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LICENÇA DE SAÍDA JURISDICIONAL
Sumário
O condenado a quem foi concedida licença de saída jurisdicional, nos termos do artigo 79.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, deve fruí-la na zona ou localidade que foi indicada como residência no mandado emitido para a referida saída, já que se trata de um regresso excecional à liberdade, mas ele continua a ter limitações nesse âmbito, por não se encontrar concluído o cumprimento da pena.
Texto Integral
Processo nº 2971/10.0TXPRT-AE.P1
1. Relatório
No processo nº 2971/10.0TXPRT-AE do Tribunal de Execução das Penas do Porto, Juízo de Execução das Penas do Porto, Juiz 3, veio o arguido AA recorrer da decisão que em 13/01/2023, no âmbito de incidente de incumprimento, - artigos 194 e seguintes do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade -, revogou a licença de saída jurisdicional concedida em 20 de maio de 2022 ao recorrente e determinou o desconto no cumprimento da pena que se encontrava a cumprir da totalidade do tempo que gozou de licença de saída jurisdicional, ou seja, desde 31 de maio de 2022 até 7 de junho de 2022.
A decisão recorrida determinou ainda que o recluso não poderá apresentar novo pedido de licença de saída jurisdicional antes de 7 de junho de 2023, salvaguardado o limite de termo de pena se o mesmo antes operar.
Por decisão sumária da Relatora proferida em 30/08/2023 foi considerado que a decisão recorrida em nada afeta o recorrente no que respeita ao desconto do tempo da LSJ no cumprimento da pena ordenado em cumprimento do art. 84 nº4 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, o que até se poderá ver como uma situação que lhe é benéfica na medida em que é descontado um período em que o condenado esteve em liberdade. E, em consequência, entendeu-se que o interesse em agir do recorrente se relacionava com a impossibilidade de apresentar novo pedido de licença de saída jurisdicional antes de 7 de junho de 2023.
Porém, como os autos foram distribuídos neste Tribunal da Relação Relação em 29/07/2023, ou seja, em data em que havia já decorrido o prazo durante o qual o condenado estava impedido de submeter novo pedido de licença de saída jurisdicional, entendeu-se que o mesmo nenhum efeito útil retiraria do conhecimento do presente recurso e, pelo exposto, decidiu-se no sentido da extinção da instância de recurso por inutilidade superveniente tendo por base o pressuposto que a utilidade prática que o recorrente retira do recurso é fundamental, não fazendo sentido o prosseguimento de um recurso, do qual não se vai extrair qualquer efeito apenas para aferir se a decisão posta em causa obedeceu, ou não, aos critérios legais e formais.
Notificado da decisão sumária veio o recorrente reclamar para a conferência por entender que o entendimento da decisão sumária no sentido de que o recurso teria em vista apenas a retoma das licenças de saída jurisdicionais é redutora.
Explícita que após a decisão recorrida o recluso recorrente viu a sua vida levar um forte revés, porquanto lhe foi imediatamente aplicado o castigo de proibição de trabalho nas estufas, (sendo que esse local se situa fora de muros do estabelecimento prisional), a sua alocação àquele trabalho nas estufas implicava que também vivesse em residência externa às camaratas/alas e o modo de execução da pena foi alterado pois foi-lhe revogado o regime aberto, tendo o castigo sido averbado na sua ficha biográfica.
Mais alega que: «Assim, a razão de ser do recurso, mormente com o alcance prático do mesmo, ao ser proferido Acórdão de provido, prende-se objectivamente com todo este manancial de situações práticas (advindas da questão jurídica discutida naqueles autos de incumprimento) que afectaram sobremodo e para o futuro a execução da pena de prisão do condenado. O condenado só pode vir a retomar o seu status quo ante no caso de prolação de Acórdão que dê provimento ao seu recurso, e esse status quo ante, mais importante que a retomada das licenças de saída jurisdicionais se prende com o próprio modo de execução da pena, seja, com a retomada do regime aberto, com a retomada do trabalho nas estufas, com a retomada da sua afectação às residências externas do estabelecimento prisional, e, não menos importante ser a sua ficha biográfica revista no sentido de ser averbado o arquivamento do processo de incumprimento, pois que como é consabido tal registo afecta de maneira negativa a apreciação de concessão de liberdade condicional.»
Conclui que: «…o alcance prático na vida do condenado recorrente vai muito mais longe do que a retoma dos pedidos de saídas jurisdicionais (sendo que apenas a título meramente informativo, mal transcorreu o tal prazo foi solicitada a concessão de uma LSJ a qual foi indeferida), as quais, muito embora importantes, não são o fim único do alcance do recurso (nem nunca o foram) pois que as demais questões possuem uma forte relevância (presente e futura) prática quer na vida do recorrente quer no modo do cumprimento de pena bem ainda no alcance de eventual concessão de liberdade condicional (pois que a análise de um processo de um recluso com averbamento de incumprimento de LSJ influi negativamente na análise daquela). Existe, ainda, um outro alcance prático muito importante, que resulta necessariamente com a elaboração dos relatórios, pois que, normalmente os técnicos de reinserção fazem alusão a este tipo de castigos e concluem os mesmos no sentido de serem desfavoráveis à concessão da medida em apreciação.»
