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MURO
ALTEAMENTO
COLISÃO DE DIREITOS
Sumário
I - O alteamento de muro divisório é um direito que assiste aos comproprietários de prédios, como é o caso dos Réus relativamente ao muro que separa o seu prédio do prédio dos Autores, nos termos do art. 1374.º do CC. II - Provando-se (apenas) que ao fazê-lo, os Réus alçaram tal muro a 2,11 m “a contar do chão da entrada” e que, com isso, ficou parcialmente obstruída a iluminação natural e a exposição solar dum “quarto de costura” que sempre existiu no anexo do prédio dos Autores, situando-se tal “quarto” na fachada do prédio a uma distância de 2,06 m do referido muro, e que tal obra prejudica a exposição solar e luminosidade do (dito) “quarto”, provocando maior grau de humidade, não se pode considerar que a obra afronta os artigos 58.º e 73.º do RGEU. III - Tendo sido adotada uma altura que, pelo menos no ponto em que foi medida, corresponde sensivelmente à permitida em regulamento municipal (parecendo-nos insignificante uma diferença de “meio palmo”) e tratando-se a construção mais próxima de um mero anexo e não da casa de habitação dos Autores (ao contrário do que alegaram na Petição Inicial, em que referiram um “quarto de cama que sempre existiu e que fica na fachada do prédios dos AA”), não se vê motivo para considerar que os Réus tenham agido de má fé, em abuso do direito, nos termos do art. 334.º do CC, tão pouco se podendo subsumir o caso dos autos na previsão do art. 335.º do CC.
Texto Integral
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
LM e DP, Réus na ação declarativa que, sob a forma de processo comum, foi intentada por ML, EC, JT, CR, RT, FC, AS e MT, interpuseram o presente recurso de apelação da sentença que julgou a ação parcialmente procedente.
Na Petição Inicial, apresentada em 30-03-2022, os Autores formularam os seguintes pedidos:
1. fosse declarado que o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória com o n.º … é propriedade do falecido ET e da Autora ML, por aquisição derivada e originária;
2. fossem os Réus condenados a proceder à demolição da parede da ampliação da sua casa, onde foi construída uma cozinha, cuja fachada lateral encosta ao muro do prédio referido em 1., bem como à demolição do alçamento do muro que confronta entre tal prédio e o dos Réus;
3. fossem os Réus condenados a absterem-se de qualquer conduta futura de construção de uma churrasqueira junto da parede divisória do prédio referido em 1. e do prédio dos Réus.
Alegaram, para tanto e em síntese, que:
- A Autora ML e o seu falecido marido, de que os demais Autores são filhos e herdeiros, adquiriram em 1961, por doação, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória sob o n.º … da freguesia Fonte do Bastardo, o qual foi registado em seu nome, tendo a Autora e o seu marido, daí em diante, à vista de todos, sempre utilizado o mesmo, sem oposição de ninguém e na convicção de serem proprietários deste;
- Os Réus são proprietários do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória sob o n.º … da freguesia Fonte do Bastardo, o qual confronta, a nascente, com o prédio dos Autores;
- A casa dos Réus, implantada no prédio de que são proprietários, foi ampliada em 2011/2012, tendo sido edificada uma cozinha com uma parede que ficou encostada à parede divisória de ambos os prédios, ficando a 1,10 metros e a um nível superior da fachada da casa dos Autores, onde há uma janela;
- No final de 2021, os Réus procederam ao levantamento do muro divisório que está voltado para o prédio dos Autores, alçando-o até 2,13 metros, obstruindo, desse modo, a iluminação e a luz natural de um quarto de cama da habitação, que dista 2,20 metros do muro em causa;
- Os Réus preparam-se para implantar no muro em causa uma churrasqueira;
- As construções existentes limitam a exposição solar da casa dos Autores e a construção projetada geraria furos e cheiros na proximidade da casa dos Autores, tudo violando o direito de propriedade destes.
Pessoalmente citados os Réus, vieram apresentar Contestação, em que se defenderam por impugnação motivada, pugnando pela improcedência da presente ação, bem como deduzindo reconvenção, em que peticionaram que fosse declarado que são proprietários do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória com o n.º …, incluindo a cozinha deste, e os Autores fossem condenados a reconhecerem tal direito e a absterem-se da prática de atos que o prejudiquem. Os Réus-reconvintes alegaram, em síntese, que:
- São possuidores e proprietários do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória com o n.º …;
- As obras realizadas não prejudicam o direito de propriedade dos Autores, porque as janelas do prédio destes se situam num plano superior ao muro existente;
- No lugar da cozinha que construíram, sempre existiu um telheiro, o qual foi adaptado para garagem em 2005 e para cozinha em 2008, pelo que as construções em causa existem há mais de 20 anos, mantendo-se praticamente com a sua forma original;
- As obras efetuadas foram sempre licenciadas;
- Em 2004, a Autora ML autorizou mesmo as obras as realizadas nessa altura;
- Os Autores nunca pretenderam implantar qualquer churrasqueira.
Notificados da Contestação, os Autores vieram apresentar Réplica, em que pugnam pela improcedência da reconvenção, alegando que não existia qualquer alpendre, garagem ou cozinha anexos à casa dos Réus, só tendo a casa destes sido ampliada em 2008, e que a elevação do muro, além de ilegal, por violar expressamente, entre outros, o Regulamento Geral das Edificações Urbanas, ocorreu há cerca de um ano.
Foi realizada a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador (em que foi, além do mais, admitida a reconvenção e fixado o valor da causa) e despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Realizou-se a audiência final de julgamento, com a prestação de declarações de parte pela Autora AS e a produção de prova testemunhal, tendo ainda sido realizada inspeção judicial ao local.
Em 20-06-2023, foi proferida a sentença cujo segmento decisório tem o seguinte teor: “Pelo exposto, em face das considerações expendidas e ao abrigo do disposto nas normas legais citadas, decide-se: 1. julgar parcialmente procedentes os pedidos formulados pelos Autores ML, EC, JT, CR, RT, FC, AS e MT, e, em consequência: 1.1. reconhece-se o direito de propriedade de ET e da Autora ML, sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória com o n.º …, por via de aquisição derivada e originária; 1.2. condenam-se os Réus LM e DP a proceder à demolição do alçamento do muro que confronta entre o prédio referido em II., dos factos provados e o prédio referido em III, dos factos provados, de molde a permitir-se a iluminação natural do quarto referido em XIV e XV., dos factos provados, e da remanescente casa, passando o limite superior de tal muro, em toda a sua extensão inovada, a ser, no máximo, ao nível da janela existente no quarto referido em XIV e XV, dos factos provados; 1.3. julga-se improcedente e absolvem-se os Réus LM e DP do demais peticionado; 2. julgar totalmente procedentes os pedidos reconvencionais formulados pelos Réus LM e DP, e, em consequência: 2.1. reconhece-se o direito de propriedade dos Réus LM e DP sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória com o n.º … incluindo a cozinha descrita nos factos VIII, IX, X e XI, dados como provados; 2.2. condenam-se os Autores ML, EC, JT, CR, RT, FC, AS e MT a reconhecerem o direito de propriedade referido em 2.1. e a absterem-se da prática de actos que o prejudiquem. Custas (da acção e reconvenção) a cargo dos Autores e dos Réus, na proporção de 1/2, para os Autores, e 1/2, para os Réus. Registe e Notifique.”
