PENHOR
AÇÕES NOMINATIVAS
OPONIBILIDADE
DEPÓSITO DE AÇÕES
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
TÍTULO
APLICAÇÃO DE LEI ESTRANGEIRA
Sumário


Tendo sido constituído penhor financeiro sobre ações tituladas nominativas depositadas em intermediário financeiro português, com a menção inscrita no título da garantia, o penhor é oponível ao titular originário das ações, prestador da garantia, e aos adquirentes posteriores das ações, numa situação em que os títulos das ações sempre se mantiveram depositados no intermediário financeiro, credor.

Texto Integral


Acórdão




Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. O Banco Privado Português, S.A. – Em Liquidação e a Massa Insolvente do Banco Privado Português, S.A., intentaram a presente ação contra

(i) Lignette Consultants Limited,

(ii) AA e

(iii) Eskolinha Xs – Creche e Jardim de Infância, Unipessoal, Lda.,

pedindo que se:

a) Declare a ineficácia em relação ao BPP da transmissão das ações representativas do capital da K... e dadas de penhor ao BPP, ocorrida entre 31/10/2012 e 31/12/2012, a título gratuito, e que ao BPP assiste o direito de obter a satisfação integral dos seus créditos à custa daquelas ações e, consequentemente, condenar as rés a reconhecer tal ineficácia e o direito do BPP;

b) Reconheça e condene as rés a ver reconhecido ao BPP o direito de vender as referidas ações, agora propriedade da ré Eskolinha Xs;

c) Reconheça e declare a má-fé das rés na transmissão das referidas ações, nomeadamente para efeitos do disposto no artigo 616/2 do Código Civil.

Subsidiariamente, no pressuposto de que a Lignette se encontra integralmente liquidada e encerrada, pede que se determine que as ações indevidamente alienadas ingressem na esfera jurídica do réu (AA), ficando o BPP investido no direito à restituição das mesmas na medida do seu interesse, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163/1 do Código das Sociedades Comerciais, e no artigo 616/1 do CC.

Para tanto, alegaram, em síntese:

- a Massa insolvente é titular de créditos que resultam do incumprimento, por parte da 1.ª Ré, do contrato de mútuo oneroso, no montante de €1 700 000,00, celebrado em 14/02/2008, entre o BPP e a 1.ª Ré, pelo prazo de 12 meses;

- para garantia do cumprimento de todas as obrigações assumidas pela 1.ª Ré perante o BPP, foi constituído, na mesma data, penhor de primeiro grau sobre 2.847.457 ações ordinárias, escriturais e nominativas [mas o título que apresentaram junto com a PI só se refere a ações nominativas - TRL], com o valor nominal unitário de €1,00, representativas do capital social da K...;

- validamente denunciado o contrato pelo BPP, a 1.ª Ré até à data não pagou o valor em dívida e quando o BPP tentou vender, e posteriormente adquirir para si, as ações empenhadas a seu favor, constatou a existência da referida transmissão por 1/5 do seu valor real, cuja ineficácia ora pretende que seja declarada;

- a transmissão das ações terá ocorrido entre 31/10/2012 e 31/12/2012, de forma gratuita;

- na data da constituição do penhor de 2008 estavam depositadas numa conta de títulos e ainda hoje se encontram na posse do BPP;

- por carta de 09/02/2012, o BPP solicitou à K... a emissão de certificação do registo do penhor e que na hipótese de tal registo não estar efetuado procedesse à inscrição do penhor no livro social;

- no decurso do exercício de 2010 e 2012, a assembleia geral da K... deliberou duas reduções de capital e procedeu à substituição dos antigos títulos por novos em 01/11/2013;

- no entanto, apesar de o BPP o ter solicitado, a K... não entregou ao BPP os novos títulos;

- no que diz respeito ao Réu (AA), que é o verdadeiro beneficiário da 1.ª Ré e que a mesma foi constituída como um veículo destinado à satisfação dos seus interesses pessoais, tal como outras e que, no pressuposto de esta se encontrar liquidada e encerrada, as ações deverão ingressar na esfera jurídica deste.

2. A 1.ª Ré foi citada e não contestou.

Os 2.º e 3.ª Réus foram citados e apresentaram contestação, excecionando a caducidade do direito das Autores (alega o Réu: a 1.ª Ré está dissolvida desde 16/11/2010 segundo os documentos juntos pelos Autores, pelo que a venda que lhe é imputada terá sido praticada antes dessa data e desde então já decorreram muito mais de 5 anos; alega a Ré: adquiriu as ações em janeiro de 2012 e a ação só foi proposta em novembro de 2017, logo mais de 5 anos depois), o 2.º Réu a sua ilegitimidade (por inutilidade tal como configurada a ação) e ambos impugnando parte dos factos alegados pelos Autores e os efeitos que os Autores deles pretendem retirar mesmo que provados.

3. Os Autores responderam às exceções, pugnando pela sua improcedência.

4. Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença em que se julgou a ação parcialmente procedente, reconhecendo e condenando as Rés a ver reconhecido aos Autores o direito de vender as referidas 2.847.457 ações representativas do capital da K..., agora propriedade da ré Eskolinha XS.

As Rés foram absolvidas do restante pedido e o Réu foi absolvido de todo o pedido.

5. Inconformada com esta decisão, a 3.ª Ré (Eskolinha) veio recorrer da sentença – para que seja declarada nula, ou, se assim não se entender, seja revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente, absolvendo-se a Ré da totalidade do pedido.

6. O Tribunal da Relação de Lisboa veio, após dar como provados outros factos, proferir Acórdão, julgando improcedente o recurso.

7. Não se conformando com o decidido pelo Tribunal da Relação, Eskolinha Xs Creche e Jardim de Infância, Unipessoal, Lda. veio interpor RECURSO DE REVISTA, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 671.º, do artigo 674.º e do n.º 1 do artigo 675.º, do Código de Processo Civil, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões:

a) A ação de impugnação pauliana, objeto dos presentes autos, tem o seu regime jurídico previsto nos arts. 610.º a 618.º do Código Civil;

b) Improcedendo a impugnação pauliana, também o 2.º pedido das AA. – o pedido formulado na alínea b) da Petição Inicial –, que não é alternativo nem subsidiário em relação ao da alínea a), mas sim uma mera decorrência deste, deveria ter improcedido;

c) Ao invés, a 3.ª Ré foi condenada a ver reconhecido às AA. o direito de vender as 2.847.457 ações representativas do capital da K...;

d) A análise do “pedido de mera apreciação” resultou, afinal, numa condenação efetiva da ora Recorrente;

e) O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a Sentença, ainda que utilizando fundamentação essencialmente diferente;

f) A procedência da impugnação pauliana depende da verificação cumulativa dos requisitos enunciados nos artigos 610.º e 612.º do CC, os quais constituem os elementos integrantes da respetiva causa de pedir;

g) Na causa de pedir de uma ação pauliana não cabe nenhuma outra pretensão que não seja a ineficácia do ato impugnado;

h) Acresce que o direito de ação das AA. já estava precludido, pois já tinham passado mais de 5 anos da venda, logo, o direito de impugnação já tinha caducado;

i) Quando a ora Recorrente adquiriu as ações objeto dos presentes autos, o penhor não só não estava registado como nem sequer tinha sido requerido o seu registo, pelo que não produzia efeitos contra terceiros;

j) Ou seja, as ações adquiridas pela 3.ª Ré não estavam oneradas com qualquer garantia;

k) Dos factos aditados pelo Tribunal a quo resulta uma presunção de titularidade das ações pela 3.ª Ré, decorrente dos factos registados e ainda a existência de uma declaração de transmissão no título das ações;

l) No entanto, o Tribunal a quo fez cair essa presunção com base em alegados “registos contraditórios”;

m) Contudo, os registos não são contraditórios, mas antes, um dos registos substituiu o outro (isto é, o registo onde constam as ações transmitidas à ora Recorrente substituiu o registo anterior);

n) A presunção da titularidade das ações a favor da 3.ª Ré não se pode considerar ilidida pois não estamos perante registos contraditórios, mas sim perante um título, no qual consta a transmissão à 3.ª Ré, que substituiu o título anterior;

o) Pelo que deve manter-se a presunção de titularidade das ações a favor da Recorrente;

p) Não tendo sido ilidida a presunção, teria necessariamente de cair o 2.º pedido formulado pelas AA.”

E conclui: “Termos em que, e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser admitido e, consequentemente, deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, devendo o acórdão recorrido ser substituído por outro que absolva a Ré da totalidade do pedido”.

8. Foram apresentadas contra-alegações pelos Autores - BANCO PRIVADO PORTUGUÊS, S.A. EM LIQUIDAÇÃO (doravante, “BPP”) e MASSA INSOLVENTE DO BANCOPRIVADO PORTUGUÊS,S.A, nas quais se defende existir um obstáculo à admissibilidade da revista – a denominada “dupla conforme” – artigo 671.º, n.ºs1 e 3 do Código de Processo Civil, porque “a fundamentação levada a cabo pelo Tribunal da Relação, não obstante conter diferenças face à fundamentação apresentada pela 1.ª Instância, motivadas, em parte, pela pronúncia sobre novos factos, manteve, no seu núcleo essencial, o que já houvera sido fundamentado, concluindo, por isso, no mesmo sentido decisório.”

Nas suas contra-alegação apresenta as seguintes (transcritas) conclusões (sem inclusão das relativas à não admissibilidade da revista):

“ III. DOS FUNDAMENTOS DE PROCEDÊNCIA DO 2.º PEDIDO

14. Em sede de alegações de revista, vem a Recorrente sustentar que a improcedência da impugnação pauliana deveria ter significado a improcedência do 2.º pedido apresentado pelos Autores.

15. A mesma alega que “tendo o Tribunal a quo julgado improcedente a impugnação pauliana, atendendo a que não foram provados os respetivos requisitos, improcedendo, assim, o peticionado na alínea a) do pedido formulado pelas AA. na Petição inicial, e, consequentemente, o peticionado na alínea c) (a má fé das RR.), deveria ter improcedido também o peticionado na alínea b), uma vez que é uma mera decorrência do peticionado na alínea a)”.

Ora,

16. o Tribunal a quo condenou as Rés num pedido expressamente formulado pelos Autores na sua Petição Inicial, em concreto, o pedido b): “Reconhecer e condenar as Rés a ver reconhecido ao BPP o direito de vender as referidas ações, agora propriedade da Ré Eskolinha XS”.

17. A Ré, deliberadamente, ignora os factos que se deram provados e que levaram o Tribunal da Relação a conceder este direito a favor dos Autores.

18. O direito a que seja reconhecido ao BPP a faculdade de vender as ações em causa nos autos decorre, em parte, da procedência da ação de impugnação pauliana. Mas não apenas da procedência desta ação!

19. De facto, este direito do BPP resulta também de outros factos alegados pelos Autores e dados como provados pelo tribunal a quo, precisamente, a existência e validade de um penhor financeiro, com eficácia erga omnes, a existência de um direito de disposição das ações tituladas representativas do capital social da sociedade K..., prestada pela 1.ª ré como garantia da sua dívida proveniente do contrato de mútuo que celebrou com o BPP.

20. É, portanto, falso que a procedência do pedido formulado na alínea b) dependa da procedência da ação de impugnação pauliana, uma vez que o que sustenta este pedido são outros factos alegados, sobre os quais, pasme-se, a Ré entendeu não se pronunciar.

21. Neste sentido, entendeu, e bem, o Tribunal a quo que:

“Este direito, atenta a forma como os autores configurarama acção, derivava aparentemente de um conjunto de factos, que era a causa de pedir expressamente exposta, ou seja, resultava da procedência da impugnação pauliana de uma venda da 1.ª ré à 3.ª ré em causa nos autos. Mas, atentos outros factos alegados pelos autores, o direito do BPP também derivava do facto de o BPP ser beneficiário de um penhor financeiro com poder de disposição das acções tituladas nominativas do capital social de uma outra sociedade (K...) prestadas pela 1.ª ré como garantia da sua dívida de um mútuo celebrado com o BPP, penhor esse com eficácia também perante terceiros (incluindo a 3.ª ré)”.

22. Por último, uma breve nota sobre o artigo 16.º das alegações de revista apresentadas pela Ré, que citamos: “Sem prejuízo do que se deixa exposto, note- se ainda que o direito de ação das AA. já estava precludido, pois já tinham passado mais de 5 anos da venda, logo, o direito de impugnação já tinha caducado”.

23. De modo desesperado, lançando o barro a parede, a Recorrente alega a caducidade do direito de impugnação pauliana, sem que tenha arguido a mesma perante o Tribunal a quo, sabendo, na verdade, que o tribunal ad quem não se pronunciará sobre esta questão, que extravasa o âmbito do objeto do presente recurso – que se encontra fixado pela decisão do tribunal recorrido (artigo 682.º do Código de Processo Civil).