Pretende que o recurso oportunamente interposto seja apreciado e decidido em conferência como requer.
Explicitado o interesse em agir do recorrente o que se aceita sem questionar passamos a analisar o recurso por via de Acórdão a proferir em conferência como se requer.
São os seguintes os argumentos do recorrente expressos nas conclusões do seu recurso: «1.- O presente recurso vem interposto da decisão (refª 5469201) proferida pelo Tribunal de Execução de Penas do Porto notificada ao Mandatário via notificação electrónica em 23.01.2023 (refª 5553426) onde se decidiu revogar a LSJ e condenar o recorrente pelo máximo da taxa de justiça aplicável; 2.- Muito embora o incidente de incumprimento siga a tramitação do CEPMPL o que é certo é que na integração de lacunas se aplica subsidiariamente o CPP, pelo que, a decisão de revogação de LSJ se trata de uma decisão final, e, como tal carece de fundamentação, tal como o prescreve o n° 5 do Art. 97.° do CPP (o qual incorpora uma exigência constitucional) referindo que "os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão"; 3.- O dever de fundamentação das decisões judiciais resulta, desde logo, de imposição constitucional, nos quadros do n.º 1 do Art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa («As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».), densificando-se legalmente, desde logo, no prescrito no Art. 97.º nº 5 do CPP e no Art.º 154.º do Cód. De Processo Civil (o qual se aplica às decisões do TEP por força da remissão do CEPMPL - Art. 154.º CEPMPL - para o CPP e deste para o CPC, nos termos do Art. 4.º no que respeita a integração de lacunas); 4.- Todos os atos decisórios, como se referiu, têm que ter fundamentação (artigo 97.º, n.º 5, CPP, artigo 205.º, n.º 1, CRP), imperativo que decorre do direito a um processo justo e equitativo (artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), do principio da legalidade, do principio da segurança jurídica e da protecção da confiança (Art.s 2.ºe 13.º da CRP) e, ainda, de obrigações internacionais, a que Portugal se encontra adstrito (artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, aplicável por força do artigo 8.º, n.º 2, CRP); 5.- O Tribunal deve indagar e pronunciar-se sobre todos os factos que tenham sido alegados pela acusação, pela contestação ou que resultem da discussão da causa e se mostrem relevantes para a decisão (o que no caso em concreto - atento que se trata de um incidente de incumprimento de uma licença de saída jurisdicional – se traduz em pronuncia sobre o auto de noticia, as declarações da “queixosa”, e, as declarações -quer orais quer escritas - do condenado beneficiário da LSJ, o que manifestamente não fez, como estava obrigado pelo estatuído nos Art.s 368.º nº 2 e 374.º nº 2 do CPP, os quias se aplicam por remissão for força do Art. 154.º CEPMPL, estando de igual modo inquinada por violação do preceituado no Art. 205.º CRP; 6.- O tribunal não pode deixar de se pronunciar sobre a verificação/não verificação de todos os factos que lhe são levados ao conhecimento, o que resulta quer do teor do auto de noticia quer das declarações do arguido; 7.- O tribunal não elencou as provas, nem delas fez uma análise critica, onde alicerçou a sua convicção e subsequente decisão; 8.- A falta de fundamentação, in casu, configura uma violação do nº 2 do Art. 374º e do nº 4 do Art. 97º, ambos do C.P.Penal, configurando uma inconstitucionalidade por inviabilização de uma garantia fundamental de defesa - a fundamentação - como tal consagrado na 1ª parte do nº 1 do Art. 32º da Constituição da República Portuguesa; a aludida violação configura a nulidade da al. a) do Art. 379º, nulidade esta, insanável, já que, não contem a sentença no seu todo qualquer facto que possa explicar a opção da condenação; 9.- Neste sentido, vide, Acórdão, datado de 18.01.2011, da Relação de Lisboa tirado no âmbito do processo 1670/07.4TAFUN-A.L1-5, disponível em www.dgsi.pt: II- De acordo com o art.374, nº2, CPP, a fundamentação da sentença penal, é composta por dois grandes segmentos, um consiste na enumeração dos factos provados e não provados, outro na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal; III- O exame crítico deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizado na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada; IV- Limitando-se o tribunal a fazer uma súmula de declarações e depoimentos prestados em audiência, sem qualquer referência à credibilidade que cada um deles tenha merecido e às razões do respectivo merecimento, falta o exame crítica das provas; V- Não existe completa indicação das provas quando, constando dos autos várias dezenas de documentos, o tribunal se limita a remeter para todos eles, sem especificar que concretos documentos relevaram e para que pontos de facto concretos, quando existem nos autos documentos que se contrariam mutuamente em aspectos relevantes; VI- Não tendo o tribunal indicado completamente as provas que serviram para formar a sua convicção, nem tendo efectuado o exame crítico de tais provas, existe insuficiente fundamentação da sentença, o que determina a sua nulidade, nos termos do art.379, nº1, al. a, com referência ao art.374, nº2, ambos do CPP; 10.