ACIDENTE DE TRABALHO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÂMBITO FACTUAL DO NEXO NATURALÍSTICO
ÓNUS DA PROVA
ÓNUS DO RECORRENTE NO ÂMBITO DO DIREITO
Sumário

I - Adentro do nexo de causalidade entre o facto e o dano, o legislador nacional perfilhou a doutrina da causalidade adequada, integrante, num primeiro momento, de um nexo naturalístico que constitui matéria de facto, e, num segundo momento, de um nexo de adequação que constitui matéria de direito.
II - Impende sobre o recorrente, em sede de recurso, o ónus de invocar, também no domínio da aplicação da lei, os argumentos (jurídicos) que na sua ótica justificam o afastamento dos fundamentos constantes da decisão recorrida para sustentar o modo como interpretou e/ou aplicou a lei, de tal modo que o tribunal superior os possa apreciar, no sentido de lhes dar ou não sustentação – versando o recurso sobre matéria de direito, deve o Recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.º, n.º 2, do CPC).

Texto Integral

Apelação/processo n.º 284/21.0T8AVR.P1

Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro - Juiz 1

Autora: AA
Ré: A..., S.A, e outros

_______

Nélson Fernandes (relator)
Teresa Sá Lopes
Rita Romeira
_______




Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto


I. Relatório
1. Decorrida a fase conciliatória, sem que se tenha logrado acordo, veio AA a dar início à fase contenciosa, apresentando petição inicial, contra A..., S.A., B... Lda., e C... Lda., formulando o seguinte pedido: «A) Ser o acidente sofrido, por BB, declarado como de trabalho e agravado pela falta de condições de segurança. B) Serem as Ré solidariamente condenadas a pagar à Autora a quantia 130 000,00€ (cento e trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais -Serem solidariamente condenadas a pagar à Autora a quantia de €44.461,93 a título de danos patrimoniais. C) Serem solidariamente condenadas a pagar à Autora a quantia € 5 146,90€ (cinco mil cento e quarenta e seis euros e noventa cêntimos) a titulo de subsidio por morte, e D) juros de mora vencidos e vincendos sobre todas as quantias acima mencionadas, à taxa legal de 4% ao ano, sendo, sobre o montante da pensão, desde a data do respetivo vencimento e quanto às demais prestações, desde a citação até integral pagamento.».
Em síntese, alegou: que no dia 13 de Janeiro de 2021, pelas 11.30 horas, em Aveiro, BB, seu marido, trabalhava por conta da R. Empregadora, exercendo as funções de operador de instalações e montagem, mediante a remuneração anual ilíquida de € 10.464,34, quando sofreu um acidente de trabalho, durante a descarga de painéis pré-fabricados em betão de um veículo de transporte de mercadorias, tendo um dos painéis tombado de cima do cavalete e caído sobre o sinistrado, causando-lhe a morte; a provar-se que o painel se soltou por violação de normas de segurança, verifica-se a responsabilidade agravada da Ré Empregadora e da Ré C... Lda., por violação do preceituado nos artigos 3º, 4º, 5º, 7º, 33º e 35º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25/02 e 5º, 13º e 15º da Lei nº 102/2009, de 10/09, tendo direito a uma indemnização a título de perda do direito à vida do seu marido, no valor de € 100.000,00, bem como € 30.000,00, a título de danos não patrimoniais, pelo sofrimento; a Ré Empregadora tinha a responsabilidade transferida para a Ré Seguradora, que deverá satisfazer o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa.

Contestou a Ré Seguradora, sustentando, mais uma vez em síntese: que não pode ser responsabilizada pelos danos não patrimoniais reclamados e alegando; que o acidente teve como causa única, exclusiva e adequada, a violação de regras de segurança e saúde no trabalho por parte das co-Rés, porque a Ré Empregadora não fez uma prévia e adequada avaliação dos riscos inerentes à tarefa que o sinistrado estava a executar, não teve em atenção fatores de eliminação do perigo de queda dos painéis, não forneceu ao sinistrado as instruções e a formação necessária ao desenvolvimento dessa atividade em condições de segurança e não exerceu vigilância sobre o sinistrado, que no momento do acidente, não estava acompanhado por superior hierárquico, violando com isso o disposto nos artigos 15º n.ºs 3 e 4 da Lei 102/2009 de 10 de Setembro, e 3º al. a) e 14º n.º 1, do DL 50/2005, de 25 de Fevereiro. Concluiu que deve ser absolvida do pedido relativo aos danos não patrimoniais e que a Ré Empregadora deve ser condenada na responsabilidade agravada prevista no artigo 18.º da LAT, reconhecendo-se o direito de regresso da contestante sobre a referida Ré.

