CONTRATO DE SEGURO
RISCOS COBERTOS
LOCAL DO RISCO
POSTO DE TRANSFORMAÇÃO DE ENERGIA
INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO
Sumário

I - O âmbito e definição dos riscos cobertos num contrato de seguro é encontrada pela sua inclusão ou exclusão nas condições gerais, especiais e particulares.
II - Se o evento se enquadra numa condição particular não contratada e o mesmo risco é excluído nas condições gerais não pode o dano ser ressarcido.
III - A interpretação do teor do contrato deve ser feito tendo em conta, em caso de duvida, o sentido mais favorável a um declaratório geral. 4. Se o contrato identifica o local de risco como um imóvel incluirá todas as partes do mesmo, aferidas de forma social razoável o que abarca anexos, ou um posto de transformação de energia.
IV - Um posto de transformação pela sua perigosidade própria, regras legais de funcionamento e manutenção não pode ser qualificado como um normal aparelho elétrico de baixa tensão.

Texto Integral

Proc. Nº 3764/22.7 T8VFR.P1


Sumário:
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1. Relatório
A..., Lda intentou presente ação declarativa sob a forma comum contra a B..., SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €10.209,00, acrescido de juros, à taxa legal, a contar da citação até efetivo e integral pagamento.
Alegou, em suma, que no dia 19 de dezembro de 2019 e após uma grande trovoada/raios e chuva, houve uma falha de energia, deixando a cabine elétrica de fornecer energia elétrica no armazém arrendado pela Autora; as anomalias provocadas pela intempérie consistiram num curto-circuito nas linhas de média tensão o que provocou a quebra de energia elétrica; a Autora procedeu à reparação da cabine elétrica que consistiu na substituição de interruptor fusível danificado devido à intempérie, incluindo o comando, fusíveis e todos os trabalhos inerentes à montagem do mesmo, bem como adquiriu um transformador e suportou os custos da sua montagem; a Ré nunca ressarciu a Autora no montante gasto que orçou em €10.209,00; por contrato de seguro, titulado pela apólice nº ...07, a Autora transferiu para a Ré a sua responsabilidade civil por danos causados no sinistro em apreço.
A Ré contestou, confirmando a existência do contrato de seguro, alegando que os danos em apreço não estão abrangidos pelo contrato de seguro. Atendendo ao valor da ação, proferiu-se apenas despacho saneador. Após saneamento e instrução realizou-se a audiência de julgamento, e foi proferida sentença que decidiu “Condeno a Ré B..., SA a pagar à Autora A..., Lda a quantia total de €8.788,10 (oito mil, setecentos e oitenta e oito euros e dez cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo a Ré do demais peticionado pela Autora”. Inconformada veio a ré interpor recurso o qual foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e imediatamente, e com efeito meramente devolutivo.
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2.1. A apelante concluiu, nos seguintes termos:
A. Os danos reclamados pela autora verificaram-se em componentes de um equipamento de Posto de Transformação, ou simplesmente PT, que é uma instalação onde se procede a transformação da energia elétrica de média tensão para baixa tensão, alimentando a rede de distribuição de baixa tensão;
B. Tal equipamento não é parte integrante do imóvel objeto seguro, mas apenas, e quando muito, uma coisa acessória desse imóvel, se for considerada a sua afectação por forma duradoura, não integrando a definição do artigo 204º do Código Civil, pois que não constitui um qualquer elemento corpóreo que se integre no imóvel de forma fisicamente definitiva, ou com carácter fisicamente consolidado, não correspondendo ao conceito de parte integrante de imóvel ou edifício, na medida em que não se apresenta ligado materialmente com carácter ou natureza de permanência;
C. Contrariamente ao mencionado da Sentença proferida, o Contrato de Seguro não contempla a Cobertura / Condição Especial 107 – Riscos Elétricos, que exije contratação especifica com expressa indicação e discriminação das Condições Particulares do Contrato de Seguro;