- O tribunal a quo não motivou a sua decisão, seja, não deu a conhecer as razões, racionais e objectivas, da decisão, sendo que o dever de fundamentação constitui um travão a uma apreciação caprichosa, arbitrária da prova; 11.- O tribunal apenas dará cumprimento à norma (que impõe o dever de fundamentação, seja, o nº 2 do Art. 374.º CPP) e tendo presente o disposto no artigo 205.º da CRP, ao identificar as provas que foram produzidas ou examinadas em audiência de julgamento e ao expor as razões, de forma objectiva e precisa porque é que determinadas provas serviram para alicerçar a convicção e por que é que outras não serviram, o que manifestamente não fez; 12.- As normas dos Art.s 205.º da CRP e 374.º n.º 2 do CPP só estarão cumpridas quando o tribunal, de acordo com a valoração efectuada, se pronuncia sobre todas as provas que foram produzidas ou examinadas em audiência, temos, pois, que ao realizar tal exercício, também por esta mesma via a Sentença/Despacho Final é nulo por falta de cumprimento do dever legal de motivação; 13.- O tribunal a quo, assenta a sua decisão no facto de BB ter chamado o OPC quando aquela alegadamente referiram que o ora recorrente havia circulado pelas imediações da sua casa, e sem que o próprio recorrente tivesse consigo estabelecido contacto; 14.- Do teor do “auto de noticia/participação sem queixa” elaborado pela GNR (datado de 05.06.2022, com o número mecanográfico .../...52 do OPC em questão, mormente, GNR do Posto Territorial de Mirandela, e cuja certidão consta do processo de Licença de Saída Jurisdicional (Apenso AD) sob a refª 1010273 datada de 12.07.2022) e que deu origem ao apenso de incumprimento, não resultam identificadas quaisquer pessoas que alegadamente tenham visto o ora recorrente, nem tão pouco no mesmo são identificadas pessoas que tenham falado com o ora recorrente, nem tão pouco BB ali identifica quem lhe disse o que seja; 15.- BB não teve qualquer contacto (físico ou sem ser físico) com o ora recorrente, nem tão pouco qualquer dos alegados populares não identificados pelo OPC no auto de noticia em causa; 16.- BB refere que foram populares que a avisaram, sem contudo referir quem e quais as concretas expressões utilizadas, pelo que é de todo impossível identificar a testemunha-fonte; 17.- Não foram identificados, nem por BB nem pelos Senhores Militares do OPC, quaisquer dos alegados populares, cujas alegadas afirmações de terem visualizado o ora recorrente naquelas alegadas circunstâncias de tempo e lugar; 18.- Os militares da GNR, tal como discorre do auto de noticia, não visualizaram de forma directa o ora recorrente; 19.- O que se reduziu a escrito no auto de noticia/participação sem queixa traduz um verdadeiro depoimento indirecto pois que não se identifica a fonte da razão de ciência, pelo que constitui forma proibida de prova – nos termos do Art. 129.º CPP e Art. 32.º nº 5 da CRP; 20.- Neste sentido, vide, Acórdão da Relação do Porto, datado de 15.12.2021, no âmbito do processo 67/19...., onde se decidiu: I - No âmbito do testemunho indireto, “a testemunha refere meios de prova, aquilo de que se apercebeu foi de outros meios de prova relativos aos factos, mas não imediatamente dos próprios factos”(…) “é o vulgarmente designado testemunho de ouvir dizer”. O Prof. Costa Pinto nos elucida no sentido de que “O depoimento indireto consiste na revelação processual de factos que não foram objeto do conhecimento direto da testemunha que os descreve, tendo antes origem numa informação que lhe foi transmitida por outra pessoa”. Assim, a regra é que o testemunho indireto só serve para indicar outro meio de prova direto. Mas o artº 129.º do CPP permite que o depoimento indireto seja prestado, embora condicione a possibilidade da sua utilização processual subsequente. Desde logo, a testemunha de ouvir-dizer terá de identificar a “testemunha-fonte”, ou seja, a fonte material de onde provém o conhecimento dos factos. No caso de a testemunha de ouvir-dizer não estar em condições de indicar a pessoa ou a fonte através das quais tomou conhecimento dos factos ou se recusar a fazê-lo, o n.º 3 do artº. 129.º impede que o seu depoimento sirva como meio de prova. II - A obrigação de indicar a fonte tem como finalidade dissuadir relatos que não possam ser confirmados na fonte em resultado da testemunha de ouvir-dizer ser incapaz de identificar ou individualizar aquela fonte ou por não pretender identificá-la. Um conhecimento desta natureza não tem consistência para servir de prova em processo penal pois a recusa ou impossibilidade de identificação da fonte de informação afetam não apenas a possibilidade de provar o facto probando, mas também a própria credibilidade da testemunha e a possibilidade de contraditório sobre o facto em causa. III - Fora dos casos excepcionais em que a inquirição da fonte não seja possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada (parte final do nº 1 do artº 129º), a admissibilidade do depoimento indireto está dependente do poder-dever de o tribunal chamar a depor a testemunha fonte. Nesse caso, chamando o juiz a fonte a depor, o depoimento indireto pode ser valorado, uma vez que se torna possível o exercício do contraditória na audiência de julgamento, através do interrogatório e do contra-interrogatório, quer da testemunha de ouvir dizer, quer da testemunha fonte, assim se assegurando o respeito pela estrutura acusatória do processo criminal, imposto pelo art. 32º nº 5 da CRP. 21.