PLANO DE PAGAMENTOS
VENCIMENTO DA DÍVIDA
LIQUIDAÇÃO PRÉVIA
EXECUTADO
INTERPELAÇÃO
AÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PROVA DOCUMENTAL
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
Sumário


I. A nulidade do acórdão por oposição entre os fundamentos de facto e a decisão, prevista na al. c), do n.º 1, do artigo 615.º, do Código de Processo Civil, segundo a qual a sentença é nula quando os fundamentos estejam em manifesta oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença.
II. A obscuridade verifica-se quando algum passo do acórdão é ininteligível e a ambiguidade existe quando alguma passagem dele se presta a interpretações diferentes e porventura opostas.
III. Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento.
IV. A nulidade por omissão ou excesso de pronúncia apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, isto é, sobre os assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões ou extravase o conhecimento de tais matérias.
V. O Tribunal da Relação poderá alterar a decisão da matéria de facto sempre que dos meios de prova existentes no processo, apreciados na sua globalidade e à luz do princípio da livre apreciação da prova e sem prejuízo da prova vinculada, possa alcançar um resultado diferente do que seja sustentado pela 1.ª instância.
VI. O Tribunal de Revista não pode intervir na valoração da prova feita pelo Tribunal da Relação, segundo a sua livre e prudente convicção, apenas podendo aferir se o Tribunal da Relação observou, quer a disciplina processual aludida nos artigos 640.º e 662.º, n.º 1, quer a análise crítica da prova nos termos ínsitos no artigo 607.º, n.º 4 (aplicável ex vi artigo 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil).
VII. Sem a demonstração da liquidação dos valores em dívida pela Executada, não é, pois, lícito que se considere a dívida vencida nos termos pretendidos pela Exequente, nem a Executada constituída em mora.

Texto Integral

Acórdão



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa, que Caixa Geral de Depósitos, S.A. instaurou contra J..., Lda., veio a Executada deduzir embargos, pugnando para que a execução seja julgada extinta por inexigibilidade da obrigação de pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese e para o que ora releva, que:

- a Exequente invoca que a Executada não pagou os montantes previstos no Plano Especial de Revitalização – PER, mas não concretiza no seu requerimento a que prestações desse empréstimo se refere, em que data ocorreram, ou seja, o início da mora, bem como, como foi calculado o valor da dívida exequenda;

- limitando-se a alegar, genericamente, que a Executada terá incumprido com o plano estabelecido no âmbito do PER, e a composição do valor total em dívida, não transformou a mora em incumprimento definitivo;

- a carta de 12 de dezembro de 2019 não integra os elementos necessários para cumprir com função de interpelação para o cumprimento, com a cominação expressa, que o mesmo a persistir, se transforma em mora definitiva, e desde logo porque não contém toda a informação exigível sobre os montantes globalmente indicados como alegadamente em mora;

- impunha-se à Exequente que indicasse à Executada como apurou o montante de juros, e a que se refere a quantia das comissões, bem como o dia em que se iniciava o período prestacional e o da cobrança das prestações.

Conclui, assim, pela incerteza, iliquidez e a inexigibilidade da alegada dívida cujo pagamento coercivo a Exequente pretende obter por via dos presentes autos executivos.

2. A Embargada/Exequente apresentou articulado de contestação, pugnando pela improcedência da oposição à execução.

3. Tramitados os autos, foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a oposição à execução mediante embargos de executado e, em consequência, ordenou o normal prosseguimento da execução.

4. Inconformada com esta decisão, a Executada interpôs recurso de apelação.

5. O Tribunal da Relação de Lisboa veio a julgar procedente a apelação “e revoga-se a decisão recorrida decidindo-se pela inexigibilidade da quantia exequenda e consequentemente pela procedência dos embargos”.

6. Não se conformando, a Exequente/Embargada veio interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

a) O presente recurso vem interposto pela Recorrente do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, mediante o qual foi julgado procedente a Apelação da Executada, julgando-se verificada a inexigibilidade da dívida, e determinando-se, em consequência, a procedência dos embargos de executado.

b) Na decisão recorrida, de segunda instância, o douto Tribunal a quo, foi alterada a decisão da matéria de facto da primeira instância, o que, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 662.º do CPC, só é permitido se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

c) Foi alterada a redacção dos factos provados n.ºs 5, 8, 9 e 17, eliminando-se o n.º 10, dando-se como não provados os pontos 11, 12, 13, 16 e 183, e ainda aditado um novo facto, passando a matéria de facto a estabelecer o seguinte:

1 - No exercício da sua actividade creditícia, a Exequente, que é uma instituição de crédito, celebrou com a Executada um contrato de EMPRÉSTIMO sob a forma de ABERTURA de CRÉDITO, ao qual foi atribuído o n.º interno PT ...891, nos termos do qual a primeira emprestou a esta última a quantia de PTE 600.000.000$00/€2.992.787,38 (dois milhões, novecentos e noventa e dois mil, setecentos e oitenta e sete euros e trinta e oito cêntimos) nas condições constantes do instrumento notarial avulso outorgado em 29/04/1999, no Notariado Privativo da Exequente, cuja certidão se junta e cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. doc. 1).

2 - O contrato de financiamento, acima descrito, foi posteriormente alterado por duas vezes nos termos constantes dos documentos particulares datados de 21/10/2004 e 29/12/2005 cujas cópias se juntam e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. docs. 2 e 3).

3 - Em 2014, a Executada intentou um processo especial de revitalização, que correu termos no Juiz ... do Juízo de Comércio de ... sob o n.º 663/14.0..., no âmbito do qual foi aprovado um plano especial de revitalização, homologado por sentença proferida em 14/01/2015, transitada em julgado em 10.02.2015 (cfr. docs. 4 e 5).

4 - Dispõe o plano especial de revitalização, relativamente à dívida objecto da presente execução, que (i) o financiamento aqui em causa seria transformado num empréstimo a quinze anos, a contar da data do trânsito em julgado da sentença de homologação, sendo os dois primeiros anos de carência de capital, com pagamento de juros mensais, e os subsequentes treze de amortização da dívida em prestações de capital e juros, calculados à taxa Euribor a três meses, acrescida de um ‘spread’ de 5,70% e, ainda, (ii) que o plano não configura qualquer novação de dívida nem afasta as garantias reais e pessoais prestadas (cfr. doc. 4 pág. 8).

5 - Em cumprimento do determinado no supra mencionado plano, a dívida emergente do financiamento descrito no n.º 1 supra – que à data do trânsito em julgado da sentença que o homologou era de € 1.005.686,73, sendo € 632.187,63 de capital, € 359.059,75 de juros, € 74,00 de comissões e encargos e € 14.365,35 de imposto de selo sobre encargos, comissões e juros – foi consolidada na referida quantia de € 1.005.686,73, para ser liquidada no prazo máximo de 180 meses, sendo os primeiros 24 meses de carência de capital, com pagamento mensal de juros a partir de 10/03/2015, e os restantes 156 meses de amortização, em prestações mensais de capital e juros.

6 - Além de consolidado e restruturado, nos termos referidos no n.º anterior, o financiamento PT ...891, ora em causa, foi renumerado e passou a ter o n.º PT ...991 (cfr. doc. 6).

7- A dívida emergente do financiamento acima descrito encontra-se garantida por DUAS HIPOTECAS, conforme segue: a) ESPECÍFICA, sobre o PRÉDIO URBANO situado na R. ..., R. ... e R. ..., no ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º ...12, freguesia do ..., registada sob a AP....00 de 1999/03/12, com o capital de € 897.836,21, encontrando-se em vigor relativamente às fracções AA, AB, AC, AD, X e Z (cfr. doc. 1 e certidão predial que se junta como doc.7). b) GENÉRICA, sobre o PRÉDIO RÚSTICO situado no ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º ...11, freguesia do ..., registada sob a AP....2de 2005/11/30, com o capital de € 632.187,63 (cfr. Doc. 3 e, ainda, escritura e certidão predial que se juntam como docs 8 e 9).

8 e 9 – A Executada não pagou à exequente os montantes previstos no plano de revitalização.

10 – Eliminado.

11, 12 e 13 – Eliminados.

14 - Sucede que, na carta em causa, datada de 12.12.2019, estão indicados os valores em dívida, e indicado que os mesmos correspondem às 1ª a 24ª prestações de juros, e às 25ª a 58ª prestações de capital e juros do plano.

15 - Foi indicado expressamente o valor em dívida relativamente à operação executada nos presentes autos.

16 - Eliminado.

17 - A Embargada respondeu à carta da Embargante de 08.01.2020, esclarecendo-a que considerava cumprida a interpelação com a sua missiva anterior.

18 - Eliminado.

19 - Foi indeferido pela Infraestruturas de Portugal o pedido de autorização para a operação de loteamento, em 16.08.2018.

20 - Nessa altura vivia-se uma crise económica.

21 - Atenta a inexistência de perspetivas de que a Embargante liquidasse /reestruturasse as responsabilidades, e uma vez que não havia sido possível acordar na dação dos imóveis dados em garantia, e uma vez que as diligências efectuadas na área negocial haviam sido inconclusivas, foi remetida a carta à Embargante que ora se junta como doc. n.º 4 e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos.

