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CADUCIDADE DO REGISTO DA PENHORA
EXECUÇÃO SOBRE BENS DE TERCEIROS
INTERVENÇÃO PROVOCADA DO TERCEIRO GARANTE DO CRÉDITO EXEQUENDO
Sumário
1- Para que ocorra a caducidade da penhora incidente sobre bem inscrito a favor de pessoa diversa do executado (art.º 92º nº 2, al. a) e nº 5 do CR Predial) torna-se necessário que o juiz remeta as partes para os meios comuns e, simultaneamente, comunique ao registo a data de citação do proprietário inscrito e a declaração deste, a fim de ser anotada ao registo da penhora, conforme determina o nº 4 do art.º 119º do CPC. 2- Apesar de ser terceiro em relação à dívida, o art.º 818º, 1ª parte, do CC permite que o direito de execução possa incidir sobre bens de terceiro, quando estes bens estejam vinculados à garantia do crédito, de resto, como resulta do art.º 735º nº 2 do CPC, conferindo o art.º 54º nº 2 legitimidade passiva para a execução a esse terceiro. 3-O facto de o credor ter instaurado acção executiva apenas contra o devedor não constitui obstáculo a que seja requerida a intervenção principal provocada do titular do bem hipotecado, se o credor pretender exercitar nessa mesma execução a garantia real do seu crédito.
Texto Integral
Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I-RELATÓRIO
1- No âmbito da execução especial por alimentos, instaurada a 15/05/2013, em que é exequente CCS e, executado, JALA, pela quantia exequenda de 69.575,71€, foi nomeada à penhora, no requerimento inicial, além do mais, a fracção autónoma (“J”) – correspondente ao 3º andar A, para habitação, descrita sob o nº 1…1992, Santa Maria dos Olivais, referindo-se nesse requerimento que sobre essa fracção autónoma incide já hipoteca legal a favor do seu filho menor JRSLA, registada através da Ap. 8 de 2007/0… (convertida em definitivo pela Ap. 7 de 2007/…), para garantia do pagamento da pensão de alimentos.
2- Após vicissitudes várias, que ao caso não interessam, veio a exequente, por requerimento de 17/09/2021, defender a intervenção principal provocada de EAGS, como herdeiro de EAS e mulher AGS, titulares inscritos daquela fracção autónoma “J”.
3- Por despacho de 23/09/2021, foi ordenada a notificação do executado e do EAGS para se pronunciarem sobre o pedido de intervenção principal deste último.
4- O executado, por requerimento de 15/12/2022, pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade do incidente.
5- Por despacho de 16/02/2023, foi decidido:
“Em face do exposto, julgo procedente o incidente de intervenção principal provocada deduzido pela Exequente, admitindo EAGS a intervir nos presentes autos a fim de que a execução prossiga em relação à fracção autónoma supra identificada com hipoteca registada a favor da exequente/requerente.-- Consequentemente, determino que tenha lugar a citação do mesmo nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 319.º do Código de Processo Civil. Custas pela Requerente do presente incidente – cfr. artigo 539.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.”
6- Por requerimento de 28/02/2023, o executado veio invocar que no despacho de 16/02/2023 – que deferiu o incidente de intervenção principal provocada do EAGS – erradamente referiu que o executado não se havia pronunciado sobre o requerimento da exequente de intervenção principal provocada quando, na verdade, ele pronunciou-se a 15/12/22, pugnando pela inadmissibilidade da requerida intervenção principal.
7- Inconformado com essa decisão, o executado veio interpor o presente recurso, a 16/03/2023, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1 – O despacho ou sentença é nulo quando não se pronuncia sobre questões que deveria ter-se pronunciado, designadamente sobre as que foram suscitadas no exercício de contraditório do executado, sobre o pedido de intervenção do “chamado” nesta execução, contraditório que o tribunal “a quo”, ainda que por lapso, ignorou (artigo 615.º , alínea d) do CPC).
2 – O despacho recorrido deveria ter-se pronunciado sobre a não admissibilidade de intervenção do chamado a intervir na execução, por entre este e o executado inexistir situação de litisconsórcio, e por tal intervenção levar a atos inúteis, ainda que, por hipótese, permitida pelo artigo 54.º do CPC, em vista de que a penhora do prédio em causa está qualificada como provisória por natureza, com fundamento em ser o titular inscrito, pai do chamado, diferente do devedor, o executado, e a exequente e seu filho, atingida a maioridade deste, não terem interposto a ação prevista no artigo 119.º do Código do Registo Predial, por referência ainda ao artigo 291.º, n.º 3 do Código Civil.
