT e artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 639º, nºs 1 e 2 e 640º, do CPC (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho) e importando conhecer de questões e não de razões ou fundamentos, as questões a decidir e apreciar consistem em saber se, o Tribunal “a quo” errou:
- quanto aos pontos de facto impugnados (29 (2.ª parte) e 32), da matéria de facto provada;
- na decisão de direito ao qualificar o acidente sofrido pela A. como de trabalho;
- ao decidir que a autora ficou com IPATH e que deve beneficiar do factor de bonificação de 1,5.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
A) Os Factos
O Tribunal “a quo” considerou o seguinte:
Factos provados
Admitidos por acordo (conforme despacho de 7/5/2020)
9. A Autora nasceu em .../.../1984.
10. Por contrato de trabalho celebrado em 1 de agosto de 2016, a A. foi admitida ao serviço da B... - SUCURSAL EM PORTUGAL (ao diante apenas por B...) para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções de técnico comercial, conforme resulta do contrato de trabalho junto como doc. nº 1 à p.i.
11. Segundo o contrato, “este trabalho requer mobilidade geográfica internacional”.
12. A cláusula quarta do contrato com a epígrafe “Local de trabalho” estipula que a autora desempenhará as suas funções num dos estabelecimentos da empregadora, em funcionamento ou em actividade à data da celebração do contrato e na área geográfica que lhe for determinada, sendo definido como local de trabalho predominante o estabelecimento sito em Coimbra, na Av. ...., ....
13. O contrato prevê na cláusula quinta como período normal de trabalho e horário de trabalho da A., 8 horas diárias e 40 horas semanais, distribuídas por cinco dias por semana, de segunda a sexta-feira, entre as 9.00 horas e as 18.00 horas, com intervalo de descanso entre as 13.00 horas e as 14.00 horas de cada dia.
14. A retribuição anual da A. foi fixada em € 31.461,08 (€2.247,22 x 14 meses), cuja responsabilidade foi transmitida para a Ré através da apólice de seguros nº ...03, em vigor à data do acidente.
15. No dia 27 de Junho de 2017, na autoestrada A1, sentido sul/norte, junto à ..., na saída das ..., a A. sofreu um acidente de viação., no qual foram intervenientes a viatura Peugeot 208, com a matrícula ..-RS-.., conduzido pela A e o veículo de marca Peugeot 407 com a matrícula ..-BR-...
16. O acidente ocorreu quando a A. se encontrava a circular na faixa mais à esquerda e foi surpreendida com uma travagem brusca do veículo que circulava imediatamente à sua frente, o identificado Peugeot 407, não conseguindo a A imobilizar o veículo automóvel por si conduzido, acabou por embater com a frente da sua viatura na traseira do aludido Peugeot 407.
17. A Autora foi assistida pelos serviços clínicos da Ré tendo tido alta administrativa em 12 de setembro de 2017.
18. A Ré pagou à A. uma indemnização por incapacidade temporária correspondente a 29 dias no montante de € 1611,89.
Dos temas de prova
19. A A. foi contratada para desempenhar as funções de comercial na área geográfica do norte de Portugal e parte de Espanha.
20. Os produtos comercializados são implantes cocleares.
21. A autora deslocava-se à sede da sua entidade patronal, em Coimbra, uma vez por semana, para reuniões de calendarização da sua atividade e definição de estratégias comerciais.
22. Na sua atividade profissional, deslocava-se e visitava hospitais e clinicas, localizados na área geográfica que lhe tinha sido atribuída, onde tinha ou procurava ter clientes.
23. Para a sua atividade profissional, a entidade empregadora da A. atribuiu-lhe um computador portátil e um telemóvel e disponibilizou-lhe automóvel.
24. A autora não tinha instalações para trabalhar.
25. Era frequente que, antes ou depois das visitas, a A. tivesse que usar diversos locais para efectuar contactos e preparar as visitas, nomeadamente, cafés, restaurantes, centros comerciais e salas de espera dos hospitais e clinicas.
26. Na sua actividade profissional, designadamente, a autora:
- Planifica o trabalho a efectuar em função da carteira de clientes, nomeadamente, programa as diversas visitas;
- Informa-se sobre as características dos diversos produtos a comercializar - no caso presente, produtos de audiologia (implantes cocleares);
- Estabelece contactos com clientes, apresenta-lhes catálogos, ou outro tipo de informação, técnica e comercial, para melhor conhecimento dos produtos;
- Avalia as necessidades dos diversos clientes quanto aos equipamentos mais adequados a adquirir (ou ao tipo de serviços de manutenção), propondo tipos e quantidades, assim como preços e modalidades de pagamento, da forma mais satisfatória para os mesmos;
- Recolhe os pedidos, registando-os em notas de encomenda, para posterior facturação;
- Realiza a prospeção de novos cliente, deslocando-se presencialmente aos locais, a maior parte em contexto hospitalar e também em clínicas;
- Conduz um veículo automóvel ligeiro
- Procede, com a força de ambos os braços e a ajuda de outras partes do corpo, ao carregamento e descarregamento das cargas transportadas (implantes, computador portátil, dossiês de documentação de natureza técnica, comercial e financeira);
- Efectua provas pré-operatórias, colocando sondas em miniatura no canal auditivo dos pacientes.
- Realiza exames audiológicos em computador;
- Dá apoio ao pessoal médico no bloco operatório à colocação dos implantes.
- Faz o seguimento dos pacientes em pós-operatório para “afinação” do implante.
27. O acidente ocorreu às 9h50 quando a autora se deslocava para o Porto para uma reunião, marcada para as 10h30, com um cliente da B..., no Hospital ....
28. A autora vinha de uma clínica em Espinho onde, entre as 8h40 e as 9h00, fizera recolha de sangue para as análises prévias a uma endoscopia.