É com esta decisão, na parte em que os condenou no pedido (ponto 1.2.), que os Réus não se conformam, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formularam as seguintes conclusões (sublinhado nosso): A - O presente recurso vem interposto da sentença com a referência 55457071 de 20/06/2023 na parte em que se refere: «1.2. condenam-se os Réus LM e DP a proceder à demolição do alçamento do muro que confronta entre o prédio referido em II., dos factos provados e o prédio referido em III, dos factos provados, de molde a permitir-se a iluminação natural do quarto referido em XIV e XV., dos factos provados, e da remanescente casa, passando o limite superior de tal muro, em toda a sua extensão inovada, a ser, no máximo, ao nível da janela existente no quarto referido em XIV e XV, dos factos provados». B - A sentença recorrida foi proferida em ação declarativa de processo comum; C - Dentre os argumentos invocados na sentença, tem-se que o muro levantado a 2,11 metros de altura, situa-se a 2,06 metros da fachada de um quarto do prédio referido em II, dos factos provados, ambas as construções prejudicando a exposição solar e luminosidade dos quartos da casa do prédio referido em II., dos factos provados, e, consequentemente, provocando maior grau de humidade (cfr. o facto XVI, dado como provado). D - Bem como, «E o mesmo se diga quanto ao muro alceado por convocação do disposto no art. 335.º, do Código Civil, não podendo, o direito de tapagem dos Réus, previsto no art. 1356.º, do Código Civil, ser visto como um direito totalmente absoluto e irrestrito, antes tendo de se limitar e compaginar com o direito dos Autores a um ambiente sadio e ceder de modo a que ambos os direitos em conflito convivam. Aliás, ainda que assim não se entendesse, sempre o alceamento do muro à altura em causa, atendendo às suas consequências para as edificações do prédio identificado em II, dos factos provados, seria ofensiva dos ditames da boa-fé e levaria à convocação do instituto do abuso de direito ínsito no art. 334.º, do Código Civil». E - Ora, salvo o devido respeito, foi relatado que todas as obras foram de conhecimento da Câmara Municipal, e que houve aprovação através dos pareceres técnicos; F - A edificação de muros divisórios entre propriedades é um ato isento de controle prévio; G - Na verdade, do depoimento das testemunhas OM e MN, comprovou-se inequivocamente que o muro tinha 2 metros de altura a contar da casa dos recorrentes, bem como que na Câmara Municipal não havia licença do anexo que, posteriormente, foi posto em causa; H - Assim, como não havia registo do anexo da Secção das Obras da Câmara, foi levado em consideração o levantamento do muro apenas em relação as janelas da habitação e não do anexo; I - Aquele anexo não está registado na Câmara, pelo que é como se não existisse. J - Nesse sentido, nos termos do artigo 73º, do RGEU, «As janelas dos compartimentos das habitações deverão ser sempre dispostas de forma que o seu afastamento de qualquer muro ou fachada fronteiros, medido perpendicularmente ao plano da janela e atendendo ao disposto no artigo 75.º, não seja inferior a metade da altura desse muro ou fachada acima do nível do pavimento do compartimento, com o mínimo de 3 metros. Além disso não deverá haver a um e outro lado do eixo vertical da janela qualquer obstáculo à iluminação a distância inferior a 2 metros, devendo garantir-se, em toda esta largura, o afastamento mínimo de 3 metros acima fixado»; K - Em face das circunstâncias elencadas, e da boa-fé dos recorrentes que alcearam o muro mediante o prévio conhecimento da obra junto à Secção de Obras da Câmara Municipal da Praia da Vitória, faz todo o sentido a reconsideração da decisão para que seja impedida a demolição do alçamento do muro construído entre o terreno dos recorrentes e dos recorridos.
Terminaram os Apelantes afirmando que “deve o presente recurso ser considerado procedente e, por via dele, conceder aos recorrentes a absterem-se de proceder à demolição do alçamento do muro por estar devidamente regular”.
Foi apresentada alegação de resposta pelos Autores-Apelados, em que concluem nos seguintes termos: A) Os AA, ora Recorridos, instauraram a presente ação para que, entre outros pedidos, fosse demolido pelos Recorrentes o alçamento feito por estes do muro divisório dos dois prédios urbanos, que pertencem, respetivamente a estes e àqueles, sendo essa demolição o objeto do presente recurso. B) A casa dos Recorrentes foi construída em 2011, sendo o prédio destes e dos Recorridos delimitado por um muro baixo, tendo aqueles no final de 2021 procedido ao levantamento do muro divisório que dá para o prédio dos Recorridos, alçamento esse até a uma altura de 2,11 m, tendo, com esse alçamento, os Recorrentes obstruído parcialmente a iluminação e a exposição solar dum quarto que sempre existiu com uma janela na fachada do prédio dos Recorridos, fachada essa que dista do muro alçado em 2,06 m. C) Nos pontos 4º e 5º da contestação os, então RR, referem expressamente que as obras levadas a cabo por si em nada prejudicam os AA, nomeadamente o direito à exposição solar e luminosidade dos quartos da casa dos AA, porque, na verdade as janelas da casa dos AA estão num plano muito superior ao muro construído pelos RR. D) A sentença recorrida deu como provado nos pontos XII, XIII, XIV, XV e XVI da matéria de facto dado como provada, que os RR procederam ao levantamento do muro divisório dos prédio em 2021, alçando-o até 2,11 metros de altura a contar do chão, ficando com esse alçamento parcialmente obstruída a iluminação natural e exposição solar dum quarto de costura que sempre existiu no prédio dos Recorridos, quarto esse cuja fachada se encontra a uma distância de 2,06 mo referido muro, tendo essas obras de alçamento prejudicado a exposição solar e a luminosidade do quarto do prédio dos Recorridos. E) A douta sentença considerou tais factos como provados, na sequência da inspeção ao local e medições aí efetuadas, na presença das partes. F) A obstrução duma janela com um muro alçado até a altura de 2.11m, a uma distância de 2,06m daquela, obstaculizando parcialmente a exposição solar e a luminosidade do quarto duma casa, constitui uma violação das regras urbanísticas e de proteção do ambiente, mais concretamente dos artigos 58º e 73º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, que, pese embora se apliquem primordialmente a proteger interesses públicos, não deixa, também, até por força do seu artigo 1º, de pretender salvaguardar e proteger os interesses particulares, nomeadamente o direito a uma vida ambientalmente sadia. G) A sentença recorrida ao condenar os RR, ora Recorrentes, a proceder à demolição do alçamento do muro que confronta com o prédio dos Recorridos de molde a permitir a iluminação do quarto do prédio destes e da remanescente casa, passando o limite superior de tal muro, em toda a sua extensão inovada, a ser no máximo, ao nível da janela existente no quarto do prédio destes, não viola qualquer preceito legal. H) Pelo que deve a sentença recorrida ser confirmada, assim se fazendo Justiça.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
As questões a decidir são as seguintes:
1.ª) Se deve ser modificada a decisão da matéria de facto;
2.ª) Se os Réus não devem ser condenados a demolir o “alçamento do muro” divisório em apreço. Factos provados
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (acrescentou-se, por estar plenamente provado, o que consta do ponto II):
I. A Autora ML era mulher e os demais Autores são filhos e herdeiros de EC, falecido no dia 5 de junho de 1992.
II. Pela Ap. 2 de 23/11/1961, encontra-se inscrita, por doação, em favor de EC, casado com ML, a propriedade do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória, sob o n.º … [cuja composição indicada na descrição predial é “casa de rés de chão” – doc. 2 junto com a PI].
III. Pela Ap. 2 de 7/04/2004, encontra-se inscrita, por compra, em favor dos Réus, a propriedade do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória, sob o n.º ….
IV. Desde 23-11-1961, EC e ML viveram na referida casa e prédio referidos em II., usufruindo dos mesmos, neste tomando as suas refeições e pagando o respetivo IMI, sem que ninguém contestasse o seu direito de propriedade ou posse, de que estavam convictos.
V. O prédio referido em II. é uma casa baixa de moradia com um anexo, situando-se ao fundo duma entrada murada.
VI. Os prédios referidos em II. e III. confrontam entre si, a nascente do prédio dos Autores.
VII. No prédio referido em III. está implantada uma casa.
VIII. Entre o ano 2011 e 2012, os Réus edificaram uma cozinha.
IX. A parede a poente de tal cozinha foi construída encostada à parede divisória dos prédios referidos em II. e III..
X. Com a construção em causa a parede da cozinha mencionada em VIII ficou a 1,27 metros da fachada da casa referida em V., onde se encontra uma janela.
XI. Tal parede foi colocada a um nível superior à base daquela janela.
XII. No final do ano de 2021, os Réus procederam ao levantamento do muro divisório do prédio referido em III. voltado para o prédio referido em II..
XIII. Alçando tal muro a 2,11 m a contar do chão da entrada.
XIV. Com isso ficou parcialmente obstruída a iluminação natural e a exposição solar dum quarto de costura que sempre existiu no anexo do prédio referido em II..
XV. O quarto em causa situa-se na fachada do prédio referido em II. a uma distância de 2,06 m do referido muro.
XVI. As obras referidas em VIII a XI e XII a XV prejudicam a exposição solar e luminosidade dos quartos da casa do prédio referido em II., provocando maior grau de humidade.
XVII. No local da cozinha referida em VIII, com a mesma configuração, existia, desde 2005, uma garagem, construída pelos Réus.
XVIII. Os Réus utilizam o prédio referido em III. há mais de 20 anos, e, por si e por seus antepossuidores, vêm usufruindo-o, explorando-o, habitando-o, pagando o respetivo IMI, sem que ninguém conteste o seu direito de propriedade, à vista de toda a gente, com exceção de quaisquer terceiros, na convicção de exercerem um direito próprio e na convicção de não lesarem direitos de outrem. Da modificação da decisão da matéria de facto
Nas conclusões E, G e H da sua alegação, os Réus-Apelantes defendem: (i) ter sido “relatado que todas as obras foram de conhecimento da Câmara Municipal, e que houve aprovação através dos pareceres técnicos”; (ii) comprovar-se “do depoimento das testemunhas OM e MN”, que “o muro tinha 2 metros de altura a contar da casa dos recorrentes, bem como que na Câmara Municipal não havia licença do anexo”, razão pela qual foi levado em consideração o levantamento do muro apenas em relação as janelas da habitação e não do anexo.