3 – Inexiste qualquer relação de litisconsórcio entre o pai, obrigado a alimentos, e o proprietário de prédio onerado com hipoteca para garantia daquela obrigação alimentar, e inexiste tal relação entre o sucessor, por morte, daquele proprietário original, o que determina não poder o regime dos artigos 316.º, 317.º e 318.º do CPC fundamentar a intervenção do chamado, terceiro no processo de execução, neste processo.
4 – O n.º 3 do artigo 54.º do Código de Processo Civil veda que, instaurada ação de execução contra o devedor de alimentos, apenas, conhecendo a exequente que o prédio hipotecado para segurança desta obrigação foi alienado por meio de doação ao proprietário/titular inscrito, e não demandando, de início, o proprietário inscrito, que venha este, ou o seu herdeiro, a ser citado para intervir na execução em curso contra o devedor de alimentos.
5 – Penhorado o prédio, onerado com a dita hipoteca, na execução em curso contra o obrigado a alimentos, apenas, e estando esta penhora qualificada como provisória por natureza, por o titular inscrito ser diferente do obrigado/executado, e não tendo a exequente nem o alimentando, atingida a maioridade, dado cumprimento ao rito previsto no artigo 119.º do Código de Registo Predial, no prazo aí previsto, não intentando nem registando a ação prevista neste artigo, nem contra o titular inscrito nem contra o seu sucessor, o ora “chamado”, filho do titular inscrito, já não o podem fazer, por caducidade desse direito, sendo o “chamado” um terceiro adquirente de boa fé, como decorre do artigo 291.º, n.º 3 do Código Civil.
6 – Sendo adquirente de boa fé, não pode ser oposta a penhora da fração ao chamado, a qual, aliás, se mostra caducada, por ter decorrido o prazo do n.º 5 do artigo 92.º do CRP, nem deve o chamado ser admitido na ação executiva em curso, por inútil tal tramitação (artigo 130.º do CPC), por ser terceiro de boa fé adquirente da fração, a quem não pode prejudicar nem ser oposta a penhora.
7- O despacho recorrido viola o disposto no artigo 54.º, n.º 2 e n.º 3 do CPC, os artigos 316, 317.º e 318.º do CPC, bem como o artigo 130.º do CPC.
Termos em que deve esta apelação ser considerada provada e procedente e ser o despacho recorrido revogado e ser revogada a ordem de citação constante do mesmo.
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8- Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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9- Por despacho de 12/04/2023, a 1ª instância reconhece que, por lapso, não atentou no requerimento de pronúncia do executado sobre a inadmissibilidade do incidente de intervenção principal provocada e, corrigindo essa omissão escreveu:
“Compulsado o teor do requerimento do Executado de 15 de Dezembro de 2022, verifica-se que o mesmo alega não ser admissível a intervenção de EAGS, por não haver uma situação de litisconsórcio necessário ou voluntário, não tendo a Exequente diligenciado pela conversão da penhora em definitiva, nos termos do artigo 119º do Código do Registo Predial. Ora a situação dos autos nada tem a ver com as questões suscitadas pelo Executado. A intervenção de EAGS tem de existir, na medida em que é proprietário do bem hipotecado para garantia da quantia exequenda, como expressamente determina o artigo 54º, n.º 2 do Código de Processo Civil. Pelo exposto, o Tribunal não deixou de se pronunciar sobre qualquer questão que devesse conhecer para decisão da situação em causa, apesar de, por lapso, não ter atentado no requerimento apresentado pelo Requerido, pelo que o despacho de 16 de Fevereiro de 2023 não está ferido de qualquer nulidade, o que expressamente se consigna.”
10- Por despacho de 07/07/2023, foi admitido o recurso.
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II- FUNDAMENTAÇÃO.
1- Objecto do Recurso.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (art.º 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (art.ºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, caso as haja, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a)- A nulidade do despacho;
b)- Se deve ser revogada a decisão que admitiu o incidente de intervenção principal provocada de EAGS.
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2- Factualidade Relevante.