29. Feita a recolha, a autora deslocou-se a uma cafetaria onde tomou o pequeno-almoço e fez uma chamada telefónica para a directora de recursos humanos da sua empresa.
30. Como sequelas do acidente, a autora ficou a padecer de vertigens, acufeno, anosmia e reacção depressiva prolongada.
31. Ficou com uma incapacidade permanente parcial de 34,72% (trinta e quatro vírgula setenta e dois por cento).
32. As sequelas da autora impedem-na de realizar as tarefas profissionais que implicam deambulação.
33. A sinistrada esteve com incapacidade temporária absoluta num período total de 743 (setecentos e quarenta e três) dias (desde 28/6/2017 até 10/7/2019)
34. Por causa das lesões sofridas com o acidente, a A. teve de suportar despesas médicas e medicamentosas na quantia global de € 19.854,69.
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Factos não provados
35. O acidente ocorreu depois da autora preparar e organizar a visita a efetuar ao seu cliente no Hospital ..., no Porto, num café, utilizando o seu telemóvel e o seu respetivo computador portátil, isto é, após proceder ao agendamento de visitas aos clientes da sua entidade patronal, a A. deu início à sua viagem para o Hospital ..., para dar cumprimento à agendada reunião para as 10h30, tudo conforme calendarização previamente definida com o cliente.
36. A autora teve gastos com deslocações ao gabinete médico-legal no Porto e a este tribunal.”.
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B) O DIREITO
- Impugnação da decisão de facto, relativamente aos pontos (29 (2.ª parte) e 32), da matéria de facto provada.
Como decorre da factualidade supra transcrita, naquele primeiro ponto, o Tribunal “a quo” deu como provado: “29. Feita a recolha, a autora deslocou-se a uma cafetaria onde tomou o pequeno-almoço e fez uma chamada telefónica para a diretora de recursos humanos da sua empresa.
E, relativamente à parte final do mesmo facto 29, o Tribunal “a quo”, na motivação da decisão de facto, deixou consignado o seguinte: “Apenas se provou que, então, a autora falou telefonicamente com a Diretora de recursos humanos da sua empresa (em Espanha), FF, porque tal foi sabido pelo pai da autora através da dita FF”.
No que a este respeita, insurge-se a recorrente defendendo que, a parte final do facto 29 deve ser dado como não provado, porque segundo alega, “O tribunal a quo fundamentou a resposta dada ao ponto 29 (2.ª parte) no depoimento do pai da autora, a testemunha BB.... tal depoimento não deveria ter sido valorado e, consequentemente, aquela factualidade deveria ter sido respondida – NÃO PROVADO.”.
E, prossegue: “A atendibilidade do depoimento indireto em processo civil depende, designadamente, da sua concreta relevância, decorrente dos demais meios de prova, da livre apreciação da prova, conjugada com as regras da experiência. É da articulação entre a fiabilidade/credibilidade e razão de ciência da testemunha que resulta o convencimento do julgador no sentido de estar (ou não) atingido o nível de segurança bastante, adequado à razoável probabilidade, da ocorrência do facto. Naturalmente que o pai da Autora tem um interesse direto no desfecho da causa, estão em discussão os interesses da sua filha, em ver reconhecido como de trabalho o acidente em que interveio e, consequentemente, o recebimento duma indemnização..... importa salientar que a Autora arrolou como testemunha, a pessoa a quem o seu pai ouviu dizer, a Diretora de recursos humanos da empresa, FF, mas prescindiu do seu depoimento. Daqui resulta que a prova poderia ser feita diretamente, mas a Autora assim não entendeu. Ou seja, a Autora tinha forma de demonstrar a factualidade em apreço, de forma direta, mas, deliberadamente, abdicou dessa possibilidade. O que temos, então, é um depoimento indireto do pai da Autora sobre um facto que poderia ter sido relatado por quem tinha conhecimento direto sobre o mesmo.”, concluindo: “Ora, no caso do facto constante do ponto 29 (segunda parte) relativo ao contacto telefónico entre a Autora e a Diretora de recursos humanos da empresa, não há respaldo desta factualidade em qualquer outro meio probatório – de salientar que nem a Autora o referiu. Assim, mal andou o Tribunal a quo ao considerar provada tal factualidade, com base num testemunho indirecto do pai da Autora, podendo o mesmo ser confirmado (ou não) pela testemunha que alegadamente teve dele conhecimento direto, inexistindo respaldo em qualquer outro meio de prova.”.
Que dizer?
Desde logo, previamente, que não tinha a recorrente, como bem defende, que dar cumprimento ao disposto no art. 640º do CPC, na medida que não coloca em causa o depoimento do pai da Autora, mas, antes a sua valoração pelo Tribunal “a quo”, por se tratar de depoimento indireto.
Assim, avancemos então.
Como se lê no (Acórdão desta Relação, de 15.12.2021, Proc. nº 67/19.8GBBAO.P1, in www.dgsi.pt – lugar da internet onde se encontram todos os demais acórdãos a seguir citados, sem outra indicação) “no âmbito do testemunho indireto «a testemunha refere meios de prova, aquilo de que se apercebeu foi de outros meios de prova relativos aos factos, não imediatamente dos próprios factos» ….«é o vulgarmente designado testemunho de ouvir dizer. O Prof. Costa Pinto nos elucida no sentido de que «o depoimento indireto consiste na revelação processual de factos que não foram objeto do conhecimento direto da testemunha que os descreve, tendo antes origem numa informação que lhe foi transmitida por outra pessoa». Assim, a regra é que o testemunho indireto só serve para indicar outro meio de prova direto…”.