D. O Contrato de Seguro nos autos, tal como expresso nas Condições Particulares juntas aos autos, não abrange a cobertura de riscos elétricos regulada pela Condição Especial 107 – Riscos Elétricos, nem qualquer outra cobertura / Condição Especial, que a autora não contratou com a ré, sendo a abrangência da sua cobertura limitada às Condições Gerais e às coberturas discriminadas na Cláusula 2ª, nº 4 dessas mesmas Condições Gerais;
E. A Sentença recorrida considerou indevidamente uma cobertura se seguro que não foi contratada entre autora e ré, que não se encontrava em vigor, era inexistente, considerando ser responsabilidade da ré um risco que nunca foi transferido para ela, desrespeitando, assim, nomeadamente, os nºs 1 e 4 da Cláusula Preliminar, e a Cláusula 2ª, nº 4, das Condições Gerais do Contrato de Seguro;
F. É irrelevante a consideração do Facto Provado 10., que apenas transcreve a redação do texto de clausulado da Condição Especial 107 – Riscos Elétricos, uma vez que se trata de uma Condição Especial / cobertura não contratada entre autora e ré, e como tal que não pode ser accionada nem considerada pelo Tribunal;
G. Independentemente do valor que a autora possa ter despendido com a substituição dos componentes danificados no Posto de Transformação, o Tribunal a quo não considerou o valor efetivo do dano verificado, que não é o do custo de substituição daqueles componentes do equipamento, mas sim o seu valor (venal) à data do evento danoso;
H. Ao não cuidar da efetiva valorização de tais componentes nessas condições – sendo certo que como resulta dos Factos Provados 12 e 13, são conhecidos os valores venal e de salvados – o Tribunal a quo contemplou a autora com valores que a enriquecem para além do dano sofrido, claramente em violação do previsto pelo artigo 566º, nº 2, Código Civil, uma vez que ficcionou um dano não em função
dos valores dos componentes danificados, mas sim do custo da intervenção que a autora promoveu, muito superior ao efetivo valor daqueles componentes e, consequentemente, do dano sofrido;
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2.2. A apelada contra-alegou, dizendo em suma que:
1.A Douta Sentença proferida a fls. pelo Tribunal à quo julgou parcialmente procedente o pedido formulado pela Autora contra a Réu e, em consequência, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 8.788,10, acrescida dos juros legais a contar desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
2.A Ré/Recorrente nas suas Alegações impugna apenas a matéria de direito, conformando-se com a decisão proferida sobre a matéria de facto.
3.O Tribunal à quo valorou a prova produzida em sede de Audiência de Julgamento e documentos juntos aos autos, ao abrigo do disposto nos artigos 342º e 396º ambos do Código Civil.
4.O Douto Tribunal á quo fundamentou a decisão recorrida “nos depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas e na análise dos documentos juntos aos autos.
5.Quanto à valoração da prova testemunhal produzida em sede da Audiência de Julgamento bem como aos documentos juntos aos autos, vigoram os princípios da
oralidade, da concentração e imediação, que impedem, naturalmente, o Tribunal de Recurso de apreender e dispor de todas as circunstâncias que envolveram a produção e captação da prova, com mais acutilância quanto à prova testemunhal, o que é decisivo para a formação da convicção do Juiz á quo.
6.Neste sentido A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora in “Manual de
Processo Civil, 2ª Edição revista e atualizada onde se pode ler, a propósito do principio da imediação “ Esse contacto direto, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento da pessoa e das reações do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar “.
7.Assim, as provas produzidas em sede de Audiência de Julgamento estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova nos termos do artigo 396º do Código Civil.
8.A Autora celebrou com a Ré um contrato de seguros denominado “Seguro de Multiriscos Industrial”, titulado pela apólice ...07, constando como local seguro as instalações da Autora sitas na Rua ..., freguesia ....
9.Com a celebração de tal contrato de seguro, a Ré, mediante o pagamento de um prémio pela Autora, assumiu o risco e a obrigação de pagar determinados montantes caso esse risco se verificasse nas instalações objeto do contrato.