Tendo em atenção essas conclusões, bem como o mais alegado no corpo da alegação recursória (nos artigos 1.º, 4.º a 23.º), onde se afirma designadamente que “(O) presente recurso tem como objeto e versa toda a matéria de facto e parte de direito”, “a medida do muro, do lado dos recorrentes está correta. O muro mede 2 metros de altura” e se alude, além do mais, aos depoimentos da Vereadora da Câmara da Praia da Vitória, OM, e da Sra. Arquiteta MN, impõe-se concluir que os Réus-Apelantes pretenderam impugnar a decisão da matéria de facto.
Importa que façamos algumas considerações prévias a respeito do quadro normativo aplicável ao recurso quando versa sobre matéria de facto.
Conforme previsto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Dispõe o artigo 640.º do CPC, sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
É conhecida a divergência jurisprudencial que existiu a respeito da aplicação deste normativo e da sua conjugação com o disposto no n.º 1 do art. 639.º do CPC, atinente ao ónus de alegar e formular conclusões, vindo o STJ a firmar jurisprudência no sentido do “conteúdo minimalista” das conclusões da alegação, conforme espelhado no acórdão do STJ de 06-12-2016 - Revista n.º 2373/11.0TBFAR.E1.S1 - 1.ª Secção, sumário citado na compilação de acórdãos do STJ, “Ónus de Impugnação da Matéria de Facto, Jurisprudência do STJ”, disponível em www.stj.pt, bem como o acórdão do STJ de 01-10-2015, no processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
Nesta linha, conclui-se resultar da conjugação do disposto nos artigos 635.º, 639.º e 640.º do CPC que o ónus principal a cargo do recorrente exige que, pelo menos, sejam indicados nas conclusões da alegação do recurso, com precisão, os concretos pontos de facto da sentença que são objeto de impugnação, sem o que não é possível ao tribunal de recurso sindicar eventuais erros no julgamento da matéria de facto.
Já a alínea a) do n.º 2 do citado art. 640.º do CPC consagra um ónus secundário, cujo cumprimento, quanto aos invocados erros de julgamento das concretas questões de facto, não tendo de estar refletido nas conclusões da alegação recursória, deverá igualmente ser observado, sob pena de rejeição do recurso, na parte respetiva.
Assim, a título exemplificativo, veja-se o acórdão do STJ de 16-12-2020, no processo n.º 8640/18.5YIPRT.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt, citando-se, pelo seu interesse e clareza, as seguintes passagens do respetivo sumário: “I - No âmbito do recurso de apelação visando a impugnação da decisão de facto podem distinguir-se dois ónus que incidem sobre o recorrente: Um ónus principal, consistente na delimitação do objecto da impugnação (indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados) e na fundamentação desse erro (com indicação dos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação que impunham decisão diversa e o sentido dessa decisão) – Art.º 640º nº 1 do CPC; E Um ónus secundário, consistente na indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados – art.º 640º nº 2 al. a) do CPC. II - Este ónus secundário não visa propriamente fundamentar e delimitar o recurso, mas sim facilitar o trabalho da Relação no acesso aos meios de prova achados relevantes. III - O controlo do cumprimento deste ónus secundário deve ser feito pela Relação em termos funcionalmente adequados e em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.”
Ora, face ao teor das conclusões da alegação de recurso, é manifesto que os Apelantes fizeram considerações genéricas, confundindo inclusivamente questões de facto com questões de direito, mas não especificaram os concretos de pontos de facto que (porventura) consideram incorretamente julgados, nem a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto que (eventualmente) pretendiam impugnar, não tendo respeitado o disposto no art. 640.º do CPC.
Logo, impõe-se rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto, o que se decide. Da (i)legalidade do alteamento do muro
Na sentença recorrida teceram-se, no que ora importa, as seguintes considerações de direito: «Invocam os Autores, no caso dos autos, a violação, pelos Réus, das normas dos arts. 58.º e 73.º, do RGEU, com a construção de uma cozinha e o alceamento de um muro. O que dizer de tal realidade? Resulta do art. 58.º, do RGEU, que “A construção ou reconstrução de qualquer edifício deve executar-se por forma que fiquem assegurados o arejamento, iluminação natural e exposição prolongada à acção directa dos raios solares, e bem assim o seu abastecimento de água potável e a evacuação inofensiva dos esgotos”. Acrescentando-se, depois, no art. 73.º, do RGEU, que “As janelas dos compartimentos das habitações deverão ser sempre dispostas de forma que o seu afastamento de qualquer muro ou fachada fronteiros, medido perpendicularmente ao plano da janela e atendendo ao disposto no artigo 75.º, não seja inferior a metade da altura desse muro ou fachada acima do nível do pavimento do compartimento, com o mínimo de 3 metros. Além disso não deverá haver a um e outro lado do eixo vertical da janela qualquer obstáculo à iluminação a distância inferior a 2 metros, devendo garantir-se, em toda esta largura, o afastamento mínimo de 3 metros acima fixado.” Tais preceitos, a nosso ver, tutelando, primacialmente, interesses públicos, também protegem interesses particulares relativos ao direito a uma vida sã e à regulação das relações de vizinhança, constituindo verdadeiras restrições ao direito de propriedade nos termos supra mencionados. Se assim é, vertendo ao caso dos autos temos que tanto a cozinha edificada (cfr. os factos VIII, IX, X, XI dados como provados), como o alceamento do muro em causa (cfr. os factos XII, XIII, XIV, XV, dados como provados), afrontam as supra mencionadas normas legais. Na verdade, a cozinha edificada ficou com parede a 1,27 metros de uma janela do prédio referido em II, dos factos provados, e o muro levantado a 2,11 metros de altura, situa-se a 2,06 metros da fachada de um quarto do prédio referido em II, dos factos provados, ambas as construções prejudicando a exposição solar e luminosidade dos quartos da casa do prédio referido em II., dos factos provados, e, consequentemente, provocando maior grau de humidade (cfr. o facto XVI, dado como provado). Ora, em face disto, o direito de propriedade dos Réus terá, necessariamente, de ser comprimido por forma a respeitar as mencionadas regras legais, reflexamente tuteladoras de interesses particulares de vizinhança e de direito a uma vida saudável. Aliás, no que tange à cozinha em causa, à mesma solução chegaríamos por convocação do disposto no art. 1362.º, n.º 2, do Código Civil, dando, a pré-existência da janela mencionada em X., dos factos provados, nos termos da utilização comprovada em IV., dos factos provados, o direito aos Autores a que os Réus só possam construir a mais de um metro e meio de distância da mesma, o que não ocorreu. E o mesmo se diga quanto ao muro alceado por convocação do disposto no art. 335.º, do Código Civil, não podendo, o direito de tapagem dos Réus, previsto no art. 1356.º, do Código Civil, ser visto como um direito totalmente absoluto e irrestrito, antes tendo de se limitar e compaginar com o direito dos Autores a um ambiente sadio e ceder de modo a que ambos os direitos em conflito convivam. Aliás, ainda que assim não se entendesse, sempre o alceamento do muro à altura em causa, atendendo às suas consequências para as edificações do prédio identificado em II, dos factos provados, seria ofensiva dos ditames da boa-fé e levaria à convocação do instituto do abuso de direito ínsito no art. 334.º, do Código Civil. Do que vimos de expor resulta que, em princípio, deveria proceder a acção nesta parte e ser determinada a demolição da parede da ampliação da sua casa dos Réus, onde foi construída uma cozinha, bem como a demolição do alçamento do muro que confronta entre tal prédio e o dos Réus, de molde a permitir-se a iluminação natural do quarto referido em XIV e XV, dos factos provados. Não obstante, assim não sucederá no que tange à cozinha mencionada, a qual impõe reflexão diversa e relacionada com a tutela de direitos pré-adquiridos pelos Réus. (…) Tem, assim, a acção de proceder, nesta parte, apenas parcialmente, ordenando-se unicamente a demolição do alçamento do muro que confronta entre o prédio referido em II., dos factos provados e o prédio referido em III, dos factos provados, em toda a sua extensão, de molde a permitir-se a iluminação natural do quarto referido em XIV e XV., dos factos provados, e da remanescente casa, tendo, pois, tal muro de passar a findar abaixo do nível da janela existente no referido quarto, em toda a sua extensão.»
Os Réus-Apelantes defendem, em síntese, que não deve ser ordenada a demolição do alteamento do muro, por se tratar de construção conforme ao art. 73.º do RGEU, isenta de controlo prévio camarário e da qual foi dado prévio conhecimento à Câmara Municipal da Praia da Vitória, tendo obtido aprovação através de pareceres técnicos, atuando aqueles de boa-fé.
Com esta defesa, parecem questionar todo o enquadramento jurídico feito na sentença recorrida, pugnando pela licitude da construção realizada, cuja demolição consideram não se justificar, face aos argumentos expostos.
Apreciando.
