AÇÃO EXECUTIVA
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
RENOVAÇÃO DA INSTÂNCIA
DESCONTOS NO VENCIMENTO
DESERÇÃO
PER
Sumário

I - A extinção da execução ao abrigo do art.º 779º nº 4 al. b) do CPC não é, rectius pode não ser, definitiva.
II - Como decorre do nº 5 do art.º 779º do CPC, nos casos em que ocorra qualquer circunstância que impeça a continuidade dos pagamentos feitos diretamente pela entidade patronal ao Exequente, cabe a este o ónus de requerer a renovação da instância para satisfação do remanescente do seu crédito.
III - Ocorrendo a suspensão dos descontos por força da instauração de um PER, e tendo esse PER sido encerrado nos termos do nº 4 do art.º 17º-G do CIRE, recai sobre o Exequente o ónus de acionar de novo o processo executivo, requerendo a sua renovação, em cumprimento do princípio dispositivo e do nº 5 do art.º 779º do CPC.
IV - Não se encontrando contemplado na lei qualquer prazo para que o Exequente requeira a renovação da instância executiva nos termos do nº 5 do art.º 779º do CPC, ele sempre o terá de efetuar no prazo de 6 meses, sob pena de extinção da ação executiva por deserção (art.º 281º nº 5 do CPC).

Texto Integral

Apelação nº 21776/22.9T8PRT.P1




ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


I – Resenha histórica do processo
1. Correu termos um processo de execução instaurado por Banco 1..., SA (Banco 1..., SA), contra AA, BB, CC e DD.
Em fevereiro de 2009 iniciaram-se descontos no vencimento da Executada BB. Entretanto, a entidade patronal informou ter-lhe sido concedida licença sem remuneração, por um ano, com início em 01/05/2009. Em julho de 2010 retomaram-se os descontos.
Em dezembro de 2012, a Exequente requereu “a restituição das verbas depositadas”, o que lhe foi diferido.
Os descontos continuaram até março de 2014, altura em que a entidade patronal foi notificada da adjudicação das quantias vincendas e de que deveria entregar os montantes a descontar diretamente à Exequente a partir de abril de 2014.
Em abril de 2014, todas as partes foram notificadas da extinção da execução “por adjudicação de quantias vincendas [art.º 779º nº 4 al. b)] do CPC.
Em julho de 2014 foi aposto o visto em correição.
Em dezembro de 2022, a Exequente Banco 1..., SA veio requerer que se “ordene a notificação da entidade patronal da executada BB para retomar a penhora do vencimento”.
Para o efeito, informou que a Executada BB havia requerido um Processo Especial de Revitalização (PER) em junho de 2014 e, nesse processo, o Sr. Administrador nomeado comunicou à entidade patronal para que suspendesse de imediato a penhora do vencimento, o que foi cumprido. Sucede que o PER não foi aprovado e o processo foi encerrado. O Sr. Administrador não comunicou à entidade patronal esse encerramento, pelo que a penhora de vencimento continuou suspensa à ordem deste processo de execução. Juntou vários documentos, designadamente o anúncio do PER, datado de 27/06/2014, bem como a decisão do respetivo encerramento, datada de 27/02/2015.
Ouvida a Executada BB, manifestou-se no sentido de a instância dever ser considerada deserta e extinta, dado terem decorrido mais de 6 anos sem impulso processual da Exequente (considerando a data do PER e a do requerido agora pela Banco 1..., SA).
A M.mª Juíza proferiu o seguinte despacho:
«Em Abril de 2014, a execução foi extinta por adjudicação das quantias vincendas (penhora do ordenado) da executada BB.
Em 27-06-2014 nos Juízos Cíveis do Porto, 3ª Juízo Cível de Porto, no âmbito dos autos 1009/14.2TJPRT - Processo Especial de Revitalização (CIRE) foi em 26/06/2014 proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório dos devedores: EE, e BB.
Nessa sequencia, foram suspensos os descontos no ordenado a decorrer.
Por despacho de 27-02-2015 proferido naqueles autos 1009/14.2TJPRT, foi encerrado o processo, extinguindo-se, nos termos do nº 2 do art.º 17º-G do CIRE todos os seus efeitos.
Em 6.12.2022, veio a exequente requerer que se ordenasse que a entidade patronal da executada retomasse esses descontos (penhora) no âmbito destes autos, ante o encerramento do PER ocorrido em 2015.
Dispõe o art.º 281.º n.º 5 do CPC, que - No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
Assim, e tendo o processo de insolvência sido encerrado em fevereiro de 2015, em 6.12.2022, data do requerimento da exequente, encontra-se já há muito, extinta a presente instância executiva por deserção - o art.º 281.º n.º 5 do CPC, pelo que se indefere o requerido pela exequente.»