Para além do que consta do Relatório supra, importa ter em consideração a seguinte factualidade, obtida através da consulta electrónica dos vários apensos em que se insere este recurso:
1- A fracção “J” corresponde ao terceiro andar A, para habitação, com arrecadação na cave, descrita sob o nº 1…, da freguesia de Santa Maria dos Olivais.
2- Pela Ap. 8 de 2007/0… foi registada, provisoriamente por dúvidas hipoteca legal sobre a fracção “J”, a favor de JRSLA, sendo sujeito passivo JALA, para garantia do pagamento da pensão de alimentos no valor mensal de 750€;
3- Pela Ap. 7 de 2007/0… o registo da hipoteca legal foi convertido em definitivo;
4- Pelo Ap. 41 de 2008/0… foi registada a aquisição da fracção “J” a favor de EAS, casado no regime de comunhão geral com AGS, por doação de JALA.
5- Pela Ap. 3166 de 2013/0…foi registada a penhora, provisória por natureza nos termos do art.º 92º nº 2, al. a) do CR Predial, efectuada a 2013/07/15 no âmbito do Processo Executivo 1988/04.8TMLSB-E (processo onde foi suscitado o incidente ora sob recurso) sendo exequente CCS, executado JALA e, titular inscrito EAS, casado no regime de comunhão geral com AGS.
6- Pela Anotação Ap. 1214 de 2018/0…foi recusado o averbamento do cancelamento da hipoteca legal sobre a fracção “J”.
7- Por sentença de 19/05/2017, proferida no apenso J, transitada em julgado, EAGS foi declarado habilitado único herdeiro de EAS, falecido a 27/09/2015 no estado de viúvo de AGS.
8- Por notificação enviada a 23/01/2014, foi EAS notificado para efeitos do disposto no art.º 119º do CR Predial.
9- Por requerimento de 31/01/2014, o EAS veio declarar que a fracção “J” lhe pertence.
10- Não consta dos autos de execução especial por alimentos (Proc. 1988/04.8TMLSB, apenso E) que tenha sido proferido despacho, nos termos do art.º 119º nº 4 do CR Predial a remeter as partes para os meios comuns ou que tenha sido remetida certidão à Conservatória do Registo Predial com a data da notificação e da declaração a fim de ser anotada ao registo.
11- Em 19/02/2014, EAS instaurou embargos de terceiro por apenso à execução especial por alimentos (Proc. 1988/04.8TMLSB, apenso E) que correu como apendo F, invocando que a fracção “J” é de sua propriedade e, em consequência, se ordene o levantamento da penhora sobre essa fracção “J”.
12- O EAS veio a falecer na pendência dos embargos de terceiro, sendo habilitado o seu filho EAGS, para com ele prosseguir os embargos de terceiro.
13- Por sentença de 03/09/2018, os embargos de terceiro foram julgados improcedentes, decisão transitada em julgado.
*** 3- A Questões Enunciadas.
3.1- A Nulidade da Decisão.
O apelante invoca que a sentença que deferiu o incidente de intervenção principal de EAGS é nula, nos termos do art.º 615º nº 1, al. d), por ignorou a pronúncia do ora apelante sobre o incidente de intervenção principal e as questões que nessa pronúncia se levantavam.
Será a decisão nula nos termos do art.º 615º nº 1, al. d) do CPC?
Pois bem, antes de mais, não obstante ser verdade que na sentença do incidente, a 1ª instância ter referido que “Foi cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 318.º do Código de Processo Civil, não tendo sido exercido qualquer contraditório. Notificado o executado para se pronunciar, nada disse.”, o certo é que, por despacho de 12/04/2023, a 1ª instância reconhece que, por lapso, não atentou no requerimento de pronúncia do executado sobre a inadmissibilidade do incidente de intervenção principal provocada e escreveu:
“Compulsado o teor do requerimento do Executado de 15 de Dezembro de 2022, verifica-se que o mesmo alega não ser admissível a intervenção de EAGS, por não haver uma situação de litisconsórcio necessário ou voluntário, não tendo a Exequente diligenciado pela conversão da penhora em definitiva, nos termos do artigo 119º do Código do Registo Predial. Ora a situação dos autos nada tem a ver com as questões suscitadas pelo Executado. A intervenção de EAGS tem de existir, na medida em que é proprietário do bem hipotecado para garantia da quantia exequenda, como expressamente determina o artigo 54º, n.º 2 do Código de Processo Civil. Pelo exposto, o Tribunal não deixou de se pronunciar sobre qualquer questão que devesse conhecer para decisão da situação em causa, apesar de, por lapso, não ter atentado no requerimento apresentado pelo Requerido, pelo que o despacho de 16 de Fevereiro de 2023 não está ferido de qualquer nulidade, o que expressamente se consigna.”