24. Neste sentido, veja-se o disposto no acórdão de 7 de julho de 2016, processo n.º156/12.0TTCSC.L1.S1, proferido por esse Venerando Tribunal:

“I – Não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação”.

IV. DA VÁLIDA CONSTITUIÇÃO DO PENHOR SOBRE AS AÇÕES DA K... A FAVOR DO BPP E DO AFASTAMENTO DA PRESUNÇÃO DE TITULARIDADE DAS AÇÕES A FAVOR DA RECORRENTE.

25. Em sede de alegações de recurso, vem a Ré Eskolinha colocar em causa a oponibilidade, quanto a si, do penhor sobre as ações da K... validamente constituído a favor do BPP.

26. Alega a Recorrente que à data em que adquiriu as referidas ações por compra e venda ao Réu AA – 09.01.2012 – “as mesmas não estavam oneradas com qualquer garantia”.

27. Por outro lado, alega ainda a Recorrente:

“k) Dos factos aditados pelo Tribunal a quo resulta uma presunção de titularidade das ações pela 3.ª Ré, decorrente dos factos registados e ainda a existência de uma declaração de transmissão no título das ações;

l) No entanto, o Tribunal a quo fez cair essa presunção com base em alegados “registos contraditórios”;

m) Contudo, os registos não são contraditórios, mas antes, um dos registos substituiu o outro (isto é, o registo onde constam as ações transmitidas à ora Recorrente substituiu o registo anterior);

n) A presunção da titularidade das ações a favor da 3.ª Ré não se pode considerar ilidida pois não estamos perante registos contraditórios, mas sim perante um título, no qual consta a transmissão à 3.ª Ré, que substituiu o título anterior;

o) Pelo que deve manter-se a presunção de titularidade das ações a favor da Recorrente;”.

28. Sucede que tais conclusões assentam em pressupostos factuais cuja veracidade não só os Recorridos questionam, mas sobretudo, realce-se, que o Tribunal a quo não deu como provada.

29. Desde logo nos presentes autos não se encontra dado como provado que a Recorrente já tinha adquirido as ações a 9 de janeiro de 2012, como aquela afirma no artigo 18.º das suas alegações.:

30. Pelo contrário, no acórdão sub judice afirma-se muito claramente que:

“Ora, dos factos provados não consta nem a celebração do contrato de aquisição das acções pela 3.ª ré, nem a declaração de transmissão no título, nem a data do registo. O que se prova é apenas a comunicação de uma alegada transmissão, sem qualquer referência ao negócio jurídico causal, isto é, a uma justa causa subjacente, e o registo (sem data).”

Isto seria suficiente para dizer que a 3.ª ré não poderia opor ao BPP, credor pignoratício, o facto de estar registada nos livros da sociedade emitente das acções, pois que, mesmo que se quisesse utilizar o registo como presunção da titularidade, não se sabendo quando é que ele foi feito, não se poderia dizer que ele foi feito antes do registo do penhor.” Sublinhado nosso.

31. Neste sentido, concluiu o tribunal a quo, e bem, que a 9 de junho de 2012, o registo do penhor já se encontrava válido, eficaz perante terceiros e que não existia qualquer prova de que nessa data já houvesse um registo anterior da alegada aquisição das ações pela 3.ª Ré.

32. Relativamente às alíneas k), l), m), n) e o) das conclusões, transcritas no ponto 27. do presente documento, as mesmas parecem assentar em dois fundamentos: primeiro, que existe uma presunção da titularidade das ações pela 3.ª Ré e que a mesma não se encontra ilidida, segundo, que o tribunal faz cair essa presunção com base em registos contraditórios que, na verdade, não o são.

33. Quanto ao primeiro argumento, há que salientar ao tribunal ad quem que, ao contrário do defendido pela Recorrente, a presunção da titularidade das ações a favor da 3.ª Ré não é ilidida apenas pelo facto de existirem registos contraditórios que, em todo o caso, existem.

34. Como bem se aponta no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação: “A isto ainda se pode acrescentar que (i) os registos em causa são documentos elaborados pelo próprio emitente das acções; (ii) as anotações das vendas e observações não são feitas por nenhum oficial público que possa comprovara data em quetais elementos foramfeitos; (iii)no relatório e contas da sociedade emitente reportado a 31/12/2011 e a 31/10/2012, quem consta como titular das acções é a 1.ª ré e não o réu, nem a 3.ª ré; e (iv) actualmente, a 3.ª ré é detida a 100% por uma outra sociedade, cuja sede se situa precisamente no domicílio profissional de dois administradores da K... (facto IVj). Tendo em consideração estes dados e o disposto nos artigos 44, §1 a 4, do Código Comercial e 362, 363, 365/1, 370/1, 371/2, 376/3, 377 do CC, daquele registo junto em 2019 este TRL não tiraria a base da presunção da titularidade das acções da 3.ª ré desde uma data anterior a 09/02/2012”.

35. Nestes termos, para além dos registos contraditórios existentes, a documentação disponível elaborada pela parte interessada, pelo seu conteúdo vago e impreciso, sem data que possa ser comprovada e sem intervenção de um oficial público que atribua autenticidade à documentação, para além de, no relatório e contas da sociedade reportados a 31/12/2011 e a 31/10/2012, quem consta como titular das ações ser a 1.ª Ré e de, ao dia de hoje, a 3.ª Ré ser detida a 100% por uma outra sociedade, cuja sede se situa precisamente no domicílio profissional de dois administradores da K..., o Tribunal a quo só poderia ter decidido no sentido de ilidir a referida presunção, o que fez, nos seguintes termos:

“Com apoio em qualquer destes dois fundamentos, pode-se então concluir que o registo do penhor, com o qual se completou a aquisição da sua eficácia perante terceiros, retroage a 09/02/2012, e não há prova de que nessa data já houvesse um registo anterior da alegada aquisição das acções pela 3.ª ré. Pelo que a 3.ª ré não pode, com base nele, opor a titularidade dessas acções ao beneficiário da garantia/penhor”. Sublinhado nosso.

36. Note-se que o tribunal refere que a decisão proferida tem por base “qualquer destes dois fundamentos”, sugerindo que qualquer um deles, por si só, seria suficiente para concluir pelo afastamento da presunção de titularidade das ações.

37. É, portanto, falso que o tribunal a quo recuse a presunção apenas pela contrariedade dos registos, apesar de a mesma objetivamente se verificar.

38. Relativamente aos registos contraditórios, disse o Tribunal da Relação de Lisboa o seguinte:

“Com este aditamento de factos já se poderia dizer que existe um registo dos contratos de compra e venda das acções em condições tais que faria presumir a titularidade delas pela 3.ª ré, decorrente dos factos registados e ainda a existência de uma declaração de transmissão no título das acções.

Mas para além daquele registo existe um outro, anterior, no livro de acções da K... contraditório com ele, pois que este outro, em 21/03/2012 não tinha inscrita a venda das acções da 1.ª ré ao réu. Ora, a existência de registos contraditórios tira a base da presunção do registo posterior e afasta também a possibilidade de dizer que o registo das acções a favor da 3.ª ré foi feito antes do registo do penhor, o qual, como foi visto, tem eficácia em relação a terceiros desde 09/02/2012”. Sublinhado nosso.

39. Ora, alegando a Recorrente que, à data da constituição do penhor (9 de fevereiro de 2012) já existia um registo da transmissão das ações a favor da 3.ª Ré, não se compreende como é que esse registo não consta do livro de ações da K... a 21 de março de 2012.

40. Mais, se a 21 de março de 2012, em email enviado pela K... ao BPP, a alegada transmissão das ações já devia encontrar inscrita, esperava-se, no mínimo, que a Recorrente impugnasse tal documentação no momento oportuno para o efeito, em sede de 1.ª e 2.ª Instância, o que não fez, conformando-se, desta forma, com a existência de dois registos contraditórios, conforme demonstrou detalhadamente o Tribunal a quo.

41. Efetivamente, o referido e-mail encontra-se junto aos autos desde o início do processo, constituindo o Doc. n.º 55 da Petição inicial, tendo sido através de tal e-mail que a K..., nessa data (12.03.2012), remeteu ao BPP a cópia do seu livro de registo de ações, do qual constava como sua acionista a Ré Lignette, não havendo qualquer referência à Recorrente, nem à suposta transmissão de ações operada a seu favor em janeiro de 2012.

42. No Acórdão sub judice dá-se como provado este registo contraditório: “No doc. 55 da PI, não impugnado pelas rés, consta um email enviado pela K... a 21/03/2012, em resposta ao pedido de 09/02/2012 referido em IIIq, consta uma cópia da folha da 1.ª ré na K... na qual só está inscrita (dactilografadamente) a aquisição das acções em 2005 e 2006.”

43. Se no email não impugnado pela Ré, de 21 de março de 2013, não se encontrava inscrita a venda das ações e este se dá como verdadeiro e provado pelo tribunal a quo, constata-se a desconformidade com um alegado registo anterior a 9 de fevereiro de 2012.

44. Os registos são, comprovadamente, contraditórios.

45. Acresce que, tal como se bem aponta no Acórdão em crise10, também das contas da K... referentes aos exercícios de 2011 e de 2012 “quem consta como titular das acções é a 1.ª ré e não o réu, nem a 3.ª ré”.

46. Donde, não só não existe um elemento contraditório, mas sim dois, nunca antes impugnados pela Recorrente, sendo que o facto de as contas da K... serem públicas não poderá deixar de oferecer uma maior garantia de veracidade das informações delas constantes …

47. Pelo exposto, não existem razões que fundamentem o recurso de revista da Ré Eskolinha XS, o qual não poderá, por isso, deixar de ser julgado totalmente improcedente,

48. devendo, ao invés, manter-se o acórdão recorrido para todos os legais efeitos.”

9. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Ré / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

- saber se o pedido formulado sob a alínea b) do petitório devia ter improcedido, por ser uma decorrência lógica do pedido formulado sob a alínea a) – e que foi julgado improcedente;

- saber se existem registos contraditórios e presunções contraditórias e se a presunção derivada do registo no livro de ações da K... foi ilidida.

III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos (após as alterações efetuadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa, apontadas a negrito):

I - A Lignette [1.ª ré]:

1.a) A 1.ª ré é uma sociedade constituída de acordo com as leis do Reino Unido em 24/12/2003, encontrando-se averbada a sua dissolução administrativa com data de 16/11/2010.

1.b) Esta dissolução foi determinada nos termos e para os efeitos do disposto na Section 1000 do the Companies Act 2006 e é reversível.

1.d) eram Administrador (Director) e Secretário (Secretary) da 1.ª ré, respectivamente, as sociedades F...D... Limited e F...M... Limited.

1.e) pelo menos entre Abril de 2004 e Janeiro de 2009, a 1.ª ré foi representada por BB (doravante “BB”).

1.f) BB é casado com CC (CC), que foi ... do BPP desempenhando a função de Private Banker de vários clientes, onde se incluía a 1.ª ré e o réu (AA).

1.g) BB, até à data da celebração do contrato de mútuo oneroso, em 14/02/2008, nunca precisou de apresentar qualquer documento à Private Banker CC para actuar em nome da 1.ª ré.

1.h) BB agiu como representante da 1.ª ré nas Assembleias Gerais do BPP e da Privado Holding, SGPS, S.A.

1.i) Em 04/11/2005, assinou uma carta-compromisso por intermédio da qual a 1.ª ré se obrigou a fazer um investimento de 2.000.000€, ou seja, a adquirir acções da K....

1.j) Carta esta que, da parte do BPP, foi assinada por CC.

1.l) CC era quem solicitava internamente a aprovação de descobertos em conta, transferências entre contas, realizações de pagamentos e emissões de cheques em favor de terceiros.

1.m) Em 14/02/2008, foi outorgada pela 1.ª ré uma procuração a favor de BB, conferindo-lhe poderes para, “em nome e representação da sociedade mandante e nos termos e condições que entender convenientes, subscrever todos os contratos, praticar todos os actos a assinar todos os documentos com o BPP e/ou com a Privado Holding, S.A., e/ou com qualquer sociedade por estas instituições detidas e/ou participadas e/ou detidas e/ou participadas pela própria mandante, sejam elas de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, podendo, nesse âmbito e com essa extensão, ordenar pagamentos, transferências a crédito e/ou a débito, solicitar, formalizar e/ou subscrever, assinando, a contratação de qualquer financiamento (s) e/ou a realização de aplicações financeiras até ao valor limite de EUR 2.000.000 ou valor equivalente em USD (Dólares dos Estados Unidos da América) ou GBP (Libras esterlinas do Reino Unido de Inglaterra e País de Gales) da data da operação, bem como solicitar e/ou dar quitação de quaisquer montantes recebidos, e/ou promover, diligenciando, por tudo quanto se mostre adequado ao bom cumprimento do mandato; ainda, são conferidos ao mandatário os necessários poderes e faculdades para, em geral, representar a mandante e para participar, discutir, deliberar e votar em todas as assembleias gerais, ordinárias ou extraordinárias legal e regularmente convocadas do BPP e/ou com a Privado Holding, S.A. e/ou qualquer sociedade por estas detidas e/ou participadas, e/ou por sociedades detidas e/ou participadas pela própria mandante, nelas podendo exercer o voto no sentido que entender mais conveniente e proceder à consulta dos documentos preparatórios das respectivas Assembleias-Gerais nos termos previstos nas suas convocatórias, e, caso surjam circunstâncias imprevistas nas referidas Assembleias-Gerais, o ora designado mandatário poderá votar no sentido que melhor julgue satisfazer os interesses do mandante.