Pese embora a natureza civilística de um litígio como o dos autos, com a inevitável ponderação de normas de direito privado, em particular as constantes do Código Civil, atinentes ao direito de propriedade e às relações de vizinhança, não deixam as mesmas de se cruzar com regras e princípios do Direito público, em particular do Direito do Urbanismo e do Direito do Ambiente, atenta a unidade do sistema jurídico. Nesta linha de pensamento veja-se o acórdão do STJ de 25-10-2018, no proc. n.º 2511/10.0TBPTM.E2.S1, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança da seguinte passagem do respetivo sumário: “I - No nosso ordenamento jurídico, o exercício dos poderes dos proprietários de imóveis - entre os quais se incluem os de remodelação e ampliação de uma edificação, precedidas ou não da sua demolição (total ou parcial), ou os de escavação, desaterro e subsequente deposição de resíduos ou terras removidas - está condicionado, tanto pelas pertinentes regras urbanísticas ou de protecção do ambiente, como, primordialmente, pela necessidade de preservar, nas relações de vizinhança, o equilíbrio imobiliário existente, com a consideração das suas concretas circunstâncias. II - Cada vez mais se acentua a evidência de que a situação de vizinhança de prédios implica limitações ao exercício do direito de propriedade - que não se quedam pelas explicitamente prevenidas no CC (como as previstas, p. ex., nas normas dos arts. 1346.º a 1348.º ou 1350.º, ou as dos arts. 492.º e 493.º) - através da ponderação dos direitos conexos com essa relação de vizinhança, para fundar um direito à protecção do proprietário através da responsabilização do proprietário do prédio vizinho por todas os actos ou omissões que provoquem uma ruptura do equilíbrio imobiliário existente e que exprimam ou realizem a violação de um dever geral de prevenção do perigo. III - Das normas consagradas nos arts. 4.º, 128.º, 129.º, 135.º e 138.º do RGEU e art. 493.º, n.º 1 do CC resulta a imposição de os donos dos prédios os manterem, permanentemente, em estado de não poderem constituir perigo para a segurança pública e dos seus ocupantes ou para a dos prédios vizinhos, bem como de adoptarem as precauções e as disposições necessárias para evitar qualquer acidente e danos materiais, tendo em atenção a natureza do terreno, as condições de trabalho e a localização da obra em relação aos prédios vizinhos, sendo interditos quaisquer processos de trabalho susceptíveis de comprometer esse desiderato, sob pena de responsabilidade pelos danos que a coisa imóvel causar. IV - A violação do condicionamento advindo de regras urbanísticas (ou ambientais) também pode ser considerada para o efeito previsto na 2.ª parte do art. 483.º, n.º 1 do CC (disposição legal destinada a proteger interesses alheios), quando, em face da respectiva interpretação, se constate que a norma em questão também visa proteger interesses particulares e não apenas beneficiá-los enquanto interessados no bem da colectividade.”
Atentemos então nas normas (artigos 58.º e 73.º) do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de agosto de 1951, que foram convocadas na sentença recorrida, apreciando se foram incorretamente aplicadas.
Estabelece o art. 58.º que “(A) construção ou reconstrução de qualquer edifício deve executar-se por forma que fiquem assegurados o arejamento, iluminação natural e exposição prolongada à acção directa dos raios solares, e bem assim o seu abastecimento de água potável e a evacuação inofensiva dos esgotos. § único. As câmaras municipais poderão condicionar a licença para se executarem obras importantes em edificações existentes à execução simultânea dos trabalhos acessórios indispensáveis para lhes assegurar as condições mínimas de salubridade prescritas neste regulamento.”
Por seu turno, o art. 73.º dispõe que “(A)s janelas dos compartimentos das habitações deverão ser sempre dispostas de forma que o seu afastamento de qualquer muro ou fachada fronteiros, medido perpendicularmente ao plano da janela e atendendo ao disposto no artigo 75.º, não seja inferior a metade da altura desse muro ou fachada acima do nível do pavimento do compartimento, com o mínimo de 3 metros. Além disso não deverá haver a um e outro lado do eixo vertical da janela qualquer obstáculo à iluminação a distância inferior a 2 metros, devendo garantir-se, em toda esta largura, o afastamento mínimo de 3 metros acima fixado.”
A propósito da interpretação deste último artigo, importa ter presente o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Pleno da Seção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 16-06-2016, no proc. n.º 0158/16, disponível em www.dgsi.pt, que fixou a seguinte jurisprudência: “As exigências previstas no art. 73.º do RGEU apenas incidem sobre o projeto submetido à apreciação camarária.” Entendeu-se nesse acórdão que, na interpretação deste preceito legal, sem embargo da sua relação com o art. 58.º do RGEU, se deverá considerar que o mesmo se refere ao edifício a construir, e não ao edifício pré-existente, resultando do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 38382 que o legislador se preocupou apenas com os parâmetros de qualidade da construção ou reconstrução licenciados, e não com as construções vizinhas já existentes, a não ser indiretamente, por via daquelas.
Para melhor se compreender esta posição, passamos a citar parte das considerações tecidas nesse AUJ: «O Título III relativo às “CONDIÇÕES ESPECIAIS RELATIVAS À SALUBRIDADE DAS EDIFICAÇÕES E DOS TERRENOS DE CONSTRUÇÃO” tem um capítulo I relativo à salubridade dos terrenos, um capítulo II relativo à edificação em conjunto e um capítulo III relativo às disposições interiores das edificações e espaços livres onde se insere o art. 73º aqui em causa. Antes de entrarmos propriamente no conteúdo deste preceito importa concretizar que qualquer um dos preceitos relativos a qualquer dos capítulos deste título III sempre se referem às edificações a construir. (…) Desde logo, e em sintonia com os preceitos que o antecedem não é despiciendo o tempo verbal utilizado na redação do artigo 73º do RGEU “As janelas dos compartimentos das habitações deverão ser sempre dispostas…” que indicia que a previsão normativa tem por objeto o próprio edifício a construir e não também os edifícios vizinhos. O que, aliás, está em sintonia com os preceitos que o antecedem e que sempre se referem à obra a construir assim como ao que se referiu na análise do preâmbulo. A norma aqui em causa deste RGEU apenas se refere às obras a realizar visando garantir “... que os locais de moradias terão sido erigidos e se manterão de modo a proporcionar-lhe condições vantajosas para a sua saúde e bem-estar; e, como habitante do aglomerado, poderá desfrutar com segurança o ambiente sadio e esteticamente agradável que a aplicação do regulamento terá progressivamente criado e ver respeitados os direitos e regalias que a lei lhe confira em matéria de edificações.” Não obstante, sempre se alude à possibilidade de através de regulamentação especial os corpos administrativos completarem, sem lhes fazer perder o sentido, certas disposições do regulamento geral à luz dos frutos da sua própria experiência e do conhecimento pormenorizado de condições locais a que convenha atender. O diploma visa, sim, objetivos de salubridade e qualidade ambiental mas estabelece formas concretas de os perseguir e não é por ter estes objetivos que podemos, sem mais, concluir que, porque também podem existir este tipo de problemas nos edifícios confinantes, que as normas desenvolvidas no diploma também se referem a eles e não apenas ao edifício objeto de licença de construção. Ou seja, uma coisa é a interpretação da lei e outra serão as concretas medidas existentes por parte das autarquias ou fornecidas por outros mecanismos para proteção de determinados valores, como sejam regulamentos especiais autárquicos, PDMs ou a aquisição de direitos reais. Não podemos é fazer o raciocínio inverso e interpretar a lei com um sentido que a mesma não comporta apenas porque os referidos valores da salubridade, arejamento e iluminação não estão plenamente protegidos na forma que a RGEU escolheu fazê-lo. Ora, de acordo com as regras de interpretação da lei exigir-se-ia, por parte do legislador, se a sua intenção fosse aquela a que alude a decisão recorrida, e dadas as grandes consequências que tal implicaria em todo o panorama construtivo, que fosse mais claro nesse sentido. O que manifestamente não acontece. Nem quaisquer argumentos de maioria de razão o impõem face à clareza do preceito. De forma alguma podemos dizer que argumentos de lógica impõem que já que se exigem determinados condicionalismos na obra a construir ou reconstruir se imponham também os mesmos condicionalismos relativamente a todas as construções confinantes existentes. Aliás, bem pelo contrário. Este diploma visa implementar a salubridade, garantindo níveis mínimos de arejamento, iluminação natural e exposição solar através dos novos licenciamentos (construção e reconstrução). Ora, o referido entendimento, que a nosso ver não tem qualquer expressão na letra da lei nem no seu preâmbulo, conduziria em muitas situações a um manifesto desinteresse na renovação do parque habitacional e, portanto, poria em causa o objetivo do diploma de implementação de salubridade através dos novos licenciamentos. (…) Não cremos que possa resultar, de acordo com os referidos elementos de interpretação, literal, lógico e sistemático, a pretensão do referido diploma de conformação de tudo o que foi construído até à sua entrada em vigor de forma a que se possa concluir, como na decisão recorrida, a vinculação pela administração autárquica à exigência de cumprimento do 73.º do RGEU relativamente às particularidades dos prédios confinantes com o prédio a licenciar. O RGEU apenas visou impor obrigações a quem, após a sua entrada em vigor, proceda à construção ou reconstrução de edifícios sem que, com isso, indiretamente não ocorra a maioria das vezes repercussão na salubridade, arejamento, iluminação e estética das construções anteriores à sua entrada em vigor. É o que ocorre se, como no exemplo supra referido, o prédio a licenciar tem uma abertura, uma janela, assim como o confinante, aqui o confinante vai beneficiar da distância que é imposta ao prédio a licenciar, e vai beneficiar em termos de iluminação, arejamento, salubridade e estética. Mas, não são estas construções as diretamente visadas pelo diploma. O que não significa que não existam outros mecanismos que possam acautelar esta situação como as normas civilísticas. Nada impede, por exemplo, que, no caso concreto, se possa ter constituído servidão de vistas ou outra no prédio da aqui autora nos termos do direito civil nomeadamente por usucapião já que esta é uma forma de aquisição originária do direito real. (…) Mas, tal será outra questão que não a que aqui se nos coloca, que é tão só a da interpretação do referido preceito do RGEU. Em suma, estamos em 1951 e as preocupações trazidas por este diploma não existiam até à altura. E, a nossa preocupação é encontrar o pensamento do legislador e os elementos sistemático, teleológico lógico e literal conduzem-nos à interpretação supra veiculada. Por outro lado, uma coisa é o que resulta da lei, outra questão seria a de saber se o legislador poderia criar a norma com a interpretação dada pela decisão recorrida por tal poder contender com a forma de aquisição de direitos reais. (…) É evidente que são diferenciados e harmonizáveis os campos de aplicação, respetivamente, das normas do RGEU e das normas do Código Civil.”