10.Aquando da celebração do contrato de seguro a Autora efetivamente consta nas condições particulares, a contratação além da Cobertura Base também a contratação de Coberturas Facultativas e Condições Especiais.
11.Do contrato Multiriscos Industrial celebrado entre Autora e Ré consta da Cláusula 107 das Condições Especiais o seguinte: (…)
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3. Questões a decidir
1) qualificar o acordo celebrado entre as partes
2) determinar, nos termos do mesmo, quais as coberturas aplicáveis
3) por fim averiguar se o dano ocorrido se situa, ou não no âmbito das mesmas
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4. Motivação de facto
1. A Autora é uma empresa que tem como objeto social o comércio, indústria, importação e exportação de cortiça e seus derivados, produção, comercialização, importação e exportação de cápsulas.
1. Por acordo escrito epigrafado Contrato de Arrendamento Para Indústria, datado de 23 de maio de 2017, a “C..., SA”, como primeira outorgante e na qualidade de senhoria, declarou dar de arrendamento à Autora, como segunda outorgante e na qualidade de arrendatária, que declarou aceitar, o prédio urbano, constituído por dois pavilhões destinados a indústria e estaleiro, sito na Rua ..., na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob os artºs ...55 e ...52 urbanos.
2. … esse prédio tem uma cabine elétrica para fornecer eletricidade para a instalação industrial da Autora.
3. No dia 19 de dezembro de 2019 e após uma trovoada/raios e chuva, houve uma falha de energia, deixando a cabine elétrica de fornecer energia elétrica.
4. Verificada uma interrupção do fornecimento de energia nas suas instalações, a Autora enviou uma pessoa à cabine elétrica e verificou que tinha havido uma anomalia na mesma e que, por tal facto, não se operava o restabelecimento do fornecimento de energia.
5. As anomalias provocadas pela intempérie consistiram num curto-circuito nas linhas de média tensão o que provocou a quebra de energia elétrica.
6. A Autora procedeu à reparação da cabine elétrica que consistiu na substituição de ruptor fusível danificado, em curto-circuito, devido à intempérie, incluindo o comando, fusíveis e todos os trabalhos inerentes à montagem do mesmo, cujo custo ascendeu a €3.813,00.
7. … bem como a Autora adquiriu um transformador de potência 100 KVA e procedeu à sua montagem, cujo custo ascendeu a €6.396,00.
8. No exercício da sua atividade, a Ré celebrou com a Autora um contrato de seguro, denominado “Seguro de Multirriscos Industrial”, em vigor à data do sinistro, titulado pela apólice nº ...07, com objeto seguro imóvel, atividade: Serviços Gerais/Outras Atividades, para o local de risco Rua ..., ..., ... ..., com o valor máximo garantido €848.720,00, com a franquia contratual de 10% sobre o valor dos prejuízos indemnizáveis com um mínimo de €250,00 (cfr. cláusula 4.2. Tempestades das Condições Gerais).
9. Consta das Condições Gerais do contrato o seguinte: “Cláusula 2ª – OBJETO, ÂMBITO E GARANTIAS DO CONTRATO 1. O presente contrato, tem por objeto os bens imóveis, destinados à atividade do Tomador do Seguro ou do Segurado, identificados nas Condições Particulares.
2. Mediante convenção expressa nas Condições Particulares, poderão ser objeto do presente contrato outros bens móveis e/ou imóveis, valores e/ou custos.
3. A obrigatoriedade de discriminação valorizada, os limites de tolerância e as condições de existência e funcionamento dos bens seguros, pelo presente contrato, ficam igualmente sujeitos ao disposto, para os efeitos respetivos, nas Condições Especiais.