E como decidido pelo STJ, no (Acórdão de 05.07.2018, Proc. nº 97/12.0TBPV.L2.S1) o depoimento indireto é admissível em processo civil em termos diversos do estabelecido no CPP, como passamos a citar: “Em processo civil, não é proibida a valoração do depoimento indirecto e as particulares razões que enformam o art. 129.º do CPP não têm paralelismo neste domínio (no qual impera o princípio dispositivo), sendo certo, em todo o caso, que a falta de convocação daquele a quem se ouviu dizer consubstanciaria mera nulidade processual a arguir em devido tempo pelo interessado.”.
Mais, acrescenta na sua fundamentação que, “«(…), contrariamente ao processo penal, em que o depoimento indireto é admitido em circunstâncias restritas (cfr. art.º 129.º do CPP: 1 - Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas. 2 - O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar da leitura de documento de autoria de pessoa diversa da testemunha. 3 - Não pode, em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através das quais tomou conhecimento dos factos.), em processo civil não existem limitações à admissão de depoimentos indiretos, cuja força probatória será apreciada livremente pelo tribunal (art.º396.º do Código Civil [CPC] – vide, v.g., acórdãos da Relação de Guimarães, de 26.01.2012, processo 373/11.0TCGMR-C.G1; da Relação de Lisboa, de 11.01.2011, processo 152/09.4TBPDL.L1-7 e da Relação de Lisboa, de 22.5.2014, processo 3069/06.0TBALM.L2-2, citados pela apelada)”.
E, acrescenta, ainda: “Ao contrário do que sucede em processo penal, não existe, entre nós, norma que proíba em processo civil o testemunho de «ouvir dizer».
Em processo civil são admissíveis tanto as provas diretas, também chamadas de «primeira mão», entre as quais se inclui o depoimento de testemunha presencial ou com conhecimento pessoal e direto dos factos, como as provas indiretas ou provas de «segunda mão» (cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, pág. 307)”.
Regressando ao caso, do que consta no teor da fundamentação à matéria de facto, pode-se afirmar estarmos perante um depoimento indirecto já que o pai da Autora referiu que a Directora lhe comunicou que tinha falado com a Autora ao telefone. Ou seja, o pai da Autora descreveu o que a Directora o informou: que a sua filha tinha falado com aquela (a Directora) ao telefone, a significar que não teve conhecimento diretco do telefonema feito pela sua filha à Directora mas tão só através desta. Por outras palavras: o depoimento do pai da Autora traduz-se num "diz que disse determinada pessoa".
E como valorar tal depoimento?
A recorrente refere que a Directora da Autora foi arrolada como testemunha mas que posteriormente foi prescindida, (o que se confirma, na sessão de julgamento de dia 01.03.2023, aconteceu) ou seja, a Autora prescindiu de fazer a prova de tal facto de modo directo, o que retira relevância ao dito depoimento indirecto até porque não está sustentado em outro qualquer meio de prova para além do depoimento do pai da Autora.
No entanto, diremos que o facto da Autora ter prescindido do depoimento da Directora não tem implicações, como teria em sede de Processo Penal, no que respeita à valoração do depoimento do pai da Autora.
Na verdade, e apreciando o Tribunal livre e criticamente toda a prova, a sua convicção formou-se com base nesse depoimento indirecto, o que não merece qualquer censura por parte deste Tribunal, já que não se trata de prova proibida.
Deste modo, e com tais fundamentos, concluímos que a matéria em causa se deve manter inalterada.
E, deste modo, fica prejudicado o conhecimento da requerida ampliação do recurso em sede de matéria de facto formulado pela Autora, (veja-se conclusão 25 das contra-alegações).
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Passemos à análise do ponto 32, onde o Tribunal de 1ª instância deu como provado: “32. As sequelas da autora impedem-na de realizar as tarefas profissionais que implicam deambulação”.
Quanto ao mesmo, consta da fundamentação a tal matéria o seguinte, “Com a adesão ao parecer maioritário da junta médica de ORL, deu-se como provado que a autora não consegue exercer as tarefas profissionais que impliquem deambulação”.
A recorrente pretende que tal factualidade seja considerada não provada argumentando que em face dos esclarecimentos prestados pelos Peritos Médicos deve concluir-se que a Autora pode realizar aquelas tarefas, que não requerem deambulação, mas dali não se retira que a Autora não possa realizar as tarefas que requeiram deambulação. A Autora pode conseguir realizar uma tarefas – as que não requerem deambulação – sem esforço acrescido e relativamente às que requerem deambulação poder realiza-las com esforço acrescido. Só esta leitura do esclarecimento dos peritos é que se enquadra com a não atribuição da IPATH. Ou seja, o Tribunal a quo não deveria ter inferido, do esclarecimento dos peritos, que se tratarmos de tarefas que requeiram deambulação, a Autora está impedida. Esta ideia não resulta do esclarecimento nem sequer se compagina com o facto de os peritos não terem atribuído IPATH à Autora. Este esclarecimento, sendo resposta à pergunta do Tribunal por que razão as sequelas apresentadas pela Autora não são causa de IPATH, e devendo ler-se As sequelas apresentadas pela Autora não são causa de IPATH, porque a Autora pode executar algumas das tarefas descritas no relatório do IEFP, nomeadamente as que não requerem deambulação, não permitia que o Tribunal a quo considerasse provado o facto as sequelas da Autora impedem-na de realizar as tarefas profissionais que implicam deambulação, não permite a conclusão retirada pelo Tribunal a quo. Face a isso, conclui, “Nos termos expostos…
Por se entender que os esclarecimentos dos peritos não permitem concluir no sentido em que o fez o Tribunal, entende-se que a factualidade constante do Ponto 32 (as sequelas da Autora impedem-na de realizar as tarefas profissionais que implicam deambulação), deveria ser decidida NÃO PROVADA.”.

Os meios de prova indicados pela recorrente, para sustentar a sua pretensão, são o parecer da junta médica de ORL, conjugado com os esclarecimentos prestados pelos Peritos Médicos, ou seja, prova documental.