Seja como for, uma vez que a decisão admite recurso ordinário, face ao que dispõe o art.º 615º nº 4 do CPC, não fica sanada, pela 1ª instância, a invocada nulidade, podendo o recurso fundar-se na arguição dessas nulidades.
Vejamos então.
Quando no art.º 615º nº 1, al. d) do CPC, se comina com nulidade a sentença, em que o juiz “…deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…” está a referir-se às questõesque constituem o objecto da sentença. Na verdade, o art.º 615º nº 1, al. d) deve ser conjugado com o art.º 608º, relativo às questões a resolver na sentença. Essas questões, que se impõem ao juiz que resolva na sentença são, em primeira linha, por uma ordem de precedência lógica, as questões de forma (vícios de natureza processual, excepções dilatórias) susceptíveis de conduzir à absolvição da instância e consequente ineficácia do processo e que não tenham sido resolvidas no saneador (art.º 608º nº 1), quer tenham sido alegadas pelas partes, quer devam ser apreciadas oficiosamente.
Depois e, principalmente, o juiz aprecia e decide às questões de fundo, que constituem o mérito da causa, suscitadas pelas partes como fundamento do pedido ou como fundamento das excepções e, ainda, das que o juiz possa, rectius, deva conhecer ex officio (art.º 608º nº 2). Na lição de Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 1982, Almedina, pág. 142) “A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e à causa de pedir (melhor, à fungibilidade ou infungibilidade de umas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem.”.
Temos assim que as questões referidas no art.º 608º nº 2 e, por conseguinte, a que se reporta o art.º 615º nº 1, al. d), são as questões relacionadas com o mérito da causa, balizado pelo pedido deduzido (incluindo o reconvencional, quando o haja) e pela respectiva causa de pedir e pelas excepções peremptórias opostas.
Ora, no caso dos autos, o ora apelante pronunciou-se sobre o incidente de intervenção, invocando que não deveria ter sido admitida a intervenção principal provocada do EAGS, proprietário da fracção penhorada, por, em síntese:
a)- Não existir situação de litisconsórcio;
b)- A intervenção se tornar inútil porque a penhora está registada provisoriamente por natureza, nos termos do art.º 92º nº 2, al a) do CR Predial e, a exequente não ter instaurado a acção prevista no art.º 119º do CR Predial;
c)- O art.º 54º nº 3 do CPC veda que sendo instaurada execução somente contra o devedor de alimentos, sabendo a exequente que o prédio hipotecado pertence a terceiro não demandado logo na execução, venha posteriormente a intervir por meio de incidente de intervenção principal provocada pela exequente.
d) Sendo a penhora registada provisoriamente por natureza, nos termos do art.º 92º nº 2, al. a) do CR Predial e não tendo sido instaurada, pela exequente, a acção referida no art.º 119º do CR Predial, caducou essa penhora nos termos do art.º 92º nº 5 do CR Predial.
Pois bem, a alegação destas questões constitui matéria de excepção à pretensão de admissibilidade do incidente de intervenção principal provocada do EAGS. Como tal, deveriam ter sido apreciadas na decisão do incidente – e não posteriormente – o que, à luz do art.º 615º nº 1, al. d) e 608º nº 2 do CPC, constituirá uma nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Porém, em face da regra da substituição ao tribunal recorrido, prevista no art.º 665º nº 1 do CPC, ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação.
Assim, nos termos deste preceito, passa-se a conhecer do objecto da apelação.
3.2- Se deve ser revogada a decisão que admitiu o incidente de intervenção principal provocada de EAGS.