Novo facto - Só através da carta datada de 31-08-2018, é que a Exequente comunicou à Executada a implementação das condições de regularização das responsabilidades de crédito, no âmbito do plano homologado.

d) Acontece que, pese embora o tribunal de Revista não possa intervir na valoração da prova feita pelo tribunal da Relação, segundo a sua livre e prudente convicção, pode aferir se o tribunal da Relação observou, quer a disciplina processual aludida nos arts. 640.º e 662.º, n.º 1, quer a análise crítica da prova nos termos ínsitos no art. 607.º, n.º 4 (aplicável ex vi do artº 663º, nº 2, todos do CPC).

e) Devendo também considerar-se que, em caso de dúvida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, apenas devendo existir alteração caso algo de anormal se tenha verificado na livre convicção formada pelo julgador da primeira instância, ou se houver violação de regras aplicáveis.

f) Ora, entende a Recorrente precisamente que, no caso sub judice, o douto Tribunal a quo não respeitou as imposições que regem a (re)apreciação da matéria de facto, sendo ademais nula a decisão recorrida.

g) Concretamente no que diz respeito à alteração do ponto 5.º dos factos provados, em que apenas se retira do texto do facto provado da primeira instância, a data de 10.03.2017 (que correspondia à data do início de pagamento do capital e juros, após o período de carência de capital de 24 meses), verifica-se que a decisão é nula nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, violando ainda o disposto no n.º 1 do art. 662.º do CPC, já que a prova produzida não podia impor decisão diversa sobre tal facto, e violando ainda o disposto nos n.ºs 4 e 5 do art. 607.º do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2 do CPC.

Senão vejamos

h) A nulidade referida verifica-se porque a redacção conferida pelo douto Tribunal a quo é contraditória com a sua fundamentação, e entre si mesma, (e, desse modo, ininteligível), na medida em que: i) na motivação para a decisão da matéria de facto, o Tribunal referia que, na sua acepção, a data de vencimento das prestações de juros e de capital e juros, ocorreriam apenas em 31.08.2018 e Setembro de 2020, respectivamente (ainda que sem qualquer fundamento válido para tal); ii) constando do facto provado que o pagamento mensal dos juros se iniciava a 10.03.2015, necessariamente em face do restante provado, e por uma questão de lógica, a amortização do capital se iniciaria a 10.03.2017, precisamente a referência que foi removida do facto provado conforme redacção da primeira instância.

i) Mais se entende que se verifica a violação do disposto no n.º 1 do art. 662.º do CPC, e ainda o disposto nos n.ºs 4 e 5 do art. 607.º do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2 do CPC, porquanto, se entende que apenas a certidão judicial e o plano de revitalização poderiam constituir os meios probatórios a considerar, ou, pelo menos, não podiam ser desconsiderados como o foram, sendo ademais tais documentos claros no que diz respeito ao vencimento da dívida do plano (por referência à data do trânsito em julgado da sentença homologatória).

j) De facto, o plano, que foi aprovado por sentença homologatória transitada em julgado, e que vincula as partes ao seu conteúdo nos termos do actual n.º 11 do art. 17.º-F do CIRE, previa expressamente a reestruturação dos empréstimos, e transformação do total da dívida “num empréstimo a 15 anos, a contar da data do trânsito em julgado da sentença de homologação, sendo os primeiros 2 (dois) anos de carência de capital, com pagamento de juros mensais, e os subsequentes 13 anos de amortização em prestações mensais de capital e juros.”.

k) Da certidão judicial constava expressamente que a sentença homologatória tinha transitado em julgado em 10.02.2015.

l) Não era, portanto, permitido ao douto Tribunal a quo invocar que não estavam fixados os “dias da cobrança” (data de vencimento das prestações), contrariando o que consta também do facto provado nº 4, sendo-lhe vedado ignorar o meio de prova rei em tal matéria (certidão judicial da sentença e plano de revitalização), e interpretar as pretensas obrigações em desconformidade com o que foi decidido no Processo Especial de Revitalização.

m) Impondo-se assim julgar nula a decisão nessa matéria de nenhum valor, e manter-se a decisão de facto da primeira instância.

n) No que diz respeito à recondução dos pontos 8º e 9º para o facto provado singelo de a Executada não ter pago à exequente os montantes previstos no plano de revitalização, verifica-se que o douto Tribunal a quo não apreciou criticamente a prova, nem tomou em consideração os factos provados por documento, violando-se assim o disposto no n.º 4 do art. 607.º do CPC, já que resultava provado por documento (docs. n.º 10 e 11 juntos com o requerimento executivo) que a Recorrida recebeu missiva enviada pela Recorrente, datada de 12.12.2019, tendo sido notificada de que estavam em dívida os valores previstos no plano, referentes às prestações 1 a 24 de juros e 25 a 58 de capital e juros (mesmo que se entendesse ser incorrecta a data de vencimento considerada), e que deveria proceder ao pagamento dos valores vencidos no prazo de 15 dias a contar do recebimento da carta, advertindo das consequências da sua falta (ficavam sem efeito a mora e o perdão previstos no plano), não apreciando o Tribunal a prova resultante de tais documentos, ou a sua validade, sustentando a alteração apenas no facto de alegadamente não estarem na interpelação quantificados os valores a pagar, sendo que ademais, era expressamente indicado que o valor em mora ascendia ao total de 503.524,49 €, e que o Tribunal reconheceu que eram indicados os valores a pagar na interpelação.

o) Salvo o devido respeito, no exercício dos poderes de reapreciação da prova (art. 662.º do CPC), não podia o Tribunal a quo alterar, sem qualquer fundamentação para a divergência face ao entendimento da primeira instância, a matéria de facto provada decidida pela primeira instância, removendo dos factos provados a comprovada existência de uma carta de interpelação, com a indicação dos montantes a liquidar, e reputados pela Recorrente como em dívida no âmbito do plano de revitalização, e identificados devidamente, e que à Recorrida foi concedido prazo para a sua regularização, ainda que depois enquadrasse como inválida ou ineficaz a interpelação efectuada, o que será uma questão de direito e não de facto.

p) Ademais, quanto ao aspecto da “data dos vencimentos” omitida, verifica-se que existe contradição com o facto provado n.º 5 e mesmo com o entendimento espelhado pelo douto Tribunal a quo na motivação, já que, era admitido que, pelo menos os juros estariam vencidos e não foram pagos, não obstante a interpelação efectuada pela Recorrente nos termos do n.º 1 do art. 218.º do CIRE.

q) De resto, a decisão de alteração não se coaduna com os factos provados 14 e 15, nem com o facto de o Tribunal reconhecer que o doc. 10 provava a declaração no mesmo efectuada.

r) Tudo visto, é manifesto que, não obstante poder considerar válida e eficaz ou não a interpelação, nunca o douto Tribunal a quo podia deixar de considerar que a Recorrida foi efectivamente interpelada para, no prazo de 15 dias previsto no n.º 1 do art. 218.º do CIRE proceder ao pagamento de quantias que a Recorrente entendia que se encontravam em mora nos termos do plano de revitalização homologado, e que não procedeu ao respectivo pagamento, no prazo concedido ou mesmo posteriormente.

s) Tudo tornando o douto acórdão recorrido ininteligível e, nessa medida, ferido de nulidade (al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC), violando-se ainda a lei de processo (art. 662.º, n.º 1 do CPC).

t) Também no que diz respeito à remoção dos factos provados n.ºs 11, 12 e 13, dos quais resultavam provados os montantes em dívida, peticionados na execução, a taxa de juros aplicável e o respectivo período, a apreciação do Tribunal a quo acaba por nada ter a ver com a prova dos referidos factos, não sendo analisadas as provas analisadas pela primeira instância.

u) Na apreciação do ponto 15 da matéria de facto provada reconhecia-se que “[n]o requerimento executivo é expressamente indicado o valor em dívida e que se pretende executar nos autos”.

v) E a dívida em causa era a dívida de acordo com os seus termos originários, e não a dívida decorrente do plano de revitalização, sendo que, a aqui Recorrida, na sua apelação, tal como o fez nos embargos de executado, não impugnou qualquer componente da dívida ou taxa aplicável aos juros, nem o cálculo efectuado, colocando apenas em causa a liquidação feita na interpelação, pelo que, não podia o douto Tribunal a quo conhecer de tal matéria (art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC).

w) Ademais, ao se demitir de analisar as provas consideradas pela primeira instância, designadamente o documento n.º 12 e os depoimentos das testemunhas, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 4 do art. 607.º do CPC.

x) Não apresentando qualquer sustação probatória para considerar ou não que a dívida ascendia a 07.08.2020 aos montantes indicados no ponto 11.º, que sobre os mesmos era ou não devido imposto de selo referido no ponto 12º, e que acresciam juros de mora à taxa que era indicada no ponto 13.º da matéria de facto decidida pela primeira instância, incorreu em clara violação da lei, sendo que, o facto de a Recorrida ter ficado ou não em condições de aferir do acerto da liquidação na interpelação, em nada invalida que os valores da dívida sejam ou não os dados como provados pelo Tribunal de primeira instância, o que acarreta a a nulidade do acórdão recorrido nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.