Também a Ré Empregadora contestou, contrapondo, em resumo, que não houve da sua parte violação de regras de segurança causais em relação à produção do sinistro, pelo que deve ser a Ré Seguradora a responder pela respetiva reparação.

Contestou igualmente a Ré C... Lda. excecionando a sua ilegitimidade para a ação, com a consequente absolvição da instância, alegando que o sinistrado não se encontrava ao seu serviço, sendo totalmente alheia à relação laboral entre o mesmo e a R. B..., Ld.ª, sua entidade patronal, pelo que não pode considerar-se como “entidade responsável”, designadamente para os efeitos dos art.ºs 127º do Cód. de Processo do Trabalho e 7º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.

Respondeu a Autora, considerando que a invocada exceção da ilegitimidade deve ser julada improcedente, porque a Ré C... Lda. era, à data do sinistro, responsável pelos serviços de higiene e segurança e caso se apure que não cumpriu com as obrigações que lhe estavam adstritas, por virtude do contrato de prestação de serviços celebrado com a Ré Empregadora, deve ser coresponsabilizada com esta, na eventual restituição à Ré Seguradora do valor que esta última terá de adiantar à Autora.

Aquando do saneamento dos autos foi declarada procedente a exceção da ilegitimidade invocada pela Ré C... Lda., tendo ainda sido absolvida a Ré Seguradora do pedido de condenação em indemnização por danos não patrimoniais.
Foram fixados os factos assentes e delimitado o objeto do litígio e indicados os temas de prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi depois proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Em face de todo o exposto e na parcial procedência da acção, decide-se:
I. Condenar a R. A..., S.A. a pagar à A.:
a) O capital de remição da pensão anual e vitalícia de €3.139,30 (três mil, cento e trinta e nove euros e trinta cêntimos), com efeitos desde 15/01/2021.
b) € 5.792,29 (cinco mil, setecentos e noventa e dois euros e vinte e nove cêntimos), a título de subsídio por morte.
c) Juros de mora à taxa legal (actualmente de 4%) sobre as referidas prestações, desde 15/01/2021, até integral pagamento.
II. No mais, absolver do pedido a R. A..., S.A..
III. Absolver do pedido a R. B... Ld.ª.
Custas a cargo da A. e da R. A..., S.A., na proporção dos respectivos decaimentos (art.º 527º n.ºs 1 e 2 do Cód. de Processo Civil) sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a A..
Valor da acção: € 179.608,83 – art. 120º do Cód. de Processo de Trabalho.
Registe e notifique.
Após trânsito, proceda-se ao cálculo do capital de remição – art. 148º n.ºs 3 e 4, ex vi art. 149º, ambos do Cód. de Processo do Trabalho.”