Poderia questionar-se, como, aliás, se faz no citado AUJ, se as referidas normas públicas, mesmo tendo em vista o referido interesse público, não estão a permitir a constituição de uma servidão por meios não previstos no Código Civil, isto é, a atribuir direitos subjetivos privados e se tal será admissível, perspetivando-se o art. 73.º do RGEU como uma concretização do princípio geral do art. 58.º, ou seja, normas “relacionais” que impõem restrições ao direito de propriedade, fundadas em interesse público, designadamente de salubridade e qualidade ambiental, destinadas a proteger, quer o edifício objeto de licença de construção, quer os edifícios com este confinantes. Todavia, como vimos, tal interpretação normativa foi rejeitada no referido AUJ e, seja como for, dadas as particularidades do caso, não nos parece que pudesse fundar a solução que ao caso foi dada na sentença.
Efetivamente, não se está a discutir a regularidade da abertura da janela no anexo edificado no prédio dos Autores, pois tanto esse edifício, como aliás o muro divisório são construções preexistentes, apenas estando a ser questionada a legalidade do alteamento do muro fronteiro, impondo-se concluir que não resulta destas normas a resposta a dar ao litígio em apreço.
Na verdade, conforme resulta da inserção sistemática destes normativos e do seu teor literal - conjugados com o seu art. 1.º, que prevê a aplicabilidade do RGEU à execução de novas edificações ou de quaisquer obras de construção civil, à reconstrução, ampliação, alteração, reparação ou demolição das edificações e obras existentes -, visam regular a realização de obra de construção ou reconstrução de um edifício e, em particular, a forma como devem ser executadas as respetivas janelas dos compartimentos das habitações.
De salientar ainda que o art. 73.º do RGEU se refere a “janelas dos compartimentos das habitações”, não se nos afigurando que um anexo, onde existe um “quarto de costura”, possa ser considerado um compartimento da casa de habitação dos Autores, os quais, recorde-se, não lograram provar que se tratava do “quarto de cama que sempre existiu e que fica na fachada” do seu prédio.
Portanto, neste aspeto, não podemos acompanhar a sentença recorrida, muito embora também não nos pareça suficiente invocar a regularidade da obra no plano puramente administrativo/urbanístico como fazem os Réus-Apelantes, pois, mesmo a verificar-se, tal poderá não bastar para assegurar a sua conformidade com os direitos subjetivos de terceiros.
De referir que, contrariamente ao que os Apelantes alegam, não está provado se a obra teve (ou não) pareceres camarários favoráveis, apenas se tendo constatado que:
- foi junta aos autos com a Contestação (doc. 2) uma informação da Câmara Municipal da Praia da Vitória (do Chefe de Divisão de Investimentos e Ordenamento do Território), datada de 27-08-2021, dirigida ao Réu em que consta, além do mais, o seguinte: «Para cumprimento do despacho do Signatário, datado de 27 de agosto de 2021, e na sequência da comunicação de início de obra de Escassa Relevância Urbanística, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 6.º-A, do Decreto-Lei n.º 55/99, de 16 de Dezembro, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março, e, para efeitos do cumprimento do disposto nos artigos 80.º-A e n.º 1 do artigo 93.º, do mesmo diploma legal, a dar início no dia 30 de Agosto do corrente ano, (…) (…) Pretende V. Ex.ª, a “edificação de muro divisório entre propriedades com menos de 2 m de altura”, enquadrada em obra de escassa relevância urbanística, segundo disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 5º do Regulamento de Urbanização e Edificação do Município da Praia da Vitória, Aviso n.º …/…, de 29 de Abril, com a alteração dada pelo Regulamento (extrato) n.º …/…, de 24 de Outubro, isto é, “a edificação de muros de vedação até 2 m de altura que não confinem com a via pública”. Face á sua pretensão do comunicante, convém esclarecer que uma comunicação de início de obra de escassa relevância urbanística será sempre da responsabilidade do comunicante, não dando origem a uma autorização ou até aprovação. O cumprimento da legislação em vigor será sempre da responsabilidade do comunicante. Sem prejuízo do anterior, informa-se V. Ex.ª dos seguintes: (…) Pelo facto de a operação ser considerada de “escassa relevância urbanística”, não está isenta da observância das normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as constantes de plano municipal e plano especial de ordenamento do território bem como as normas técnicas de construção e demais legislação em vigor.”
- foi junta aos autos com a Contestação (doc. 3) uma informação de Vereadora da Câmara Municipal da Praia da Vitória, datada de 28-10-2021, dirigida ao Réu em que consta designadamente o seguinte: “(…) Mais se informa que, relativamente à comunicação efetuada para a construção do muro divisório, embora tratando-se de uma obra isenta de controlo prévio, compete a esta Câmara Municipal, salvaguardar que a construção do muro na parte posterior da sua edificação, não ultrapassa os 2 m de altura nem o plano que define a altura do peitoril da janela da habitação identificada com o n.º 59, para que não haja prejuízo relativamente a questões de iluminação e ventilação do compartimento”.
Ora, efetivamente, não podemos olvidar que, nos termos do art. 6.º-A, n.º 1, al. b), do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16-12, são consideradas obras de escassa relevância urbanística a “edificação de muros de vedação até 1,8 m de altura que não confinem com a via pública e de muros de suporte de terras até uma altura de 2 m ou que não alterem significativamente a topografia dos terrenos existentes”.
Face à localização dos prédios em apreço, rege o disposto no art. 5.º, n.º 2, al. f), do Regulamento de Urbanização e Edificação do Município da Praia da Vitória, anexo ao Aviso n.º …/… publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 83, 29-04-2009, nos termos do qual podem ser consideradas obras de escassa relevância urbanística, para efeitos do disposto na alínea g) [atual alínea i)] do n.º 1 do art. 6.º-A, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), na redação então vigente, e ulteriores alterações, entre outras, a “Edificação de muros de vedação até 2m de altura que não confinem com a via pública”. Ou seja, são consideradas obras de escassa relevância urbanística as obras como tal qualificadas em regulamento municipal, estando assim isentas de controlo prévio, por força do disposto no art. 6.º, n.º 1, al. c), do referido RJUE.
De salientar que não se discutiu nos autos a constituição de uma servidão de vistas, estando provado que a distância entre o muro e a dita janela é superior à distância de metro e meio prevista nos artigos 1360.º e 1362.º do CC, nem se trata aqui propriamente, ao contrário ao que parece ter sido entendido pelo Tribunal a quo, do exercício do direito de tapagem tout court, nos termos previstos no art. 1356.º do CC.