y) O Acórdão recorrido é ainda nulo, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC por absoluta falta de fundamentação no que concerne à decisão de facto referente à eliminação do ponto 16 dos factos provados pela primeira instância, na medida em que, sem qualquer fundamentação sustentada em elementos probatórios ou em disposição legal, invoca-se que era à “Recorrida que cabia fazer os cálculos e notificar a recorrente para o efectivo pagamento”, ademais não invalidando tal entendimento que se mantivesse provado o facto em causa, pois, existisse ou não tal obrigação, a aqui Recorrida poderia ainda assim estar munida dos elementos que lhe permitissem calcular o valor em dívida, violando-se assim o disposto no art. 662.º, n.º 1 e 607.º, n.º 4 do CPC.

z) Por último, no que concerne ao facto n.º 18 que foi dado como não provado pelo douto Tribunal a quo, verifica-se também violação das normas de julgamento da matéria de facto, considerando que não é evidenciada análise crítica da prova que sustentava o facto provado, limitando-se o Tribunal a quo a tecer considerações conclusivas, não evidenciando de qualquer modo a existência de alguma falsidade ou ausência/ insuficiência da prova que foi invocada pela primeira instância, violando-se assim o disposto nos n.ºs 4 e 5 do art. 607.º do CPC.

aa) Em conclusão, no que respeita à matéria de facto, é manifesto que o douto Tribunal a quo, ao invés de controlar e verificar a correcção da decisão da matéria de facto feita pela primeira instância, procedeu a um verdadeiro novo julgamento, aplicando em várias situações entendimentos de direito à matéria de facto, ao invés de proceder ao julgamento de direito.

bb) Decisão completamente diversa daquela que foi proferida pelo mesmo Tribunal no âmbito do Processo 5686/20.7..., respeitante a outra dívida da Recorrida para com a Recorrente e que integrou o plano de revitalização, em que o enquadramento era o mesmo.

cc) Foi então, em sede do julgamento de direito, proferida a seguinte decisão:

“A confirmação da implementação das condições de regularização das responsabilidades, apenas foi comunicada pela Recorrida, pela carta datada de 31-08-2018.

E aí apenas se discriminam os valores de capital, juros, comissões e encargos.

Não estão indicados os juros vencidos nos dois anos de carência nem o valor das 156 prestações, respectiva data de vencimento e o valor dos juros que acresce a cada prestação, mais comissões e imposto de selo.

Sem essa discriminação encontrava-se a recorrente impedida de cumprir o plano de pagamentos judicialmente homologado.

Entendemos que o prazo de carência começou a correr não com o transito da sentença homologatória do plano, mas sim com a carta de 2018/8/31. Donde deverá a exequente fornecer à executada o valor dos juros vencidos nos 2 anos de carência dando-lhe prazo para cumprir.

Mais deverá a exequente discriminar o valor de cada uma das 156 prestações devidas, desde 31/8/2020 (com juros, comissões e imposto de selo) e notificar a executada fixando-lhe também um prazo para cumprir.

Não ocorrendo o cumprimento estará então a exequente munida com título executivo bastante para as obrigações se considerarem vencidas.

Neste quadro concluímos que a quantia exequenda não está ainda vencida e portanto a quantia exequenda é inexigível.”

dd) Tendo existido a seguinte declaração de voto vencido:

“Voto vencida o presente acórdão pois confirmaria a decisão recorrida, julgando improcedentes os embargos.

Discordo da alteração da decisão quanto à matéria de facto, designadamente no que concerne ao ponto 16.º dos factos provados que entendo deveria manter-se como provado.

Na verdade, ao ter sido instaurado um Processo Especial de Revitalização (PER), necessariamente a ora Executada estava munida de todos os elementos que lhe permitiam calcular o valor da dívida que remontava a um contrato de abertura de crédito celebrado em 1999 e alterado em 2004 e 2005, conforme factos provados 1.º e 2.º, e que se encontrava em mora. Por isso é que a Autora instaurou o PER.

Conforme também está provado no ponto 3.º “Em 2014, a Executada intentou um processo especial de revitalização, que correu termos no Juiz ... do Juízo de Comércio de ... sob o n.º 663/14.0..., no âmbito do qual foi aprovado um plano especial de revitalização, homologado por sentença proferida em 14/01/2015, transitada em julgado em 10.02.2015.”

Nestas circunstâncias e atento este contexto, entendo que não procede a argumentação da que a Executada/Embargante relativamente à inexigibilidade da dívida, não acompanhando, por conseguinte a fundamentação do acórdão, quanto a esta matéria.”

ee) Ora, este último entendimento sempre seria mais correcto.

ff) Não se pode concordar com o entendimento do douto Tribunal a quo qualquer um dos seus aspectos.

gg) Na verdade, não existe qualquer obrigação legal ou outra para se entender que a Recorrente tinha de comunicar à Devedora, aqui Recorrida, os valores das prestações de juros e de capital e juros, e a respectiva data de vencimento, nem tal constava do plano.

hh) É manifesto que a Recorrida não estava impedida de cumprir o plano de pagamentos homologado, porquanto tinha acesso aos montantes em dívida, reclamados e reconhecidos no processo especial de revitalização, e à taxa de juro aplicável, dependendo o valor a liquidar de mero cálculo aritmético.

ii) Considerando que no processo especial de revitalização foi a Devedora a elaborar e depositar no tribunal a versão final do plano de recuperação, que corresponde a uma proposta de pagamentos aos respectivos credores, a mesma terá de assegurar o respectivo cumprimento.

jj) Tendo sido o plano aprovado e homologado, a decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, nos termos do disposto no n.º 11 do art. 17.º-F do CIRE, estando obrigada a Devedora a cumprir.

kk) Donde resulta que o (in)cumprimento do plano de recuperação homologado por sentença se “pela análise da conduta do devedor em face do concreto teor do referido plano”.

ll) Nada estando previsto quanto à necessidade da Credora informar dos elementos referidos pelo Tribunal a quo, é manifesto que era à Devedora que cabia calcular os valores e liquidá-los, ou, pelo menos, solicitá-los à Credora em caso de dúvida, o que não fez, quer antes quer depois de receber a missiva tantas vezes referida pelo douto Tribunal a quo, de 31.08.2018.

mm) Também é de repudiar o entendimento de que o prazo de carência de capital começou a correr não com o trânsito da sentença homologatória, mas sim com a carta de 31.08.2018, porque não foi isso que o plano previa, plano que previa expressamente que a data dos vencimentos era a data de trânsito da sentença homologatória, no que concerne ao pagamento dos juros, e dois anos depois dessa data no que diz respeito à amortização do capital e juros.

nn) Ainda que pudesse ser admitido um poder de interpretação do plano, não pode tal interpretação contender com o que vem expresso, e é claro e cristalino no plano homologado judicialmente, sob pena do desrespeito do caso julgado aí formado e de se incorrer em total arbítrio, não sendo tal entendimento consentâneo também com o que consta do facto provado n.º 4.

oo) Pelo que, dúvidas não restam que, à data da interpelação da Recorrente, parte da dívida se encontrava vencida, encontrando-se a Recorrida em mora, sendo que, ficou patente, por mais incorrectas alterações à matéria de facto que tenham sido feitas (e que devem ser invalidadas nos termos já mencionados), e considerando a matéria constante dos factos provados n.ºs 5, 8, 14, 15 e 18, que a Recorrida foi interpelada pela Recorrente, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 218.º do CIRE, tendo-lhe sido concedidos 15 dias para regularizar a prestação devida, e que a Devedora não regularizou os valores em mora dentro do prazo concedido.

pp) O que forçosamente implica que o plano de revitalização foi definitivamente incumprido ficando sem efeito a mora e o perdão aí previstos, tornando-se a dívida totalmente vencida e exigível.

qq) Acresce que, a “interpelação admonitória exige o preenchimento de três pressupostos: a existência de uma intimação para cumprimento, a consagração de um prazo peremptório, suplementar, razoável e exacto para cumprir, e a declaração cominatória de que findo o prazo fixado, sem que ocorra a execução do contrato, se considera este definitivamente incumprido” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.12.2019, Proc. 386/13.7T2AND.P2.S1, consultável em www.dgsi.pt), não se exigindo que na interpelação sejam feitas demonstrações de cálculos, ou fazer as discriminações referidas pelo douto Tribunal a quo, sendo que, no caso concreto, a Recorrida informou quais as prestações de juros e de capital e juros que estavam em falta do plano elaborado pela própria Recorrida.

rr) Tendo ficado sem efeito o plano, opera-se, digamos, como que uma repristinação dos créditos originais, ocorrendo uma “reconstituição” da dívida originária, a qual corresponde àquela que foi peticionada nos autos de execução, que se encontra vencida e exigível.

ss) Em face do exposto, entende a Recorrente que o douto Acórdão recorrido, é nulo nos termos do disposto nas als. b), c) e d) do n.º 1 do art. 615.º, verificando-se ainda a violação do disposto nos arts. 607.º, n.ºs 4 e 5, aplicáveis ex vi do art. 663.º, n.º 2, e ainda o disposto no art. 662.º, n.º 1, todos do CPC.

tt) Não se julgando correctamente a matéria de direito, julgamento esse que representa entre outros, a violação do disposto nos arts. 17.º-F, n.º 11 e art. 218.º, n.º 1, ambos do CIRE.

uu) Pelo que, entende a Recorrente que a decisão recorrida deve ser anulada e revogada, mantendo-se a decisão proferida na primeira instância, que julgou improcedentes os embargos de executado.

vv) Mais entende a Recorrente que, por maioria de razão (já que o objecto do presente recurso é substancialmente mais restrito que a apelação), e pelos motivos alegados pelas partes nessa sede, se justifica manter em sede da presente Revista a decisão da segunda instância de dispensar as partes da taxa de justiça remanescente, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.