2. Inconformado, apresentou a Ré Seguradora requerimento de interposição de recurso, formulando no final das suas alegações as conclusões que seguidamente se transcrevem:
“a) Discorda a Recorrente da conclusão do Tribunal a quo de que inexiste fundamento bastante para responsabilizar a Recorrida pela reparação do sinistro sub judice, nos moldes previstos no artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09, porquanto é evidente que esta não zelou pelo exercício da sua actividade em condições de segurança e saúde para os trabalhadores, tanto mais que lhe imputa a violação do disposto nos artigos 15.º, n.ºs 2, al. c), 3 e 4 e 20.º da Lei n.º 102/2009, de 10.09.
b) Resultando demonstrado, sem margem para dúvidas, o nexo de causalidade entre a ocorrência do acidente e a falta de prévia avaliação dos riscos associados à tarefa de descarga dos painéis de betão e de prestação de formação específica ao Sinistrado nessa matéria, na medida em que o Tribunal a quo deu como provada essa mesma omissão (Cfr. Facto 12. Integrantes da factualidade dada como provada).
c) Isto porque, no desempenho das suas funções, inexistindo prévia avaliação dos riscos e ministração de formação, os trabalhadores apenas podiam contar com a sua experiência profissional, fosse ela abundante, ou não, desempenhando as suas tarefas como sabiam, observando os seus pares, e certamente os seus erros.
d) Experiência essa que, conforme evidenciado pela Testemunha CC, inspectora da ACT, não basta, dado que leva os trabalhadores, muitas das vezes, a cometer erros, alguns deles fatais, tal como o dos presentes autos.
e) Evidentemente, se o Sinistrado estivesse ciente do risco associado à tarefa de descarga de painéis com cerca de 450 Kg, sobretudo de que não o podia fazer desacompanhado, pese embora essa fosse uma indicação expressa da Recorrida, sua entidade empregadora11, certamente não se teria dado o acidente e, consequentemente, a sua morte.
f) Termos em que, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que “o acidente ficou a dever-se à falta de prévia avaliação dos riscos associados à tarefa de descarga dos painéis de betão e de prestação de formação específica ao sinistrado nessa matéria”, factualidade que se requer que seja aditada à factualidade dada como provada, concluindo-se pela responsabilização da Recorrida nos moldes previstos no artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09.
Nestes termos, e nos que V. Exas. muito doutamente suprirão,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo ser adiado à factualidade dada como provada que “o acidente ficou a dever-se à falta de prévia avaliação dos riscos associados à tarefa de descarga dos painéis de betão e de prestação de formação específica ao sinistrado nessa matéria”, concluindo-se pela responsabilização da Recorrida nos moldes previstos no artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09.”

2.1. Não constam dos autos contra-alegações.

2.2. O recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

3. Subidos os autos a esta Relação, aberta vista ao Ministério Público junto deste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
***

Cumpridas as formalidades legais, cumpre decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635., n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável ex vi artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) reapreciação da matéria de facto; (2) saber se o Tribunal errou no julgamento quanto à aplicação do direito, ao ter considerado que não há fundamento bastante para responsabilizar a Ré Empregadora pela reparação do sinistro, nos termos do artigo 18º da LAT.