Como referimos acima, o apelante baseia a sua pretensão de inadmissibilidade da intervenção principal provocada do EAGS, invocando, em síntese:
a)- Não existir situação de litisconsórcio;
b)- A intervenção se tornar inútil porque a penhora está registada provisoriamente por natureza, nos termos do art.º 92º nº 2, al a) do CR Predial e, a exequente não ter instaurado a acção prevista no art.º 119º do CR Predial;
c)- O art.º 54º nº 3 do CPC veda que sendo instaurada execução somente contra o devedor de alimentos, sabendo a exequente que o prédio hipotecado pertence a terceiro não demandado logo na execução, venha posteriormente a intervir por meio de incidente de intervenção principal provocada pela exequente.
d) Sendo a penhora registada provisoriamente por natureza, nos termos do art.º 92º nº 2, al. a) do CR Predial e não tendo sido instaurada, pela exequente, a acção referida no art.º 119º do CR Predial, caducou essa penhora nos termos do art.º 92º nº 5 do CR Predial.
Vejamos cada uma desta questões/fundamentos do recurso, não necessariamente pela ordem enunciada.
Assim, começando pelas questões referidas em b) e d) que, no fundo, se reportam à mesma problemática: a penhora está registada provisoriamente, por natureza, nos termos do art.º 92º nº 2, al. a) do CR Predial e, como a exequente não instaurou a acção prevista no art.º 119º do CRP, caducou a penhora, sendo inútil a intervenção principal do terceiro.
Será assim?
Antes de mais, recordemos a redacção dos artºs 92º e 119º do CR Predial.
Estabelece o art.º 92º nº 2, al. a) e nº 5 desse código: “(…) 2- Além das previstas no número anterior, são ainda provisórias por natureza: a) As inscrições de penhora de declaração de insolvência e de arresto, se existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento do direito de propriedade ou de mera posse a favor de pessoa diversa do executado, do insolvente ou do requerido; (…) 5- As inscrições referidas na alínea a) do n.º 2 mantêm-se em vigor pelo prazo de um ano, salvo o disposto no n.º 5 do artigo 119.º, e caducam se a ação declarativa não for proposta e registada dentro de 30 dias a contar da notificação da declaração prevista no n.º 4 do mesmo artigo. (…)”
Por sua vez, o art.º 119º do mesmo código determina:
“Suprimento em caso de arresto, penhora ou declaração de insolvência 1 - Havendo registo provisório de arresto, penhora ou de declaração de insolvência sobre os bens inscritos a favor de pessoa diversa do requerido, executado ou insolvente, deve efetuar-se no respetivo processo a citação do titular inscrito para declarar, no prazo de 10 dias, se o prédio ou direito lhe pertence. 2 - No caso de ausência ou falecimento do titular da inscrição deve fazer-se a citação deste ou dos seus herdeiros, independentemente de habilitação, afixando-se editais pelo prazo de 30 dias, na sede da junta de freguesia da área da situação dos prédios. 3 - Se o citado declarar que os bens lhe não pertencem ou não fizer nenhuma declaração, o tribunal ou o agente de execução comunica o facto ao serviço de registo para conversão oficiosa do registo. 4 - Se o citado declarar que os bens lhe pertencem, o juiz remete os interessados para os meios processuais comuns, e aquele facto é igualmente comunicado, bem como a data da notificação da declaração para ser anotada no registo. 5 - O registo da ação declarativa na vigência do registo provisório é anotado neste e prorroga o respetivo prazo até que seja cancelado o registo da ação. 6 - No caso de procedência da ação, deve o interessado pedir a conversão do registo no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado.”
Ora, destes dois preceitos decorre que, a penhora é registada provisoriamente, por natureza, além do mais, se o proprietário inscrito for pessoa diversa do executado. Nessa situação, de acordo com o art.º 119º nº 1, deve ter lugar, no processo em que ocorreu a penhora, a citação do titular inscrito para declarar se o bem lhe pertence. E se o titular inscrito declarar que o bem lhe pertence, o juiz, nos termos do nº 4 do art.º 119º deve remeter os interessados para os meios comuns e, esse facto, é também comunicado ao registo conjuntamente com a data em que ocorreu a citação do proprietário inscrito e a declaração deste, a fim de ser anotada ao registo da penhora.
Caso seja cumprido o previsto nesse nº 4 do art.º 119º, o registo da acção declarativa é anotado no registo provisório por natureza e, mantendo-se em vigor até que seja cancelado o registo da acção (nº 5 do art.º 119º). Em face do nº 5 do art.º 92º a penhora apenas caduca se a acção declarativa não for proposta e registada dentro de 30 dias a contar da notificação da declaração prevista no n.º 4 do art.º 119º.