7. A Executada/Embargante apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do Acórdão recorrido.

8. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Embargada/ ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

a) Da nulidade do acórdão recorrido (por violação do artigo 615.º, n.º 1, als. b), c) e d) do Código de Processo Civil);

b) Do erro de julgamento da decisão de facto – respeitante à alteração da matéria de facto operada acórdão recorrido – reportada à redação dos factos provados n.ºs 5, 8, 9 e 17, à eliminação do facto n.º 10, aos factos n.ºs 11, 12, 13, 16 e 18, agora dados como não provados e ao aditamento de um novo facto - por violação de lei e desconsideração da prova documental junta aos autos;

c) Da violação pelo acórdão recorrido do disposto nos artigos 17.º-F, n.º 11 e 218.º, n.º 1, ambos do CIRE;

d) Da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente – artigo 6.º, n.º 7 do RCP.

III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos (com as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação)

1.1. No exercício da sua actividade creditícia, a Exequente, que é uma instituição de crédito, celebrou com a Executada um contrato de EMPRÉSTIMO sob a forma de ABERTURA de CRÉDITO, ao qual foi atribuído o n.º interno PT ...891, nos termos do qual a primeira emprestou a esta última a quantia de PTE 600.000.000$00/€2.992.787,38 (dois milhões, novecentos e noventa e dois mil, setecentos e oitenta e sete euros e trinta e oito cêntimos) nas condições constantes do instrumento notarial avulso outorgado em 29/04/1999, no Notariado Privativo da Exequente, cuja certidão se junta e cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. doc. 1).

1.2. O contrato de financiamento, acima descrito, foi posteriormente alterado por duas vezes, nos termos constantes dos documentos particulares datados de 21/10/2004 e 29/12/2005 cujas cópias se juntam e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. docs. 2 e 3).

1.3. Em 2014, a Executada intentou um processo especial de revitalização, que correu termos no Juiz... do Juízo de Comércio de ... sob o n.º 663/14.0..., no âmbito do qual foi aprovado um plano especial de revitalização, homologado por sentença proferida em 14/01/2015, transitada em julgado em 10.02.2015 (cfr. docs. 4 e 5).

1.4. Dispõe o plano especial de revitalização, relativamente à dívida objecto da presente execução, que (i) o financiamento aqui em causa seria transformado num empréstimo a quinze anos, a contar da data do trânsito em julgado da sentença de homologação, sendo os dois primeiros anos de carência de capital, com pagamento de juros mensais, e os subsequentes treze de amortização da dívida em prestações de capital e juros, calculados à taxa Euribor a três meses, acrescida de um ‘spread’ de 5,70% e, ainda, (ii) que o plano não configura qualquer novação de dívida nem afasta as garantias reais e pessoais prestadas (cfr. doc. 4 pág. 8).

1.5. Em cumprimento do determinado no supra mencionado plano, a dívida emergente do financiamento descrito no n.º 1 supra – que à data do trânsito em julgado da sentença que o homologou era de € 1.005.686,73, sendo € 632.187,63 de capital, € 359.059,75 de juros, € 74,00 de comissões e encargos e € 14.365,35 de imposto de selo sobre encargos, comissões e juros – foi consolidada na referida quantia de € 1.005.686,73, para ser liquidada no prazo máximo de 180 meses, sendo os primeiros 24 meses de carência de capital, com pagamento mensal de juros a partir de 10/03/2015, e os restantes 156 meses de amortização, em prestações mensais de capital e juros. – redação alterada pelo Tribunal da Relação

1.6. Além de consolidado e restruturado, nos termos referidos no n.º anterior, o financiamento PT ...891, ora em causa, foi renumerado e passou a ter o n.º PT ...991 (cfr. doc. 6).

1.7. A dívida emergente do financiamento acima descrito encontra-se garantida por DUAS HIPOTECAS, conforme segue: a) ESPECÍFICA, sobre o PRÉDIO URBANO situado na R. ..., R. ... e R. ..., no ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º ...12, freguesia do ..., registada sob a AP....00 de 1999/03/12, com o capital de € 897.836,21, encontrando-se em vigor relativamente às fracções AA, AB, AC, AD, X e Z (cfr. doc. 1 e certidão predial que se junta como doc.7). b) GENÉRICA, sobre o PRÉDIO RÚSTICO situado no ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º ...11, freguesia do ..., registada sob a AP....2 de 2005/11/30, com o capital de € 632.187,63 (cfr. Doc. 3 e, ainda, escritura e certidão predial que se juntam como docs 8 e 9).

1.8. e 1.9. A executada não pagou à exequente os montantes previstos no plano de revitalização. – alterada a redação dos factos n.ºs 8 e 9 pelo Tribunal da Relação (Na 1.ª instância fora dado como provado:

8 - Acontece que a Executada não pagou à Exequente os montantes previstos no plano especial de revitalização, nem na data dos vencimentos aí estipulados, nem depois, mesmo apesar de ter sido interpelada (cfr. docs. 10 e 11 que se juntam e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos).

9 - Dentro do prazo concedido para o efeito, não foi cumprida a prestação.)

1.10. eliminado pelo Tribunal da Relação (a redação dada pela 1.ª instância era a seguinte: “10 - Assim, por força dos preceitos legais supra invocados, ficaram sem efeito a moratória ou o perdão previstos no plano”).

1.11. Facto que o Tribunal da Relação passou a dar como não provado (vide infra)

1.12. Facto que o Tribunal da Relação passou a dar como não provado (vide infra)

1.13. Facto que o Tribunal da Relação passou a dar como não provado (vide infra)

1.14. Sucede que, na carta em causa, datada de 12.12.2019, estão indicados os valores em dívida, e indicado que os mesmos correspondem às 1ª a 24ª prestações de juros, e às 25ª a 58ª prestações de capital e juros do plano.

1.15. Foi indicado expressamente o valor em dívida relativamente à operação executada nos presentes autos.

1.16. Facto que o Tribunal da Relação passou a dar como não provado (vide infra)

1.17. A Embargada respondeu à carta da Embargante de 08.01.2020, esclarecendo-a que considerava cumprida a interpelação com a sua missiva anterior. – alterada a redação pelo Tribunal da Relação (Na 1.ª instância fora dado como provado em 17., o seguinte: “Não obstante, a Embargada respondeu à carta da Embargante de 08.01.2020, esclarecendo-a que considerava cumprida a interpelação com a sua missiva anterior, mas, sem prejuízo, prestando ainda os esclarecimentos adicionais solicitados pela Embargada (cfr. docs. n.ºs 1 e 2 juntos com a contestação e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos).”

1.18. Facto que o Tribunal da Relação passou a dar como não provado (vide infra)

1.19. Foi indeferido pela Infraestruturas de Portugal o pedido de autorização para a operação de loteamento, em 16.08.2018.

1.20. Nessa altura vivia-se uma crise económica.

1.21. Atenta a inexistência de perspetivas de que a Embargante liquidasse / reestruturasse as responsabilidades, e uma vez que não havia sido possível acordar na dação dos imóveis dados em garantia, e uma vez que as diligências efectuadas na área negocial haviam sido inconclusivas, foi remetida a carta à Embargante que ora se junta como doc. n.º 4 e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos.

1.22. Só através da carta datada de 31-08-2018, é que a Exequente comunicou à Executada a implementação das condições de regularização das responsabilidades de crédito, no âmbito do plano homologado. – facto aditado pelo Tribunal da Relação

2. E deram como não provados os seguintes factos:

Não resultou provado que a crise económica tenha afectado a embargante de molde a mesma não ter conseguido lograr cumprir o PER.

O Tribunal da Relação considerou ainda não provados os seguintes factos:

(anterior facto 11) – A dívida da Executada perante a Exequente, emergente do financiamento ora em causa, ascende aos montantes que a seguir se indicam, reportados a 07/08/2020 (cfr. doc.12):

Capital ............................ 1.005.868,73€

Juros............................... 353.142,69€

Comissões........................... 462,45€

Total............................... 1.359.291,87€

(anterior facto 12) - Sobre a totalidade dos juros e comissões supra mencionados incide imposto de selo, calculado à taxa de 4%, referida na verba 17.2 da Tabela Geral do Imposto de Selo, pelo que o imposto de selo sobre os montantes vencidos ascende a 14.144,21€, que acrescem às quantias acima indicadas.

(anterior facto 13) - Aos montantes discriminados acrescerá, também, desde 08/08/2020 até efectivo e integral pagamento, uma mora diária de 230,93€, calculada à taxa de 8,378% ao ano, e ainda o correspondente imposto de selo.

(anterior facto 16) - Tendo o plano sido elaborado pela própria Embargante, e estando a mesma munida de todos os elementos que lhe permitiam calcular o valor em dívida, designadamente até no que concerne ao ponto de vista da Embargada quanto à aplicação concreta dos cálculos previstos no plano, constante da carta de 31.08.2018, referente à implementação do mesmo (cfr. documento n.º 6 junto com o requerimento executivo).