Por isso, não indicando a recorrente depoimentos gravados, concluímos que se mostra dado cumprimento aos ónus de impugnação da matéria de facto previstos no art. 640º do CPC, ao contrário do que considera a recorrida.
Vejamos.
Cumpre aqui transcrever, na parte que obteve vencimento, o laudo médico:



Ora, o afirmado pelos senhores peritos é que a sinistrada pode efetuar algumas tarefas da sua profissão, sobretudo, mormente, designadamente, especialmente, principalmente, as que não requerem deambulação (os senhores peritos quando empregaram o advérbio “nomeadamente” pretenderam destacar, especificar ou pormenorizar informação, ou seja, que as tarefas “permitidas” à sinistrada seriam as que não requeriam deambulação). E por poder efetuar algumas tarefas, as que não requerem deambulação, é que consideraram que a sinistrada não estava afetada de IPATH.
Deste modo, a matéria constante do facto 32 não nos merece qualquer reparo, na medida em que traduz o que os senhores peritos maioritários afirmaram e concluíram no laudo, sendo que, e pelos fundamentos ora descritos, não acompanhamos a posição defendida pela recorrente de que o laudo maioritário não permite sustentar a matéria impugnada.
Improcede, assim, esta questão da apelação, mantendo-se inalterada a factualidade dada por assente na sentença recorrida e supra transcrita.
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Passemos, à questão de saber, se o acidente sofrido pela Autora é um acidente de trabalho.
A 1ª instância entendeu que o acidente que se aprecia nos autos, é qualificável como acidente de trabalho desenvolvendo, para tanto, a seguinte fundamentação: “…Não há controvérsia relativamente à verificação do acidente de viação que vitimou a autora e que lhe causou incapacidades. Discutível é saber se sucedeu no tempo e no local de trabalho conforme estabelecido no art. 8º ou nas situações mencionadas no art. 9º.
Que o foi no tempo de trabalho, pode responder-se com segurança que sim. Como se provou, o contrato de trabalho da autora prevê 8 horas diárias e 40 horas semanais, distribuídas por cinco dias por semana, de segunda a sexta-feira, entre as 9.00 horas e as 18.00 horas, com intervalo de descanso entre as 13.00 horas e as 14.00 horas de cada dia. O acidente aconteceu às 9h50 de uma terça-feira: Portanto, dentro do horário e do período normal de trabalho.
Quanto ao local de trabalho, a propósito do art. 8º, diz Maria do Rosário Palma Ramalho, “Tratado de Direito do Trabalho – Parte II Situações Laborais Individuais”, 8ª edição, Livraria Almedina, p. 808: “Para este efeito, a lei utiliza um conceito amplo de local de trabalho (…). Deste modo, o critério geográfico conjuga-se com um critério de autoridade, que faz apelo ao controlo do empregador sobre o trabalhador na delimitação do acidente de trabalho. Esta noção ampla de local de trabalho permite cobrir não apenas as situações laborais comuns, como também as situações, oportunamente apreciadas em que o local de trabalho é disperso ou móvel”. O caso da autora enquadra-se nesta última hipótese. Ela é técnica comercial.
No contrato consta que a autora desempenhará as suas funções num dos estabelecimentos da empregadora, em funcionamento ou em actividade à data da celebração do contrato e na área geográfica que lhe for determinada, sendo definido como local de trabalho predominante o estabelecimento sito em Coimbra, na Av. ...., .... A área geográfica que lhe foi determinada é o Norte de Portugal e parte de Espanha. A colisão dos veículos foi na A1, junto da saída para as ..., portanto, Município de Vila Nova de Gaia: Norte de Portugal. A autora deslocava-se então para o Porto para uma reunião, marcada para as 10h30, com um cliente da B..., no Hospital ....
Certo que a autora vinha de uma clínica em Espinho aonde se deslocara para recolha de sangue para análises. Mas já de lá saíra às 9h00. Início do seu horário de trabalho. E aquando do sinistro estava na área geográfica atribuída. Pelo que se pode concluir que a autora, geograficamente, estava no seu local de trabalho e sob o controlo da sua empregadora. E também no tempo de trabalho. Pelo que o acidente de viação foi simultaneamente um acidente de trabalho (fim de citação – sublinhado nosso).
A recorrente discorda da sentença, dizendo: “o Tribunal a quo desatendeu à circunstância de a Autora, aquando do acidente, estar de regresso de uma Clínica em Espinho, aonde se deslocara para recolha de sangue para análises, porquanto saíra da Clínica às 09:00 (hora do início do horário de trabalho). Aquando do acidente, a Autora realizava a viagem de regresso de Espinho, onde esteve a tratar de assuntos pessoais. Esta deslocação a Espinho, para fazer análises agendadas não era uma atividade relacionada com a sua atividade de técnica comercial, nem uma atividade ordenada pela entidade patronal. Esta deslocação pressupõe ida e volta e o acidente ocorre no regresso. O regresso dessa deslocação pessoal insere-se no âmbito dessa tarefa pessoal em que consistiu a realização das análises. Em suma, quando o acidente ocorreu, a Autora regressava de uma deslocação pessoal, alheia às funções que exercia. Nesta medida, considera-se que não há relação entre o trabalho e o acidente, não podendo este beneficiar da tutela própria dos acidentes de trabalho. A questão que se coloca é: não fosse a deslocação a Espinho para fazer analises, a Autora teria este acidente? A resposta é inequivocamente negativa. O acidente em concreto só ocorreu no contexto da viagem de regresso de Espinho. Se a Autora tivesse saído de casa para trabalhar, deslocando-se para o Porto a fim de participar na reunião agendada para as 10.30 h, o acidente não era necessariamente o que nos ocupa. A Autora até poderia ter intervindo num acidente, mas não era seguramente o que tratamos nos autos, às 09:50 h, junto à saída das ... e com o veículo de matrícula ..-BR-... A resposta a esta pergunta clarifica a questão de saber se este deve ou não ser classificado como acidente de trabalho, concluindo-se que não. Acresce que não resultou demonstrada qualquer manifestação de autoridade pela entidade empregadora, na viagem de regresso da Autora de uma deslocação pessoal. O que se retira dos factos provados é que a deslocação da Autora a Espinho, a uma clínica para fazer análises, foi uma decisão estritamente pessoal, voluntária e espontânea. Não tendo decorrido no local de trabalho, mas ainda que se considerasse que a viagem era de ida para o local de trabalho (...), também a extensão do conceito, prevista pelo art. 9º, nºs 1 e 2 da LAT, não abrange a situação dos autos. Como vimos, o início da viagem dá-se em Espinho, aonde a Autora se deslocou por motivos pessoais. Também não logra aplicação a previsão do n.º 3 do referido artigo 9.º da LAT, porquanto a deslocação a Espinho para tratar de questões pessoais não configura qualquer interrupção ou desvio. Assim, também por via da extensão do conceito de acidente de trabalho, prevista no artigo 9.º da LAT, o acidente dos autos não reúne as condições legalmente estabelecidas para ser considerado acidente de trabalho.”.