- A sentença/despacho final por alicerçar as suas conclusões em narração vertida em auto de noticia/participação sem queixa, sem que nesta tenha sido indicada a respectiva ou respctivas testemunhas fonte encontra-se inquinada de nulidade, nos termos do Art. 129.º do CPP e Art. 2.º da CRP, porquanto fez uso de prova proibida; 22.- A sentença/despacho final decide em sentido inverso ao da prova carreada nos autos, mormente, no caso em que é dado como assente que “A BB, face aos antecedentes do recluso, ficou com receio que o mesmo atentasse contra a sua vida ou integridade física, razão pela qual deu conta do sucedido ao OPC territorial.” quando na verdade resulta, do “auto de noticia/participação sem queixa” em sentido clamorosa e vitreamente contrário, o seguinte “Questionada a denunciante se pretendia recorrer ao apoio familiar de algum parente para pernoitar, esta disse não pretender, não temendo esta qualquer atitude por parte do suspeito, pois que se sentia segura no interior da sua residência.”: 23.- O tribunal formou a sua convicção sem atentar na única prova documental, seja no “auto de noticia/participação sem queixa”, pelo que a sentença, também por esta via, é nula por violação do disposto nos art.ºs 374º nº 2 e 379º, nº 1, al. a), do CPP; 24.- Atente a prova nos autos, deveria ter sido dado como provado o seguinte: BB, mesmo face aos antecedentes do recluso, não ficou com qualquer receio que o mesmo atentasse contra a sua vida ou integridade física, razão pela qual até recusou apoio familiar para pernoitar; 25.- Não existindo prova directa nos autos, uma vez que BB não teve qualquer tipo de contacto com o ora recorrente, e não identifica os alegados populares que alegadamente lhe havia dito que o ora recorrente havia sido visto na Rua ... (nas imediações de sua residência) em ..., naquelas circunstâncias de tempo e de lugar, nem tão pouco os militares da GNR identificaram os populares que alegadamente teriam visualizado o recorrente, e, tendo este - o ora recorrente - negado que tenha deslocado àquela localidade, encontra-se pois violado o principio do in dúbio pro reo; 26.- Dos autos não resulta qualquer prova de que o recorrente tenha estado na Rua ... (nas imediações da residência de BB) em ...; 27.- Quanto às vozes anónimas reduzidas a escrito no auto de noticia/participação sem queixa damos por reproduzido na íntegra já o supra alegado, seja, tratando-se de depoimento indirecto e não se identificando em momento algum a testemunha-fonte (e sendo a recolha de informação, efectuada pelos Militares do OPC, actual e contemporânea, existia a possibilidade de identificar tais testemunhas) não pode ser levado em linha de conta como prova o vertido no auto de noticia no que a esta parte respeita, em obediência ao preceituado no Art. 129.º do CPP e Art. 32.º nº 5 da CRP; 28.- A interpretação normativa que o TEP realizou do Art. 194.º do CEP no sentido de que para aferição dos requisitos aí enunciados possam ser valoradas supostas declarações indirectas (proibidas nos termos do Art. 129.º CPP), alegadamente prestadas por pessoas não identificadas nem pela queixosa, nem pelo OPC no auto de noticia, e, tendo o arguido negado a prática de tais actos, é inconstitucional por violação do art. 2.º CRP (dignidade da pessoa humana) direito a um processo equitativo e justo - art. 20.º nºs 1 e 4 da CRP - garantias de defesa - art. 32.º nº 1 da CRP, manutenção da titularidade dos direitos fundamentais dos presos- art. 30.º nº 5 da CRP, violação do dever de fundamentação - art. 205.º CRP e do principio da igualdade - art. 13.º CRP, violação do princípio da legalidade.
Conclui pugnando pela procedência do pedido.
O recurso foi admitido por despacho proferido nos autos em 26/03/2023.
Em primeira instância o MP veio responder ao recurso sufragando a posição assumida no despacho recorrido que teve apoio nos elementos documentais constantes dos autos e do processo principal.
Entende que resulta do teor do auto de notícia junto aos autos, conjugado com as declarações do recorrente prestadas perante o Tribunal recorrido, designadamente, quanto às características do seu veículo automóvel, data da sua compra e subsequente registo, não restarem dúvidas de que os factos narrados naquele auto correspondem à verdade, não se vislumbrando da decisão recorrida a existência dos vícios apontados pelo recorrente.
Salienta que a decisão recorrida é um mero despacho sujeito a exigências de fundamentação nos termos previstos no art. 146 nº1 do CEP e 205 da CRP.