E nós, por este instrumento ratificamos todos os actos celebrados e contractos outorgados pelo nosso mandatário referentes ao ano de 2007 e concordamos em ratificar tudo o que o nosso procurador possa fazer ou ordenar, em consequência do presente instrumento de mandato, que declaramos válido pelo período de um ano a partir desta data.” (cfr. procuração de 14/02/2008, junta como documento n.º 12).

1.n) BB actuou em nome da 1.ª ré quer em data anterior à outorga da procuração, quer em data posterior.

1.o) BB foi destinatário de inúmeras transferências, efectuadas a partir da conta titulada pela sua “constituinte” 1.ª ré, num montante total que ascendeu a EUR 113.569,30, transferências essas que foram todas elas ordenadas por CC.

1.p) CC, por email de 16/10/2009 solicitou que se procedesse à alteração da morada da 1.ª ré para ....

1.q) A 1.ª ré tem uma conta junto do BPP (“cliente group”) com o número 211984, a qual é constituída por três sub-contas:

- subconta de custódia n.º ...90 – relativa à carteira de acções na Privado Holding, SGPS, S.A. e na K..., detida pela 1.ª ré;

- subconta de custódia n.º ...13 – relativa à carteira de acções na K..., detida pela 1.ª ré;

- subconta liquidez n.º ...15.

1.r) Em 14/02/2008 foi celebrado contrato de mútuo com a 1.ª ré, constando da proposta que, em 22/01/2008, foi apresentada pela Private Banker CC, que a finalidade do mesmo se relacionava com a “aquisição de terreno” (fls.151).

1.s) Foi por instrução da mesma CC que o total da quantia mutuada de EUR 1.700.000 (como “descoberto autorizado”) acabaria por ser transferido, em duas tranches (uma, a 23/01/2008, no montante de EUR 1.400.000 e outra a 28/01/2008, no montante de EUR 300.000), para a F..., S.A.

1.t) A F..., S.A., em 25/01/2008 e representada pelo réu, viria a adquirir, pelo preço global de 1.144.833,64€, os prédios rústicos denominados “...”, valor a que acresceu IMT liquidado, também, nessa data, nos montantes de 55.991,68€ e 6.147,84€ (escritura de compra e venda de fl.160).

1.u) Após cessão de funções no BPP de CC, em 14/02/2014, verificou-se que nem a ficha de abertura de conta existia na pasta do cliente.

1.v) O réu é o principal “Beneficial Owner” (ou seja, sócio maioritário) da sociedade B...Limited, uma sociedade constituída à luz das leis de ....

1.w) A sociedade B...Limited também tem uma conta junto do BPP - client group ...54.

1.x) Do extracto das contas de titularidade da 1.ª ré é possível detectar transferências:

i) para o réu;

ii) entre outras contas do cliente group ...84 (1.ª ré); e iii) de ou para contas do cliente group ...54 (B...Limited).

II - Quanto ao contrato de mútuo com penhor e ao crédito da autora perante a 1.ª ré:

2.a) Em 14/02/2008, foi celebrado entre o BPP e a 1.ª ré o contrato de mútuo “abertura de crédito em conta corrente” que consta de fls.30 e [seguintes] cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, no montante de 1.700.000€, pelo prazo de 12 meses, com destino a “apoio de tesouraria”.

2.b) Para garantia do bom, pontual e integral cumprimento de todas as obrigações assumidas pela 1.ª ré perante o BPP, foi constituído, na mesma data, penhor de primeiro grau sobre 2.847.457 acções ordinárias, escriturais e nominativas, com o valor nominal unitário de 1€, representativas do capital social da K..., apesar de no contrato, cuja cópia consta de fl. 36 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, constar 3.400.000.

2.c) Destas acções a 1.ª ré era a única e legítima titular e encontravam-se depositadas na referida conta com o número 9913, aberta junto do BPP.

2.d) O contrato de financiamento foi denunciado pelo BPP no termo do seu prazo, por carta registada com aviso de recepção, datada de 14/01/2011 cuja cópia consta de fl. 261 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, para produzir efeitos em 14/02/2011.

2.e) Em 14/02/2012, o valor total em dívida pela 1.ª ré, decorrente do referido contrato, ascendia a 1.226.552,98€, que incluía (i) 1.125.312,28€ referentes a capital e juros vencidos no âmbito do contrato e (ii) 101.240,70€ referentes a juros remuneratórios e imposto de selo, vencidos e não pagos, durante o período compreendido entre 14/02/2008 e 17/02/2009, inclusive.

2.f) Até hoje a 1.ª ré não pagou a referida quantia.

III - Do penhor:

3.a) Durante o exercício de 2010, ocorreu uma redução de capital da K..., mediante aquisição de acções próprias e posterior amortização das mesmas, passando cada uma das acções a valer 0,495€.

3.b) Na sequência dessa operação, a K... procedeu à substituição dos antigos títulos por novos.

3.c) O BPP solicitou, por diversas vezes, na qualidade de credor pignoratício, a entrega dos novos títulos com o averbamento dos penhores contratados.

3.d) a K... nunca procedeu à entrega dos novos títulos aos BPP.

3.e) Nem ao averbamento dos mencionados penhores, conforme solicitado pelo BPP.

3.f) Estipula o contrato de penhor que “Se as acções dadas em penhor vierem, porventura, a ser substituídas por outras de natureza igual ou diferente, essas novas acções substituirão as anteriores, devendo o CLIENTE cumprir em relação àquelas o disposto no número 3 da cláusula primeira supra.” (cfr. cláusula sete, n.º 2).

3.g) A 1.ª ré obrigou-se a “manter depositado no banco os valores mobiliários objecto do presente penhor, contratando irrevogavelmente o respectivo depósito até que se mostrem integralmente cumpridas todas as obrigações decorrentes do contrato de abertura de crédito ora garantido.” (cfr. cláusula primeira, n.º 3).

3.h) E dispõe ainda o contrato de penhor que “A oneração e/ou alienação das acções dadas em penhor sem o prévio acordo, expresso e por escrito, do Banco, bem como qualquer forma de apreensão judicial ou penhora das mesmas, torna o penhor a constituir imediatamente exigível, casos em que também se considerará automática e imediatamente rescindido o contrato supra referido e vencidas todas as obrigações pecuniárias dele decorrentes”. (cfr. cláusula sexta, n.º 1).

3.i) Em 07/12/2012, o BPP dirigiu à K... uma comunicação onde informa o supra exposto, concedendo-lhe o prazo de 3 dias para proceder à entrega dos novos títulos e ao registo do penhor.

3.j) Em 23/08/2013, o BPP endereçou nova carta, que consta de fl. 265 dos autos, à 1.ª ré onde informou que não tendo a 1.ª ré procedido ao pagamento, verificou-se o incumprimento definitivo do contrato e que iria proceder à execução da garantia nos termos e para os efeitos da cláusula 9.º do contrato de penhor, ou seja, proceder à venda das 2.847.457 acções representativas do capital da K..., aplicando o produto dessa venda no pagamento dos créditos emergentes do contrato.

3.k) por carta de 21/01/2015, o BPP informou a 1.ª ré que, não tendo encontrado comprador para as 2.847.457 acções representativas do capital da K..., empenhadas a favor do BPP, este banco deliberou a aquisição para a carteira própria do BPP das mencionadas acções. (fl.267) e informou ainda que a Comissão Liquidatária do BPP deliberou que o valor de aquisição de cada acção fosse de 0,495€, importância determinada tendo em conta o preço por que foram vendidas as acções da K... nas últimas transacções à data conhecidas, donde resulta que o valor total das acções da K... a adquirir para a carteira própria do BPP seria de 1.409.491,22€.

3.l) o montante total da dívida da 1.ª ré, à data de 31/12/2014, ascendia a 1.645.838,51€, pelo que o BPP solicitou ainda o pagamento do remanescente no prazo de 30 dias.

3.m) Perante a reiterada ausência de resposta por parte da 1.ª ré, que o BPP transmitiu, através da carta remetida em 02/02/2015, essa mesma circunstância às entidades indicadas junto do Registrar of Companies form England and Wales como Director (“Administrador”) e como Secretary 1 (“1.º Secretário”) da referida sociedade, a saber, respectivamente, F...D... Limited e F...M... Limited.

3.n) Tendo em conta a existência da procuração outorgada a BB, por carta datada de 21/01/2015, o BPP endereçou ainda ao referido mandatário da 1.ª ré cópia das cartas expedidas na mesma data.

3.o) A esta comunicação respondeu BB, por carta datada de 23/01/2015, afirmando, em suma, não ter qualquer relação de mandato com a 1.ª ré, pelo que a correspondência relativa a esta sociedade não lhe devia ser dirigida.

3.p) o BPP procedeu, por sua iniciativa, à inscrição no verso dos títulos (endosso) do penhor que se encontrava constituído em seu favor [com data de 07/02/2011 – consta do doc. 8-A apresentado com a PI, mais legível num requerimento de 29/11/2011; a data é invocada pela própria 3.ª ré nas conclusões O e T do recurso – este foi parenteses acrescentado pelo TRL].

3.q) Por carta de 09/02/2012, o BPP requereu a emissão de certificação do registo de penhor efectivamente constituído sobre diversas acções da K... [ou para que se proceda à inscrição do penhor, dizendo que ele tinha sido constituído por contrato e que os títulos representativos das acções se encontram depositados junto do banco, o qual, nessa qualidade, procedeu ao averbamento do penhor no valor dos referidos título, cuja cópia também se junta], conforme carta [doc.53] cuja cópia consta de fl.282 dos autos e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido [este parenteses acrescentado pelo TRL].

3.r) Ficou consignado na cláusula quinta, n.º 2, do contrato de penhor que “o CLIENTE desde já autoriza, expressa e irrevogavelmente, o BANCO a desencadear os procedimentos que considere convenientes para assegurar que os direitos decorrentes do presente Contrato sejam do conhecimento de terceiros, nomeadamente mandando averbar nos títulos os penhores que se vierem a constituir”.

3.s) a 1.ª ré figura no relatório e contas da K... reportado a 31/12/2011 [e] a 31/10/2012 como titular de 2.847.457 acções, representativas de 3,08% do capital social.

IV - Da transmissão das acções da K...

4.a) A 3.ª ré (Eskolinha XS) é uma sociedade unipessoal que foi constituída e registada em Abril de 2006, com um capital social de 5.000€, composto por uma quota de igual valor nominal, tendo como sua única sócia, desde a constituição da sociedade e até 2013, DD.

4.b) A 3.ª ré é uma sociedade que tem por objecto a actividade de creche e jardim-de-infância, e ainda actividades de tempos livres, podendo ainda adquirir participações em sociedade com objecto diferente daquele que exerce, conforme documento de fl.227 dos autos cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

4.c) À data da celebração da escritura de constituição de sociedade, em Abril de 2006, a gerência desta sociedade cabia exclusivamente à sócia DD, que renunciou à gerência em 19/04/2008.

4.d) Em 19/04/2008 foi deliberada a nomeação de novo gerente da 3.ª ré EE.

4.e) Com data de 09/01/2012, foi dirigida à K... comunicação da transmissão das acções penhoradas a favor do BPP efectuada a 06/01/2012 pelo réu à 3.ª ré, como consta de fl.620 dos autos.

4.f) Por carta que consta de fl.621, a 1.ª ré comunicou à K... a celebração de contrato de compra e venda ao réu das mesmas acções a 06/02/2009, encontrando-se esta carta assinada por este e por BB, em representação da vendedora.

4.g) A 1.ª ré não informou o Banco desse contrato.