Que dizer?
Desde já, que a recorrente não tem razão.
Concordamos com a sentença recorrida.
Justificando.
Nos termos do art. 8º da LAT, (Lei 98/2009, de 4/9), seu nº1, “É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal…”.
E nos termos do nº2 do mesmo artigo, “Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:
a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo do empregador;
b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em atos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em atos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho além do período normal de trabalho”.
Tendo em conta a matéria de facto dada como provada e relativa ao modo como a Autora exercia as suas funções e ainda as circunstâncias em que ocorreu o acidente -(O contrato da Autora prevê na cláusula quinta como período normal de trabalho e horário de trabalho da A., 8 horas diárias e 40 horas semanais, distribuídas por cinco dias por semana, de segunda a sexta-feira, entre as 9.00 horas e as 18.00 horas, com intervalo de descanso entre as 13.00 horas e as 14.00 horas de cada dia. A A. foi contratada para desempenhar as funções de comercial na área geográfica do norte de Portugal e parte de Espanha. A autora deslocava-se à sede da sua entidade patronal, em Coimbra, uma vez por semana, para reuniões de calendarização da sua atividade e definição de estratégias comerciais. Na sua atividade profissional, deslocava-se e visitava hospitais e clínicas, localizados na área geográfica que lhe tinha sido atribuída, onde tinha ou procurava ter clientes. Para a sua atividade profissional, a entidade empregadora da A. atribuiu-lhe um computador portátil e um telemóvel e disponibilizou-lhe automóvel. A autora não tinha instalações para trabalhar. Era frequente que, antes ou depois das visitas, a A. tivesse que usar diversos locais para efetuar contactos e preparar as visitas, nomeadamente, cafés, restaurantes, centros comerciais e salas de espera dos hospitais e clínicas. O acidente ocorreu às 9h50 quando a autora se deslocava para o Porto para uma reunião, marcada para as 10h30, com um cliente da B..., no Hospital .... A autora vinha de uma clínica em Espinho onde, entre as 8h40 e as 9h00, fizera recolha de sangue para as análises prévias a uma endoscopia. Feita a recolha, a autora deslocou-se a uma cafetaria onde tomou o pequeno-almoço e fez uma chamada telefónica para a diretora de recursos humanos da sua empresa.) - podemos afirmar estar-se perante um acidente de trabalho pois, tal como o considerou o Mº Juiz “a quo”, o mesmo verificou-se no tempo e no local de trabalho, ou seja, no horário de trabalho da sinistrada e quando a mesma se dirigia para o Hospital ..., onde aí a esperava um cliente da B.... Igualmente a matéria de facto provada – acima transcrita – permite concluir que quando se deu o acidente a sinistrada se deslocava ao serviço da sua empregadora.
Para o caso, e salvo melhor opinião, ao contrário do que considera a recorrente, não é relevante o facto de a sinistrada se ter deslocado a uma clínica para tirar sangue, pois que, como se provou, o fez fora do seu horário de trabalho.
Na verdade, o acidente ocorre quando ela já está a dirigir-se para o cliente, dentro do seu horário de trabalho e após ter contactado a sua directora.
Assim sendo, como havíamos antecipado, acompanhamos a decisão recorrida quando concluiu que o acidente é acidente de trabalho.
E, em consequência, improcede também esta questão da apelação.
*

Por último, analisemos a questão de saber, se a autora ficou com IPATH e se deve beneficiar do fator de bonificação de 1,5.
Comecemos pela transcrição do que a este propósito consta da sentença recorrida: “…, em esclarecimentos prestados em 14/9/2022 “os peritos do tribunal e da seguradora consideram que do ponto de vista ortorrinolaringológico a sinistrada pode executar algumas tarefas descritas no relatório do IEFP, nomeadamente as que não requerem deambulação. Porém, os peritos admitem que possa existir adicionalmente motivos de ordem psiquiátrica que justifiquem a incapacidade absoluta para o trabalho, o que não se verificou em junta médica dessa especialidade constante nas páginas 125 e 126 dos autos”. Em suma, os peritos maioritários consideram que a sinistrada pode desempenhar as tarefas que não exigem deambulação. Ora, o essencial das suas tarefas exige deambulação. Repare-se que a sinistrada não tem instalações de trabalho. Na sua atividade profissional, desloca-se e visita hospitais e clínicas, localizados na área geográfica que lhe tinha sido atribuída, onde tinha ou procurava ter clientes.