Importa sim convocar o disposto nos artigos 1373.º e 1374.º do CC, atinentes, respetivamente, à construção sobre o muro comum e ao alçamento do muro comum, em particular este último, nos termos do qual: “1. A qualquer dos consortes é permitido altear a parede ou muro comum, contanto que o faça à sua custa, ficando a seu cargo todas as despesas de conservação da parte alteada. 2. Se a parede ou muro não estiver em estado de aguentar o alçamento, o consorte que pretender levantá-lo tem de reconstruí-lo por inteiro à sua custa e, se quiser aumentar-lhe a espessura, é o espaço para isso necessário tomado do seu lado. 3. O consorte que não tiver contribuído para o alçamento pode adquirir comunhão na parte aumentada, pagando metade do valor dessa parte e, no caso de aumento de espessura, também metade do valor do solo correspondente a esse aumento.”
Foi, pois, exercitado pelos Autores o direito (emanação do direito de propriedade) ao alteamento ou alçamento de muro divisório comum, não se podendo considerar, contrariamente ao afirmado na sentença recorrida, que a obra de alceamento do muro em causa (cf. os factos XII, XIII, XIV, XV), afronta os artigos 58.º e 73.º do RGEU. Aliás, nem se nos afigura demonstrada a infração de outras normas regulamentares, já que apenas se provou que o muro ficou com a altura de 2,11 m a contar do chão da entrada, nada permitindo considerar que a construção do muro na parte posterior da sua edificação ultrapassa os 2 m de altura, nem sequer que ultrapassa o plano que define a altura do peitoril da janela da casa de habitação (o que é diferente de um anexo) dos Réus.
O Tribunal recorrido, além de qualificar a atuação dos Autores como sendo o exercício do direito de tapagem consagrado no art. 1356.º do CC, entendeu que, no caso, esse direito devia ceder perante o direito dos Autores a um ambiente sadio, convocando o disposto no art. 335.º do CC, atinente à colisão de direitos, acrescentando que, se assim não se entendesse, sempre o alceamento do muro à altura em causa, atendendo às suas consequências para as edificações do prédio dos Autores seria ofensiva dos ditames da boa-fé e levaria à convocação do instituto do abuso de direito ínsito no art. 334.º do CC.
Importa então, logicamente, prosseguir com a análise da questão de saber se a demolição do alçamento do muro, nos termos em que foi determinada, não tem razão de ser, ponderando os argumentos dos Réus-Apelantes, isto é, a circunstância de, segundo alegam, a obra estar isenta de controlo prévio, ter sido comunicada à competente Câmara Municipal e obtido aprovação conforme pareceres técnicos, pelo que sempre estiveram de boa fé.
Antes de mais, cumpre apreciar se a atuação dos Réus não constitui um abuso do direito nos termos do art. 334.º do CC, até porque, a configurar um abuso do direito, parece-nos que logo ficará prejudicada a questão de saber se existiu um erro de julgamento na aplicação do art. 335.º do CC atinente à colisão de direitos.
Como é consabido o Código Civil de 1966 consagrou no art. 334.º o abuso do direito na conceção objetiva, dispondo que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. O abuso do direito é, assim, o excesso patente dos limites impostos pela boa fé, não se tornando necessário que tenha havido a consciência de se excederem esses limites. E tem sido entendido que para determinar quais os limites impostos pela boa fé ou pelos bons costumes o julgador deverá atender às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade, devendo para apurar do fim social ou económico do direito considerar os juízos de valor positivamente consagrados na lei (neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 299).
De referir que as consequências do abuso do direito não podem deixar de ser ajustadas às especificidades de cada caso concreto, operando, com frequência, como exceção perentória. Assim, nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, págs. 299-300, “tem as consequências de todo o acto ilegítimo: pode dar lugar à obrigação de indemnizar, à nulidade, nos termos do artigo 294.º; à legitimidade de oposição; ao alongamento de um prazo de prescrição ou de caducidade.”
Na mesma linha, sobre as consequências do abuso do direito, veja-se Menezes Cordeiro, in “Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas”, in ROA Ano 2005, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista/ano-2005/ano-65-vol-ii-set-2005/artigos-doutrinais/antonio-menezes-cordeiro-do-abuso-do-direito-estado-das-questoes-e-perspectivas-star/: O artigo 334.º fala em “ilegitimidade” quando, como vimos, se trata de ilicitude. As consequências podem ser variadas: — a supressão do direito: é a hipótese comum, designadamente na suppressio; — a cessação do concreto exercício abusivo, mantendo-se, todavia, o direito; — um dever de restituir, em espécie ou em equivalente pecuniário; — um dever de indemnizar, quando se verifiquem os pressupostos de responsabilidade civil, com relevo para a culpa. Não é, pois, possível afirmar a priori que o abuso do direito não suprima direitos: depende do caso.
Tanto a doutrina, como a jurisprudência vêm dando abundante contributo para a compreensão desta figura, elaborando uma série de hipóteses típicas concretizadoras da cláusula geral da boa fé. Lembramos a síntese exemplar feita no acórdão do STJ de 21-09-1993, a partir dos ensinamentos de Manuel de Andrade, Almeida Costa, Pires de Lima e Antunes Varela: “a complexa figura do abuso do direito é uma cláusula geral, uma válvula de segurança, uma janela por onde podem circular lufadas de ar fresco, para obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalente na comunidade social (...) em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito por lei conferido; existirá abuso do direito quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, aparece, todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito, dito de outro modo, o abuso do direito pressupõe a existência e a titularidade do poder formal que constitui a verdadeira substância do direito subjectivo mas este poder formal é exercido em aberta contradição, seja com o fim (económico e social) a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético-jurídico (boa fé e bons costumes) que, em cada época histórica envolve o seu reconhecimento” (in Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo III, pág. 21).
Na doutrina, destacamos os ensinamentos de Menezes Cordeiro, na vasta obra publicada, designadamente in “Teoria Geral do Direito Civil”, 1.º Vol. 1987/88, pág. 371 e ss. e 663 e ss., e também no artigo acima citado, onde explica (omitimos as notas de rodapé; sublinhado nosso): “O abuso do direito é um instituto multifacetado. Encontramo-lo, hoje, no dia-a-dia dos nossos tribunais, para resolver questões deste tipo: (…) II. Os exemplos alinhados documentam, sucessivamente, cinco subinstitutos, ausentes dos nossos manuais até há bem pouco tempo: venire contra factum proprium, inalegabilidade formal, suppressio, tu quoque e desequilíbrio no exercício. Todos eles traduzem concretizações de uma ideia tradicional: a da proibição do abuso do direito. Finalmente: todos apelam ao adensamento de um princípio clássico: a boa fé. (…) I. No Direito português, a base jurídico-positiva do abuso do direito reside no artigo 334.º e, dentro deste, na boa fé. Para além de todo o desenvolvimento histórico e dogmático do instituto que aponta nesse sentido, chamamos ainda a atenção para a inatendibilidade, em termos de abuso, dos bons costumes e da função económica e social dos direitos. Os bons costumes remetem para regras de comportamento sexual e familiar que, por tradição, não são explicitadas pelo Direito civil, mas que este reconhece como próprias. E eles remetem, também, para certos códigos deontológicos reconhecidos pelo Direito. Nestes termos, os bons costumes traduzem regras que, tal como muitas outras, delimitam o exercício dos direitos e que são perfeitamente capazes de uma formulação genérica. Não há, aqui, qualquer especificidade. Quanto ao fim económico e social dos direitos: a sua ponderação obriga, simplesmente, a melhor interpretar as normas instituidoras dos direitos, para verificar em que termos e em que contexto se deve proceder ao exercício. Também aqui falta um instituto autónomo, já que tal interpretação é sempre necessária. (…) II. A boa fé, em homenagem a uma tradição bimilenária, exprime os valores fundamentais do sistema. Trata-se de uma visão que, aplicada ao abuso do direito, dá precisamente a imagem propugnada. Dizer que, no exercício dos direitos, se deve respeitar a boa fé, equivale a exprimir a ideia de que, nesse exercício, se devem observar os vectores fundamentais do próprio sistema que atribui os direitos em causa. III. Aparentemente vago, este postulado obtém uma concretização fecunda através dos vectores próprios do manuseio da boa fé. Recordamos: — a utilização dos princípios mediantes da tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente; — o enquadramento nos grupos típicos de actuações abusivas, com relevo para o venire, a suppressio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício.”
Para este autor, o exercício em desequilíbrio verifica-se quando o exercente de um direito exerce uma atividade que causa danos a outrem inutilmente ou quando provoca uma desproporção inadmissível entre a vantagem própria e o sacrifício que impõe a outrem.