Pois bem, daqui resulta que para que ocorra a caducidade da penhora, torna-se necessário que o juiz remeta as partes para os meios comuns e, simultaneamente, comunique ao registo a data de citação do proprietário inscrito e a declaração deste, a fim de ser anotada ao registo da penhora, conforme determina o nº 4 do art.º 119º do CPC.
Quer dizer, sem essa decisão de remessa das partes para os meios comuns e consequente comunicação ao registo da data da citação do titular inscrito e da respectiva declaração, não começa a correr o prazo de 30 dias a que se reporta o nº 5 do art.º 92º. O mesmo é dizer que não caduca a penhora.
Ora, no caso dos autos, como se referiu no ponto 10 da factualidade relevante, não consta dos autos de execução especial por alimentos (Proc. 1988/04.8TMLSB, apenso E) que tenha sido proferido despacho, nos termos do art.º 119º nº 4 do CR Predial, a remeter as partes para os meios comuns ou que tenha sido remetida certidão à Conservatória do Registo Predial com a data da notificação e da declaração a fim de ser anotada ao registo.
Daqui se conclui que, contrariamente ao que o apelante pretende, não se pode considerar a caducidade da penhora. Tanto basta para que improcedam os fundamentos invocados pelo apelante e sintetizados sob os pontos b) e d) supra enunciados.
Só mais um apontamento.
Como vimos, o titular inscrito instaurou embargos de terceiro visando se reconhecesse que é proprietário da fracção “J” penhorada nos autos. Igualmente, como vimos, por sentença de 03/09/2018, os embargos de terceiro foram julgados improcedentes, decisão transitada em julgado (ponto 13 supra).
Ora, o art.º 349º do CPC, refere o caso julgado material da decisão de embargos de terceiro. Ou seja, a sentença de mérito proferida nos embargos de terceiro constitui caso julgado quanto a existência ou inexistência e titularidade do direito invocado. O mesmo é dizer que se a decisão de improcedência dos embargos resultar da impugnação da posse ou do direito alegado pelo embargante, fica decidido, com valor de caso julgado material que a posse ou o direito do embargante não existe (Cf. Teixeira de Sousa, CPC online, Livro II, pág. 269 em anotação ao art.º 349º, in Blog do IPPC, consultado a 15/11/2023).
Vejamos agora os outros argumentos do apelante invocados na sua alegação e que acima se mencionaram sob as alíneas a) e c) que, no fundo, constituem um único argumento: não existir situação de litisconsórcio e, o art.º 54º nº 3 do CPC vedar que, sendo instaurada execução somente contra o devedor de alimentos, sabendo a exequente que o prédio hipotecado pertence a terceiro não demandado logo na execução, venha posteriormente a fazê-lo intervir por meio de incidente de intervenção principal provocada.
Será assim?
É o que importa analisar.
Pois bem, em termos gerais, o direito do exequente pode estar garantido por hipoteca – ou outra garantia real – sobre bens de terceiro, que não é o devedor, mas um garante do cumprimento da obrigação. E esse terceiro garante tanto pode ser quem prestou inicialmente a garantia, ou quem tenha posteriormente adquirido a coisa onerada.
Ora, apesar de ser terceiro em relação à dívida, o art.º 818º, 1ª parte, do CC permite que o direito de execução possa incidir sobre bens de terceiro, quando estes bens estejam vinculados à garantia do crédito, de resto, como resulta do art.º 735º nº 2 do CPC. Quer dizer, dado que o terceiro, titular do bem constituído em garantia do pagamento do crédito, não é o devedor, a lei adjectiva criou mecanismos que permitem levar por diante a previsão do art.º 818º, 1ª parte, do CC - que possibilita que “O direito de execução pode incidir sobre bens de terceiro, quando estejam vinculados à garantia do crédito…” - conferindo legitimidade passiva, na execução, ao terceiro titular do bem dado em garantia.
Assim, o nº 2 do art.º 54º do CPC contém uma regra que confere legitimidade passiva para a execução a quem não é o devedor.
Esse art.º 54º nº 2 do CPC, concede ao credor a possibilidade de fazer valer a garantia contra o terceiro, ou somente contra este, ou conjuntamente com o devedor. Ou pode o credor, nos termos do nº 3, quando a execução tenha sido movida apenas contra o terceiro, e se reconheça a insuficiência dos bens onerados com garantia real, pedir o prosseguimento da execução contra o devedor.