Era frequente que, antes ou depois das visitas, a A. tivesse que usar diversos locais para efetuar contactos e preparar as visitas, nomeadamente, cafés, restaurantes, centros comerciais e salas de espera dos hospitais e clínicas. Realiza a prospeção de novos clientes, deslocando-se presencialmente aos locais, a maior parte em contexto hospitalar e também em clínicas; Conduz um veículo automóvel ligeiro Procede, com a força de ambos os braços e a ajuda de outras partes do corpo, ao carregamento e descarregamento das cargas transportadas (implantes, computador portátil, dossiês de documentação de natureza técnica, comercial e financeira); Efetua provas pré-operatórias, colocando sondas em miniatura no canal auditivo dos pacientes. Realiza exames audiológicos em computador; Dá apoio ao pessoal médico no bloco operatório à colocação dos implantes. Faz o seguimento dos pacientes em pós-operatório para “afinação” do implante. É, assim, impossível à autora desempenhar o seu trabalho habitual sem deambulações. Note-se que a área geográfica do seu trabalho é a região Norte de Portugal e parte de Espanha. Ela tem, forçosamente que se deslocar. Tem de ir aos hospitais e clínicas do Norte do país e de parte de Espanha para fazer o seu trabalho. Como fazer isso sem deambulação? Não é possível. Concluindo, verifica-se também uma IPATH. Logo, a IPP é sujeita a uma bonificação de 1,5 prevista no nº 5, al. a), das Instruções Gerais da TNI…” (fim de citação – sublinhado nosso).
Conclusão de que, discorda a recorrente dizendo: “Relativamente a ORL, os peritos entenderam que a Autora não padece de IPATH, porque consegue desempenhar as funções que não requeiram deambulação. Ora, o Tribunal a quo, concluiu que a Autora ficou a padecer de IPATH, porquanto os peritos referiram, em sede de esclarecimentos, que a Autora poderá desempenhar funções que não exijam deambulação, tendo o Tribunal entendido que o essencial das suas tarefas exige deambulação. Sucede que não resulta da prova produzida que a Autora não possa deambular. Por outro lado, os próprios peritos – que analisaram o relatório do IEFP – não atribuíram IPATH à Autora e à pergunta feita pelo Tribunal por que razão as sequelas apresentadas não são causa de IPATH, os peritos responderam que tal não sucede, porque a Autora pode executar tarefas que não requeiram deambulação.”.
Façamos, aqui, um parênteses para dizer que esta parte da argumentação da recorrente vai de encontro ao que deixámos consignado aquando da apreciação do facto 32.
Mas, continuemos com a argumentação da recorrente: “Partindo-se do princípio que aos juízes não é inacessível o controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu laudo e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou por afastar-se mesmo de todos eles, o juízo de valoração da prova conjugada entre a perícia e a restante prova produzida deveria ter levado o Tribunal a quo a decidir pela não atribuição de IPATH, uma vez que não se demonstrou que a Autora não pudesse deambular, única circunstância fáctica que poderia respaldar a conclusão dos senhores peritos, entendida como excluindo da possibilidade da Autora a execução de tarefas que implicassem deambulação. Inexistindo prova relativamente à impossibilidade de deambulação, o que resulta dos autos vai no sentido de uma repercussão no exercício da actividade profissional da Autora na proporção da incapacidade que lhe foi atribuída, mediante a necessidade de esforços acrescidos para o seu desempenho.”.
Importa lembrar que, o referido pela apelante tem por pressuposto a requerida alteração da decisão quanto ao facto 32, o que não aconteceu.
Mas, continuemos: “Sendo a atribuição da IPATH um juízo de valoração da prova pericial com a restante prova, o Tribunal a quo, no âmbito da sua livre apreciação da prova, fez o seguinte: Desconsiderou o entendimento maioritário dos peritos no sentido da não atribuição de IPATH. Considerou o esclarecimento daqueles peritos, não atendendo a que o que resultou do esclarecimento não foi suficiente para que aqueles atribuíssem IPATH à Autora, o que, não vinculando a decisão do Tribunal, sempre seria um indício importante, no juízo de ponderação que deveria ter presidido a decisão de atribuição, de que a circunstância de a Autora poder executar as tarefas que não requeiram deambulação não implicava repercussão na atividade profissional ao ponto de lhe ser atribuída, como não foi pelos peritos, a IPATH. Desconsiderou igualmente o Tribunal a quo, que não ficou demonstrado que a Autora não deambulasse. Se a Autora deambulava com apoio, é outra questão, que se repercute na atividade profissional na proporção da sua incapacidade, impondo esforços acrescidos no deu desempenho. Ora, a falta de prova deste facto – da impossibilidade de a Autora deambular – não permite respaldar o parecer dos peritos constante dos esclarecimentos, pelo que o Tribunal a quo deveria ter desconsiderado esse esclarecimento, assim entendido, por falta de substrato factual, concluindo pela não atribuição de IPATH. Para que se pudesse atribuir a IPATH, o silogismo teria de ser o seguinte: premissa maior – Para desempenhar as suas tarefas profissionais, a Autora precisa deambular; premissa menor: a Autora não deambula; conclusão: A Autora não consegue desempenhar as suas tarefas profissionais. Sucede que a segunda premissa não resultou provada, logo a conclusão não pode ser no sentido da impossibilidade do desempenho da atividade profissional.”.
Reitera-se aqui que o facto 32, impugnado pela recorrente, se mostra inalterado, sendo certo que perante as funções exercidas pela sinistrada, e dadas como provadas, podemos concluir se todas elas, ou a maioria delas, necessitam de deambulação (a palavra, no caso que analisamos, significa “tarefas que exigem movimento”) o que faremos adiante.