4.h) As referidas acções continuam até à data da propositura desta acção registadas em nome da 3.ª ré [do livro de registo da K... consta uma folha relativa ao réu com as anotações, com data de 06/02/2009, da compra à 1.ª ré das 2.847.457 acções (com a observação: anotado em virtude de comunicação conjunta entregada ao presidente da sociedade) e, com data de 09/01/2012, da venda à 3.ª ré em 06/01/2012 dessas acções (com a observação de que não se dispõe de contrato, só da comunicação de 09/01/2012 em documento privado conjunto entregado ao presidente); da folha da 1.ª ré consta aquela venda anotada em 09/01/2012; numa folha referente à 3.ª ré consta, com data de 09/01/2012, a compra (ao réu) em 06/01/2012 e as observações seguintes: não se dispõe de contrato, só de comunicação conjunta privada de 09/01/2021 entregada ao presidente, (?) anotado por instruções deste; todas estas anotações são feitas a manuscrito e sem qualquer referência a notário; [facto aditado pelo TRL] no email enviado pela K... a 21/03/2012, em resposta ao pedido de 09/02/2012 referido em IIIq, consta uma cópia da folha da 1.ª ré na K... na qual só está inscrita (dactilografadamente) a aquisição das acções em 2005 e 2006. [facto aditado pelo TRL]

4.i) A 3.ª ré não tinha qualquer actividade à data da transmissão das acções.

4.j) Actualmente, a 3.ª ré é detida a 100% por uma outra sociedade, denominada N..., S.A., cuja sede, ..., se situa precisamente no domicílio profissional de dois administradores da K....

4.k) Mesmo após a referida cessão de quotas, a gerência da sociedade manteve-se a cargo de EE.

4.l) Por sentença proferida em 12/02/2019 no âmbito do processo ordinário n.º 1039/2017, movido pelos autores contra a K..., em Espanha, que correu termos no Juzgado de lo Mercantil n.º ... de ..., depois de declarar que a 1ª autora tem a qualidade de credor pignoratício sobre as acções da K..., propriedade do 1ª ré, entre outros, a sociedade K... foi condenada, além de mais, a inscrever no livro de registo de acções os penhores sobre as acções referidas (conforme requerimento de fl.678, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido [o que está junto aos autos é apenas o acórdão referido a seguir, em IVm e uma sentença proferida num processo cautelar - TRL]).

4.m) Esta sentença foi confirmada pelo acórdão n.º 623/2020 de 18/12/2020 proferido pela Audiência Provincial Civil de ....

5. Apreciação do recurso de revista

No presente processo, a ação procedeu, parcialmente, na 1.ª instância tendo-se aí decidido que as Autoras gozam do penhor financeiro sobre as ações da K..., atualmente inscritas como pertencentes à 3.ª Ré.

O Acórdão recorrido julgou o recurso improcedente, mantendo esta mesma decisão, mas tendo acrescentado novos argumentos à fundamentação apresentada na sentença, o que foi justificado pelo aditamento de novos factos e necessidade de responder a um argumento apresentado no recurso.

As diferenças entre as instâncias residem no seguinte:

– Na 1ª instância a decisão foi sustentada num raciocínio ligeiramente diverso: “A construção da sentença é mais simples do que a antecede: o penhor existe e está registado; é um direito real que prevalece contra terceiros; a 3.ª ré é um terceiro; logo o penhor pode ser oposto a ela. Mas isto não leva em conta que se a 3.ª ré tivesse provado que tinha comprado as acções antes da data do registo, então o penhor já não lhe poderia ser oposto. A sentença assinala o facto de as acções não poderem ser vendidas a terceiro sem a autorização do BPP, mas não dá relevo ao facto, pois que considera que elas foram vendidas oneradas com o penhor. Mas isto pressupõe que o penhor fosse anterior a tal venda, pois só assim se poderia dizer que o penhor já onerava as acções à data da compra pela 3.ª ré.” (explicação dada pelo próprio tribunal recorrido).

- O Tribunal da Relação aditou oficiosamente novos factos relativos ao registo das acções e penhor, com base em documentos existentes nos autos e na sequência disso afirmou:

“Com este aditamento de factos já se poderia dizer que existe um registo dos contratos de compra e venda das acções em condições tais que faria presumir a titularidade delas pela 3.ª ré, decorrente dos factos registados e ainda a existência de uma declaração de transmissão no título das acções.

Mas para além daquele registo existe um outro, anterior, no livro de acções da K... contraditório com ele, pois que este outro, em 21/03/2012 não tinha inscrita a venda das acções da 1.ª ré ao réu.

Ora, a existência de registos contraditórios tira a base da presunção do registo posterior e afasta também a possibilidade de dizer que o registo das acções a favor da 3.ª ré foi feito antes do registo do penhor, o qual, como foi visto, tem eficácia em relação a terceiros desde 09/02/2012.

A isto ainda se pode acrescentar que (i) os registos em causa são documentos elaborados pelo próprio emitente das acções; (ii) as anotações das vendas e observações não são feitas por nenhum oficial público que possa comprovar a data em que tais elementos foram feitos; (iii) no relatório e contas da sociedade emitente reportado a 31/12/2011 e a 31/10/2012, quem consta como titular das acções é a 1.ª ré e não o réu, nem a 3.ª ré; e (iv) actualmente, a 3.ª ré é detida a 100% por uma outra sociedade, cuja sede se situa precisamente no domicílio profissional de dois administradores da K... (facto IVj). Tendo em consideração estes dados e o disposto nos artigos 44, §1 a 4, do Código Comercial e 362, 363, 365/1, 370/1, 371/2, 376/3, 377 do CC, daquele registo junto em 2019 este TRL não tiraria a base da presunção da titularidade das acções da 3.ª ré desde uma data anterior a 09/02/2012.

Com apoio em qualquer destes dois fundamentos, pode-se então concluir que o registo do penhor, com o qual se completou a aquisição da sua eficácia perante terceiros, retroage a 09/02/2012, e não há prova de que nessa data já houvesse um registo anterior da alegada aquisição das acções pela 3.ª ré.

Pelo que a 3.ª ré não pode, com base nele, opor a titularidade dessas acções ao beneficiário da garantia/penhor.”

Vejamos.

5.1. Saber se o pedido formulado sob a alínea b) do petitório devia ter improcedido, por ser uma decorrência lógica do pedido formulado sob a alínea a) – e que foi julgado improcedente

1. Para justificar a sua posição, refere a Recorrente que o pedido formulado sob a alínea b) é uma decorrência lógica do pedido da alínea a) e que o tribunal ao não o entender assim, veio a pronunciar-se sobre pedido com diversa causa de pedir, que não estava em causa – nem podia estar – numa ação de impugnação pauliana.

A seu ver a impugnação pauliana apenas se compadece com uma decisão de ineficácia do ato – que ainda por cima estava caducado, por a impugnação pauliana ter sido apresentada mais de 5 anos sobre a data da venda.

2. Em resposta dizem as Autoras que quanto à procedência do pedido formulado sob a alínea b), o mesmo está certo porque decorre dos factos provados nos autos – foi demonstrada a constituição de penhor financeiro em favor das Autoras, com eficácia erga omnes – como explicitou o Tribunal na seguinte afirmação, ao conhecer da invocada nulidade da sentença (fls. 17 do acórdão) –

“Este direito, atenta a forma como os autores configuraram a acção, derivava aparentemente de um conjunto de factos, que era a causa de pedir expressamente exposta, ou seja, resultava da procedência da impugnação pauliana de uma venda da 1.ª ré à 3.ª ré em causa nos autos. Mas, atentos outros factos alegados pelos autores, o direito do BPP também derivava do facto de o BPP ser beneficiário de um penhor financeiro com poder de disposição das acções tituladas nominativas do capital social de uma outra sociedade (K...) prestadas pela 1.ª ré como garantia da sua dívida de um mútuo celebrado com o BPP, penhor esse com eficácia também perante terceiros (incluindo a 3.ª ré).

Pelo que, ao pronunciar-se sobre um pedido formulado com base numa causa de pedir também ela exposta, a sentença recorrida não tratou de um objecto diverso do pedido, pelo que não se verifica a arguida nulidade.”

3. A posição adotada no Acórdão recorrido deve ser mantida, por corresponder à que melhor se adequa ao presente processo, em que, partindo da impugnação pauliana, se pretende igualmente ver reconhecida a oponibilidade do penhor financeiro aos Réus, situação que, desde o início do processo, foi inequívoca e objeto de clara compreensão e defesa pelos Réus. (os que contestaram).

A condenação em causa não altera a qualificação da ação.

Improcede a questão suscitada.

5.2. Saber se existem registos contraditórios e presunções contraditórias e se a presunção derivada do registo no livro de ações da K... foi ilidida.

1. A Recorrente refere que adquiriu as ações a AA em 9/01/2012, conforme o registo efetuado no Livro de registo de ações da K..., junto aos autos a 17 abril de 2019 (fls. 619 e ss do processo físico), sem qualquer elemento que pudesse fazer suspeitar que as ações detinham qualquer ónus ou encargo.

Desse argumento pretende retirar a ilação de presunção de titularidade das ações adquiridas, porque o seu registo no livro da sociedade terá sido efetuado com base em títulos representativos das ações, títulos esses que substituíram os anteriores, detidos pelo BPP.

Mais contesta a existência de registos contraditórios e presunções contraditórias, indicando que a presunção de titularidade em seu favor não foi ilidida.

Não explicita de onde resulta essa presunção de titularidade, sabendo que o registo no livro das ações se reporta a uma sociedade com sede em Espanha, de onde deveria importar uma norma jurídica que fizesse ressaltar essa presunção.

2. Em resposta referem as Autoras que existem mesmo registos contraditórios e que a decisão do Tribunal não se fundamentou apenas na questão da presunção, ilisão e contraditoriedade dos registos, mas igualmente nos argumentos usados na sentença, sendo que por via desta dupla argumentação a decisão é a mesma.

3. O Tribunal justificou a sua decisão com os seguintes argumentos:

1) aplicação do direito português e a aferição da validade do penhor financeiro

“Quer isto dizer que o penhor financeiro em causa, em que as acções tituladas nominativas estavam depositadas na conta da 1.ª ré no BPP, só se considera constituído – para poder ser oposto a terceiros – com a declaração, feita pelo depositário BPP, da oneração com o penhor, no título e posterior registo junto do emitente da acções tituladas nominativas.

Isto tendo em conta os artigos 103:

A constituição, modificação ou extinção de usufruto, de penhor ou de quaisquer situações jurídicas que onerem os valores mobiliários titulados é feita nos termos correspondentes aos estabelecidos para a transmissão da titularidade dos valores mobiliários.

e 102 do CVM:

1 - Os valores mobiliários titulados nominativos transmitem-se por declaração de transmissão, escrita no título, a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente ou junto de intermediário financeiro que o representa.

2 - A declaração de transmissão entre vivos é efectuada: a) Pelo depositário, nos valores mobiliários em depósito não centralizado, que lavra igualmente o respectivo registo na conta do transmissário; […] c) Pelo transmitente, em qualquer outra situação.


5 - A transmissão produz efeitos a partir da data do requerimento de registo junto do emitente.

A regra do artigo 102/7 do CVM (O emitente não pode, para qualquer efeito, opor ao interessado a falta de realização de um registo que devesse ter efectuado nos termos dos números anteriores) não tem aplicação ao caso, porque diz respeito às relações entre o emitente e o interessado que fez o requerimento do registo (no caso o BPP).

Ora, no caso, a declaração do penhor no título foi feita a 07/02/2011 (facto IIIp – a própria ré diz isto nas conclusões O e T do recurso) e o requerimento de registo do penhor no emitente consta da carta de 09/02/2012 (facto IIIq) e acabou por ser efectuado (factos IVl e IVm).

Assim, o penhor está devidamente constituído, mesmo contra terceiros, com efeitos reportados a 09/02/2012.


O contrato de penhor em causa, conferia também, na cláusula 9, ao beneficiário (BPP) o direito de disposição sobre o objecto desta (art. 9/1 do DL 105/2004) e este direito confere ao beneficiário os poderes de alienar ou onerar o objecto da garantia prestada, nos termos previstos no contrato, como se fosse seu proprietário (art. 9/2 do DL – resulta implicitamente do facto IIIj)). Mas o exercício de tal direito está dependente, relativamente aos valores mobiliários titulados, de menção na conta de depósito (art. 9/3 do DL).

Não resultando dos factos provados que tal direito tenha sido feito constar da conta de depósito, nem do título das acções, o contrato de penhor financeiro assume apenas a sua forma mais simples (neste sentido, o estudo citado de Margarida Costa Andrade, pág. 370-371; e sobre ele, mais à frente, páginas 377-379 e 383 e segs), o qual também confere (se tiver sido convencionado, como foi e resulta do já dito) o direito de proceder à venda embora em moldes distintos, isto é, nos termos do art. 675 do CC (aplicável por força do art. 22 do DL 105/2004), depois de vencida a obrigação, …”

Quanto à segunda questão refere o Tribunal da Relação:

“Falta saber se a 3.ª ré pode opor aos autores o registo das acções a seu favor no livro de registo de acções da emitente.

Os factos que interessam à questão são os seguintes;

III

s) a 1.ª ré figura no relatório e contas da K... reportado a 31/12/2011 [e] a 31/10/2012 como titular de 2.847.457 acções, representativas de 3,08% do capital social

IV

e) Com data de 09/01/2012, foi dirigida à K... comunicação da transmissão das acções penhoradas a favor do BPP efectuada a 06/01/2012 pelo réu à 3.ª ré, como consta de fl.620 dos autos.