Esta última é a hipótese típica em que nos devemos deter com mais atenção, na esteira de vasta jurisprudência produzida a propósito de situações próximas da que nos ocupa, em que avulta o acórdão do STJ de 28-10-2008, proferido no proc. n.º 08A3005, disponível em www.dgsi.pt (embora a propósito do direito de tapagem, as suas considerações podem ser transpostas para o exercício do direito de alteamento), conforme consta do seguinte trecho do respetivo sumário que: “7) O direito de tapagem, não pode ser exercido de forma abusiva, violando o direito de propriedade dos donos do prédio confinante. 8) O âmbito plenissímo do direito de propriedade está sujeito a limitações de interesse público resultantes de uma função social, tal como as limitações de interesse privado elencadas exemplificativamente no Código Civil. 9) O abuso de direito comporta duas modalidades: “Venire contra factum proprium” e situações de desequilíbrio, estas com as “species” do exercício danoso inútil, da actuação dolosa e da desproporção grave entre o exercício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem. Tem como escopo principal impedir que a estrita aplicação da lei conduza a notória ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante. 10) Um muro de vedação pode ter como funções específicas garantir a privacidade, evitando o devassamento, o arremesso de objectos e a demarcação do prédio, mas terá de ser limitado pelos direitos dos vizinhos. 11) O direito à insolação – no sentido de exposição ao sol – integra-se no direito à saúde, na vertente de direito de personalidade, na estrita medida em que a exposição solar, com ponderada moderação, tem efeitos terapêuticos físicos e psicológicos. 12) Ocorre colisão de direitos sempre que, na configuração casuística, ou no seu exercício, dois ou mais direitos subjectivos são incompatíveis entre si, devendo então prevalecer o que tutela um interesse superior, como é o caso dos direitos de personalidade. 13) Para apreciação da prevalência deve, contudo, analisar-se a situação em concreto tendo em conta a intensidade do exercício do direito e a sua antiguidade, já que tem de considerar-se a posição que foi alterada pela situação conflituante.”
Apreciou-se nesse acórdão uma situação em que havia sido, pelos réus, elevado o solo do seu lote em mais de três metros e construído um muro com mais de 2 metros de altura a dividir tal lote do prédio do aí autor-recorrente, com a retirada da plena insolação deste último prédio. Analisou-se, após afastar outras modalidades do abuso do direito, se o caso configuraria uma situação de desequilíbrio, lembrando que, na doutrina, têm sido consideradas, situações de exercício danoso inútil, de “dolo agit, qui petit, quod satim redditurus est” (age contra a boa fé o credor que exige uma prestação que deve restituir imediatamente ao devedor) e ainda de desproporção grave entre o exercício do direito pelo seu titular (exercente) e o sacrifício por ele imposto a outrem (citando a ROA, 65.º, setembro 2005, 361, Prof. Menezes Cordeiro e Acórdão do STJ de 04-03-1997 CJ/ STJ – 1997, Tomo 1, pág. 121), explicitando-se que esta última modalidade (“desproporção grave”) se carateriza “por um manifesto excesso no exercício do direito de propriedade, por exercido à custa do direito de outro, com evidente e injustificado prejuízo deste, em muito se aproxima da figura de colisão de direitos – artigo 335.º do Código Civil”. Lembrou-se ainda o acórdão do STJ de 03-11-2005, no proc. n.º 05B2728, disponível em www.dgsi.pt, onde se havia decidido não poder considerar-se excessiva uma altura máxima de um muro (ou vedação) que “não atinge um metro a mais daquilo que será a altura média de um indivíduo, sendo certo que uma das funções da tapagem é garantir a privacidade e a segurança.”
Ainda nesse acórdão do STJ de 28-10-2008, considerou-se, tendo em conta que, no nosso país, a altura média do homem se situava entre 1,68m e 1,74m, ser racional e equilibrado que, no exercício do direito do art. 1356.º do CC, o muro pudesse atingir cerca de 3 metros. Na análise desse caso, ponderou-se que, conjugando a elevação do terreno com a altura do muro, a separação física ascendia a mais de cinco metros, sendo constituída, em parte, por uma vedação com rede verde compacta, tecendo-se as seguintes considerações: «Não se ignorando, embora, que os Réus pudessem ter implantado, a, ao menos, 1.5m da linha divisória, um prédio de paredes nuas (salvo com frestas, seteiros, óculos de luz, ou janelas gradadas, mais tarde vedáveis por construção no prédio confinante), nos termos dos artigos 1360.º e 1363.º do Código Civil, o certo é que a função-utilidade de um edifício é sempre diversa da de um muro divisório. Ali, difícil é vislumbrar um abuso de direito, ainda que nas aludidas modalidades de exercício danoso inútil ou de desproporção grave, por se tratar de um pleno, mas diferente, “jus fruendi” ou de integral “jus utendi”. Mas a construção de um muro, com funções especificas de demarcação, de vedação ou de garantir a privacidade (também obstáculo ao “devassamento do prédio vizinho, por indiscrição, intromissão no espaço deste e possível arremesso de objectos” (…) presumindo a lei que “existe obstáculo ao devassamento, na medida em que é, pelo menos, mais difícil desfrutar vistas junto à linha divisória, debruçar-se ocupando o espaço aéreo do terreno vizinho, ou arremessar objectos para ele” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1999 – 98 A1220), já terá de ser mais limitada pelos direitos do vizinho que pode forçar o construtor à sua comunhão (artigo 1370.º do Código Civil) sendo que a sua compropriedade é de presumir (artigo 1371.º do Código Civil) , a sua alteração e reconstrução ou reparação de direitos comuns (artigos 1373.º a 1375.º do Código Civil). Aqui chegados, as situações referentes a este tipo de construção mais frequentemente se colocam em sede de colisão do que na área do abuso de direito (e quando assim é sê-lo-á na modalidade dolosa de exercício danoso inútil. (cf. Doutor Cunha e Sá, “Abuso de Direito” e “inter alia” o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Abril de 1999 – P.º 229/99 – 2.ª). Mas quer o abuso, quer a colisão de direitos têm por principal missão impedir que a mera aplicação estrita dos comandos legais conduza, na expressão do Prof. Manuel de Andrade a “injustiças clamorosas” ou, na óptica do Prof. Vaz Serra, a “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante” (in RLJ – 103.º, 13.º, e 107.º, 311). Não se olvide, finalmente, que o conceito de boa fé constante do artigo 334.º do Código Civil tem um sentido ético que se reconduz às exigências fundamentais da ética jurídica “que se exprimem na virtude de manter a palavra dada e a confiança de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do circulo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos.” (Prof. Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 9.ª ed., 104-105). (…) Como acima se explanou cremos não ser esta uma situação de abuso mas, a existir, de mera colisão de direitos.»
Concluiu, pois, o STJ que não existia uma situação de abuso do direito, mas de mera colisão de direitos, tendo sido decidido condenar os réus a baixarem o muro divisório ou a torná-lo não compacto, na parte da rede, de molde a permitir a passagem dos raios solares.
Este acórdão foi objeto de comentário por Pedro de Albuquerque, em artigo intitulado “Direito à Isolação - Direito de Tapagem - Conflito de Direitos, ou o Direito ao Ambiente e à Qualidade de Vida - Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Outubro de 2008” (artigo disponível para consulta online, na página https://www.oa.pt/cd/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?sidc=51439&idc=31890&idsc=84044&ida=84112), em que, a propósito da eventual aplicação da figura do abuso de direito, se afirma que o exercício do direito de tapagem tem sido frequentemente passado pelos nossos tribunais através do crivo do abuso de direito, apontando a generalidade das decisões no sentido da licitude do respetivo exercício, ainda quando retire luz ou projete sombra sobre prédios vizinhos sempre que atuado em termos de normalidade, afirmação que é ilustrada com uma interessante resenha de acórdãos, para a qual, por economia, se remete. Depois de referir que no Acórdão anotado se entendera não estar verificada nenhuma situação de venire contra factum proprium, de supressio, surrectio ou tu quoque, nem haver qualquer desequilíbrio no exercício, afirma o citado autor “(N)ão se está, no caso concreto, diante de um exercício danoso inútil em que o titular, actuando no âmbito formal de uma permissão que constitui o seu direito, não retira do comportamento qualquer benefício pessoal. O aterro — e parece, ainda, a tapagem — traduzirão o exercício de um direito, por parte do proprietário, para melhor aproveitamento geodésico e físico do terreno e suas características. Menos clara, à partida, se revelaria, porventura, a possibilidade de se estar diante de um caso de desproporção entre a vantagem de um titular e o sacrifício por ele imposto a outrem na forma de um exercício jurídico-subjectivo sem consideração de situações especiais. Tratando-se, porém, de direitos subjectivos a nossa ordem jurídica contém uma saída mais rápida, mais imediata e menos exigente através da colisão de direitos contemplada no artigo 335.º do Código Civil. É essa a via explorada pelo STJ neste aresto.”
Transpondo estas considerações lapidares para o caso dos autos, já se vê que não podemos acompanhar a posição adotada na sentença recorrida, ao qualificar como um abuso do direito o alteamento do muro por parte dos Réus.