(anterior facto 18) - A Embargante já havia tomado conhecimento dos valores em dívida à data de 29/07/2019, e da taxa de juro aplicada (que não sofreu alteração), designadamente constantes de nota de débito, no âmbito da execução que correu termos sob o n.º 5885/19.4..., pelo Juiz ... deste mesmo tribunal, já extinta, cuja cópia do requerimento executivo se junta como doc. n.º 3.

3. Apreciação do recurso

3.1. Da nulidade do Acórdão recorrido (por violação do artigo 615.º, n.ºs 1 als. b), c) e d) do Código de Processo Civil)

Irresignada com a alteração da matéria de facto operada no Acórdão recorrido, vem a Embargante suscitar, além do mais, a nulidade do acórdão por verificação dos vícios previstos nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

Dispõe o referido preceito legal o seguinte:

1 - É nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”

Vejamos cada uma das nulidades concretamente invocadas.

- Da nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão e ininteligibilidade da decisão

A propósito da alteração da redação do facto indicado sob o n.º 5 operada pelo Tribunal da Relação, entende a Embargante que a mesma conduz à nulidade da decisão recorrida por passar a existir uma oposição entre os fundamentos e a decisão, que é, neste segmento e na sua ótica, ininteligível.

A nulidade assim arguida surge na sequência de o Tribunal da Relação ter entendido que a data do início do pagamento do capital e juros (após o período de carência de capital) devidos pelos Embargantes à Embargada, ora Recorrente, deveria fixar-se em 31.08.2018.

Para fundamentar a nulidade assim arguida, a Recorrente alega que:

(…) ainda que sem qualquer razão válida para o efeito, na motivação refere-se que, na acepção daquele douto Tribunal, o início dos pagamentos de juros deveria ocorrer apenas em 31.08.2018 e que a amortização do capital e juros deveria iniciar-se em Setembro de 2020.

Nada disto vem depois reflectido no facto dado como provado.

Acresce que, contraditoriamente (mas correctamente), consta do facto provado que o pagamento mensal dos juros se iniciava a 10.03.2015, donde, existe contradição com o que vem fundamentado anteriormente, não se alcançando depois a omissão da data de início do pagamento de capital e juros, a qual apenas pode ser interpretada como significando que o pagamento de capital e juros se iniciava dois anos depois (findo o período de carência), ou seja, precisamente a 10.03.2017.”

Omite ainda o douto Tribunal a quo o que não pode omitir na sua apreciação da matéria de facto, já que refere que o empréstimo tem o prazo de 15 anos, mas parece querer olvidar que resulta que tem um prazo de 15 anos a contar da data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de revitalização (o que consta, no entanto, do facto provado n.º 4, que se manteve).”.

Tudo visto, e quanto a esse segmento da decisão, a decisão é nula, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, já que os fundamentos estão em oposição com a decisão, sendo ademais ambíguos.”

Cumpre apreciar.

Como vem sendo entendimento do Supremo Tribunal de Justiça “A nulidade do acórdão por oposição entre os fundamentos de facto e a decisão, prevista na al. c), do n.º 1, do art. 615.º, do CPC, segundo a qual a sentença é nula quando os fundamentos estejam em manifesta oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença.” (Acórdão do STJ de 8/10/2020 — processo n.º 361/14.4T8VLG.P1.S1).

Como escreve Amâncio Ferreira, a contradição entre os fundamentos e a decisão verifica-se quando “a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente” (In Manual de Recursos em Processo Civil, 9.ª edição, pg. 56).

O vício em apreço não se confunde com o assim denominado erro de julgamento, vício esse apenas sindicável em sede de recurso jurisdicional.

Por seu turno, a obscuridade verifica-se quando algum passo do acórdão
é ininteligível e a ambiguidade existe quando alguma passagem dele se presta a interpretações diferentes e porventura opostas.

Vejamos.

No segmento do acórdão visado pela recorrente consta o seguinte teor:

“(…) Defende a recorrente dever ser alterado o ponto 5 porque “a confirmação da implementação das condições de regularização das responsabilidades, apenas foi dada pela Recorrida, por carta datada de 31-08-2018 (que se encontra a fls. 42 e 43, da Contestação, apresentada pela Recorrida), razão pela qual, o Tribunal a quo andou mal ao dar como provado que o plano de pagamento se iniciaria no dia 10-03-2017 – visto que, só em 2018 é que a Recorrida estabeleceu as condições para pagamento –, e que o plano continha datas de vencimento das prestações, pois não consta, em lado algum do plano homologado no âmbito do PER, as datas específicas do vencimento das prestações.”

Efectivamente decorre do doc. 6 junto com o requerimento executivo que apenas a 31/8/2018 a exequente apresentou `a executada as condições de regularização das responsabilidades da executada para com a exequente. Mas essa consolidação de dívida é feita por reporte à data do início do plano.- 15/2/2015. Assim sendo temos para nós que só a partir de 31/8/2018 se deveria iniciar plano de amortização dos juros do período de carência e em setembro de 2020 o vencimento das prestações de capital e juros.

Contudo analisado o plano que foi homologado e junto com o requerimento executivo, contrariamente ao que alega a recorrida não estão fixadas nem as prestações nem o dia de cobrança das mesmas.

O que consta como proposta de pagamentos (depois homologada) é a restruturação dos três empréstimos e transformação do total da dívida vencida num empréstimo a 15 anos, sendo os dois primeiros anos de carência com pagamento de juros e os 13 anos subsequentes amortização em prestações mensais de capital e juros, tendo-se fixado a taxa de juro e o spread.

Neste contexto, dado que do plano não consta a liquidação dos juros vencidos nem as datas de vencimento das prestações e seu valor, cabia à exequente comunicar à executada, no âmbito da consolidação da dívida qual era a dívida de juros relativos ao período de carência e qual era o valor das prestações mensais de capital e juros que mensalmente se iam vencendo subsequentes ao período de carência, calculadas de acordo com os termos fixado no plano. (…)”.

O excerto acabado de transcrever constitui a decisão de alteração da redação de um concreto ponto de facto (e não se confunde com a decisão final – correspondente à parte dispositiva do Acórdão recorrido).

Como se escreve no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/03/2021, “III. A nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. IV. Verifica-se tal nulidade quando existe contradição entre os fundamentos e a decisão e não contradição entre os factos provados e a decisão, ou contradições da matéria de facto, que a existirem, configuram eventualmente erro de julgamento” (sublinhado nosso).

Ora, estando, em causa, como está, uma decisão sobre a matéria de facto, não se está, pois, perante uma verdadeira oposição entre a fundamentação e a decisão final, esta correspondente à parte dispositiva do Acórdão, que seja suscetível de integrar a previsão do artigo 615.º. n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil.

Por outro lado, não se alcança que a decisão final proferida padeça da invocada nulidade, quer por oposição entre os fundamentos e a decisão, quer por obscuridade, inexistindo, quanto a nós, qualquer vício no raciocínio lógico do julgador tal como expendido ao longo de toda a fundamentação.

A propósito da alteração factual operada pelo Tribunal da Relação, pese embora o alegado pela Recorrente, não se vê que exista qualquer contradição entre o facto provado em 4. e o 5., na redação alterada pelo Tribunal recorrido, já que a circunstância de este ter entendido que o plano de pagamentos só passou a ser suscetível de cumprimento efetivo na data em que a Exequente estabeleceu as condições para o pagamento e deu disso conhecimento à Executada – o que ocorreu em 31/08/2018 - em nada contende com a consideração daquela que é a data do trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de revitalização, considerada no plano especial de revitalização como sendo a data a partir da qual se contaria o prazo de quinze anos do empréstimo.

A Recorrente, nesta sede, insurge-se ainda com a alteração da redação dos factos n.ºs 8 e 9, uma vez que o tribunal recorrido passou apenas a dar como provado que “A executada não pagou à exequente os montantes previstos no plano de revitalização”.

Sucede, porém, que a alteração da redação desses factos surge na sequência da alteração da redação do facto n.º 5 e baseia-se em idêntica fundamentação. Entendeu o Tribunal da Relação que não tendo havido quantificação dos valores a pagar nada mais se poderia dar como provado a esse propósito.

Idêntico percurso argumentativo-lógico é seguido pelo Tribunal recorrido quando decidiu dar como não provados os factos 11, 12 e 13, a propósito de cuja decisão a Recorrente também invoca a concreta nulidade sob apreciação.

Pese embora o alegado pela Recorrente, da leitura do Acórdão o que se constata é que a fundamentação do Acórdão é perfeitamente apreensível, no sentido em que se alcança com segurança a forma como se quis resolver o litígio e é, além disso, compatível com o teor da decisão final.

Atente-se que a discordância da Recorrente relativamente à tomada de posição do Tribunal recorrido relativamente à referida factualidade não se confunde com a nulidade que agora vem invocada. E, com efeito, o que a Recorrente pretende, neste contexto é, por via da invocação da aludida nulidade, sindicar a valoração da prova feita por parte do Tribunal recorrido, defendendo existir um verdadeiro erro de julgamento. Contudo, o erro de julgamento não se confunde com as nulidades invocadas e previstas no artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Como se escreve no Acórdão do STJ de 4/04/2017 (Processo n.º1260/07.1TBLLE.E1.S1), “As causas de nulidade da decisão elencadas no art. 615.º do CPC visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o erro de julgamento, não estando subjacentes às mesmas quaisquer razões de fundo, motivo pelo qual a sua arguição não deve ser acolhida quando se sustente na mera discordância em relação ao decidido.”