III - Fundamentação
A- Da sentença recorrida consta em pronúncia sobre a matéria de facto (transcrição):
“Provados estão os seguintes factos:
1. A R. B... Ld.ª (R. Empregadora) exerce a actividade de fabricação de produtos de betão para a construção.
2. BB foi admitido como trabalhador subordinado da R. Empregadora em 02-08-2011.
3. No dia 13 de Janeiro de 2021, pelas 11h30m, em ..., Aveiro, o sinistrado trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da R. Empregadora.
4. No referido circunstancialismo de tempo e lugar, durante a tarefa de descarga de painéis pré-fabricados em betão - que eram transportados em cavaletes metálicos, na caixa aberta de um veículo de transporte de mercadorias -, um dos painéis tombou de cima do cavalete e caiu sobre o sinistrado.
5. A queda do painel sobre o sinistrado provocou-lhe lesões traumáticas torácico-abdomino-pélvicas que foram causa directa e necessária da sua morte, ocorrida às 16h36m do dia 14/01/2021, no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra.
6. Os trabalhadores da R. Empregadora que procediam aos trabalhos de descarga e montagem dos painéis de betão pré-fabricado - na circunstância, o sinistrado e os colegas DD e EE -, já tinham efectuado anteriormente idênticas tarefas ao serviço da referida R..
7. No momento em que o acidente ocorreu, os identificados colegas de trabalho não estavam junto do A., mas algo afastados do local.
8. As indicações dadas pelo gerente da R. Empregadora aos trabalhadores para procederem à descarga dos painéis eram no sentido de que deveria, em regra, ser realizada por três pessoas, duas em cima da caixa de carga do veículo, posicionados lateralmente em relação aos painéis (e não à frente), para separarem o painel a descarregar e prenderem a pinça de amarração do tractor no painel; e uma terceira pessoa a conduzir o tractor.
9. Posteriormente, o tractor transportava o painel para o local da instalação – uma vala previamente aberta e nivelada –, com os dois trabalhadores a ajudarem a guiar o painel, posicionados nas suas laterais, sendo o painel solto da pinça do tractor quando já estivesse instalado na vala.
10. No dia do acidente, era o sinistrado quem se encontrava a manobrar o tractor – como habitualmente acontecia.
11. Anteriormente ao acidente, já tinham no mesmo dia sido descarregados outros painéis, e já era a segunda carga de painéis para essa obra que o veículo transportou nesse dia.
12. A R. Empregadora não efectuou uma prévia avaliação dos riscos associados à tarefa de descarga dos painéis de betão, nem prestou ao sinistrado formação específica nessa matéria.
13. A R. Empregadora celebrou com a C... Lda. em 10-01-2007 um contrato de prestação de serviços no âmbito da higiene e segurança no trabalho e da medicina do trabalho - com o teor que consta de fls. 85/86 dos autos.
14. À data do acidente, o sinistrado auferia a retribuição anual ilíquida de € 10.464,34 (€ 665,00 de remuneração mensal base x 14 meses + € 104,94 x 11 meses de subsídio de alimentação).
15. A responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho sofridos pelo A. encontrava-se transferida da R. Empregadora para a R. A..., S.A. (R. Seguradora), através de contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice n.º ...05, com base na referida retribuição anual ilíquida de € 10.464,34.
16. O sinistrado nasceu em .../.../1960 e faleceu no estado de casado com a aqui A..
17. O sinistrado era uma pessoa saudável e dedicada à família, tendo a A. sofrido desgosto e tristeza com a sua morte.
*
Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, de entre os alegados na petição inicial e contestações, nomeadamente:
- Que o sinistrado foi admitido ao serviço da R. Empregadora para exercer as funções de operador de instalações e montagem.
- Que o sinistrado executou sempre o seu trabalho com diligência, tal como lhe foi indicado pela sua entidade patronal, dentro das orientações que lhe foram por esta transmitidas.
- Que a queda do painel foi súbita e inesperada, não tendo o sinistrado qualquer hipótese de escapar.
- Que a R. Empregadora tinha contratualizado com a C... Lda. a elaboração de normas de segurança e de um plano de riscos para prevenir acidentes como o que vitimou o sinistrado.
- Que todos os trabalhadores que se encontravam a realizar a obra em questão no dia do acidente tinham já grande experiência nesse tipo de trabalho e sempre tinham observado as instruções fornecidas pela R. Empregadora.
- Que a carrinha onde seguiam os painéis estava estacionada e travada em terreno perfeitamente nivelado.
- Que se a R. Empregadora tivesse efectuado uma prévia avaliação dos riscos associados à tarefa de descarga dos painéis de betão, e prestado ao sinistrado formação específica nessa matéria, o acidente não tinha acontecido.
- Que no momento do acidente, não se encontrava no local qualquer superior hierárquico do A..”
*
B) - Discussão
1. Matéria de facto
Nas suas conclusões começa a Recorrente por dirigir o recurso à impugnação da matéria de facto, sendo que, porque consideramos cumpridos os ónus legais de impugnação previstos no artigo 640.º do CPC, de seguida procederemos à apreciação.