4. Salvo acordo expresso em contrário nas Condições Particulares, o presente contrato garante a cobertura dos danos materiais diretamente causados aos bens seguros, identificados nas Condições Particulares, situados no local de risco nelas indicado, pela ocorrência de qualquer ou quaisquer dos seguintes riscos: . Incêndio, Ação Mecânica de Raio e Explosão; . Tempestades . Inundações . Danos por Água . Roubo ou Furto . Queda de Aeronaves e Travessia da Barreira de Som . Choque ou Impacto de Veículos Terrestres e/ou Animais . Choque ou Impacto de Objetos Sólidos . Derrame de Óleo de Sistemas de Aquecimento . Quebra de Vidros, Espelhos Fixos e/ou Anúncios Luminosos. Quebra ou Queda de Antenas Exteriores de TV ou TSF. Quebra ou Queda de Painéis Solares . Derrame de Sistemas de Proteção Contra Incêndio. Demolição e Remoção de Escombros. Desenhos e Documentos
10. E consta da cláusula 107 das Condições Especiais o seguinte: “107 – RISCOS ELÉTRICOS 1. ÂMBITO DA COBERTURA Ao abrigo desta cobertura, o contrato garante o pagamento dos danos ou prejuízos causados a quaisquer máquinas elétricas, transformadores, aparelhos e instalações elétricas e os seus acessórios, desde que considerados no seguro, em virtude de efeitos diretos de corrente elétrica, nomeadamente sobretensão e sobreintensidade, incluindo os produzidos pela eletricidade atmosférica, tal como a resultante de raio e curto-circuito, mesmo quando não resulte incêndio. 2. EXCLUSÕES Ficam excluídos do âmbito da presente garantia os danos: a) Causados a fusíveis, resistências de aquecimento, lâmpadas de qualquer natureza, tubos catódicos dos componentes eletrónicos, quando não causados por incêndio ou pela explosão deum objeto vizinho; b) Devidos a desgaste pelo uso ou a qualquer deficiência de funcionamento mecânico; c) Que estejam abrangidos por garantias de fornecedor, fabricante ou instalador; d) Causados aos quadros e transformadores de mais de 500 kVA e aos motores demais de 10 H.P.”.
11. A Ré remeteu uma carta à Autora, datada de 27 de março de 2020, nos termos da qual consta o seguinte: “(…) Analisada a participação, bem como o Relatório de Peritagem, verificamos que os equipamentos em questão não fazem parte dos objetos seguros na apólice, e por esse motivo a reclamação não pode ser aceite. Em face do exposto, vamos proceder ao encerramento do processo, sem haver lugar a indemnização (…)”.
12. Os serviços técnicos mandatados pela Ré para averiguação do sinistro e avaliação de danos, concluiu fixar o prejuízo no montante de €1.013,32, correspondente ao valor venal dos equipamentos afetados (um transformador 100Kva e um seccionador, ano de aquisição 1978).
13. O valor dos salvados ascende a €400,00.
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5. Motivação Jurídica
Estamos perante a aplicação de um contrato de seguro celebrado entre as partes dos autos nos termos do qual a apelante assumiu os danos resultantes da eclosão de determinados riscos, neste caso, num determinado local.
É pacífico, entre nós, que o contrato de seguro é um negócio formal, que se rege pelas condições e cláusulas da respectiva apólice não proibidas por lei e, na sua falta ou insuficiência, pelas normas legais.
Este acordo é um contrato oneroso, sinalagmático e formal. Por isso, na interpretação das declarações negociais dele constantes aplicar-se-ão as regras gerais de interpretação das declarações negociais, tendo em conta , em especial, o disposto no art. 236º, do C.C..
Ora, essa norma impõe que a interpretação se deva fazer segundo a conhecida teoria da impressão do destinatário, nos termos da qual o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante.
Todavia , quando se trate de negócios formais, como é o caso dos autos, o art. 238º do mesmo Cód. Civil exige que o sentido da declaração tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso[1].
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2. Do âmbito dos riscos cobertos pelo contrato
Não deixa de ser curioso, que na fase de recurso, esteja ainda em discussão se existe ou não uma condição particular que cubra determinado evento danoso.
A inclusão dos riscos e a sua cobertura decorre dos termos fixados e acordados entre as partes interpretados nos termos referidos.