Avancemos, com a argumentação da recorrente que defende: “Acresce que, mesmo que se considerasse que a Autora não poderia executar as tarefas que requeiram deambulação – o que só se avança como hipótese de raciocínio – sempre se diria que a Autora conseguiria executar – sem deambular – seis das onze tarefas elencadas.
Das concretas funções desempenhadas pela Autora e constantes dos factos provados, vejamos as que requerem deambulação:
- Planifica o trabalho a efectuar em função da carteira de clientes, nomeadamente, programa as diversas visitas – não requer deambulação;
- Informa-se sobre as características dos diversos produtos a comercializar - no caso presente, produtos de audiologia (implantes cocleares) – não requer deambulação;
- Estabelece contactos com clientes, apresenta-lhes catálogos, ou outro tipo de informação, técnica e comercial, para melhor conhecimento dos produtos – o contacto com os clientes para apresentar catálogos pode ser feito com recurso aos meios informáticos e de comunicação remota, sem requerem deambulação;
- Avalia as necessidades dos diversos clientes quanto aos equipamentos mais adequados a adquirir (ou ao tipo de serviços de manutenção), propondo tipos e quantidades, assim como preços e modalidades de pagamento, da forma mais satisfatória para os mesmos – esta tarefa pode ser desempenhada com recurso a meios informáticos e comunicação remota, sem requerem deambulação;
- Recolhe os pedidos, registando-os em notas de encomenda, para posterior facturação – não requer deambulação.
- Realiza a prospeção de novos clientes, deslocando-se presencialmente aos locais, a maior parte em contexto hospitalar e também em clínicas;
- Conduz um veículo automóvel ligeiro – a condução não requer deambulação;
- Procede, com a força de ambos os braços e a ajuda de outras partes do corpo, ao carregamento e descarregamento das cargas transportadas (implantes, computador portátil, dossiês de documentação de natureza técnica, comercial e financeira);
- Efectua provas pré-operatórias, colocando sondas em miniatura no canal auditivo dos pacientes.
- Realiza exames audiológicos em computador – não requer deambulação;
- Dá apoio ao pessoal médico no bloco operatório à colocação dos implantes.
Das onze tarefas enunciadas, a Autora pode realizar pelo menos seis, porque não requerem deambulação. Uma nota importante para dizer que a condução e a deambulação não se confundem. Não resultou provado que a Autora não conduza ou não possa conduzir. A circunstância de a Autora padecer de vertigens, acufeno, anosmia e reação depressiva prolongada não remete necessariamente à conclusão de que não possa conduzir – factualidade que não resultou provada.
Ora, salvo melhor opinião, ainda que entendêssemos que os esclarecimentos dos peritos permitem inferir que a Autora não pode fazer tarefas que impliquem deambulação, verificamos que o núcleo essencial das funções de técnica comercial, a Autora pode realizar sem deambulação. Note-se que parte das tarefas que implicam deambulação, não estão enquadradas na profissão de técnica comercial, mas de audiologista, como seja efectuar provas pré-operatórias, colocando sondas em miniatura no canal auditivo dos pacientes e dar apoio ao pessoal médico no bloco operatório à colocação dos implantes. Ou seja, mal andou o Tribunal a quo em considerar que o núcleo essencial das funções da Autora pressupunha deambulação, invocando a necessidade que a Autora tinha em se deslocar para ir aos Hospitais e Clínicas. Sendo que essa deslocação é apenas uma das onze tarefas da Autora. Atento o exposto, considerando o sentido e alcance do esclarecimento dos peritos, a inexistência de prova quanto à impossibilidade de deambular, bem como a circunstância de a Autora poder executar grande parte das tarefas sem deambulação, entendemos que o segmento da decisão que atribui IPATH deverá ser revogado. Considerando que a Autora não se encontra afectada por uma IPATH, nos termos supra expostos, e não resultando provado que a mesma seja irreconvertível em relação ao posto de trabalho, não se compreende a atribuição do factor de bonificação.”.
Apreciando.
Desde já se dizendo que, se concorda com a sentença recorrida, apenas, se entendendo ser de tecer algumas considerações adicionais.
As tarefas que a sinistrada executava (e só estas importam para o caso) são as seguintes: 21. A autora deslocava-se à sede da sua entidade patronal, em Coimbra, uma vez por semana, para reuniões de calendarização da sua atividade e definição de estratégias comerciais. 22. Na sua atividade profissional, deslocava-se e visitava hospitais e clinicas, localizados na área geográfica que lhe tinha sido atribuída, onde tinha ou procurava ter clientes. 23. Para a sua atividade profissional, a entidade empregadora da A. atribuiu-lhe um computador portátil e um telemóvel e disponibilizou-lhe automóvel. 24. A autora não tinha instalações para trabalhar. 25. Era frequente que, antes ou depois das visitas, a A. tivesse que usar diversos locais para efectuar contactos e preparar as visitas, nomeadamente, cafés, restaurantes, centros comerciais e salas de espera dos hospitais e clinicas. 26. Na sua actividade profissional, designadamente, a autora:
- Planifica o trabalho a efectuar em função da carteira de clientes, nomeadamente, programa as diversas visitas;
- Informa-se sobre as características dos diversos produtos a comercializar - no caso presente, produtos de audiologia (implantes cocleares);
- Estabelece contactos com clientes, apresenta-lhes catálogos, ou outro tipo de informação, técnica e comercial, para melhor conhecimento dos produtos;
- Avalia as necessidades dos diversos clientes quanto aos equipamentos mais adequados a adquirir (ou ao tipo de serviços de manutenção), propondo tipos e quantidades, assim como preços e modalidades de pagamento, da forma mais satisfatória para os mesmos;
- Recolhe os pedidos, registando-os em notas de encomenda, para posterior facturação;
- Realiza a prospeção de novos clientes, deslocando-se presencialmente aos locais, a maior parte em contexto hospitalar e também em clínicas;
- Conduz um veículo automóvel ligeiro
- Procede, com a força de ambos os braços e a ajuda de outras partes do corpo, ao carregamento e descarregamento das cargas transportadas (implantes, computador portátil, dossiês de documentação de natureza técnica, comercial e financeira);
- Efectua provas pré-operatórias, colocando sondas em miniatura no canal auditivo dos pacientes.