2. Inconformada com tal decisão, dela apelou a Exequente, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«1. O presente recurso vem interposto do Douto Despacho que indeferiu o pedido de prosseguimento da ação executiva contra a entidade patronal da executada por entender que a presente instância executiva se encontra extinta por deserção.
2. A 12 de março de 2010, a Exequente Banco 1..., SA, S.A. requereu a notificação da entidade patronal da Executada BB, Município ..., para proceder à penhora do vencimento da executada, o que ocorreu a 31 de março de 2010.
3. A entidade patronal da Executada, Município ..., procedeu aos descontos no vencimento auferido por BB desde abril de 2010.
4. A 1 de abril de 2014, a Exequente Banco 1..., SA, S.A. foi notificada da extinção da execução por adjudicação das quantias vincendas ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 4 do artigo 779.º do CPC.
5. A 27 de junho de 2014, no âmbito do processo n.º 1009/14.2TJPRT, foi proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório da devedora, ora executada, BB e, em consequência, foram suspensos os descontos no respetivo vencimento.
6. O referido processo especial de revitalização foi encerrado por despacho de 27 de fevereiro de 2015, sem acordo e sem que tivessem sido retomados os descontos no vencimento auferido pela Executada BB.
7. A 5 de dezembro de 2022, a Exequente Banco 1..., SA, S.A. requereu a notificação da entidade patronal da executada BB para retomar os descontos no respetivo vencimento, tendo a Executada alegado a deserção da instância executiva.
8. A 3 de março de 2023 foi proferido o despacho ora em crise que indeferiu o requerido pela Exequente Banco 1..., SA, S.A. pelo facto da instância executiva se encontrar extinta por deserção nos termos do n.º 5 do artigo 281.º do CPC.
9. Nos termos do artigo 281.º, n.º 5 do CPC, a instância considera-se deserta, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
10. A deserção da instância pressupõe um abandono da instância processual pelas pessoas oneradas com o impulso processual e pelo interesse público da não duração indefinida dos processos, em face da constatada, reiterada e prolongada inércia das partes em promover o seu andamento.
11. Para que se esteja perante a causa extintiva da instância executiva por falta de impulso processual torna-se necessário que se conclua pela existência de revelada incúria de modo que as partes possam verificar, inequivocamente, que ocorreu no processo um desleixo na ação e que a parte a quem se atribui este descuido merece a punição prescrita na lei.
12. Os mecanismos que foram criados pelo legislador, nomeadamente, a consagração legal de prazos mais curtos para o impulso processual têm em vista a prossecução de objetivos e necessidades de conferir maior eficácia e celeridade ao sistema de justiça.
13. Para que haja lugar à deserção é necessário e indispensável que a parte esteja obrigada a promover o impulso e o não o faça – Cfr. Ac. TRG de 24 de outubro de 2013.
14. A presente instância executiva não estava parada e a aguardar o impulso processual da Exequente Banco 1..., SA, S.A., uma vez que a mesma se encontrava extinta, desde 1 de abril de 2014, por adjudicação das quantias vincendas nos termos do disposto na al. b) do n.º 4 do artigo 779.º do CPC.
15. A extinção da execução nos termos do artigo 779.º, n.º 4, al. b), do CPC, é uma verdadeira extinção da instância executiva, sem prejuízo de a mesma poder ser renovada nos casos previstos na lei.
16. Nos termos do n.º 5 do artigo 779.º do CPC, a lei admite a renovação da instância executiva precisamente nos casos da extinção da ação executiva por adjudicação das quantias vincendas e para satisfação do remanescente do crédito.
17. A referida norma remete para o disposto no artigo 850.º, n.º 5 do CPC, o qual admite a renovação da instância executiva, sendo apenas exigível ao exequente que indique os concretos bens a penhorar.
18. Não há qualquer prazo para o Exequente requerer a renovação da instância executiva, sob pena de preclusão do respetivo direito.
19. Se a presente instância executiva se encontrava extinta desde 1 de abril de 2014, por adjudicação das quantias vincendas, a mesma instância não pode ser novamente extinta por deserção, a qual pressupõe a pendência da ação.
20. A extinção por deserção implica que o processo executivo esteja parado, ou seja, que se verifique um abandono da instância processual pelo Exequente e que o mesmo lhe seja imputável.
21. A presente instância executiva não esteve parada e a aguardar o impulso processual da Exequente Banco 1..., SA, S.a., porquanto a mesma se encontrava extinta desde 2014 por adjudicação das quantias vincendas.
22. A presente instância executiva não se encontrava a aguardar qualquer impulso para o andamento do processo executivo com as diligências necessárias para a penhora de bens dos Executados.
23. A deserção do processo executivo “supõe que os autos estejam a aguardar um impulso processual cuja iniciativa caiba ao Exequente e que este esteja ciente da necessidade de tal iniciativa, sendo que, efetivamente, fora desse duplo circunstancialismo, não é possível concluir pela inércia do exequente, assim legitimadora do tal juízo acerca do interesse no próprio processo.” – Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24 de outubro de 2013.
24. A instância encontrava-se extinta por adjudicação das quantias vincendas desde abril de 2014, pelo que a mesma não se encontrava a aguardar qualquer impulso processual, pelo que não se encontram preenchidos os pressupostos para a deserção da instância executiva porquanto não se verifica a omissão do impulso processual pela exequente e que lhe seja imputável – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30 de maio de 2018.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Decisão que indeferiu o pedido de renovação da execução por considerar deserta a execução, com todas as consequências, conforme é de JUSTIÇA.»