Isso foi o claramente acordado entre as partes, e é o que consta dos factos provados (facto nº4). “Salvo acordo expresso em contrário nas Condições Particulares, o presente contrato garante a cobertura dos danos materiais diretamente causados aos bens seguros, identificados nas Condições Particulares, situados no local de risco nelas indicado, pela ocorrência de qualquer ou quaisquer dos seguintes riscos: . Incêndio, Ação Mecânica de Raio e Explosão . Tempestades . Inundações . Danos por Água . Roubo ou Furto . Queda de Aeronaves e Travessia da Barreira de Som . Choque ou Impacto de Veículos Terrestres e/ou Animais . Choque ou Impacto de Objetos Sólidos.
Ou seja, os riscos elétricos e a cláusula usada na sentença, não fazem parte desse acordo.
Conforme salienta, entre vários, o Ac da RP de 8.5.17[2] “A definição dos riscos cobertos resultará de os mesmos serem indicados na apólice (composta por condições gerais, especiais e particulares) ou de, pelo contrário, se evidenciarem na apólice os riscos excluídos, caso em que se se considerarão cobertos todos os restantes”.
E, se dúvidas houvesse bastaria citar que essa posição é também clara na nossa doutrina[3], nos termos da qual o âmbito deste tipo contratual passa pela definição das garantias, dos riscos cobertos e dos riscos excluído.
Ora, a apólice junta pela ré seguradora impõe que “O presente contrato vigora de acordo com as condições anexas”.
E, essas condições (gerais e particulares) anexas só incluem os riscos elétricos se e quando: “mediante convenção expressa nas Condições Particulares poderão ser objeto do presente contrato outros riscos e/ou garantias, de harmonia com o disposto nas respetivas Condições ou Cláusulas Especiais que tiverem sido contratadas”.[4]
Note-se aliás, que a sentença recorrida discrimina na matéria de facto os riscos cobertos (facto nº4) que não incluem os riscos eléctricos.
Daí decorre que ao contrato dos autos não pode ser aplicável a condição particular nº 107), relativa aos riscos elétricos que dispõe:
107 - RISCOS ELÉTRICOS
1. ÂMBITO DA COBERTURA Ao abrigo desta cobertura, o contrato garante o pagamento dos danos ou prejuízos causados a quaisquer máquinas elétricas, transformadores, aparelhos e instalações elétricas e os seus acessórios, desde que considerados no seguro, em virtude de efeitos diretos de corrente elétrica, nomeadamente sobretensão e sobreintensidade, incluindo os produzidos pela eletricidade atmosférica, tal como a resultante de raio e curto-circuito, mesmo quando não resulte incêndio”.
Ora, foi essa a cláusula utilizada pela sentença em recurso, que apesar de não incluir esse risco no âmbito do contrato (facto nº4), descreve a cláusula e termina aplicando-a ao caso dos autos.
Essa circunstância é fundamental, porque:
a) o evento danoso ocorrido enquadra-se precisamente nesse risco eléctrico e não na definição contratual de qualquer outro risco:
O evento que ocorreu foi “No dia 19 de dezembro de 2019 e após uma trovoada/raios e chuva, houve uma falha de energia, deixando a cabine elétrica de fornecer energia elétrica”.
A condição particular raio aplica-se: “Salvo convenção em contrário, o presente contrato garante ainda os danos causados por ação mecânica de queda de raio ou explosão, mesmo que não acompanhado de incêndio”.
A condição particular tempestade aplica-se: (ao) Alagamento pela queda de chuva, neve ou granizo, desde que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício.
E, a supra referida condição riscos elétricos aplica-se: (aos) “prejuízos causados a quaisquer máquinas elétricas, transformadores, aparelhos e instalações elétricas e os seus acessórios, desde que considerados no seguro, em virtude de efeitos diretos de corrente elétrica, nomeadamente sobretensão e sobreintensidade, incluindo os produzidos pela eletricidade atmosférica.