Porém, e ainda que a decisão recorrida não tivesse sido fundamentada estaríamos perante uma mera irregularidade a ser arguida pelos interessados nos termos previstos no art. 123 do CPP, atento o princípio da tipicidade. - artigos 119 e 120 do CPP.
Entende que deve improceder a arguida nulidade por falta de fundamentação e que o despacho recorrido procedeu a uma correta apreciação da verificação dos pressupostos para a revogação da licença de saída jurisdicional, não resultando dela qualquer violação do disposto no art. 129 do CPP.
Nesta Relação a Srª Procuradora-geral-adjunta concorda com a resposta do MP no sentido de que não assiste razão ao recorrente.
Salienta que o despacho recorrido não altera o estatuto processual do arguido recluso, não põe fim ao processo, e é tramitado como incidente, não ponderando mérito, mas apenas apreciando do cumprimento/incumprimento das injunções indicadas.
Na situação em apreço, o recluso mantém-se como antes, tratando-se de uma decisão quanto ao andamento e forma de cumprimento da pena, apenas.
Poderia apenas o recorrente invocar irregularidades nos termos previstos nos artigos 118 e 123, o que não fez.
Emite parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumprido o disposto no art. 417 nº2 do CPP não foi apresentada resposta ao parecer.
2 – Fundamentação
A - Circunstâncias com interesse para a decisão a proferir:
Pelo seu interesse passamos a transcrever integralmente o despacho recorrido: «DECISÃO (INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO DE LSJ –ART. 194.ºSSCEP) Quando cumpria no EP ... a pena única, resultante de cúmulo jurídico, de 25A (vinte e cinco anos) de prisão à ordem do NUIPC 98/99.... Juiz 1 do Juízo Central Cível e Criminal de Bragança – TJComarcaBragança, pela prática de • 1cr. homicídio qualificado –132.º/1/2d)h)i)CP – 20A (vinte anos) • 1cr. homicídio qualificado –132.º/1/2d)h)i)CP – 20A (vinte anos) • 1cr. homicídio qualificado, forma tentada –132.º/1/2d)h)i)CP – 12A (doze anos) • 1cr. homicídio qualificado, forma tentada –132.º/1/2d)h)i)CP – 12A (doze anos) • 1cr. homicídio qualificado, forma tentada –132.º/1/2d)h)i)CP – 12A (doze anos) • 1cr. homicídio qualificado, forma tentada –132.º/1/2d)h)i)CP – 12A (doze anos) • 1cr. homicídio qualificado, forma tentada –132.º/1/2d)h)i)CP – 12A (doze anos) • 1cr. dano com violência – 213.º/2a)CP – 6A (seis anos) • 1cr. explosão – 272.º/1b)CP – 7A (sete anos) • 1cr. detenção de arma fora das condições legais – 6.º-L22/97-27junho – 1A (um ano) - (com termo para 26novembro 2032), - tendo já cumprido integralmente a pena única, resultante de cúmulo jurídico, de 8A (oito anos) de prisão à ordem do NUIPC 2392/11.... Juiz 1 do Juízo Central Cível e Criminal de Bragança – TJComarcaBragança, - pela prática de • 1cr. homicídio qualificado, forma tentada –132.º/1/2b)i)CP – 7A6M (sete anos e seis meses) • 1cr. ofensa à integridade física qualificada –145.º/1b)CP – 1A3M (um ano e três meses) - (terminada a 11janeiro2022) ao recluso AA, melhor identificado nos autos, foi concedida [apenso AD, em sede de Conselho Técnico (CT) de 20maio2022] licença de saída jurisdicional (LSJ).