3. A Executada contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO
4. Apreciando o mérito do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do CPC.
No caso, trata-se de decidir do acerto da decisão de extinção da execução, por deserção.

§ 1º - As causas de extinção da ação executiva podem ser variadas.
Por norma, opera-se a extinção da execução quando ocorre a satisfação do crédito exequendo pelo pagamento coercivo ou voluntário da obrigação exequenda. Pode ainda acontecer a extinção por outras causas, de índole substantiva (exemplo: extinção da obrigação exequenda, perdão, renúncia, etc.) ou de índole processual.
As exemplificadas nas alíneas c), d) e e) do nº 1 do art.º 849º do CPC são consideradas causas especiais.
Inicialmente, a execução foi extinta com fundamento no art.º 779º nº 4 al. b) do CPC; dado que a penhora existente incidia apenas sobre vencimentos e não tendo havido oposição a essa penhora, o agente de execução (depois de assegurado o pagamento das quantias que lhe sejam devidas a título de honorários e despesas), entrega ao exequente as quantias já depositadas e adjudica as quantias vincendas, notificando a entidade pagadora para as entregar diretamente ao exequente, extinguindo-se a execução.
Trata-se de um caso de extinção automática da execução, que o legislador considerou ser de promover, já desde a reforma de 2008 e do regime transitório previsto no DL n.º 4/2013, de 11/01, com o objetivo de eliminar do sistema de justiça todas as execuções que se encontrassem pendentes por situações meramente “burocráticas”, assim aliviando o aparelho de justiça.
E, no caso de penhora de vencimentos não custa aceitar a “bondade” da solução encontrada no atual CPC (entrega direta, e mensal, do desconto efetuado pela entidade patronal ao Exequente); sabido da frequência com que os processos em que se operava o desconto de vencimentos se protelavam no tempo, anos as mais das vezes, obrigando também os próprios Exequentes a aguardar anos para terem a disponibilidade do dinheiro depositado, bem como os serviços do Tribunal em manterem o processo em aberto, efetuarem as respetivas contas sempre que o Exequente solicitada pagamento parcial, os custos acrescidos da execução, etc.
E, sabido como é que as mais variadas vicissitudes podem ocorrer nesse período de tempo dos descontos (exemplo: mudança de entidade patronal, despedimento do trabalhador, etc.), também está prevenida a hipótese de renovação da ação executiva extinta.
Daqui decorre que a extinção da execução ao abrigo do art.º 779º nº 4 al. b) do CPC não é, rectius pode não ser, definitiva, já que a instância pode ser renovada para satisfação do remanescente do crédito.
E, como decorre do nº 5 do art.º 779º do CPC, nos casos em que ocorra qualquer circunstância que impeça a continuidade dos pagamentos feitos diretamente pela entidade patronal ao Exequente, cabe a este o ónus de requerer a renovação da instância executiva para satisfação do remanescente do seu crédito.
No caso, no decurso do período da adjudicação das quantias descontadas nos vencimentos, ocorreu a instauração de um PER por parte da Executada. Por força dele, e nos termos do nº 1 do art.º 17º-E do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), ficaram suspensas quaisquer ações executivas, ou seja, a continuação dos descontos dos vencimentos.
Sucede que esse PER foi concluído sem a aprovação de plano de recuperação pelo que foi determinado o arquivamento do processo, com a consequente extinção de todos os seus efeitos (nº 4 do art.º 17º-G do CIRE).
Tal decisão ocorreu em 27/02/2015 e foi publicada no Portal do Citius e notificada à Exequente enquanto credora que nele participou.
Portanto, a partir de 27/02/2015, cessada a causa de suspensão dos descontos, cabia à Exequente o ónus de acionar de novo o processo executivo, requerendo a sua renovação, como decorre do princípio dispositivo e do nº 5 do art.º 779º do CPC.