Pelo exposto, improcedem as arguições de nulidade do Acórdão recorrido, nesta parte, com fundamento na previsão da primeira e segunda parte do artigo 615.º, n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil.

Da nulidade por excesso de pronúncia

Como vimos, dispõe o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil que “É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”.

A nulidade assim prevista está diretamente relacionada com o artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

Como é, de modo reiterado, afirmado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a nulidade por omissão ou excesso de pronúncia apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, isto é, sobre os assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões ou extravase o conhecimento de tais matérias. Pelo que “não devem ser abrangidos no objeto do processo, para o efeito de aferir da nulidade por excesso de pronúncia, razões ou argumentos usados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, nem a determinação da lei aplicável, que compete oficiosamente ao tribunal.” (cf. Acórdão do STJ de 14-07-2020, processo n.º 2359/18.4T8GMR.G1.S1).

Por sua vez, não incorre em nulidade por excesso de pronúncia a decisão que se pronuncia sobre uma questão de direito nova, já que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação de regras jurídicas (cf. artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).

Tendo em conta as considerações expostas, cumpre apreciar.

A Recorrente invoca esta concreta nulidade a propósito da decisão do Tribunal recorrido em dar como não provados os factos n.ºs 11, 12 e 13, fundamentando o seu entendimento nos seguintes termos:

Está também ferida de ilegalidade a apreciação da matéria de facto levada a cabo pelo douto Tribunal ao dar como não provados os factos que a primeira instância tinha dado como provados, correspondentes aos pontos 11.º, 12.º e 13.º.

De facto, a apreciação do tribunal nesta sede respeita a matéria de direito, não se analisando as provas criticamente.

Ademais, o que está em causa é a liquidação feita no requerimento executivo, a qual evidentemente foi efectuada nos termos exigíveis, como, contraditoriamente, reconhece o douto Tribunal a quo, quando refere, apreciação do ponto 15 da matéria de facto provada, que “[n]o requerimento executivo é expressamente indicado o valor em dívida e que se pretende executar nos autos”.

Consta do requerimento executivo, nomeadamente do art. 11.º da exposição de factos, e do documento n.º 12 aí junto pela Exequente, o capital em dívida, a taxa de juros aplicada, e o respectivo período de contagem, tendo sido feita a respectiva prova através do documento referido, cujo teor foi confirmado no depoimento da testemunha AA.

A Recorrida não impugnou nos embargos de executado qualquer componente da dívida ou taxa aplicável aos juros, nem o cálculo efectuado, pelo que, não podia o douto Tribunal a quo conhecer de tal matéria (art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC).”.

A propósito desta alteração da matéria de facto, o Acórdão recorrido discorre assim:

A recorrente insurge-se quanto à liquidação pela recorrida defendendo que “já que a necessária informação que deveria constar da interpelação não foi fornecida, não podendo a Recorrente sindicar os montantes alegadamente em mora, pois, para tal, carecia da indicação, para cada uma das operações, do capital em dívida sobre o qual incidiu a contagem de juros, e a taxa de juro aplicada a cada período de contagem com indicação da taxa variável Euribor neles em vigor”.

Cremos assistir razão à recorrente. Sem estar indicado o valor de cada uma das prestações e respectivos juros, comissões e imposto de selo não ficou a executada em condições de aferir do acerto da liquidação.

Como alega a recorrente: “Competia à Recorrida – o que não ocorreu – fazer a prova, com o máximo rigor e informação, de como apurou, cada uma das verbas que constituíam o total que reclamava em incumprimento, para que a sua interpelação pudesse valer como tal”.

Assim, dá-se como não provada a matéria dos pontos 11,12 e13.”.

Ao apreciar a factualidade inscrita nos sobreditos pontos 11, 12 e 13, o tribunal recorrido não fez mais do que apreciar uma problemática que lhe havia sido suscitada em sede de recurso de apelação e que, de resto, constitui uma das questões essenciais em litígio.

Não se verifica, pois, qualquer excesso de pronúncia, nem qualquer decisão-surpresa quanto ao conhecimento de tais factos, pelo acórdão recorrido.

Pelo exposto, improcede, também nesta parte, a arguição de nulidade do Acórdão recorrido, com fundamento na previsão da segunda parte do artigo 615.º, n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil.

Da nulidade por falta de fundamentação

A Recorrente invoca ainda a nulidade do Acórdão recorrido por falta de fundamentação reportando-se ao segmento em que o Tribunal da Relação decidiu dar como não provado o ponto 16.º da matéria de facto considerada pela 1.ª instância.

Alega, a este propósito, a Recorrente que:

Violadora da lei é também a decisão de considerar não provado o ponto 16º da decisão da matéria de facto da primeira instância.

Sem qualquer explicação e fundamentação para o efeito, diz o douto Tribunal a quo que era à “Recorrida que cabia fazer os cálculos e notificar a recorrente para o efectivo pagamento”.

Tal não estava previsto no plano, nem corresponde a qualquer obrigação legal atribuída à credora aqui Recorrida.

Pelo que, neste segmento e por absoluta falta de fundamentação, é nula a decisão recorrida, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.”.

Neste conspecto, consta do Acórdão recorrido a seguinte motivação:

Do plano não constam os valores das prestações que se venceriam mensalmente durante 13 anos bem como dos respectivos juros, a serem calculados mensalmente.

À recorrida é que cabia fazer os cálculos e notificar a recorrente para o efectivo pagamento.

No doc. de 12/12/2019 faz-se menção às prestações “n.ºs 1 a 24” e “25 a 58”, mas não logrou a recorrida demonstrar que notificou a recorrente do valor dessas prestações nem da data do respectivo vencimento e respectivos juros. Ora, sem esse conhecimento a recorrente não podia cumprir, ainda que o quisesse.

Consideramos assim como não provado o ponto16.º”.

Do excerto assim transcrito, é evidente que ao Acórdão recorrido não pode ser assacada, nesta parte, qualquer nulidade por falta de fundamentação.

Com efeito, o Acórdão recorrido apresenta a justificação para a decisão de considerar não provado aquele facto e fá-lo de forma clara. A circunstância de a Recorrente com isso não concordar não inquina aquele segmento decisório da nulidade invocada.

Atente-se que constitui jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal de Justiça que “só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento” – cf., entre muitos, os Acórdãos de 2/06/2016 (Processo n.º 781/11.6TBMTJ.L1.S1) e 3/03/2021 (Processo n.º3157/17.8T8VFX.L1.S1).

Pelo exposto, improcede a arguição de nulidade do Acórdão recorrido também nesta parte.

3.2. Do erro de julgamento da decisão de facto – respeitante à alteração da matéria de facto operada Acórdão recorrido – reportada à redação dos factos provados n.ºs 5, 8, 9 e 17, à eliminação do facto n.º 10, aos factos n.ºs 11, 12, 13, 16 e 18, agora dados como não provados e ao aditamento de um novo facto - por violação de lei e desconsideração da prova documental junta aos autos

Conforme resulta das conclusões da revista, a Recorrente insurge-se contra a alteração da decisão da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação, alegando, em síntese e no essencial, que o mesmo extravasou os poderes que legalmente lhe são conferidos para efeitos de reapreciação da matéria de facto e desconsiderou o teor de prova documental junta aos autos, incorrendo assim num verdadeiro erro de julgamento.

A este propósito, cumpre primeiramente atentar no enquadramento processual aplicável.

Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

Como escreve Abrantes Geraldes (In Recursos em Processo Civil, 6.ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2020, p. 193-194) este preceito, conjugado com o artigo 640.º, “(…) permite apreender, em traços largos, as funções atribuídas à Relação em sede de intervenção na decisão a matéria de facto e que receberam um forte impulso dado pelo Dec. Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, transformando-o efectivamente em tribunal de instância que também julga a matéria de facto e não apenas uma antecâmara do tribunal de revista quanto à subsunção jurídica da realidade factual. A comparação que pode fazer-se entre a primitiva redacção do art. 712.º do CPC3 e o actual art. 662.º revela que a possibilidade de alteração da matéria de facto que, além, era indicada a título excepcional, é agora assumida como função normal da Relação, verificados que sejam os requisitos que a lei consagra”.

A propósito da extensão dos poderes de reapreciação de facto por parte do Tribunal da segunda instância, o mesmo autor afirma que a “Relação “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, portanto, deve introduzir na decisão da matéria de facto impugnada as modificações que se justificarem, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal.” (In ob. cit., p. 331-332).

Partindo desta perspetiva mais lata dos poderes de sindicância de facto pelo Tribunal da Relação, não merecerá discussão que “(…) a reapreciação não se contenta com a sindicância da convicção formada na primeira instância com o objectivo de apenas debelar erros grosseiros na valoração da prova, assente numa hipervalorização do princípio da livre apreciação (…) e da imediação por parte do juiz a quo, devendo ultrapassar o mero controlo formal da motivação da decisão da 1.ª instância em matéria de facto. Pelo contrário, o pleno exercício dos poderes de reapreciação da matéria de facto da Relação exige a formação de uma convicção própria, obtida activa e criticamente em face dos elementos probatórios indicados pelas partes ou mesmo adquiridos oficiosamente” (Maria Adelaide Domingos, “Recursos, um olhar convergente sobre aspectos dissonantes: questões práticas”) (sublinhado nosso).