Na verdade, conforme suprarreferido, apenas se provou que o muro ficou com a altura de 2,11 m a contar do chão da entrada, nada permitindo considerar que a construção do muro na parte posterior da sua edificação ultrapassa os 2 m de altura, nem sequer que ultrapasse o plano que define a altura do peitoril da janela da casa de habitação dos Réus. Ao invés, tudo indica que os Réus pretenderam altear o muro divisório, com o objetivo de lhes proporcionar maior privacidade no seu prédio, fazendo-o com respeito pela norma regulamentar acima referida, realizando uma obra de escassa relevância urbanística, não estando provado - muito embora seja irrelevante para o caso - se fizeram ou não, antes de dar início à obra, a devida comunicação prévia à Câmara Municipal, muito menos se existiram pareceres favoráveis que apenas tiveram em consideração a casa de habitação existente no prédio dos Autores, e não o anexo.
Tendo sido adotada uma altura que, pelo menos no ponto em que foi medida, corresponde sensivelmente à permitida em regulamento municipal (parecendo-nos insignificante uma diferença de “meio palmo”) e tratando-se a construção mais próxima de um mero anexo e não da casa de habitação dos Autores (ao contrário do que alegaram na Petição Inicial, em que referiram um “quarto de cama que sempre existiu e que fica na fachada do prédios dos AA”), não se vê motivo para considerar que os Réus tenham agido de má fé, em abuso do direito.
Admite-se que porventura teria sido mais conforme com o fim económico social do direito e os bons costumes e até as boas relações de vizinhança, o alteamento do muro a um nível inferior (porventura os 1,80 m previstos no regime jurídico da urbanização e edificação). No entanto, não descortinamos aqui uma manifesta desconformidade com os limites decorrentes da boa fé, dos bons costumes e do fim económico social, pelo que concluímos ter existido um erro de julgamento da sentença a este respeito.
Resta analisar se à luz do disposto no art. 335.º do CC (atinente à colisão de direitos), a solução do caso deveria ser diferente da que foi. Aí se estabelece que: “1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes. 2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.”
Os Réus invocam, de forma muitíssimo incipiente, um erro de julgamento a este respeito, sendo também escassa a fundamentação de direito que da sentença consta. Na perspetiva do tribunal a quo, estavam em causa direitos de espécie diferente, o direito de propriedade dos Réus (relativamente à tapagem do seu prédio) no confronto com o direito dos Autores a um ambiente sadio(parecendo, assim, ter considerado o direito à saúde e à qualidade de vida que se encontra consagrado, além do mais, nos artigos 64.º e 66.º da Constituição da República Portuguesa), pelo que deveria prevalecer este último.
Abundam na jurisprudência acórdãos em que se aplicou a figura da colisão de direitos, em particular na resolução de litígios em que as partes invocavam, de um lado, o direito de propriedade e, do outro lado, os direitos à integridade física e psíquica e à saúde. Assim sucedeu no referido acórdão do STJ de 28-10-2008, de que citamos, pelo seu interesse, a seguinte passagem: «Ora, não se demonstrando, como antes se concluiu o “dolus malus” dos recorridos por não terem agido com o propósito de fazerem sombra sobre o prédio vizinho, o que arreda o abuso de direito, ocorrem posições conflituantes entre um direito superior (direito á saúde, na vertente de direito da personalidade e, por isso absoluto – cfr. Prof. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado”, 4ª ed., 104 e Jorge Miranda, in “Manual de Direito Constitucional”, IV, 145/146) no cotejo com o direito de propriedade, considerando, também, a intensidade do seu exercício, em concreto, e a antiguidade (ou anterioridade) do primeiro, já que o titular daquele é que viu a sua situação alterada, ponto a relevar na apreciação em concreto (cf. Prof. Capelo de Sousa – “O Direito Geral de Personalidade”, 547 – Pessoa Jorge – “Ensaio sobre os pressupostos da Responsabilidade Civil” 201 – e Meneses Cordeiro, ob. cit., 48). No conflito de direitos há que atentar nos velhos aforismos “não exercer os nossos direitos com o sacrifício dos direitos alheios” ou “o direito de um acaba quando começa o direito do outro”. Citando, a propósito, a Prof.ª Gisele Leite (in “Considerações sobre o direito de vizinhança”) ao comentar o artigo 1293.º do Código Civil Brasileiro, dir-se-á que, “os direitos de propriedade vigoram sobre a óptica da função social e, sobretudo, pelas condutas norteadas pela boa fé objectiva. Não sendo o direito de propriedade infinito e ilimitado, constituindo uma importante projecção da personalidade jurídica que por sua vez deve respeitar as demais personalidades jurídicas e os respectivos direitos que dela emanam”. Na linha do exposto, o direito à insolação do recorrente prevalece sobre o direito de tapagem dos recorridos, por ali estar em causa o direito à saúde e, em concreto, se verificar a anterioridade».
De referir que esta solução encontrada pelo STJ foi vista na aludida anotação deste acórdão como sendo “perfeitamente ajustada”, acrescentando-se que, “mesmo se não fosse possível trazer à colocação o direito à saúde ou ao ambiente, no qual, in casu, o primeiro se integra, sempre pareceria continuar a haver, na hipótese decidida, um conflito de direitos de propriedade. O conflito do direito do proprietário Réu a proceder e manter a construção, de um lado, e o do proprietário Autor, do outro, a gozar do modo mais pleno e intensivo possível da sua propriedade — ou, dito de outra maneira, de gozar do máximo de utilidades que a sua casa, terreno e piscina lhe proporcionam. O conflito parece, naturalmente, a resolver de acordo com o artigo 335.º. E foi isso que, in casu, o STJ fez ao condenar os Réus a baixarem o muro divisório, na parte da rede ou tornando-o não compacto, nessa parte, em termos de permitir a passagem de raios solares.”
Porém, essa posição não é isenta de crítica, como a feita por Elsa Vaz de Sequeira, designadamente no seu artigo intitulado “Colisão de direitos”, in “Cadernos de Direito Privado”, n.º 52, Outubro/Dezembro de 2015, págs. 20 a 34, afirmando que “não raro a jurisprudência tem qualificado como colisão de direitos casos de autênticos conflitos aparentes de normas”, na medida em que o conteúdo real de direitos, como o direito de propriedade e ao exercício de uma atividade comercial, não comporta o poder de ofender aqueles outros direitos.
Volvendo ao caso sub judice, apenas está provado que o alçamento do muro levou a que ficasse parcialmente obstruída e, assim, prejudicada, a iluminação natural/luminosidade e a exposição solar de um quarto de costura existente no anexo do prédio referido, provocando maior grau de humidade, não se nos afigurando que tal situação seja subsumível na previsão do art. 335.º do CC.
Embora seja facto notório que a fraca iluminação natural e a humidade num quarto de costura [cf. artigos 5.º, n.º 1, al. c), e 412.º, n.º 1, ambos do CPC] podem prejudicar o bem-estar físico (e até psíquico) de quem aí se encontre a laborar, não se provou que os Autores efetivamente façam uso desse espaço, para essa finalidade, ou qual a frequência dessa utilização, nem que estejam a ser afetados na sua saúde por essas duas circunstâncias, as quais até são passíveis de serem mitigadas com recurso a iluminação artificial, arejamento e/ou um desumidificador.
Assistindo, é certo, aos Autores o direito a fruírem plenamente do imóvel de que são proprietários, não se pode considerar que a atuação dos Réus, ao procederem ao alteamento do muro nos termos em que o fizeram, constitua uma intolerável ofensa ilícita ao direito de propriedade dos Autores ou aos outros direitos subjetivos acima referidos.
Portanto, nada permite considerar que os inegáveis direitos de propriedade e qualidade de vida dos Autores tenham sido ilicitamente afetados pelo exercício por parte dos Réus do seu direito ao alteamento do muro divisório.
Logo, impõe-se conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, na parte objeto do presente recurso.
Vencidos os Autores-Apelados, são responsáveis pelo pagamento das custas do presente recurso (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
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III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, revogando-se, em consequência, a sentença recorrida no ponto 1.2. do seu segmento decisório e decidindo-se, em substituição daquela, absolver os Réus LM e DP do pedido de demolição do alçamento do muro que confronta entre o prédio dos Autores e o prédio dos Réus.
Mais se decide condenar os Autores-Apelados no pagamento das custas do presente recurso.
D.N.
Lisboa, 23-11-2023
Laurinda Gemas
Higina Castelo
Orlando Nascimento (Vencido, conforme Declaração de voto anexa)
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Declaração de Voto
Teria confirmado a sentença atentos os factos sob os n.ºs XIII, XIV e XVI da matéria de facto provada e a advertência já contida na informação da Sr.ª Vereadora da Câmara Municipal da Praia da Vitória, datada de 28-10-2021, aliás citada a fls. 20 do projeto que fez vencimento, na parte em que refere que “…embora tratando-se de uma obra isenta de controlo prévio, compete a esta Câmara Municipal, salvaguardar que a construção do muro na parte posterior da sua edificação, não ultrapassa os 2 m de altura nem o plano que define a altura do peitoril da janela da habitação identificada com o n.º 59, para que não haja prejuízo relativamente a questões de iluminação e ventilação do compartimento”.
(Orlando Santos Nascimento)