[…]

h) As referidas acções continuam até à data da propositura desta acção registadas em nome da 3.ª ré.

A transmissão de acções é feita nos termos do já visto art. 102 do CVM, estando por isso dependente, tal como foi visto em relação ao penhor, da existência de um contrato, da declaração de transmissão e do seu registo.

Neste sentido, Alexandre Soveral Martins, no CSC em comentário, coordenação de Coutinho de Abreu, vol. V, IDET/Almedina, Dez2012, págs. 493 a 517, espec. páginas 499-511 e 512-513:

“[…A] declaração de transmissão aposta no título […] não se confunde com a causa de transmissão das acções (v.g., compra e venda, doação, troca). Essa justa causa, se não basta para a transmissão das acções, é ainda necessária. […] […Não] se prescinde dessa justa causa. Como não se prescinde também da sua validade e eficácia. […]. […] a transmissão das acções nominativas apenas tem lugar assim que é efectuado o registo junto do emitente ou do intermediário financeiro que o represente, nos termos do art. 102 do CVM. Antes disso, a transmissão não teve ainda lugar. […]”

No mesmo sentido, o ac. do STJ de 15/05/2008, proc. 08B153:

“1. A transmissão das acções tituladas […], fora do mercado bolsista, só fica perfeita com a […] a declaração de transmissão escrita no título (acções tituladas nominativas) […]; mas estes actos – que integram e traduzem o modo – não bastam, só por si, para operar a transmissão, que exige que eles se apoiem num título válido, num negócio jurídico, o negócio causal subjacente.

2. Tal significa que a transmissão não se opera por mero efeito do contrato, nem apenas e só por efeito do modo, só se efectuando por força do contrato e do modo. […]”

Embora o acórdão, no sumário, não inclua o registo no modo, já no texto é claro ao incluí-lo; por exemplo: “o CVM afasta o princípio consensualista consagrado pelo art. 879/-a) do CC. Só no momento […] da declaração de transmissão, seguida de registo (acções nominativas) é que o adquirente será o titular das mesmas e poderá exercer o direito de propriedade sobre elas face ao alienante, a terceiros e à sociedade.

Isto seria suficiente para dizer que a 3.ª ré não poderia opor ao BPP, credor pignoratício, o facto de estar registada nos livros da sociedade emitente das acções, pois que, mesmo que se quisesse utilizar o registo como presunção da titularidade, não se sabendo quando é que ele foi feito, não se poderia dizer que ele foi feito antes do registo do penhor.”

Em síntese, o que o Tribunal da Relação afirma é que a 3.ª Ré tem um registo no livro das ações, mas não se sabe quando esse registo foi realizado (sabe-se que foi pedido a 9/1/2012, com indicação de se reportar a negócio realizado em 6/2/2009), quando as Autoras têm um título representativo das ações, com anotação do penhor, efetuado em 9/02/2012, e prova de o negócio de penhor financeiro realizado antes desse registo, com os títulos a estarem na posse do credor pignoratício.

E o Tribunal da Relação veio a aditar o seguinte facto:

No doc. 55 da PI, não impugnado pelas rés, consta um email enviado pela K... a 21/03/2012, em resposta ao pedido de 09/02/2012 referido em IIIq, consta uma cópia da folha da 1.ª ré na K... na qual só está inscrita (dactilografadamente) a aquisição das acções em 2005 e 2006.

(…) (fls. 288 e ss do processo físico)

A partir do qual veio a concluir:

“Com este aditamento de factos já se poderia dizer que existe um registo dos contratos de compra e venda das acções em condições tais que faria presumir a titularidade delas pela 3.ª ré, decorrente dos factos registados e ainda a existência de uma declaração de transmissão no título das acções.

Mas para além daquele registo existe um outro, anterior, no livro de acções da K... contraditório com ele, pois que este outro, em 21/03/2012 não tinha inscrita a venda das acções da 1.ª ré ao réu.”

Os dois registos em confronto foram depois analisados pelo Tribunal da Relação que entendeu que apenas o primeiro registo era credível e tinha como suporte da sua realização factos que permitiam dar por demonstrada a sua causa – e não apenas o seu modo, por comparação com o registo em favor da 3.ª Ré, que não se considerou como estando sustentado numa causa demonstrada (ainda que alegada), nem do mesmo se podia discorrer quando o suposto negócio base teria sido efetuado.

4. Que dizer?

O ponto de partida da solução da questão suscitada pela Recorrente – e analisada na sentença e no Acórdão recorrido – será o dos factos provados no presente processo.

E desses, consideramos que devem ser destacados, como mais relevantes, os seguintes, que voltamos a reproduzir:

“II - Quanto ao contrato de mútuo com penhor e ao crédito da autora perante a 1.ª ré:Em 14/02/2008, foi celebrado entre o BPP e a 1.ª ré o contrato de mútuo “abertura de crédito em conta corrente” que consta de fls.30 e [seguintes] cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, no montante de 1.700.000€, pelo prazo de 12 meses, com destino a “apoio de tesouraria”.

a) Para garantia do bom, pontual e integral cumprimento de todas as obrigações assumidas pela 1.ª ré perante o BPP, foi constituído, na mesma data, penhor de primeiro grau sobre 2.847.457 acções ordinárias, escriturais e nominativas, com o valor nominal unitário de 1€, representativas do capital social da K..., apesar de no contrato, cuja cópia consta de fl. 36 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, constar 3.400.000.

b) Destas acções a 1.ª ré era a única e legítima titular e encontravam-se depositadas na referida conta com o número 9913, aberta junto do BPP.

c) O contrato de financiamento foi denunciado pelo BPP no termo do seu prazo, por carta registada com aviso de recepção, datada de 14/01/2011 cuja cópia consta de fl. 261 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, para produzir efeitos em 14/02/2011.

d) Em 14/02/2012, o valor total em dívida pela 1.ª ré, decorrente do referido contrato, ascendia a 1.226.552,98€, que incluía (i) 1.125.312,28€ referentes a capital e juros vencidos no âmbito do contrato e (ii) 101.240,70€ referentes a juros remuneratórios e imposto de selo, vencidos e não pagos, durante o período compreendido entre 14/02/2008 e 17/02/2009, inclusive.

e) Até hoje a 1.ª ré não pagou a referida quantia.

III - Do penhor:

a) Durante o exercício de 2010, ocorreu uma redução de capital da K..., mediante aquisição de acções próprias e posterior amortização das mesmas, passando cada uma das acções a valer 0,495€.

b) Na sequência dessa operação, a K... procedeu à substituição dos antigos títulos por novos.

c) O BPP solicitou, por diversas vezes, na qualidade de credor pignoratício, a entrega dos novos títulos com o averbamento dos penhores contratados.

d) a K... nunca procedeu à entrega dos novos títulos aos BPP.

e) Nem ao averbamento dos mencionados penhores, conforme solicitado pelo BPP.

f) Estipula o contrato de penhor que “Se as acções dadas em penhor vierem, porventura, a ser substituídas por outras de natureza igual ou diferente, essas novas acções substituirão as anteriores, devendo o CLIENTE cumprir em relação àquelas o disposto no número 3 da cláusula primeira supra.” (cfr. cláusula sete, n.º 2)

g) A 1.ª ré obrigou-se a “manter depositado no banco os valores mobiliários objecto do presente penhor, contratando irrevogavelmente o respectivo depósito até que se mostrem integralmente cumpridas todas as obrigações decorrentes do contrato de abertura de crédito ora garantido.” (cfr. cláusula primeira, n.º 3).

h) E dispõe ainda o contrato de penhor que “A oneração e/ou alienação das acções dadas em penhor sem o prévio acordo, expresso e por escrito, do Banco, bem como qualquer forma de apreensão judicial ou penhora das mesmas, torna o penhor a constituir imediatamente exigível, casos em que também se considerará automática e imediatamente rescindido o contrato supra referido e vencidas todas as obrigações pecuniárias dele decorrentes”. (cfr. cláusula sexta, n.º 1).

i) Em 07/12/2012, o BPP dirigiu à K... uma comunicação onde informa o supra exposto, concedendo-lhe o prazo de 3 dias para proceder à entrega dos novos títulos e ao registo do penhor.

j) Em 23/08/2013, o BPP endereçou nova carta, que consta de fl. 265 dos autos, à 1.ª ré onde informou que não tendo a 1.ª ré procedido ao pagamento, verificou-se o incumprimento definitivo do contrato e que iria proceder à execução da garantia nos termos e para os efeitos da cláusula 9.º do contrato de penhor, ou seja, proceder à venda das 2.847.457 acções representativas do capital da K..., aplicando o produto dessa venda no pagamento dos créditos emergentes do contrato.

k) por carta de 21/01/2015, o BPP informou a 1.ª ré que, não tendo encontrado comprador para as 2.847.457 acções representativas do capital da K..., empenhadas a favor do BPP, este banco deliberou a aquisição para a carteira própria do BPP das mencionadas acções. (fl.267) e informou ainda que a Comissão Liquidatária do BPP deliberou que o valor de aquisição de cada acção fosse de 0,495€, importância determinada tendo em conta o preço por que foram vendidas as acções da K... nas últimas transacções à data conhecidas, donde resulta que o valor total das acções da K... a adquirir para a carteira própria do BPP seria de 1.409.491,22€.

l) o montante total da dívida da 1.ª ré, à data de 31/12/2014, ascendia a 1.645.838,51€, pelo que o BPP solicitou ainda o pagamento do remanescente no prazo de 30 dias.

m) Perante a reiterada ausência de resposta por parte da 1.ª ré, que o BPP transmitiu, através da carta remetida em 02/02/2015, essa mesma circunstância às entidades indicadas junto do Registrar of Companies form England and Wales como Director (“Administrador”) e como Secretary 1 (“1.º Secretário”) da referida sociedade, a saber, respectivamente, F...D... Limited e F...M... Limited.

p) o BPP procedeu, por sua iniciativa, à inscrição no verso dos títulos (endosso) do penhor que se encontrava constituído em seu favor [com data de 07/02/2011 – consta do doc. 8-A apresentado com a PI, mais legível num requerimento de 29/11/2011; a data é invocada pela própria 3.ª ré nas conclusões O e T do recurso].

q) Por carta de 09/02/2012, o BPP requereu a emissão de certificação do registo de penhor efectivamente constituído sobre diversas acções da K... [ou para que se proceda à inscrição do penhor, dizendo que ele tinha sido constituído por contrato e que os títulos representativos das acções se encontram depositados junto do banco, o qual, nessa qualidade, procedeu ao averbamento do penhor no valor dos referidos título, cuja cópia também se junta], conforme carta [doc.53] cuja cópia consta de fl.282 dos autos e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido

r) Ficou consignado na cláusula quinta, n.º 2, do contrato de penhor que “o CLIENTE desde já autoriza, expressa e irrevogavelmente, o BANCO a desencadear os procedimentos que considere convenientes para assegurar que os direitos decorrentes do presente Contrato sejam do conhecimento de terceiros, nomeadamente mandando averbar nos títulos os penhores que se vierem a constituir”.

s) a 1.ª ré figura no relatório e contas da K... reportado a 31/12/2011 [e] a 31/10/2012 como titular de 2.847.457 acções, representativas de 3,08% do capital social

IV - Da transmissão das acções da K...

e) Com data de 09/01/2012, foi dirigida à K... comunicação da transmissão das acções penhoradas a favor do BPP efectuada a 06/01/2012 pelo réu à 3.ª ré, como consta de fl.620 dos autos.

f) Por carta que consta de fl.621, a 1.ª ré comunicou à K... a celebração de contrato de compra e venda ao réu das mesmas acções a 06/02/2009, encontrando-se esta carta assinada por este e por BB, em representação da vendedora.

g) A 1.ª ré não informou o Banco desse contrato.

h) As referidas acções continuam até à data da propositura desta acção registadas em nome da 3.ª ré [do livro de registo da K... consta uma folha relativa ao réu com as anotações, com data de 06/02/2009, da compra à 1.ª ré das 2.847.457 acções (com a observação: anotado em virtude de comunicação conjunta entregada ao presidente da sociedade) e, com data de 09/01/2012, da venda à 3.ª ré em 06/01/2012 dessas acções (com a observação de que não se dispõe de contrato, só da comunicação de 09/01/2012 em documento privado conjunto entregado ao presidente); da folha da 1.ª ré consta aquela venda anotada em 09/01/2012; numa folha referente à 3.ª ré consta, com data de 09/01/2012, a compra (ao réu) em 06/01/2012 e as observações seguintes: não se dispõe de contrato, só de comunicação conjunta privada de 09/01/2021 entregada ao presidente, (?) anotado por instruções deste; todas estas anotações são feitas a manuscrito e sem qualquer referência a notário; [facto aditado pelo TRL] no email enviado pela K... a 21/03/2012, em resposta ao pedido de 09/02/2012 referido em IIIq, consta uma cópia da folha da 1.ª ré na K... na qual só está inscrita (dactilografadamente) a aquisição das acções em 2005 e 2006. [facto aditado pelo TRL]

l) Por sentença proferida em 12/02/2019 no âmbito do processo ordinário n.º 1039/2017, movido pelos autores contra a K..., em Espanha, que correu termos no Juzgado de lo Mercantil n.º 2 de Madrid, depois de declarar que a 1ª autora tem a qualidade de credor pignoratício sobre as acções da K..., propriedade do 1ª ré, entre outros, a sociedade K... foi condenada, além de mais, a inscrever no livro de registo de acções os penhores sobre as acções referidas (conforme requerimento de fl.678, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido [o que está junto aos autos é apenas o acórdão referido a seguir, em IVm e uma sentença proferida num processo cautelar - TRL]).

m) Esta sentença foi confirmada pelo acórdão n.º 623/2020 de 18/12/2020 proferido pela Audiência Provincial Civil de ....