Invoca a Recorrente que: resulta demonstrado, sem margem para dúvidas, o nexo de causalidade entre a ocorrência do acidente e a falta de prévia avaliação dos riscos associados à tarefa de descarga dos painéis de betão e de prestação de formação específica ao Sinistrado nessa matéria, na medida em que o Tribunal a quo deu como provada essa mesma omissão (Cfr. Facto 12. Integrantes da factualidade dada como provada), isto porque, no desempenho das suas funções, inexistindo prévia avaliação dos riscos e ministração de formação, os trabalhadores apenas podiam contar com a sua experiência profissional, fosse ela abundante, ou não, desempenhando as suas tarefas como sabiam, observando os seus pares, e certamente os seus erros, experiência essa que, conforme evidenciado pela Testemunha CC, inspetora da ACT, não basta, dado que leva os trabalhadores, muitas das vezes, a cometer erros, alguns deles fatais, tal como o dos presentes autos; se o Sinistrado estivesse ciente do risco associado à tarefa de descarga de painéis com cerca de 450 Kg, sobretudo de que não o podia fazer desacompanhado, pese embora essa fosse uma indicação expressa da Recorrida, sua entidade empregadora, certamente não se teria dado o acidente e, consequentemente, a sua morte.
Conclui que deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que “o acidente ficou a dever-se à falta de prévia avaliação dos riscos associados à tarefa de descarga dos painéis de betão e de prestação de formação específica ao sinistrado nessa matéria”, factualidade que deve ser aditada à factualidade dada como provada.
No parecer que emitiu, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronuncia-se pela improcedência do recurso.
Consta da motivação resultante da sentença recorrida designadamente o seguinte:
“(…) Quanto aos demais factos considerados provados, a convicção do tribunal baseou-se:
(…) N.ºs 6, 7, 8, 9, 10 e 11: Nos depoimentos nesse sentido prestado em julgamento pelas testemunhas DD e EE, que trabalham para a R. Empregadora desde há cerca de 10 anos e 2 anos e meio, respectivamente, estando ambos presentes no local da obra na altura do acidente, embora se encontrassem na ocasião em que o mesmo ocorreu distanciados do sinistrado cerca de 15 ou 20 metros, a tratar das valas para a posterior colocação dos painéis de betão, não tendo presenciado o sinistro, tendo sido alertados pelo barulho.
No que concerne em particular ao procedimento indicado pelo gerente da R. para a realização dos trabalhos de descarga dos painéis e à experiência dos trabalhadores - incluindo o A. - nesse tipo de tarefas, levaram-se também em conta os depoimentos das testemunhas FF (filho do gerente da R. Empregadora, que trabalhou na empresa de 2019 até início de 2022) e GG, que trabalha para a R. Empregadora desde há cerca de 5 anos, fazendo de tudo um pouco.
N.º 12: Resultou das declarações prestadas em julgamento pelo gerente da R., B..., que não foi feita uma prévia avaliação dos riscos associados à tarefa de descarga dos painéis de betão, nem foi proporcionada ao sinistrado formação específica nessa matéria, embora tenha referido que há um procedimento instituído para a realização dessa tarefa, que foi transmitido ao A., assim como aos demais trabalhadores.
A inexistência dessa prévia avaliação de riscos e formação foi também mencionada em juízo pela testemunha HH, Inspectora da ACT que procedeu à averiguação do acidente, de acordo com a qual a única avaliação de riscos que foi apresentada pela R. Empregadora anterior ao acidente (que consta, em cópia de fls. 86 v.º e segs., datada de 07/01/2020), é omissa em relação à tarefa em apreço - como aliás se verifica do seu teor. Não existindo igualmente registos de qualquer formação ministrada ao A..
Tendo a testemunha II (perito averiguador de sinistros, que procedeu à averiguação do acidente aqui em questão, em prestação de serviços para a R. Seguradora) dito que o gerente da R. Empregadora lhe transmitiu que não existia registo de formação específica para aquele concreto trabalho, mas que existam procedimentos instituídos para o levar a cabo e que o sinistrado já tinha anteriormente realizado trabalhos semelhantes.
No mesmo sentido apontando o depoimento da testemunha FF, que disse (ainda que de forma algo confusa) que o A. não teve formação específica para aquele trabalho. E da testemunha DD, colega de trabalho do sinistrado, segundo o qual não recebeu formação para realizar aquele trabalho, apesar de lhe ter sido transmitido o procedimento que deveria seguir para o desempenhar.
(…)
Quanto à matéria de facto considerada não provada, a convicção do tribunal assentou na ausência de prova bastante para a sustentar, sendo de salientar em particular:
- Quanto às concretas circunstâncias em que o painel caiu sobre o sinistrado, que ninguém presenciou essa queda.
- No que se refere à alegação da R. Empregadora de que a carrinha onde seguiam os painéis estava estacionada em terreno perfeitamente nivelado, que tal foi contrariado pelo depoimento da testemunha JJ, militar da GNR que acorreu ao local na sequência da comunicação do acidente, de acordo com o qual a carrinha estava um pouco inclinada, tendo os rodas do lado do condutor em cima da faixa de rodagem e as do outro lado em cima de uma vala de escoamento de águas.