Neste contexto, o Tribunal da Relação poderá alterar a decisão da matéria de facto sempre que dos meios de prova existentes no processo, apreciados na sua globalidade e à luz do princípio da livre apreciação da prova e sem prejuízo da prova vinculada, possa alcançar um resultado diferente do que seja sustentado pela 1.ª instância. (No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, in ob. cit., p. 331).

É este, de resto, o entendimento pacífico da jurisprudência deste Supremo Tribunal. A este propósito, e a título exemplificativo, veja-se o que se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/06/2023 (Processo n.º 6132/18.1T8ALM.L1.S2): “o art. 662º do CPC, consagrando o duplo grau de jurisdição no âmbito da motivação e do julgamento da matéria de facto, estabiliza os poderes da Relação enquanto verdadeiro tribunal de instância, proporcionando a reapreciação do juízo decisório da 1.ª instância para um efectivo e próprio apuramento da verdade material e subsequente decisão de mérito. Por isso a doutrina tem acentuado que, nesse segundo grau de jurisdição, se opera um verdadeiro recurso de reponderação ou de reexame, sempre que do processo constem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão da matéria de facto em causa (em especial os depoimentos gravados), que conduzirá a uma decisão de substituição, uma vez decidido que o novo julgamento feito modifica ou altera ou adita a decisão recorrida. Sempre – e este é o ponto – com a mesma amplitude de poderes de julgamento que se atribui à 1.ª instância (é perfeitamente elucidativa a aludida remissão feita pelo art. 663º, 2, para o art. 607º, que abrange os seus n.ºs 4 e 5) e, destarte, sem qualquer subalternização – inerente a uma alegada relação hierárquica entre instâncias de supra e infra-ordenação no julgamento – da 2.ª instância ao decidido pela 1.ª instância quanto ao controlo sobre uma decisão relativa ao julgamento de uma determinada matéria de facto, precipitado numa convicção verdadeira e justificada, dialecticamente construída e, acima de tudo, independente da convicção de 1.ª instância” (sublinhado nosso).- V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia”, CDP n.º 44, 2013, págs. 33-34, 36, citado neste excerto do Ac. do STJ de 15/06/2023 -

- V., ainda, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “A impugnação das decisões judiciais”, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 395-396, 399-400, 400, 402-403, citado neste excerto do Ac. do STJ de 15/06/2023 –

Constitui, por sua vez, jurisprudência consolidada a de que “ao STJ permite-se verificar se o uso dos poderes conferidos pelo art. 662º, 1 e 2, do CPC foi exercido dentro da imposição de reapreciar a matéria de facto de acordo com o quadro e os limites configurados pela lei para o exercício de tais poderes(-deveres) – não uso ou uso deficiente ou patológico –, que, no essencial e no que respeita ao n.º 1 do art. 662º, resultam da remissão do art. 663º, 2, para o art. 607º, 4 e 5, do CPC (o n.º 2 já é reforço dos poderes em segundo grau)” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/11/2021).

- No mesmo sentido se pronunciaram, a título exemplificativo, os Acórdãos de 19/09/2017 (Processo n.º 3805/04.0TBSXL.L1.S1) e de 30/05/2019 (Processo n.º 156/16.0T8BCL.G1.S1).

Como sublinha Abrantes Geraldes, o atual artigo 662.º do Código de Processo Civil (através dos seus n.os 1 e 2/a)/b)) representa uma clara evolução no sentido de que a Relação dispõe de autonomia decisória, “competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos em discórdia.” (In ob. cit., p. 332). Segundo o mesmo autor “está afastada, em definitivo, a defesa de que a modificação na decisão da matéria de facto apenas deve operar em casos de «erros manifestos» de reapreciação (…).” (In ob. cit., p. 349)

Aproximemo-nos do caso concreto.

A Recorrente começa por impugnar a decisão recorrida alegando que a alteração do ponto 5.º da matéria de facto desconsiderou o teor da certidão judicial de onde consta a sentença que homologou o plano de revitalização, de onde consta expresso que o respetivo trânsito em julgado ocorreu em 10/02/2015. Entende a Recorrente que o Tribunal da Relação não poderia ter concluído em sentido diverso do que consta do plano de revitalização e do facto provado em 4.º, isto é, de que o empréstimo passaria a ser de 15 anos, a contar da data do trânsito em julgado da sentença de homologação, sendo os dois primeiros anos de carência de capital com pagamento de juros mensais e os restantes treze de amortização de capital e juros – v. conclusões recursórias sob as alíneas i) a m). Segundo a Recorrente, a 1.ª instância decidiu corretamente ao considerar que o pagamento do capital se iniciaria dois anos depois do trânsito em julgado da sentença homologatória do plano, isto é, em 10/03/2017.

Também quanto aos factos 8.º e 9.º, entende a Recorrente que o Tribunal da Relação não tomou em consideração os factos provados por documento, já que, na sua ótica, resulta provado por documento (docs. n.ºs 10 e 11 juntos com o requerimento executivo) que a requerida recebeu missiva enviada pela Recorrente, datada de 12/12/2009, tendo sido notificada de que estavam em dívida os valores previstos no plano, referentes às prestações 1 a 24 de juros e 25 a 58 de capital e juros e que deveria proceder ao pagamento de tais valores vencidos no prazo de 15 dias. – v. conclusões recursórias sob as alíneas n) a r).

Por sua vez, no tocante à remoção dos factos provados em 11, 12, e 13, a Recorrente vem invocar que o Tribunal da Relação se demitiu de analisar as provas consideradas pela 1.ª instância, não apresentando qualquer justificação para considerar ou não que a dívida ascendia aos montantes indicados no ponto 11.º. – v. conclusão recursória sob as alíneas t) a x).

Quanto ao facto n.º 18, entende igualmente a Recorrente que o Tribunal da Relação não apreciou criticamente a prova, limitando-se a tecer considerações conclusivas, não evidenciando a falsidade ou ausência/insuficiência de prova atendida na 1.ª instância (cf. conclusão recursória sob a alínea z)).

Considerando as discordâncias manifestadas pela Recorrente no que à decisão da matéria de facto tal como expressas nas conclusões do recurso de revista, o que ressalta evidente é que a Recorrente se limita a discordar da posição do Tribunal da Relação no que tange à decisão tomada sobre a impugnação da matéria de facto deduzida em sede de alegação, discordando da convicção que o Tribunal da Relação formou com base na prova produzida nos autos.

Ora, no que tange à matéria de facto, o Tribunal de Revista não pode intervir na valoração da prova feita pelo Tribunal da Relação, segundo a sua livre e prudente convicção, apenas podendo aferir se o Tribunal da Relação observou, quer a disciplina processual aludida nos artigos 640.º e 662.º, n.º 1, quer a análise crítica da prova nos termos ínsitos no artigo 607.º, n.º 4 (aplicável ex vi artigo 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil) – cf., entre muitos, o Acórdão do STJ de 30/11/2022 (processo n.º 2603/19.0T8PDL.L1.S1).

E, contrariamente ao que parece defender a Recorrente, não se discute no caso a violação pela decisão recorrida das regras atinentes a prova vinculada ou prova com força legalmente vinculativa. Com efeito, da decisão de facto proferida pelo Tribunal da Relação não resulta que o mesmo tenha desconsiderado o teor de algum documento vinculativo, sendo certo que os factos concretamente impugnados não se atêm a qualquer meio de prova que os possam demonstrar de forma plena.

Veja-se que, quanto ao facto n.º 5, o Tribunal da Relação não desconsidera o que consta da certidão judicial de onde consta a sentença homologatória do plano de revitalização (cujo facto está de resto demonstrado em 4.º). O que o Tribunal da Relação faz é analisar conjuntamente a prova produzida a esse propósito, levando-a a formar a convicção de que o início do pagamento do capital e juros não se poderia ter como iniciado a 10/03/2017, porquanto a confirmação da implementação das condições de regularização das responsabilidades apenas foi dada pela Recorrida por carta datada de 31/08/2018.

A convicção do Tribunal da Relação quanto à facticidade expressa nos pontos de facto impugnado, nos precisos termos com que se mostra motivada no Acórdão recorrido, fundamenta-se numa análise global dos vários meios de prova adquiridos nos autos, designadamente documentais, meios de prova esses que, inscrevendo-se no domínio da livre apreciação do julgador, fundaram um juízo decisório insuscetível de reapreciação em sede de revista.

Com efeito, o juízo efetuado pelo Tribunal da Relação a este respeito – e a respeito da demais factualidade impugnada e sob escrutínio, cuja alteração decorre desta mesma convicção -, por se mover no âmbito da liberdade de apreciação de prova (cfr. artigos 366.º e 396.º do Código Civil e 466.º, n.º3 do Código de Processo Civil), o Supremo Tribunal de Justiça se encontra impedido de sindicar, nos termos do disposto nos artigos 662.º, n.º4 e 674.º, n.º3, 1.ª parte, do Código de Processo Civil. Nesta linha se pronunciou, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4/06/2019 (Processo n.º 64/15.2T8PRG-C.G1.S1), de acordo com o qual “(…) III - Tendo presente os poderes legais conferidos ao STJ, não pode este tribunal modificar ou sancionar a decisão fáctica fixada pela Relação quando esteja em causa a valoração de meios de prova sem valor tabelado, sujeitos à livre apreciação do tribunal.”.