5. Dos factos indicados resulta que existiu um contrato de penhor financeiro entre o BPP e a 1.ª Ré, celebrado em 14/02/2008.

O penhor reportava-se a ações representativas do capital social da sociedade K... e abrangia 2.847.457 ações nominativas, que estavam depositadas no próprio BPP, numa conta de títulos em nome da 1.ª Ré e ainda aí estão.

Embora nos factos provados venha referido, ora que as ações eram escriturais, ora que eram tituladas (contrato de penhor, a fls. 36), a documentação junta nos autos evidencia tratar-se de ações tituladas (doc. 8-A, a fls. 98 e ss – título múltiplo n.º 79, datado de 25 de outubro de 2006 e com indicação do penhor em favor do BPP inscrito no título em 2011 e também reforçado por outros elementos dos autos (cf. fls. 278 verso – acordo de redução do capital com proposta de modificação dos estatutos da K... – art.º5º); essas ações eram representativas do capital social de sociedade espanhola, mas foram dadas em penhor (financeiro) em Portugal.

6. Em 14/02/2008, a lei que regulava a situação do penhor dos títulos era o Código dos Valores Mobiliários, na versão alterada pelo D.-L. n.º 357-A/2007, de 31 de outubro.

E desse diploma ressalta o seguinte (cf. sublinhado):

TÍTULO II

Valores mobiliários

CAPÍTULO I

Disposições gerais

SECÇÃO I

Direito aplicável

Artigo 39.º

Capacidade e forma

A capacidade para a emissão e a forma de representação dos valores mobiliários regem-se pela lei

pessoal do emitente.

Artigo 40.º

Conteúdo

1 - A lei pessoal do emitente regula o conteúdo dos valores mobiliários, salvo se, em relação a obrigações e a outros valores mobiliários representativos de dívida, constar do registo da emissão que é outro o direito aplicável.

2 - Ao conteúdo dos valores mobiliários que confiram direito à subscrição, à aquisição ou à alienação de outros valores mobiliários aplica-se também a lei pessoal do emitente destes.

Artigo 41.º

Transmissão e garantias

A transmissão de direitos e a constituição de garantias sobre valores mobiliários regem-se:

a) Em relação a valores mobiliários integrados em sistema centralizado, pelo direito do Estado onde se situa o estabelecimento da entidade gestora desse sistema;

b) Em relação a valores mobiliários registados ou depositados não integrados em sistema centralizado, pelo direito do Estado em que se situa o estabelecimento onde estão registados ou depositados os valores mobiliários;

c) Em relação a valores mobiliários não abrangidos nas alíneas anteriores, pela lei pessoal do emitente.

Artigo 42.º

Referência material

A designação de um direito estrangeiro por efeito das normas da presente secção não inclui as normas de direito internacional privado do direito designado.

7. Quer isto dizer que a lei que determina se o penhor é válido é a lei portuguesa, por aqui estarem depositados os títulos representativos do capital social da K..., não sendo o valor mobiliário (ação) em causa um valor “integrado em sistema centralizado”.

Por força destas regras, as ações estavam voluntariamente depositadas no BPP, também intermediário financeiro à data, e que era simultaneamente beneficiário do penhor.

As indicadas ações – enquanto valores mobiliários nominativos e depositados – podiam ser constituídas em penhor com a indicação do mesmo no título e no registo em conta.

8. Por força do regime do penhor financeiro – Decreto-Lei n.º 105/2004, de 8 de maio – a constituição do penhor financeiro não exigia outra formalidade.

Deste diploma salientam-se as seguintes normas mais relevantes:

“Artigo 6.º Desapossamento

1 - O presente diploma é aplicável às garantias financeiras cujo objecto seja efectivamente prestado.

2 - Considera-se prestada a garantia financeira cujo objecto tenha sido entregue, transferido, registado ou que de outro modo se encontre na posse ou sob o controlo do beneficiário da garantia ou de uma pessoa que actue em nome deste, incluindo a composse ou o controlo conjunto com o proprietário.

Artigo 7.º Prova

1 - O presente diploma é aplicável aos contratos de garantia financeira e às garantias financeiras cuja celebração e prestação sejam susceptíveis de prova por documento escrito.

2 - O registo em suporte electrónico ou em outro suporte duradouro equivalente cumpre a exigência de prova por documento escrito.

3 - A prova da prestação da garantia financeira deve permitir identificar o objecto correspondente.

4 - É suficiente para identificar o objecto da garantia financeira: a) Nas garantias financeiras sobre numerário, para o penhor financeiro, o registo na conta do prestador e, para a alienação fiduciária em garantia, o registo do crédito na conta do beneficiário; b) Nas garantias financeiras sobre valores mobiliários escriturais, para o penhor financeiro, o registo na conta do titular ou, nos termos da lei, na conta do beneficiário e, para a alienação fiduciária em garantia, o registo da aquisição fiduciária.

Artigo 8.º

Formalidades

1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 6.º e 7.º, a validade, a eficácia ou a admissibilidade como prova de um contrato de garantia financeira e da prestação de uma garantia financeira não dependem da realização de qualquer acto formal.

2 - Sem prejuízo do acordado pelas partes, a execução da garantia pelo beneficiário não está sujeita a nenhum requisito, nomeadamente a notificação prévia ao prestador da garantia da intenção de proceder à execução.

Penhor financeiro

Artigo 9.º Direito de disposição

1 - O contrato de penhor financeiro pode conferir ao beneficiário da garantia o direito de disposição sobre o objecto desta.

2 - O direito de disposição confere ao beneficiário da garantia financeira os poderes de alienar ou onerar o objecto da garantia prestada, nos termos previstos no contrato, como se fosse seu proprietário.

3 - O exercício do direito de disposição depende, relativamente aos valores mobiliários escriturais, de menção no respectivo registo em conta e, relativamente aos valores mobiliários titulados, de menção na conta de depósito.

Artigo 21.º

Norma de conflitos

São reguladas pela lei do país em que está localizada a conta na qual é feito o registo da garantia as seguintes matérias:

a) A qualificação e os efeitos patrimoniais da garantia que tenha por objecto valores mobiliários escriturais;

b) Os requisitos relativos à celebração de um contrato de garantia financeira que tenha por objecto valores mobiliários escriturais;

c) A prestação de uma garantia que tenha por objecto valores mobiliários escriturais ao abrigo de determinado contrato de garantia financeira;

d) As formalidades necessárias à oponibilidade a terceiros do contrato de garantia financeira e da prestação da garantia financeira;

e) A relação entre o direito de propriedade ou outro direito de determinada pessoa a uma garantia financeira que tenha por objecto valores mobiliários e outro direito de propriedade concorrente;

f) A qualificação de uma situação como de aquisição do objecto da garantia pela posse de terceiro de boa fé;

g) As formalidades necessárias à execução de uma garantia que tenha por objecto valores mobiliários escriturais.

Artigo 22.º

Direito subsidiário

Em tudo que não vier previsto no presente diploma aplicam-se os regimes comum ou especial estabelecidos para outras modalidades de penhor ou reporte.”

9. Quanto ao penhor financeiro, sempre se poderá dizer ainda: enquanto o BPP manteve o depósito dos títulos – em conformidade com o contrato de mútuo e penhor – não havia o risco de a transmissão dos títulos poder ser realizada em favor de terceiro sem o seu conhecimento do penhor que os onerava, pois seria necessário apresentar o título para se legitimar junto do emitente inscrevendo a aquisição das ações.

Na situação dos autos, sem que se compreenda o que terá sucedido e como poderá ter sido legitimada, parece ter ocorrido uma substituição dos títulos depositados no BPP por outros (novos) e terão sido esses a serem transmitidos à 2.ª e 3.º Réus, posteriormente (mas as regras que indicaremos mais adiante permitem suspeitar da regularidade dessa substituição e sua atribuição sem intervenção das ora Autoras, enquanto depositárias dos títulos a substituir, e sem devolução dos títulos antigos – ainda que o doc. de fls. 304 verso – BORM de Espanha, com a publicação do regime da substituição dos títulos indicasse que a troca envolveria a devolução dos títulos antigos “contra la presentation de los antíguos títulos la sociedade entregará los nuevos títulos emitidos”).

10. Porém, as aquisições a que se reportam a 2.ª e 3.ª Réus, já não obedecem à mesma lei aplicável, segundo o direito português, porque a norma de conflitos do CVM determina que (art.º41º):

c) Em relação a valores mobiliários não abrangidos nas alíneas anteriores, pela lei pessoal do emitente.

E a emitente era espanhola – K... - estando assim essas transmissões sujeitas ao direito espanhol, que é o determinante para decidir se as aquisições realizadas pelas 2.ª e 3.º Réus são válidas – ou meramente oponíveis – à sociedade emitente.

E esse direito espanhol há-de ser o que vigorava na data em que as supostas aquisições foram realizadas – o que no dizer da 3.ª Ré é 6 de janeiro de 2012 (para a sua aquisição) e 6/02/2009, para aquisição pelo 2.º R.

Isto significa que é à luz do direito espanhol que se determina qual o valor das inscrições efetuadas no livro de registo da sociedade emitente e não segundo o direito português.

11. Não se acompanha, por isso, com a justificação dada pelo Tribunal da Relação ao analisar as posições das Autoras e da 3.ªR com base no direito português, nomeadamente quando se indica haver presunções de titularidade, se afere da sua contraditoriedade e se socorre de outros elementos do direito português para definir a posição do adquirente das ações K... junto da própria K... e até face ao credor pignoratício.

De qualquer forma, esse problema não é aqui de resolver, nem o mesmo afeta a posição dos AA. no sentido de serem titulares do penhor sobre as ações que lhes foram entregues e depositadas com esse fim.

12. Nos presentes autos está evidenciado que, nos títulos depositados junto dos AA., foi inscrito o penhor, que essa inscrição foi realizada ao abrigo de permissão contratual, não tendo a sociedade emitente produzido um documento de certificação do penhor, com a justificação de que essa documentação só poderia ser realizada se não houvessem sido emitidos títulos (e os mesmos não tivessem sido entregues), não obstante a emitente – agora com uma administração diferente da existente na data da constituição do penhor – não ter informação nos seus registos da ocorrência desse mesmo penhor, mas tendo sido condenada por decisão judicial obtida em Espanha a registar o penhor dos títulos em favor dos AA.

Veja-se neste sentido o facto provado:

l) Por sentença proferida em 12/02/2019 no âmbito do processo ordinário n.º 1039/2017, movido pelos autores contra a K..., em Espanha, que correu termos no Juzgado de lo Mercantil n.º ... de ..., depois de declarar que a 1ª autora tem a qualidade de credor pignoratício sobre as acções da K..., propriedade do 1ª ré, entre outros, a sociedade K... foi condenada, além de mais, a inscrever no livro de registo de acções os penhores sobre as acções referidas (conforme requerimento de fl.678, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido [o que está junto aos autos é apenas o acórdão referido a seguir, em IVm e uma sentença proferida num processo cautelar - TRL]).

m) Esta sentença foi confirmada pelo acórdão n.º 623/2020 de 18/12/2020 proferido pela Audiência Provincial Civil de ....

13. Quer isto dizer que a situação se apresenta como indubitável: os AA. gozam do direito de penhor financeiro sobre os títulos que tem em depósito e podem executar o penhor.

A regularização da situação entre AA. e sociedade emitente está também evidenciada – a sociedade espanhola foi demandada judicialmente em Espanha e aí condenada a reconhecer o valor do penhor financeiro dos AA.