- No que respeita à alegação da R. Seguradora de que no momento do acidente, não se encontrava no local nenhum superior hierárquico do A., que não se percebeu ao certo se o gerente da R. Empregadora, B..., estava ou não no local quando se deu o acidente ou se lá acorreu posteriormente, dados os depoimentos contraditórios que nessa matéria foram prestados em julgamento.
- Em relação ao alegado (pela R. Seguradora) nexo de causalidade entre a ocorrência do acidente e a falta de prévia avaliação dos riscos associados à tarefa de descarga dos painéis de betão e de prestação de formação específica ao sinistrado nessa matéria, que o desconhecimento quanto à forma como o acidente aconteceu e sobre o que é que o sinistrado estava na altura a fazer, não permite concluir pela verificação em concreto desse nexo de causalidade adequada.”
Cumprindo-nos apreciar, socorrendo-nos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de fevereiro de 2010[1], começaremos por relembrar, pois que relevante para a nossa apreciação, a respeito do nexo causal entre o facto e o dano, que esse nexo comporta duas vertentes: a vertente naturalística, que consiste em saber se o facto praticado pelo agente, em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano e a vertente jurídica, que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstrato, como causa idónea do dano ocorrido, não sendo possível estabelecer-se, por presunção, o nexo causal entre o acidente de trabalho e a violação de normas de segurança se se desconhece a dinâmica do acidente e quando o facto, tendo sido objeto de prova, foi dado como não provado. Do mesmo modo o Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 9 de julho de 2014[2], de cujo sumário consta: “I – Adentro do nexo de causalidade entre o facto e o dano, o legislador nacional perfilhou a doutrina da causalidade adequada, integrante, num primeiro momento, de um nexo naturalístico que constitui matéria de facto, e, num segundo momento, de um nexo de adequação que constitui matéria de direito. II – Tendo sido “quesitada” factualidade integradora da existência daquele primeiro nexo e não tendo a mesma ficado provada, não pode a Relação tê-la por provada com base em presunções judiciais.”
O que referimos anteriormente visa salientar que nada obsta, sendo antes ajustado, que no âmbito da matéria de facto se deva apreciar a questão do nexo naturalístico, que consiste, nos termos do primeiro dos Acórdãos antes mencionados, em saber se o facto praticado pelo agente, em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano.
Assim sendo, aplicando tais critérios ao caso, com salvaguarda do devido respeito pelo que é invocado pela Recorrente, não encontramos razões, devidamente fundadas na prova produzida, assim a que é indicada, para termos como afastada a convicção a que se chegou em 1.ª instância, pois que, apesar de se ter dado como provado (ponto 12.º da factualidade provada) que “a Ré Empregadora não efectuou uma prévia avaliação dos riscos associados à tarefa de descarga dos painéis de betão, nem prestou ao sinistrado formação específica nessa matéria”, da prova produzida em audiência não permite extrair, o que se imporia, pela efetiva verificação do nexo naturalístico que ligue aquele facto à ocorrência do acidente (causa/efeito), tanto mais que, reportando-se a um juízo sobre saber se um determinada facto em termos naturalísticos tem como sua causa um outro, ou seja numa relação causa-efeito, assim também no que se refere à ocorrência de um dado evento, inserindo-se deste modo no âmbito da matéria de facto não obstante envolver também um juízo valorativo, a verdade é que, chamando à colação o afirmado no Acórdão antes mencionado, ainda que para a formulação de tal juízo baste o recurso “a simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens”, sem necessidade de se apelar propriamente à “sensibilidade ou intuição do jurista”, a verdade é que, como se assinala na motivação antes transcrita e é evidenciado pelo Ministério Público junto desta Relação no parecer emitido, quanto às concretas circunstâncias em que o painel caiu sobre o Sinistrado, ninguém presenciou essa queda. Ou seja, apenas com base em meras conjeturas, mas que não encontram real demonstração na prova produzida, como se disse, se poderia considerar que esta ocorrência teria sido decorrência, em termos de causa/efeito, da circunstância de não ter sido feita uma prévia avaliação dos riscos associados à tarefa de descarga dos painéis de betão e/ou de não ter sido prestada ao sinistrado formação específica nessa matéria.
Sendo deste modo, entendendo-se que deva constar da pronúncia em sede factual que determinado facto, em termos naturalísticos, foi causa do dano, pois que nesse âmbito ainda se insere, no caso não se pode concluir que tal esteja sustentado desde logo noutros factos também provados, como ainda em prova que tenha sido produzida, nos termos que resultam aliás da citada motivação sobre a matéria de facto.
Por decorrência do exposto, improcede o recurso nesta parte.