- Realiza exames audiológicos em computador;
- Dá apoio ao pessoal médico no bloco operatório à colocação dos implantes.
- Faz o seguimento dos pacientes em pós-operatório para “afinação” do implante.
Ora analisando o que antecede, o que se verifica é que as tarefas que a Autora executava – e dadas como assentes – exigem que a mesma esteja primordialmente em movimento. Se assim não fosse não se compreenderia a atribuição de uma viatura para exercer as suas funções, que são essencialmente exercidas no exterior e longe da sede da sua empregadora, em Coimbra.
É claro que, sem esse “constante movimento” não poderia a Autora exercer as funções de técnica comercial. E admitindo que algumas das funções exercidas não exigem deambulação, certo é que, as mesmas, não constituem a sua essência, nem são caracterizadoras dessa mesma categoria.
Assim, acompanhamos a sentença recorrida quando considera que a sinistrada está afetada de IPATH.
Só para finalizar deixamos, aqui, o seguinte esclarecimento.
Sabemos que, o Juiz não está adstrito ao teor do laudo da Junta Médica podendo dele se “afastar” desde que fundamente a sua posição. Quer isto dizer que, a prova pericial (no caso Exame por Junta Médica) é apreciada livremente pelo Tribunal “a quo” em conjugação com a demais prova produzida.
Ora, a questão da atribuição de IPATH estava dependente da situação de saber que concretas funções a sinistrada exercia à data do acidente e entre elas, as que exigiam deambulação. Por isso, o Tribunal “a quo” deixou para o processo principal a fixação da IPATH pois haveria que apurar, primeiramente, quais as funções exercidas pela sinistrada.
Tal indagação competia apenas ao Tribunal “a quo” fazer, o que aconteceu.
Daqui resulta, ao contrário do defendido pela apelante, que o Tribunal “a quo” não estava impedido de não acolher o laudo dos senhores peritos quando afirmaram a inexistência, no caso, de IPATH.
Assim, improcedem, também, nesta parte, as conclusões do recurso e prejudicada fica, atento o decidido, a apreciação do segmento da questão, relativo a saber se a A. devia beneficiar do factor de bonificação de 1,5 previsto no nº 5, al. a), das Instruções Gerais da TNI. Pois que, considerando-se que a A. se encontra afectada por IPATH, entendida fica a atribuição daquele factor de bonificação.
Pese embora isso, para uma melhor compreensão e justificação do nosso acolhimento com o decidido pelo Tribunal “a quo”, veja-se o entendimento seguido uniformemente pelo STJ, nomeadamente no (Acórdão de 28.01.2015, Proc. nº 28/12.8TTCBR.C1.S1) onde se lê:
“I - A expressão «se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho» contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.
II - Não ocorre incompatibilidade entre o estatuído na alínea b) do n.º 3 do artigo 48.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, relativo a fixação de pensões nas situações de incapacidade absoluta para o trabalho habitual e a alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, editada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro, podendo cumular-se os benefícios nelas estabelecidos.
III - Encontrando-se o sinistrado afectado de uma Incapacidade Permanente Absoluta para o trabalho habitual e não sendo reconvertível em relação ao seu anterior posto de trabalho de montador de tectos falsos, deve o respectivo coeficiente global de incapacidade ser objecto da bonificação de 1,5, prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.”
E, também, no (Acórdão proferido, em 03-03-2016, Proc. nº 447/15.8T8VFX.S1) que, após a enunciação de várias decisões anteriores, da mesma sessão, sobre esta problemática da interpretação da aludida expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho” bem como sobre a aplicabilidade cumulativa do fator de bonificação de 1.5 estabelecido na citada al. a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI, se pronunciou, concluindo, “1 – “A expressão «se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho» contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente”, entendendo-se este não “como mera job description prevista no contrato, mas antes correspondendo às funções efectivamente exercidas pelo trabalhador numa concreta organização empresarial“.
2 – Não se verifica qualquer incompatibilidade entre a atribuição de uma IPATH e a bonificação estabelecida na al. a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI.
3 – Não tendo a sinistrada, por via das lesões sofridas, retomado o exercício das concretas funções que efetivamente exercia na mesma organização empresarial em que ocorreu o acidente, tendo passado e executar tarefas diversas e noutro posto de trabalho, deve ser atribuída a bonificação estabelecida na al. a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI.”.
Orientação jurisprudencial que não podemos deixar de considerar, não só porque não temos razões válidas para dela divergir, mas porque, a mesma, tem plena aplicação ao caso em análise. Pois que, de acordo com a factualidade assente, a A./sinistrada, por virtude das lesões sofridas no acidente não pode retomar o exercício das concretas funções que, efectivamente, como técnica comercial, exercia antes daquele.
Daí que, além de julgarmos que decidiu correctamente o Tribunal recorrido ao ter considerado que o acidente (do qual resultou lesão corporal para a A.) é de qualificar como de trabalho, também, não só compreendemos como não nos merece censura aquela decisão ao referir o seguinte: “Concluindo, verifica-se também uma IPATH. Logo, a IPP é sujeita a uma bonificação de 1,5 prevista no nº 5, al. a), das Instruções Gerais da TNI”.
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Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões do recurso.
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III - DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se nesta Relação em julgar improcedente o recurso e manter a sentença recorrida.
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Custas a cargo da recorrente.
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Porto, 30 de Outubro de 2023
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Rui Penha
Teresa Sá Lopes