Face a incumprimento foi instaurado o presente incidente de incumprimento de LSJ. O processo foi convenientemente instruído, com audição presencial do recluso no EP de afectação. O Ministério Público alegou, pugnando pela revogação da licença de saída jurisdicional concedida. Notificado, em sede de contraditório legal, para requerer o que tivesse por conveniente e alegar, o recluso pronunciou-se em sentido oposto, pugnando pelo arquivamento do incidente em apreço. Não existem nulidade ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa. Cumpre apreciar e decidir, nada obstando. Com base nos elementos documentais constantes deste apenso e, também, do processo principal, dão-se como assentes os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir: Quando se encontrava afecto ao Estabelecimento Prisional ... no cumprimento da pena única de 25A (vinte e cinco anos) de prisão à ordem do NUIPC 98/99.... Juiz 1 do Juízo Central Cível e Criminal de Bragança – TJComarcaBragança, por decisão proferida em 20maio2022, o recluso AA beneficiou de uma LSJ, a cumprir em 7 , entre 21maio2022 e 21setembro2022, sendo que a mesma se efectivou e decorreu entre as 7.30h (sete horas e trinta minutos) do dia 31maio2022 e as 18.30h (dezoito horas e trinta minutos) do dia 7junho2022. Nessa decisão foram fixadas as seguintes condições: A. Regressar/ser conduzido a este Estabelecimento Prisional ... até ao termo do prazo determinado (dia e hora fixados); B. Residir, durante o período de licença, na morada por si mencionada no requerimento ou naquela que for indicada pela Equipa de Reinserção Social da DGRSP, a constar do mandado a emitir; C. Não consumir substâncias estupefacientes, nem efectuar consumos excessivos de bebidas alcoólicas; D. Não frequentar zonas ou locais conotados com actividades delituosas, nem acompanhar pessoas conotadas com a prática de tais actividades; E. Manter conduta social regular, com observância dos padrões normativos vigentes; F. Observar as regras decorrentes das declarações de Situação de Alerta, ou Calamidade, ou Contingência, ou de Estado de Emergência, ou Sítio; G. Cumpri as regras de quarentena, uma vez regressado da LSJ. O recluso saiu daquele Estabelecimento Prisional ... no dia 31maio2022, pelas 7.30h, para gozo da firmada LSJ. O recluso regressou ao Estabelecimento Prisional ... no termo da LSJ – 7junho2022, pelas 18.30h. O recluso aquando do pedido de LSJ indicou como morada de fruição a residência sita na Rua ... .... Do mandado emitido constava autorização para se deslocar, e aí fruir a LSJ, à dita morada da Rua ... ..., morada esta que era a que o recluso partilhava com a sua mais recente companheira, recentemente falecida com relação à data de fruição da LSJ. Ao recluso foi entregue cópia da decisão e do mandado. O recluso, no decurso da fruição da LSJ, por diversas vezes (pelo menos em 3junho2022, 4junho2022 e 5junho2022) deslocou-se, em viatura Opel, cor preta, da sua propriedade, às imediações da casa da sua ex-mulher (BB), sita na Rua ..., ..., sem que, contudo, tenha estabelecido contacto com a mesma. A BB é vítima no NUIPC 2392/11.... Juiz 1 do Juízo Central Cível e Criminal de Bragança – TJComarcaBragança. A BB, face aos antecedentes do recluso, ficou com receio que o mesmo atentasse contra a sua vida ou integridade física, razão pela qual deu conta do sucedido ao OPC territorial. Ouvido, em sede de incidente de incumprimento de LSJ, o recluso nega os factos imputados. Cumpre, agora, aplicar o Direito. Nos termos do art. 85.º/1CEP “Se, durante a licença de saída, o recluso deixar de cumprir injustificadamente qualquer das condições impostas, pode a entidade que a concedeu fazer-lhe solene advertência, determinar a impossibilidade de apresentação de novo pedido durante seis meses ou revogar a licença de saída”. Verifica-se que o recluso no decurso das LSJ concedida levou a cabo um comportamento que é desviante das obrigações impostas. De facto, deslocou-se às cercanias da residência duma das vítimas dos seus plurais crimes – em concreto do mais recente e em relação ao qual terminou cumprimento de pena há parcos meses – sendo que o fez parco tempo após o decesso da mais recente companheira, gerando incómodo e receio àquela, ao mais não seja pelo recordar e inerente receio de repetição de actos homótropos, conhecedora que a mesma é da personalidade peculiar do recluso. Tal actuação do recluso, pela intenção de inerência – ao menos pela desnecessidade de uma LSJ a fruir em ..., de forma reiterada (pelo menos por 3 vezes), determinar deslocações a ... (que dista cerca de 60km, implicando viagens de cerca de 1 hora em cada sentido), ... esta onde se não conhece outro relacionamento ao recluso que não o que teve com a dita BB, sendo que ali ocorreram os factos de reporte à condenação em causa – é apta a causar receio na pessoa da BB, quadro que não é estranho à percepção de que o recluso é capaz de fazer e avaliar quanto aos seus comportamentos, sendo que assim intencional e conscientemente actuou com o fito em causa. Tal, de forma indubitável, é violador da imposição e) fixada na decisão e constante do mandado, o que o recluso bem compreendeu, por elementarmente se traduzir num comportamento atentatório da regular manutenção de conduta social e dos padrões vigentes normativos: quem actua com o propósito de amedrontar terceiro, na forma específica e concreta com que o recluso o fez, atenta contra tais injunções. Entendemos que tal comportamento não deixa de ser em si mesmo grave, sem qualquer tempero de admissão, arrependimento e pedido de desculpa, como bem se infere do quanto alega o Ministério Público. O mesmo é dizer que no caso concreto os resultados e consequências que de tal actuação advieram não são de minorar pelo agir posterior do recluso, pelo que se mostra inaceitável o comportamento