b) Em segundo lugar essa condição particular é fundamental, pois, a mesma derroga a exclusão geral que consta do art. 3, nº2, das condições gerais que dispõe “Salvo se expressamente mencionados nas Condições Particulares através da contratação das coberturas respetivas, o presente contrato não garante os danos e/ou despesas e/ou indemnizações que derivem direta ou indiretamente de (…) Efeitos diretos de corrente elétrica em aparelhos, instalações elétricas e seus acessórios, nomeadamente, sobretensão e sobreintensidade, incluindo os produzidos pela eletricidade atmosférica, tal como a resultante de raio e curto-circuito, ainda que nos mesmos se produza um incêndio, sem prejuízo do estabelecido na Condição Especial 107, se a mesma for contratada.
Podemos, portanto concluir que, salvo contratação expressa da condição particular nº 107 (a qual não ocorreu conforme resulta dos factos provados já transitados), os danos ocorridos não fazem parte do âmbito de risco assumido, pelo que a apelação sempre seria procedente.

3. Da natureza do Posto de transformação e sua inclusão no local de risco
Importa porém, para que não haja dúvidas, abordar duas questões.
A primeira diz respeito à tese da apelante no sentido que o posto de transformação não estaria incluído no local objecto do seguro porque é apenas uma parte integrante do mesmo.
O local objecto de recurso está definido na apólice e trata-se de um imóvel destinado a exploração industrial.
Como referimos supra, a interpretação dos termos negociais deve ser feita de acordo com o art. 236º, nº 1 do Cód. Civil, tende em mente um “declaratário normal”, sendo que, por imposição legal, em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalecerá o sentido mais favorável ao aderente.
Ora, quando se identifica um imóvel, sem qualquer restrição, é evidente que o mesmo integra, representa e se assume ser uma unidade predial, que incluiu todos os seus elementos correntes e habituais excepto expressa exclusão. Nessa medida o posto de transformação esteja instalado numa cave ou num anexo faz parte dessa unidade industrial, tal como qualquer declaratário normal poderia prever.[5]
Acresce que, mesmo em termos jurídicos, um prédio imóvel incluiu todos os seus elementos integrantes.
E, dos factos provados resulta precisamente isto, na medida em que está provado que “… esse prédio tem uma cabine elétrica para fornecer eletricidade para a instalação industrial da Autora”.
Podemos, portanto concluir que a interpretação do teor contratual impõe que o posto de transformação faça parte do objecto segurado.
Diga-se aliás que esta é a jurisprudência corrente entre nós, conforme decidido pelo Ac da RG de 11.5.23[6]: “a segurada pretendeu segurar todos os bens da Estação de Serviço situada na A24 na área da ... a Nova (quer os bens que constam dentro do imóvel situado na A24, quer o painel da mesma Estação de Serviço de comercialização de combustível, colocado na mesma A24, 2 km antes da mesma por imposição legal) e que a ré aceitou a abrangência desse objeto e local de risco, uma vez: que aquele é o sentido normal do ato da segurada”.
Logo, este fundamento das alegações da apelante sempre teria de improceder.
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Em segundo lugar, informa frisar que a própria natureza de um posto de transformação[7] implica que este não possa ser qualificado como um simples aparelho ou instalação elétrica como qualquer outra existente no local segurado ou numa fábrica ou casa normal, como parece pretender agora a apelada. Mas, a realidade da vida demonstra que um posto de transformação não é uma torradeira ou um ar condicionado em termos de riscos eléctricos.
Este equipamento é regulado por normas próprias,[8] implica deveres específicos do seu utilizador, e envolve um risco de utilização acrescido, com requisitos próprios e únicos.
Nessa medida é necessário, por exemplo: “No caso de postos de transformação alimentados por redes aéreas será obrigatória a existência de protecção contra sobretensões de origem atmosférica por meio de pára-raios”, bem como inúmeros deveres de inspecção e manutenção.[9]
Acresce que a sua potência e risco, implica em regra a existência de um risco agravado e superior a qualquer aparelho eléctrico de baixa tensão a qual, por exemplo, não é aplicável nos termos do art. 509º, nº3, do CC.