Esta faculdade de o credor poder escolher entre exercer ou não exercer a garantia, tem expressão processual, que se traduz na não indicação do terceiro no acto de instauração da execução.
Como refere Rui Pinto (Ação Executiva, AAFDL, 2018, pág. 287) “Perante a ausência de indicação, o agente de execução não pode penhorar o bem de terceiro onerado com garantia real, pois a execução não foi movida contra ele (art.º 735º nº 2 do CPC)”. E continua este professor a discorrer sobre as situações em que é exercida a garantia – ou seja, é indicado para penhora o bem dado em garantia – sem que a execução tenha sido (também) instaurada contra o terceiro “…a consequência não pode ser a ilegitimidade do próprio devedor, pois o art.º 54º nº 2 dá legitimidade ao terceiro, mas não a retira ao devedor. A consequência da execução do bem do garante, sem se demandar o terceiro, é, obviamente, a ilegalidade subjectiva da penhora, impugnável em embargos de terceiro e em acção de reivindicação.” (A. e ob. Cit. pág. 289; no mesmo sentido, Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual do Processo Civil Vol. II, AAFDL, 2022, pág. 623; Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, 1998, pág. 139).
Marco Carvalho Gonçalves (Lições de Processo Civil Executivo, 5ª edição, pág. 229) menciona que “…se a acção executiva for movida apenas contra o devedor mas a penhora recair sobre o bem onerado em garantia, pertencente ao terceiro que não foi demandado, essa penhora será ilegal, assistindo ao terceiro a possibilidade de defender o seu direito de propriedade em relação a esse bem, mediante a dedução de embargos de terceiro (art.º 342º). De todo o modo, ainda que tenha sido penhorado um bem onerado em garantia, pertencente a um terceiro, sem que a execução tenha sido movida contra ele, a jurisprudência tem vindo a admitir a possibilidade de o exequente provocar, na pendência da execução, a intervenção principal desse terceiro, por forma a assegurar que o bem onerado em garantia responda pela dívida exequenda. Afigura-se-nos, no entanto, que esta solução só será possível se, nesse caso, não tiver penhorado qualquer património do devedor…e se o terceiro não tiver, entretanto, deduzido embargos de terceiro…”
Por sua vez, Geraldes/Pimenta/Sousa (CPC anotado, vol. II, pág. 99) entendem que “Conforme final do nº 2 do art.º 735º em conjugação com o art.º 54º nº 2, pretendendo-se a penhora de bens de terceiro, este deve ser demandado ou ser requerida posteriormente a sua intervenção principal.”
Destas notas verifica-se que a solução da questão não é uniforme. No entanto, podemos aceitar que se o credor pretende executar o bem de terceiro sobre que incide a garantia real (hipoteca) tem de demandá-lo na execução. Se não o fizer, a penhora será ilegal, facultando ao terceiro a possibilidade de a impugnar.
A questão reside em saber se o credor exequente tem de o demandar, logo inicialmente, ou se pode demandá-lo, posteriormente, mediante incidente de intervenção principal.
Ora, a jurisprudência inclina-se para esta solução: pretendendo-se a penhora de bens de terceiro, este deve ser demandado ou ser requerida posteriormente a sua intervenção principal.
Na verdade, pode ver-se esta solução, entre outros, nos seguintes acórdãos:
- STJ, de 28/01/2015 (Gregório Silva Jesus):
“V - Não tendo o exequente/credor hipotecário demandado inicialmente os garantes, pode ainda fazê-lo na pendência da execução primitivamente instaurada apenas contra os executados outorgantes do contrato de mútuo garantido por hipoteca, através do incidente de intervenção principal provocada, de modo a que o bem hipotecado, propriedade daqueles terceiros cujo direito de propriedade foi adquirido posteriormente à data da constituição da hipoteca mas antes da dedução da acção executiva, possa responder pela dívida provida de garantia real.”
- STJ, de 16/01/2014 (Abrantes Geraldes):
“3. O facto de o credor ter instaurado acção executiva apenas contra o devedor não constitui obstáculo a que seja requerida a intervenção principal provocada do titular do bem hipotecado, se o credor pretender exercitar nessa mesma execução a garantia real do seu crédito.”
- TRC, de 12/07/2022 (Alberto Ruço):
“- Se o terceiro proprietário de bens onerados com hipoteca não tiver sido demandado conjuntamente com o executado, pode sê-lo mais tarde, através do incidente da intervenção principal provocada.”