2. Dizendo o Direito
Em face das conclusões, que delimitam, salvo questões de conhecimento oficioso, o objeto do recurso, constata-se que a Recorrente apenas invoca, para a procedência do recurso no âmbito da aplicação do direito, como fundamento a alteração por que antes pugnou em sede de recurso sobre a matéria de facto, assim no sentido de que “deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que “o acidente ficou a dever-se à falta de prévia avaliação dos riscos associados à tarefa de descarga dos painéis de betão e de prestação de formação específica ao sinistrado nessa matéria”, para afirmar que, sendo tal facto aditado à factualidade dada como provada, se deve concluir “pela responsabilização da Recorrida nos moldes previstos no artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09”.
Pronunciando-se o Ministério Público, no parecer que emitiu, no sentido da improcedência do recurso, importa desde já sinalizar que, baseando a Recorrente o recurso neste âmbito da aplicação do direito apenas na alteração por que pugnou em sede de matéria de facto, a verdade é que não logrou alcançar tal objetivo, nos termos em que o concluímos anteriormente aquando da apreciação do recurso em sede de reapreciação da matéria de facto.
O que se referiu anteriormente visa evidenciar, salvo o devido respeito, visto o teor da sentença, que não cuidou a Recorrente, nomeadamente para o caso de não lograr alcançar a alteração da matéria de facto por que pugnou, de dirigir àquela sentença, nessa eventualidade, no que à aplicação do direito diz respeito, qualquer efetivo argumento jurídico tendente a infirmar essa aplicação do direito, assim nomeadamente erro na interpretação ou aplicação da lei, no sentido de explicar a razão por que a decisão, que considerou “que não há fundamento bastante para responsabilizar a R. Empregadora pela reparação do sinistro, nos termos do art. 18º”, deveria ter sido outra – no caso aquela que menciona na supra mencionada conclusão.
Ora, como é comummente afirmado, impende sobre o recorrente, em sede de recurso, o ónus de invocar, também no domínio da aplicação da lei, os argumentos (jurídicos) que na sua ótica justificam o afastamento dos fundamentos constantes da decisão recorrida para sustentar o modo como interpretou e/ou aplicou a lei, de tal modo que o tribunal superior os possa apreciar, no sentido de lhes dar ou não sustentação – versando o recurso sobre matéria de direito, deve o Recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.º, n.º 2, do CPC).
Por decorrência do exposto, sem necessidade de outras considerações, o presente recurso improcede também no âmbito da aplicação do direito, por inexistir fundamento para afastarmos a aplicação do direito realizada na sentença recorrida, que deste modo se terá de manter.

Decaindo no recurso, a Apelante é responsável pelas custas (artigo 527.º do CPC).
*
Sumário – a que alude o artigo 663º, nº 7, do CPC:
……………………………………………………..
……………………………………………………..
……………………………………………………..
***


IV. Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em declarar totalmente improcedente o recurso, com a consequente confirmação da sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.



Porto, 30 de outubro de 2023
(assinado digitalmente)
Nélson Fernandes (relator)
Teresa Sá Lopes
Rita Romeira

_______________
[1] Proc. 304/07.1TTSNT.L1.S1
[2] Proc. 5395/08.5TBLRA.C1.S1