e a atitude do recluso, valorando-a em moldes que determinem a necessidade sancionatória. Com este comportamento (que de forma inusitada e mesmo perante as evidências, nega) sempre impede o recluso, desde logo e pelo menos, de fruir da ponderação e sucesso positivo da própria LSJ ao nível externo, por via da DGRSP bem como de qualquer comportamento a fiscalizar via OPC, como expressamente esses documentos apontam. Assim sendo, todo o actuar do recluso durante a LSJ é desviante e bem revelador da sua personalidade distanciada do cumprimento do bem agir. Como tal, apenas se pode dizer que toda a actuação do recluso é descabida. Não actuou, deste modo, o recluso de acordo com o próprio mérito que à LSJ o havia trazido. Entendeu assim não o fazer, antes prevaricando, pelo que há que concluir que o condenado violou, sem que nada o justifique, culposamente os referidos deveres, sendo que tinha conhecimento dessas obrigações, as quais lhe foram comunicadas aquando da entrega da guia de licença de saída jurisdicional. No confronto das provas obtidas, por recurso aos estatuídos processos lógicos, pôde o Tribunal obter a positividade da prova e afirmar a autoria dos factos por parte do recluso, desde logo pela operação da via temporal explanada, o que faz bem para além de qualquer dúvida. Tal situação de per si tem como corolário a aplicação de uma das seguintes situações: a) advertência; b) impossibilidade de apresentação de novo pedido de licença durante 6 meses; ou c) a revogação da licença concedida (art. 85.º/1CEP). No caso concreto temos por manifesta a insuficiência da solene advertência bem como da impossibilidade de apresentação de novo pedido durante seis meses. De facto, face à gravidade da conduta – no que não é alheia a carência absoluta de justificação - em conjugação apenas a sociedade aceita, e a lei permite, o que legitima a decisão, que se aplique a revogação da licença de saída jurisdicional concedida. Face ao exposto, e ao abrigo do preceituado nos art.s 79.º;85.º;195.º CEP, decido revogar a licença de saída jurisdicional, concedida em 20maio2022 ao recluso AA, com os demais sinais dos autos e, consequentemente, determino o desconto no cumprimento da pena que se encontrava a cumprir da totalidade do tempo que gozou de licença de saída jurisdicional (art. 85.º/4CEP), ou seja, desde 31maio2022 até 7junho2022. Mais se determina, em face do preceituado no art. 85.º/5CEP, que o recluso não poderá apresentar novo pedido de licença de saída jurisdicional antes de 7junho2023, salvaguardado o limite de termo de pena se o mesmo antes operar. Condeno AA no pagamento da taxa de justiça pelo máximo legal, nos termos do art. 153.º;154.ºCEP;513.º;514.º;524ºCPP e Tabela III de reporte ao art. 8.º/9 (processo especial, com ou sem oposição, consoante o caso), acrescida dos encargos previstos no art. 16.º, ambos RCP. Cumpra-se o disposto no artigo 195.º/3CEP. Transitada a presente decisão, junte ao processo de concessão de liberdade condicional cópia, abrindo vista ao Ministério Público, para os fins do preceituado nas disposições conjugadas dos art.s 85.º/4;141.ºj)195.º/4CEP. De momento nada mais a ordenar.»
No dia 5/06/2022 foi elaborado pelo Posto Territorial da GNR de Mirandela um auto de notícia participação sem queixa onde se dá conta que BB, ex-mulher do recorrente e vítima no processo 2392/11.... informou que o recorrente se encontrava a circular na localidade de ..., junto da residência daquela denunciante.
Mais consta do auto que populares presentes na esplanada de café local confirmaram que era o recorrente que por ali circulava apesar de não ter tido contacto físico com ninguém.
A patrulha da GNR acompanhou a denunciante à sua residência e verificou os acessos com vista a averiguar se alguém teria estado ali presente não tendo encontrado quaisquer indícios da presença ou de tentativa de entrar na habitação.
Também não se detetou qualquer indício de que que alguém tenha estado ou tentado entrar no interior da habitação.
Questionada a denunciante se pretendia a apoio de familiar ou parente para pernoitar, a mesma disse não pretender, não temendo qualquer atitude por parte do recorrente pois que se sentia segura no interior da sua residência.
A patrulha reforçou junto da denunciante todos os contactos da rede de emergência para uma eventual necessidade futura.
No referido auto de notícia acrescenta-se que o recorrente foi visto a circular na localidade de ... no dia 3/06/2022, durante a tarde e no dia 4/06/2022 pelas 00h00 e na data do auto entre as 19 e as 19h30m utilizando para o efeito um veículo ligeiro da marca Opel, modelo ..., de cor escura.
O recorrente tinha registado em seu nome um carro ligeiro da marca Opel modelo ..., de cor preta.
Porém, nas suas declarações prestadas em 21/10/2022 perante o Juiz do TEP, no âmbito do presente incidente de incumprimento de licença de saída jurisdicional, declarou que tinha um Opel ... de cor branca há cerca de um ano, tendo em conta a referida data.
Confrontado com a cor do carro que se encontra registado em seu nome desde 8/06/2022, nega ter dito que o carro era branco, assim como nega ter ido à localidade de ... durante a saída jurisdicional.
B- Fundamentação de direito
É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extraiu das respetivas motivações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
O recorrente suscita a questão da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação e da violação do princípio do in dubio pro reo por falta de prova para os factos declarados provados.
1. Da nulidade da decisão recorridapor falta de fundamentação
Aqui chegados verificamos que a decisão recorrida é um despacho que tem de ser fundamentado de facto e de direito, nos termos do disposto no art. 146 nº1 do CEPMPL, como decorrência do disposto no art.205 nº1 da CRP.