- TRG, de 21/05/2020 (Maria João Matos):
“II. Tendo o credor instaurado acção executiva apenas contra o devedor, e não simultaneamente contra o terceiro proprietário do bem dado em garantia, pode depois fazer intervir este por meio de incidente de intervenção principal provocada, quando pretenda exercitar nessa mesma execução a garantia real do seu crédito.”
- TRC, de 17/06/2014 (Catarina Gonçalves):
“Pretendendo o exequente fazer valer, no processo de execução que instaurou contra o devedor, a garantia real do seu crédito e constatando-se que o bem sobre o qual incide essa garantia havia sido transferido para terceiro em momento anterior à propositura da execução, pode o exequente recorrer ao incidente de intervenção principal provocada para fazer intervir o aludido terceiro (que poderia ter demandado inicialmente) tendo em vista o prosseguimento da execução contra o devedor e contra o titular do bem onerado com a garantia real.”
- TRG, de 12/11/2013 (Ana Cristina Duarte):
“Não tendo o exequente, inicialmente, demandado o garante, pode ainda fazê-lo, na pendência da execução, através da intervenção provocada, de modo a que o bem hipotecado e já penhorado, propriedade deste terceiro, possa responder pela dívida provida de garantia real.”
- TRL, de 29/10/2013 (Cristina Coelho):
“Não tendo o exequente, inicialmente, demandado o garante, pode ainda fazê-lo, na pendência da execução, através da intervenção provocada, de modo a que o bem hipotecado e já penhorado, propriedade deste terceiro, possa responder pela dívida provida de garantia real.”
Pois bem, concorda-se com a posição da jurisprudência acabada de citar.
Com efeito, conforme fundamenta o acórdão do STJ, de 28/01/2015, “Como antes se disse, se a execução podia ter sido instaurada, ab initio, também contra os terceiros, não se descortina fundamento para que eles não possam ser chamados no seu decurso para o lado dos devedores/executados, para ocupar precisamente a posição que ocupariam desde o início. A sua intervenção é muito próxima da situação acautelada no art.º 745.º, nº 3, vale aqui inteiramente a razão de ser desse preceito, que se coaduna perfeitamente com o fim e os limites da acção executiva (cfr. art.º 10.º, nºs 4 e 5), pois com ela melhor garante o exequente o cumprimento da obrigação, já que se mostra indispensável para conferir eficácia à execução.” (…) “Da mesma forma, se justifica essa intervenção em nome da economia processual. Seria violento impor ao recorrente, na eventualidade da insuficiência ou inexistência de bens dos devedores demandados, a consequente necessidade de ter de lançar mão duma acção declarativa autónoma de impugnação pauliana para acertamento do mérito da transmissão, para onde o acórdão recorrido remete o exequente, seguida de nova execução contra os terceiros, com o inerente sacrifício dos custos e da morosidade, em proveito do incumpridor que pretendeu com a transmissão, se não frustrar, pelo menos retardar o fim da execução e, consequentemente, o pagamento da dívida.”
Do que expôs somos a entender que não há fundamento para revogar a decisão sob impugnação que ordenou a intervenção principal provocada do EAGS enquanto único herdeiro habilitados do titular inscrito da fracção “J” penhorada onerada com hipoteca legal para garantia do direito a alimentos que se executam nesta execução.
Em suma: o recurso improcede.
***
III- DECISÃO
Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em, apesar de declararem nula a decisão sob recurso, por omissão de pronúncia, usando o mecanismo do art.º 665º nº 1 do CPC, substituindo-se à 1ª instância, conhecem do objecto da apelação e, julgando-a improcedente, mantém o deferimento do incidente de intervenção principal provocada de EAGS a fim de que a execução prossiga em relação à fracção autónoma "J" onerada com hipoteca registada a favor da exequente, ordenando-se ainda o cumprimento do disposto no art.º 319º do CPC.
Custas, na fase de recurso: seriam pelo apelante; porém, mostram-se previamente pagas as custas na vertente de taxas de justiça, não foram praticados actos tributáveis como encargos e, por não ter existido contra-alegações não há lugar a custas de parte.
Lisboa, 23/11/2023
Adeodato Brotas
Nuno Lopes Ribeiro
João Manuel P. Cordeiro Brazão