Deste modo, teremos de concluir que não tendo sido contratada a condição particular riscos elétrico (107), o evento danoso que danificou o equipamento elétrico existente no interior do Posto de transformação não pode ser objecto de qualquer indemnização ao abrigo das restantes condições gerais e particulares (descritas no facto provado nº4).
Por isso, esta forma de defesa sempre teria de improceder.

5. Consideram-se prejudicadas as restantes questões (fixação da indemnização).
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6. Deliberação
Pelo exposto, este tribunal julga a presente apelação procedente por provada e, por via disso, revoga a sentença recorrida, absolvendo a ré de todos os pedidos contra si formulados.

Custas a cargo da apelada porque alegou e decaiu totalmente.



Porto em 12.10.23
Paulo Duarte Teixeira
Ana Vieira
Isabel Silva
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[1] Cfr. Acs do STJ de 18-09-2018 n 682/16.2T8FAR.E1.S2; de 12.7.2018 nº 825/15.2T8LRA.C1.S2; e de 31.1.2019 nº 3843/15.7T8CSC.L1.S1, por exemplo aplicam o disposto no art. 236º e segs. do CC. No mesmo sentido os Acs da RG de 2.7.2013 1344/11.1TBVCT.G1 e RG 11.7.2017 1301/15.9T8VCT.G1; da RP 15.11.2018 12886/16. 2T8PRT.P1. O Ac da RP de 19.4.2019, in CJ, II (Aristides Almeida) acentua: “o seguro regular-se-á pelas estipulações da respectiva apólice não proibidas pela lei, e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste Código. Nessa medida, os contratos dos autos regem-se em primeira mão pelas condições da respectiva apólice, só sendo aplicáveis as disposições legais do Código Comercial se aquelas contiverem disposições contrárias a normas legais imperativas ou forem lacunosas”. O Ac da RG de 31.10.2018 nº 648/17.4T8BGC.G1: Na interpretação do contrato de seguro há que aplicar as regras gerais da interpretação dos negócios jurídicos às cláusulas especificamente negociadas, correspondendo o declaratário normal à figura do tomador médio, sem especiais conhecimentos jurídicos ou técnicos, devendo o sentido por ele deduzido reflectir quer o concreto texto contratual em causa, quer a específica natureza e objecto do dito acordo, e ponderando-se na sua determinação todas as circunstâncias que rodearam a sua inicial celebração e posterior execução.
[2] Nº 163/14.8TJLSB.P1 (Miguel Baldaia).
[3] ROMANO MARTINEZ, Direito dos Seguros, pág. 91.
[4] Nosso sublinhado.
[5] Ac da RP de 20.02.2020, nº8318/18.0T8PRT.P1, (Paulo Duarte Teixeira), Ac. RG de 02.07.2013, nº1344/11.1TBVCT.G1, (Filipe Caroço); Ac. RC de 14.03.2017, nº 279/14.0TBCNT.C1, (Barateiro Martins).
[6] Nº 408/22.0T8BRG.G1 (Alexandra Lopes).
[7] Em regra esta instalação incluiu equipamentos elétricos colocados num espaço reservado incluindo painel de linha, painel interbarras /’by pass’, painel de transformadores, pórticos, postes, e vedação metálica perimetral em betão.Estes elementos visam proteger, monitorar, seccionar ou distribuir a energia elétrica através de circuitos elétricos na instalação. E, a sua actividade pretende, em regra, transformar a média tensão/baixa tensão, 15/0,4 kV, mas também 10, 30, 6,6, 6 e 5/0,4 kV..
[8] Regulamentos de Segurança de Subestações e Postos de Transformação e de Seccionamento e de Segurança de Linhas Eléctricas de Alta Tensão Dec. Regulamentar n.º 14/77, de 18 de fevereiro); e ainda a Portaria n.º 596/2010 de 30 de julho.
[9] Cfr. EDP postos de transformação de clientes acedido em Setembro 2023, in https://edpon.edp.com/sites/edpon/files/2019-11/DRE-C13-100.pdf