§ 2º - É certo que não se encontra contemplado na lei qualquer prazo para que o Exequente requeira a renovação da instância executiva nos termos do nº 5 do art.º 779º do CPC. [1]
Temos, então, de entrar em linha de conta com as demais normas que regulam a extinção da instância.
Além das causas especiais contempladas no art.º 849º do CPC, existem outras, ditas causas gerais, como é o caso da deserção: art.º 277º al. c) e art.º 281º nº 5 do CPC.
Prescreve o nº 5 do art.º 281º que, “No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.
Temos, pois, 2 requisitos a analisar: (i) o decurso do tempo superior a 6 meses; (ii) que a inércia resulte de negligência da parte sobre a qual incide o ónus.
Como se disse no ponto anterior, cabia à Exequente o ónus de requerer a renovação da instância a partir de 27/02/2015. A Exequente só apresentou tal requerimento em 05/12/2022, mais de 7 anos volvidos.
No que toca ao requisito da negligência, temos que no seu requerimento a Exequente não alegou qualquer justificação ou causa impeditiva para só agora ter impulsionado o processo.
Daí que a sua conduta tenha de ser qualificada como negligente. A Exequente acompanhou todo o processo do PER e foi notificada do respetivo encerramento, pelo que não existe justificação para não ter logo depois requerido a renovação da instância executiva.
Invocou apenas que “o Sr. Administrador Judicial Provisório (…) não informou a entidade patronal da executada do encerramento do processo, pelo que esta manteve a penhora de vencimento suspensa”.
Sucede que não compete ao Sr. Administrador qualquer comunicação à entidade patronal. A decisão de encerramento do PER é da competência do juiz, que o fez por decisão de 27/02/2015, e as respetivas notificações são também da competência do Tribunal.
Aliás, como decorre claramente do art.º 17º-J do CIRE, o administrador judicial provisório cessa funções após o encerramento do processo.
Concluindo, operou-se a extinção da ação executiva, por deserção, pelo que o recurso não merece provimento.

5. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC)
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III. DECISÃO

6. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da Exequente, face ao decaimento.




Porto, 25 de outubro de 2023
Isabel Silva
António Carneiro da Silva
Paulo Duarte Teixeira
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[1] Ao contrário do que se faz, por exemplo, para o credor reclamante, consignando um prazo de 10 dias (art.º 850º nº 2 do CPC).