Por todas estas razões, não existem motivos para alterar o Acórdão recorrido, ainda que aí se tenham acrescentado justificações derivadas do regime do registo das ações junto do emitente, mas sem que se possa atestar aplicar-se em Espanha um regime equivalente ao livro de registo de ações, para daí se concluir sobre as presunções e seu conflito (ainda que no doc. de fls. 289v e ss se refira que existe um livro de registo de ações da K..., onde também se refere que a emissão de certificado de penhor pela emitente só pode acontecer – em Espanha – quando os títulos não tenham sido impressos ou entregues, o que não seria situação aplicável ao caso e ao pedido do BPP de emissão de certificado de penhor ao emitente – fls. 290 v – assim como que os títulos antigos foram substituídos por novos, que se encontram anulados).

14. Finalmente, algumas considerações sobre as transmissões de 6/02/2009 (em favor do 2ºR) e 6/01/2012 (em favor da 3ªR).

Em 1989, em Espanha foi aprovado o regime das sociedades anónimas - Real Decreto Legislativo 1564/1989, de 22 de diciembre, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley de Sociedades Anónimas (disponível em https://www.boe.es/eli/es/rdlg/1989/12/22/1564)

As regras relativas às ações (oneração e transmissão; oponibilidade à sociedade) aí estabelecidas eram as seguintes (salientando-se as mais relevantes):


CAPITULO IV

De las acciones


Sección primera. De la acción y de los derechos del accionista

Art. 47. La acción como parte del capital.

1. Las acciones representan partes alícuotas del capital social. Será nula la creación de acciones que no respondan a una efectiva aportación patrimonial a la Sociedad.

2. No podrán ser emitidas acciones par una cifra inferior a su valor nominal.

3. Será lícita la emisión de acciones con prima. La prima de emisión deberá satisfacerse íntegramente en el momento de la suscripción.

Art. 48. La acción como conjunto de derechos.

1. La acción confiere a su titular legítimo la condición de socio y le atribuye los derechos reconocidos en esta Ley y en los Estatutos.

2. En los términos establecidos en esta Ley, y salvo en los casos en ella previstos, el accionista tendrá, como mínimo, los siguientes derechos:

a) El de participar en el reparto de las ganancias sociales y en el patrimonio resultante de la liquidación.

b) El de suscripción preferente en la emisión de nuevas acciones o de obligaciones convertibles en acciones.

c) El de asistir y votar en las Juntas generales y el de impugnar los acuerdos sociales.

d) El de información.

3. Los bonos de disfrute entregados a los titulares de acciones amortizadas en virtud de reembolso no atribuyen el derecho de voto.

Art. 49. Clases y series de acciones…

Art. 50. Acciones privilegiadas.

Sección segunda. De la documentación y transmisión de las acciones

Art. 51. Representación de las acciones.

Las acciones podrán estar representadas por medio de títulos o por medio de anotaciones en cuenta. En uno y otro caso tendrán la consideración de valores mobiliarios.

Art. 52. Representación mediante títulos.

1. Las acciones representadas por medio de títulos podrán ser nominativas o al portador, pero revestirán necesariamente la forma nominativa mientras no haya sido enteramente desembolsado su importe, cuando su transmisibilidad esté sujeta a restricciones, cuando lleven aparejadas prestaciones accesorias o cuando así Io exijan disposiciones especiales.

2. Cuando las acciones deban representarse por medio de títulos, el accionista tendrá derecho a recibir los que le correspondan, libres de gastos.

Art. 53. Título de la acción.

1. Los títulos, cualquiera que sea su clase, estarán numerados correlativamente, se extenderán en libros talonarios, podrán incorporar una o mas acciones de la misma serle y contendrán, como mínimo, las siguientes menciones:

a) La denominación y domicilio de la Sociedad, los datos identificadores de su inscripción en el Registro Mercantil y el número de identificación fiscal.

b) El valor nominal de la acción, su número, la serie a que pertenece y, en el caso de que sea privilegiada, los derechos especiales que otorgue.

c) Su condición de nominativa o al portador.

d) Las restricciones a su libre transmisibilidad, cuando se hayan establecido.

e) La suma desembolsada o la indicación de estar la acción completamente liberada.

f) Las prestaciones accesorias, en el caso de que las lleven aparejadas.

g) La suscripción de uno o varios Administradores, que podrá hacerse mediante reproducción mecánica de la firma. En este caso se extenderá acta notarial por la que se acredite la identidad de las firmas reproducidas mecánicamente con las que se estampen en presencia del Notario autorizante. El acta deberá ser inscrita en el Registro Mercantil antes de poner en circulación los títulos.

2. En el supuesto de acciones sin voto, esta circunstancia se hará constar de forma destacada en el título.

Art. 54. Resguardos provisionales.

...

Art. 55. Libro–registro de acciones nominativas.

1. Las acciones nominativas figurarán en un libro–registro que llevará la sociedad, en el que se inscribirán las sucesivas transferencias de las acciones, con expresión del nombre, apellidos, razón o denominación social, en su caso, nacionalidad y domicilio de los sucesivos titulares, así como la constitución de derechos reales y otros gravámenes sobre aquéllas.

2. La Sociedad sólo reputará accionista a quien se halle Inscrito en dicho libro.

3. Cualquier accionista que lo solicite podrá examinar el libro registro de acciones nominativas.

4. La Sociedad sólo podrá rectificar las inscripciones que repute falsas o inexactas cuando haya notificado a los interesados su intención de proceder en tal sentido y éstos no hayan manifestado su oposición durante los treinta días siguientes a la notificación.

5. Mientras que no se hayan impreso y entregado los títulos de las acciones nominativas, el accionista tiene derecho a obtener certificación de las inscritas a su nombre

Art. 56. Transmisión de acciones.

1. Mientras no se hayan impreso y entregado los títulos, la transmisión de acciones procederá de acuerdo con las normas sobre la cesión de créditos y demás derechos incorporales.

Tratándose de acciones nominativas, los Administradores, una vez que resulte acreditada la transmisión, la inscribirán de inmediato en el libro–registro de acciones nominativas.

2. Una vez impresos y entregados los título, la transmisión de las acciones al portador se sujetará a lo dispuesto por el artículo 54 del Código de Comercio.

Las acciones nominativas también podrán transmitirse mediante endoso, en cuyo caso serán de aplicación, en la medida en que sean compatibles con la naturaleza del titulo, los artículos 15, 16, 19 y 20 de la Ley Cambiaria y del Cheque. La transmisión habrá de acreditarse frente a la Sociedad mediante la exhibición del título. Los Administradores, una vez comprobada la regularidad de la cadena de endosos, inscribirán la transmisión en el libro–registro de acciones nominativas

Art. 57. Constitución de derechos reales limitados sobre las acciones.

1. La constitución de derechos reales limitados sobre las acciones procederá de acuerdo con lo dispuesto por el Derecho común.

2. Tratándose de acciones nominativas, la constitución de derechos reales podrá efectuarse por medio de endoso acompañado, según los casos, de la cláusula «valor en garantía» o «valor en usufructo» o de cualquier otra equivalente.

La inscripción en el libro–registro de acciones nominativas tendrá lugar de conformidad con lo establecido para la transmisión en el artículo anterior.

En el caso de que los títulos sobre los que recae su derecho no hayan sido impresos y entregados, el acreedor pignoraticio y el usufructuario tendrán derecho a obtener de la Sociedad una certificación de la inscripción de su derecho en el libro–registro de acciones nominativas.

Art. 58. Legitimación del accionista.

Una vez impresos y entregados los títulos, la exhibición de los mismos o, en su caso, del certificado acreditativo de su depósito en una Entidad autorizada será precisa para el ejercicio de los derechos del accionista.

Tratándose de acciones nominativas, la exhibición sólo será precisa para obtener la correspondiente inscripción en el libro–registro de acciones nominativas.

Art. 59. Sustitución de títulos.

1. Siempre que sea procedente la sustitución de los títulos de las acciones o de otros títulos emitidos por la Sociedad, ésta podrá anularlos cuando no hayan sido presentados para su canje dentro del plazo publicado al efecto en el «Boletín Oficial del Registro Mercantil» y en uno de los diarios de mayor circulación en la provincia donde la Sociedad tenga su domicilio. Ese plazo no podrá ser inferior a un mes.

2. Los títulos anulados serán sustituidos por otros cuya emisión se anunciará igualmente en el «Boletín Oficial del Registra Mercantil» y e el diario en el que se hubiera publicado el anuncio del canje.

Si los títulos fueran nominativos se entregarán o remitirán a la persona a cuyo nombre figuren o a sus herederos, previa justificación d su derecho.

Si aquélla no pudiera ser hallada o si los títulos fuesen al portador quedarán depositados por cuenta de quien justifique su titularidad.

3. Transcurridos tres años desde el día de la constitución del depósito, los títulos emitidos en lugar de los anulados podrán se vendidos por la Sociedad por cuenta y riesgo de los interesados y través de un miembro de la Bolsa, si estuviesen admitidos a negociación en el mercado bursátil, o con la intervención de Corredor de Comercio colegiado o Notario si no lo estuviesen. El importe líquido de la venta de los títulos será depositado a disposición de los interesados en el Banco de España o en la Caja General de Depósitos

Art. 60. Representación mediante anotaciones en cuenta.

..

Art. 61. Modificación de las anotaciones en cuenta.

Art. 62. Intransmisibilidad de las acciones antes de la inscripción.

Hasta la inscripción de la Sociedad o, en su caso, del acuerdo de aumento del capital social en el Registro Mercantil no podrá entregarse ni transmitirse las acciones

Art. 63. Restricciones a la libre transmisibilidad.

Art. 64. Supuestos especiales.

Art. 65. Transmisión de acciones con prestaciones accesorias.

(…)

Sección tercera. De la copropiedad y los derechos reales sobre las acciones

Art. 66. Copropiedad de acciones.

1. Las acciones son indivisibles.

2. Los copropietarios de una acción habrán de designar una sola persona para el ejercicio de los derechos de socio y responderá solidariamente frente a la Sociedad de cuantas obligaciones se derive de la condición de accionista.

La misma regla se aplicará a los demás supuestos de cotitularidad de derechos sobre las acciones

Art. 67. Usufructo de acciones.

1. En el caso de usufructo de acciones, la cualidad de socio reside en el nudo propietario, pero el usufructuario tendrá derecho en todo caso a los dividendos acordados por la Sociedad durante el usufructo. El ejercito de los demás derechos de socio corresponde, salvo disposición contraria de los Estatutos, al nudo propietario.

El usufructuario queda obligado a facilitar al nudo propietario el ejercicio de estos derechos.

2. En las relaciones entre el usufructuario y el nudo propietario regirá lo que determine el titulo constitutivo del usufructo; en su defecto, lo previsto en la presente Ley y, supletoriamente, el Código Civil.

Art. 68. Reglas de liquidación

Art. 69. Usufructo de acciones no liberadas.

Art. 70. Usufructo y derecho de suscripción preferente.

Art. 71. Pago de compensaciones.

Art. 72. Prenda de acciones.

En el caso de prenda de acciones corresponderá al propietario de éstas, salvo disposición contraria de los Estatutos, el ejercicio de los derechos de accionista.

El acreedor pignoraticio queda obligado a facilitar el ejercicio de estos derechos.

2. Si el propietario incumpliese la obligación de desembolsar los dividendos pasivos, el acreedor pignoraticio podrá cumplir por sí esta obligación o proceder a la realización de la prenda

Art. 73. Embargo de acciones.

En el caso de embargo de acciones se observarán las disposiciones contenidas en el artículo anterior, siempre que sean compatibles con el régimen específico del embargo.

15. Este regime vigorou até ser substituído em 2010 pela Lei das Sociedades de Capitais, o que significa que seria à luz deste regime que se analisaria a validade do penhor e das transmissões voluntárias das ações, sendo aplicável a lei espanhola. Seria, pelo menos assim, quanto à transmissão da 1.º R. para o 2.º R, que vem afirmado ter sido uma transmissão ocorrida em 6/02/2009.

E mesmo sendo aplicável a lei portuguesa (o que se discorda), para aferir a validade do penhor financeiro, não deixaria de se aplicar o regime espanhol descrito nas relações entre o credor pignoratício e a sociedade emitente, para efeitos de afirmação da sua legitimidade para aposição dos seus direitos à emitente, pois não se compreenderia que a transmissão de ações dependesse dessa lei e o penhor estivesse totalmente dela apartado.