Em particular, quanto ao facto n.º 16, considera-se, além do que se deixa dito, que o percurso lógico utilizado pelo Tribunal recorrido não se mostra incompatível com as regras da experiência, pelo que não deve este Tribunal afastar ou censurar a conclusão alcançada nesse conspecto. A circunstância de a Recorrida ser parte no processo especial de revitalização e ter tido intervenção na negociação do plano de pagamentos entabulada com a Exequente não permite, por si só, extrapolar para a conclusão de que a mesma tinha conhecimento cabal de quanto seriam os juros a pagar no período de carência e o valor das prestações devidas posteriormente, sendo certo que do plano não constam esses elementos, conforme se depreende da factualidade assente.

Assim, mesmo no plano da lógica, não resulta como irrazoável, improvável ou arbitrário considerar que a Embargante não estava munida de todos os elementos que lhe permitiam calcular o valor em dívida (de três empréstimos, consolidados num só), sendo certo que era o banco quem estaria em melhores condições para efetuar tais cálculos.

Por outro lado, analisada a motivação expendida pelo Tribunal recorrido, não se constata haver, pelo contrário, insuficiência argumentativa para explicar o juízo alcançado sobre esta matéria.

Vale tudo isto por dizer que, no caso presente, mostram-se respeitados os parâmetros legais da reapreciação da prova por parte do Tribunal da Relação.

Donde, e sem necessidade de tecer maiores considerações, porquanto despiciendas, improceder a argumentação da Recorrente expendida a propósito da impugnação da matéria de facto.

3.3. Da violação pelo acórdão recorrido do disposto nos artigos 17.º-F, n.º 11 e 218.º, n.º 1, ambos do CIRE

Na sequência da alteração da matéria de facto nos termos supra expostos, o Tribunal da Relação fundamentou a sua decisão de direito nos seguintes termos:

A confirmação da implementação das condições de regularização das responsabilidades, apenas foi comunicada pela Recorrida, pela carta datada de 31-08-2018.

E aí apenas se discriminam os valores de capital, juros, comissões e encargos. Não estão indicadas os juros vencidos nos dois anos de carência nem o valor das 156 prestações, respectiva data de vencimento e o valor dos juros que acresce a cada prestação, mais comissões e imposto de selo.

Sem essa discriminação encontrava-se a recorrente impedida de cumprir o plano de pagamentos judicialmente homologado.

Entendemos que o prazo de carência começou a correr não com o transito da sentença homologatória do plano, mas sim com a carta de 2018/8/31. Donde deverá a exequente fornecer à executada o valor dos juros vencidos nos 2 anos de carência dando-lhe prazo para cumprir.

Mais deverá a exequente discriminar o valor de cada uma das 156 prestações devidas, desde 31/8/2020 (com juros, comissões e imposto de selo) e notificar a executada fixando-lhe também um prazo para cumprir.

Não ocorrendo o cumprimento estará então a exequente munida com título executivo bastante por as obrigações se considerarem vencidas.

Neste quadro concluímos que a quantia exequenda não está ainda vencida e portanto a quantia exequenda é inexigível.”.

A Recorrente insurge-se contra este entendimento, por considerar que a Recorrida foi devidamente interpelada para o cumprimento da dívida, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 218.º do CIRE, tendo-lhe sido concedidos 15 dias para regularizar a prestação devida, e que a Devedora não regularizou os valores em mora dentro do prazo concedido.

Segundo consta da conclusão recursória sob a al. qq), a “interpelação admonitória exige o preenchimento de três pressupostos: a existência de uma intimação para cumprimento, a consagração de um prazo peremptório, suplementar, razoável e exacto para cumprir, e a declaração cominatória de que findo o prazo fixado, sem que ocorra a execução do contrato, se considera este definitivamente incumprido” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.12.2019, Proc. 386/13.7T2AND.P2.S1, consultável em www.dgsi.pt), não se exigindo que na interpelação sejam feitas demonstrações de cálculos, ou fazer as discriminações referidas pelo douto Tribunal a quo, sendo que, no caso concreto, a Recorrida informou quais as prestações de juros e de capital e juros que estavam em falta do plano elaborado pela própria Recorrida.”.

Vejamos cada um dos preceitos legais invocados pela Recorrente.

Dispõe o artigo 17.º- F, n.º 11 do CIRE que “A decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 5 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.”.

Por sua vez, quanto à interpelação, estatui o artigo 218.º, n.º 1 do CIRE:

1 - Salvo disposição expressa do plano de insolvência em sentido diverso, a moratória ou o perdão previstos no plano ficam sem efeito:

a) Quanto a crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de 15 dias após interpelação escrita pelo credor;

b) Quanto a todos os créditos se, antes de finda a execução do plano, o devedor for declarado em situação de insolvência em novo processo.”:

A questão suscitada pela Recorrente e que cumpre apreciar é a de saber se, com base nos factos fixados pelo Tribunal recorrido, deve considerar-se que a razão está do lado do Acórdão recorrido, quando advoga que a Recorrida se encontrou impedida de cumprir com o plano de pagamentos judicialmente homologado por não ter a Recorrente discriminado os juros devidos no período de carência, nem o valor das 156 prestações, respetiva data de vencimento e respetivos juros, razão pela qual não se pode considerar a mesma constituída em mora no momento da alegada interpelação para pagamento.

Ora, de acordo com a factualidade dada como provada e estabilizada nos autos, não vemos que outra solução se pode alcançar senão a de não considerar vencida a dívida, nos termos explanados pelo Tribunal recorrido, cuja solução se nos afigura, além do mais, ser a mais justa, até do ponto de vista da boa fé negocial e equilíbrio das partes.

Veja-se que o que resulta demonstrado nos autos é que foi aprovado um plano de pagamentos que visou restruturar três empréstimos em apenas um empréstimo a 15 anos, sendo os dois primeiros anos de carência de capital com pagamento de juros e os 13 anos subsequentes de amortização de capital e juros em prestações mensais.

Dos factos não resulta que a requerida estivesse munida de todos os elementos para poder calcular a liquidação dos juros e das prestações a vencer, nem tal resulta que alguma vez tal tenha sido comunicado pela Exequente à Executada. Sem tais elementos, torna-se evidente que nunca a Executada esteve em condições para dar início ao cumprimento ao plano de pagamento.

Assim, a questão não é tanto saber se a interpelação pretendida operar com a carta de 12/12/2019, em que a Exequente identifica os valores globais em dívida e indicando que os mesmos correspondem às 1.ª a 24.ª prestações de juros e às 25.ª a 58.ª prestações de capital e juros, se pode ter como perfetibilizada e eficaz, pois que o problema do vencimento da dívida se coloca num momento prévio, tal como enquadrado, quanto a nós bem, pelo Tribunal recorrido. E não existindo um escalonamento concretizado das prestações a pagar, com indicação individualizada dos respetivos montantes, não se vê como é que a Executada estaria em condições de cumprir o plano. Sem a demonstração da liquidação dos valores em dívida pela Executada, não é, pois, lícito que se considere a dívida vencida nos termos pretendidos pela Exequente, nem a Executada constituída em mora.

No mesmo sentido do assim decidido pelo Tribunal recorrido, veja-se o que se escreve no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/03/2021 (Processo n.º 19587/17.2T8SNT.L1-2), com realce nosso:

(…)

IV - Em face da alienação do imóvel hipotecado, para a determinação do capital ainda em dívida, importava que fosse apurado o valor do capital já pago por via das prestações anteriormente efetuadas, com a imputação do valor do produto da venda do imóvel nas despesas, nos juros e no capital, em ordem a calcular o montante em dívida remanescente, na linha dos ditames previstos no artigo 785.º do Código Civil.

V - Sem a demonstração dos dados de tal liquidação, cujo ónus impende sobre a credora aqui Exequente e cuja falta não se mostra imputável aos fiadores, ora Embargantes, não é lícito que se considerem estes, desde logo, constituídos em mora, como decorre do preceituado no artigo 805.º, n.º 3, 1.ª parte, do Código Civil. (…)”.

Perfilhamos idêntico entendimento, pelo que não nos merece censura o percurso lógico-argumentativo expendido pelo Tribunal recorrido.

Por tudo quanto fica exposto, entendemos deverem soçobrar as conclusões apresentadas pela Recorrente também no que respeita ao recurso de direito.

Termos em que deverá a presente revista ser julgada improcedente.

3.4. Da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente – artigo 6.º, n.º 7 do RCP.

Vem a Recorrente solicitar, a final, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais (sendo que à presente ação foi atribuído o valor de €1 373 618,08).

Nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, nas causas de valor superior a 275.000,00 euros, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Na decisão recorrida, na sequência de pedido apresentado nesse sentido pela então Recorrente, foi decidida a dispensa do remanescente da taxa de justiça.

Ora, considerando que o objeto do presente recurso é mais restrito do que o recurso de apelação e que não se verificam, nos autos, nenhum dos fatores de especial complexidade (cf. artigo 530.º, n.º 7 do Código de Processo Civil a contrario), considera-se adequado e proporcional dispensar a Recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida.

Assim, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, dispensa-se a Recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça em dívida.

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente (dispensando-se a Recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça em dívida).

Lisboa, 16 de novembro de 2023

Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Manuel Aguiar Pereira

Jorge Leal