No entanto, e apesar de o CPP se aplicar em termos subsidiários, atento o art. 154 do CEPMPL, não se aplicam aos despachos proferidos pelo Juiz da Execução das Penas, os artigos 374 e 368 do CPP, como pretende o recorrente, já que tais preceitos são de aplicação apenas às sentenças penais e não aos despachos.
No caso concreto em análise, o incumprimento do dever de fundamentação acarretaria uma mera irregularidade, atento o princípio da legalidade previsto no art. 118 do CPP, já que não estamos perante uma nulidade das previstas nos artigos 119 e 120 do CPP.
A irregularidade não arguida nos termos previstos no art. 123 do CPP encontra-se sanada por via do decurso do tempo.
No entanto, e aqui chegados verifica-se que o despacho recorrido se encontra suficientemente fundamentado tendo por base o auto de notícia que foi elaborado pelos agentes da GNR do posto de Territorial de Mirandela em conjugação com as declarações do condenado prestadas em 21/10/2022 e o documento relativo ao registo da viatura automóvel em nome do recorrente.
Improcede, pelo exposto, a invocada nulidade por falta de fundamentação.
2. A questão da prova dos factos e da violação do princípio do in dubio pro reo
O recorrente invoca a falta de prova dos factos e a proibição de depoimentos indiretos com vista a desvalorizar o auto de notícia elaborado pelos agentes do Posto da GNR de Mirandela.
Porém, não se aplica ao caso o disposto no art. 129 do CPP, porquanto, estamos perante um auto de notícia que face à denúncia que foi feita, deu origem a alguma investigação por parte dos agentes da autoridade, os quais averiguaram e relataram o resultado das suas averiguações que aí foram consignadas de uma forma clara e precisa, que foi tida em conta pelo Tribunal, nada obstando à valoração desse elemento probatório.
Nas suas declarações prestadas no âmbito do presente incidente, o arguido negou ter-se deslocado a ..., - local onde reside uma das vítimas dos crimes por que foi condenado -, porém, este também referiu ser branca a cor do veículo automóvel que veio a ser registado em seu nome, e confrontado com a cor que constava do registo, afirmou que não tinha dito que era branco.
Tal atitude revela comprometimento e indica uma falta de verdade nas declarações, que se estende à deslocação a ....
Assim, e todos os elementos conjugados verifica-se que nada afeta a convicção formada pelo Tribunal recorrido no sentido de que o condenado se deslocou para local que dista cerca de 60 kms da residência indicada para a Licença de Saída Jurisdicional, e onde a mesma deveria ser fruída, desta forma violando que lhe foram fixadas para a LSJ ora em causa.
O recorrente encontrava-se em cumprimento de uma pena e foi autorizado nas condições especificadas a ausentar-se do EP, mas a sua situação não pode comparar-se a de uma pessoa que não tem restrições à liberdade, e por isso, não podia deslocar-se para além da zona que foi indicada como residência e que se situava em ....
Invoca também o recorrente a violação do princípio do in dubio pro reo.
Este princípio em termos processuais é uma regra de valoração da prova e corolário da presunção de inocência constitucionalmente consagrado no art. 32 nº2 da CRP.
O princípio do in dubio pro reo aplica-se sempre que o julgador tenha dúvidas quanto à responsabilidade criminal dos agentes, e impõe que se decida no sentido mais favorável àqueles; e deve ser aplicado sem qualquer restrição, não só nos elementos fundamentadores da incriminação, mas também na prova de quaisquer factos cuja fixação prévia seja condição indispensável de uma decisão suscetível de desfavorecer, objetivamente, os arguidos.
Ou seja, ocorre violação do referido princípio quando for manifesto que o julgador, perante uma dúvida relevante, decidiu contra o arguido, acolhendo a versão que o desfavorece ou quando, embora se não vislumbre que o tribunal tenha manifestado ou sentido dúvidas, da análise e apreciação objetiva da prova produzida, à luz das regras da experiência e das regras e princípios aplicáveis em matéria de direito probatório, resulte que as deveria ter tido...
No caso concreto, - e como supra já referimos na análise que fizemos da prova indicada para sustentar a decisão de facto -, a convicção do Sr. Juiz do TEP, formou-se sustentada em elementos de prova juntos aos autos, e ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova nos termos do art. 127 do CPP, nada indicando que no espírito do julgador tivessem surgido dúvidas ou que exista alguma circunstância que face às regras da experiência determinasse que as tivesse.
Não ocorre, pelo exposto, a alegada violação do princípio do in dubio pro reo, nem se vislumbra a violação de qualquer preceito constitucional.
3. Decisão:
Tudo visto e ponderado, acordam os juízes na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto por AA, e, em consequência confirmam a decisão de 13/01/2023, que lhe revogou a licença de saída jurisdicional concedida pela decisão de 20 de maio de 2022.
Fixo a taxa de justiça a cargo da recorrente em 3 Ucs, sem prejuízo do disposto no art. 4º nº1 al. j) do Regulamento das Custas Judiciais.