16. O regime descrito permite concluir que o penhor das ações tituladas nominativas com título entregue ao proprietário (e depois ao credor) não pode deixar de ser reconhecido pela sociedade emitente quando o título lhe é apresentado e contém o “endosso” ou a cláusula de penhor em favor do credor (Art. 57. Constitución de derechos reales limitados sobre las acciones. 1. La constitución de derechos reales limitados sobre las acciones procederá de acuerdo con lo dispuesto por el Derecho común. 2. Tratándose de acciones nominativas, la constitución de derechos reales podrá efectuarse por medio de endoso acompañado, según los casos, de la cláusula «valor en garantía» o «valor en usufructo» o de cualquier otra equivalente.) e que as transmissões das ações e do título não podem ser efetuadas sem ligação entre os dois elementos sob pena de a sociedade não conseguir registar no seu livro as transmissões que hajam sido efetuadas (Art. 58. Legitimación del accionista. Una vez impresos y entregados los títulos, la exhibición de los mismos o, en su caso, del certificado acreditativo de su depósito en una Entidad autorizada será precisa para el ejercicio de los derechos del accionista. Tratándose de acciones nominativas, la exhibición sólo será precisa para obtener la correspondiente inscripción en el libro–registro de acciones nominativas.) – e todas – porque a lei pretende que o registo no livro da sociedade reflita o trato sucessivo das transmissões que hajam sido efetuadas, não se bastando com a apresentação de uma declaração de transmissão senão na circunstância de o alienante já figurar nos registos como acionista (art.º 56, 2. Una vez impresos y entregados los título, la transmisión de las acciones al portador se sujetará a lo dispuesto por el artículo 54 del Código de Comercio. Las acciones nominativas también podrán transmitirse mediante endoso, en cuyo caso serán de aplicación, en la medida en que sean compatibles con la naturaleza del titulo, los artículos 15, 16, 19 y 20 de la Ley Cambiaria y del Cheque. La transmisión habrá de acreditarse frente a la Sociedad mediante la exhibición del título. Los Administradores, una vez comprobada la regularidad de la cadena de endosos, inscribirán la transmisión en el libro–registro de acciones nominativas.)

17. O regime do trato sucessivo e da proteção daquele que apresenta o título decorre igualmente da remissão para o regime cambiário, através das referências à lei dos cheques e das letras e livranças, muito em especial do artigo 16.º da Lei Cambiária, correspondente ao artigo 16.º da LULL, que dispõe:

Artigo 16.º - Legitimidade do portador

O detentor de uma letra é considerado portador legítimo se justifica o seu direito por uma série ininterrupta de endossos, mesmo se o último for em branco. Os endossos riscados consideram-se, para este efeito, como não escritos. Quando um endosso em branco é seguido de um outro endosso, presume-se que o signatário deste adquiriu a letra pelo endosso em branco.

Se uma pessoa foi por qualquer maneira desapossada de uma letra, o portador dela, desde que justifique o seu direito pela maneira indicada na alínea precedente, não é obrigado a restituí-la, salvo se a adquiriu de má fé ou se, adquirindo-a, cometeu uma falta grave.

18. Decorre do exposto que o regime de transmissão de ações nominativas em Espanha, na data da invocada operação de alienação de ações em favor do 2.ºR, não é equivalente ao regime de transmissão de ações em Portugal, não se encontrando naquele regime uma norma a afirmar a presunção de titularidade resultante da inscrição no livro de registo, que é mais próximo dos sistemas de transmissão dos títulos de crédito, vendo nas ações tituladas nominativas um título daquele tipo, mais do que um valor mobiliário (como acontece em Portugal), ainda que sejam qualificadas como valores mobiliários na Ley de Sociedades de Capital (artigo 92.º).

19. Serve isto para explicitar que não se acompanha a fundamentação do Tribunal da Relação, na sua fundamentação para indicar que o penhor financeiro é oponível à 3.º R, ainda que se acompanhe a solução final – o penhor foi validamente constituído e é oponível a qualquer sujeito que se apresente como titular das ações correspondentes e que não possa apresentar outros meios de prova da aquisição regular das ações.

20. A situação indicada é aplicável à transmissão do 2.ºR para a 3.ª R, alegadamente realizada em 6/01/2012, no domínio da vigência da Lei das Sociedades de Capitais de Espanha, aprovada em 2010 (entrou em vigor a 1 setembro 2010) e que, no essencial não se afasta do regime anterior, conforme decorre dos seus artigos (consultada em https://www.boe.es/eli/es/rdlg/2010/07/02/1/con/20110802, na versão introduzida em 02/08/2011)

Fica aqui o texto legal relevante.

CAPÍTULO IV

La representación y la transmisión de las acciones

Sección 1.ª Representación de las acciones

Subsección 1.ª Representación mediante títulos

Artículo 113. Representación mediante títulos.

1. Las acciones representadas por medio de títulos podrán ser nominativas o al portador, pero revestirán necesariamente la forma nominativa mientras no haya sido enteramente desembolsado su importe, cuando su transmisibilidad esté sujeta a restricciones, cuando lleven aparejadas prestaciones accesorias o cuando así lo exijan disposiciones especiales.

2. Cuando las acciones deban representarse por medio de títulos, el accionista tendrá derecho a recibir los que le correspondan, libres de gastos

Artículo 114. Título de la acción.

1. Los títulos, cualquiera que sea su clase, estarán numerados correlativamente, se extenderán en libros talonarios, podrán incorporar una o más acciones de la misma serie y contendrán, como mínimo, las siguientes menciones:

a) La denominación y domicilio de la sociedad, los datos identificadores de su inscripción en el Registro Mercantil y el número de identificación fiscal.

b) El valor nominal de la acción, su número, la serie a que pertenece y, en el caso de que sea privilegiada, los derechos especiales que otorgue.

c) Su condición de nominativa o al portador.

d) Las restricciones a su libre transmisibilidad, cuando se hayan establecido.

e) La suma desembolsada o la indicación de estar la acción completamente liberada.

f) Las prestaciones accesorias, en el caso de que las lleven aparejadas.

g) La suscripción de uno o varios administradores, que podrá hacerse mediante reproducción mecánica de la firma. En este caso se extenderá acta notarial por la que se acredite la identidad de las firmas reproducidas mecánicamente con las que se estampen en presencia del notario autorizante. El acta deberá ser inscrita en el Registro Mercantil antes de poner en circulación los títulos.

2. En el supuesto de acciones sin voto, esta circunstancia se hará constar de forma destacada en el título.

Artículo 115. Resguardos provisionales


Artículo 116. Libro-registro de acciones nominativas.

1. Las acciones nominativas figurarán en un libro-registro que llevará la sociedad, en el que se inscribirán las sucesivas transferencias de las acciones, con expresión del nombre, apellidos, razón o denominación social, en su caso, nacionalidad y domicilio de los sucesivos titulares, así como la constitución de derechos reales y otros gravámenes sobre aquellas.

2. La sociedad solo reputará accionista a quien se halle inscrito en dicho libro.

3. Cualquier accionista que lo solicite podrá examinar el libro registro de acciones nominativas.

4. La sociedad solo podrá rectificar las inscripciones que repute falsas o inexactas cuando haya notificado a los interesados su intención de proceder en tal sentido y estos no hayan manifestado su oposición durante los treinta días siguientes a la notificación.

5. Mientras que no se hayan impreso y entregado los títulos de las acciones nominativas, el accionista tiene derecho a obtener certificación de las inscritas a su nombre

Artículo 117. Sustitución de títulos.

1. Siempre que sea procedente la sustitución de los títulos de las acciones o de otros títulos emitidos por la sociedad, ésta podrá anularlos cuando no hayan sido presentados para su canje dentro del plazo publicado al efecto en el Boletín Oficial del Registro Mercantil y en uno de los diarios de mayor circulación en la provincia donde la sociedad tenga su domicilio. Ese plazo no podrá ser inferior a un mes.

2. Los títulos anulados serán sustituidos por otros cuya emisión se anunciará igualmente en el Boletín Oficial del Registro Mercantil y en el diario en el que se hubiera publicado el anuncio del canje.

Si los títulos fueran nominativos, se entregarán o remitirán a la persona a cuyo nombre figuren o a sus herederos, previa justificación de su derecho.

Si aquella no pudiera ser hallada o si los títulos fuesen al portador, quedarán depositados por cuenta de quien justifique su titularidad.

3. Transcurridos tres años desde el día de la constitución del depósito, los títulos emitidos en lugar de los anulados podrán ser vendidos por la sociedad por cuenta y riesgo de los interesados y a través de un miembro de la bolsa, si estuviesen admitidos a negociación en el mercado bursátil, o con la intervención de notario si no lo estuviesen.

El importe líquido de la venta de los títulos será depositado a disposición de los interesados en el Banco de España o en la Caja General de Depósitos.

….

Sección 2.ª Transmisión de las accione

Artículo 120. Transmisión de acciones.

1. Mientras no se hayan impreso y entregado los títulos, la transmisión de acciones procederá de acuerdo con las normas sobre la cesión de créditos y demás derechos incorporales.

Tratándose de acciones nominativas, los administradores, una vez que resulte acreditada la transmisión, la inscribirán de inmediato en el libro-registro de acciones nominativas.

2. Una vez impresos y entregados los títulos, la transmisión de las acciones al portador se sujetará a lo dispuesto en el artículo 545 del Código de Comercio.

Las acciones nominativas también podrán transmitirse mediante endoso, en cuyo caso serán de aplicación, en la medida en que sean compatibles con la naturaleza del título, los artículos 15, 16, 19 y 20 de la Ley Cambiaria y del Cheque. La transmisión habrá de acreditarse frente a la sociedad mediante la exhibición del título. Los administradores, una vez comprobada la regularidad de la cadena de endosos, inscribirán la transmisión en el libro-registro de acciones nominativas.

Artículo 121. Constitución de derechos reales limitados sobre las acciones.

1. La constitución de derechos reales limitados sobre las acciones procederá de acuerdo con lo dispuesto por el Derecho común.

2. Tratándose de acciones nominativas, la constitución de derechos reales podrá efectuarse por medio de endoso acompañado, según los casos, de la cláusula valor en garantía o valor en usufructo o de cualquier otra equivalente.

La inscripción en el libro-registro de acciones nominativas tendrá lugar de conformidad con lo establecido para la transmisión en el artículo anterior.

En el caso de que los títulos sobre los que recae su derecho no hayan sido impresos y entregados, el acreedor pignoraticio y el usufructuario tendrán derecho a obtener de la sociedad una certificación de la inscripción de su derecho en el libro-registro de acciones nominativas.

Artículo 122. Legitimación del accionista.

Una vez impresos y entregados los títulos, la exhibición de los mismos o, en su caso, del certificado acreditativo de su depósito en una entidad autorizada será precisa para el ejercicio de los derechos del accionista. Tratándose de acciones nominativas, la exhibición solo será precisa para obtener la correspondiente inscripción en el libro-registro de acciones nominativas.

Artículo 123. Restricciones a la libre transmisibilidad.


Artículo 124. Transmisiones mortis causa.


Artículo 125. Transmisiones forzosas.


Assim, a questão mostra-se bem decidida pelo Tribunal da Relação e corresponde, como se explicita de seguida, à análise que também foi realizada em Espanha, na sentença e recurso que determinou que a K... tenha de registar nos seus livros o penhor das ações em favor do BPP, independentemente de a titularidade das mesmas poder ser distinta da que existia na data da constituição do penhor, e de a sociedade emitente ter substituído os títulos antigos por novos e os ter já entregue a outrem que não o BPP.

Sobre a existência e validade do penhor e sua oponibilidade à sociedade K..., cf. as decisões judiciais proferidas em Espanha - a fls.680 e ss dos autos, com a tradução a fls. 692 e ss, onde a K... foi assim condenada (transcrição):

i. O pedido é deferido, sendo declarado que o BPP SA el Liquidação possui a qualidade de credor pignoratício, com garantia sobre as ações representativas do capital social da K..., detidas pelos sócios….Lignette Consultants Limited/Eskolinha, 2847.457….

ii. A K... é condenada a inscrever no Livro de Registo de acionistas os penhores indicados;

iii. A K... é condenada a entregar ao credor pignoratício os novos títulos representativos dessas ações, no verso dos quais previamente fará constar a existência do penhor

iv. As custas da primeira instância são atribuídas à ré.”

Na decisão que apreciou o recurso foram suscitadas várias questões, entre elas a do direito aplicável e os tribunais em Espanha entenderam (fls. 698v):

- quando à validade do penhor – seria aplicável o direito português;

- quanto à oponibilidade do penhor à sociedade emitente – seria aplicável a lei espanhola – art.º8º TRLSC1; 121.º, n.2 TRLSC para prova da garantia através do endosso em garantia do título das correspondentes ações nominativas, que sendo apresentado conduzirá ao averbamento da garantia no Livro de Registo de sócios – art-120, n.2, pf 2 TRLSC, para o qual remete o §2 do art.121.º, n.2 do TRLSC.

Pelos motivos expostos, improcede a questão suscitada.

Deste modo, o recurso tem de improceder

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 16 de novembro de 2023

Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Jorge Leal

Manuel Aguiar Pereira

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1. Texto Refundido da LSC - Artículo 8. Nacionalidad. (Serán españolas y se regirán por la presente ley todas las sociedades de capital que tengan su domicilio en territorio español, cualquiera que sea el lugar en que se hubieran constituido.)