LIBERDADE CONDICIONAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Sumário

Na decisão sobre a concessão da liberdade condiciona, tem de se atender ao sentimento que toda a comunidade possui ao ser confrontada com a libertação do condenado e aos crimes que fizeram com estivesse em cumprimento de pena de prisão; e, no caso em apreço, esse sentimento seria de incompreensão perante a decisão de que, a um agente que matou o ex-marido, bastaria cumprir metade ou pouco mais da pena para poder inserir-se quase na totalidade no seio da mesma postergando uma parte significativa de execução de pena privativa de liberdade sem que haja uma situação excecional que o justifique.

Texto Integral

Proc. 288/15.2TXPRT-X.P1

Relator - Paulo Costa
Maria do Rosário Silva Martins
Eduarda Lobo




Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto


I. Relatório
Por decisão proferida no TEP foi apreciada e decidida a não concessão de liberdade condicional que a condenada AA cumpre.

Inconformada, a condenada interpôs recurso, considerando não ter sido efetuada correta aplicação dos critérios previstos no art. 61.º, n.ºs 2 e 3, do CPenal, pugnando, por isso, pela revogação da decisão proferida, com a consequente concessão de liberdade condicional.
Apresenta em abono da sua posição as seguintes conclusões (transcrição):

« – CONCLUSÕES –
DA MATÉRIA DE FACTO
I. Das declarações da recorrida, prestadas em audição no dia 06 de Outubro de 2022, do relatório da DGRSP (1) - ref.ª 5333866, de 07/09/2022 – e do relatório dos serviços do estabelecimento prisional (2) (vide ref.ª 1012899, de 26/07/2022), resulta o contrário do que consta na aliena o).
II. Pelo que deverá aquela alínea ser alterada para que nela conste que a condenada apresenta juízo crítico quanto aos comportamentos criminais por si perpetrados, reconhecendo a ilicitude dos mesmos e os danos provocados em vítimas e mostrando arrependimento.
DA MATÉRIA DE DIREITO
1 Onde consta que «Acresce referir que a condenada apresenta juízo crítico quanto aos comportamentos criminais por si perpetrados, reconhecendo a ilicitude dos mesmos e os danos provocados em vítimas.»
2 Que afirma que a recorrente «assume abertamente a prática do crime de tráfico, de roubo, referindo encontrar-se arrependida e envergonhada, o que nos parece verdadeiro»
III. Face às alterações à matéria de facto supra referidas, mas também por força dos factos dados como provados na douta sentença recorrida, impõe-se dar por verificado o disposto no n.º 2 do artigo 61º do CPP.
IV. Por um lado, a recorrente tem uma forte estrutura familiar e social de apoio; não tem, na comunidade, onde pretende residir qualquer sentimento de rejeição da sua presença; está consciente das consequências de qualquer recaída em ilícitos criminais e aceita cumprir quaisquer condições e planos que lhe sejam impostos, caso lhe seja concedida a liberdade condicional, à qual já deu consentimento.
V. Por outro lado a recorrente já verbalizou e demonstrou, em vários momentos o arrependimento pela prática do crime, a intenção de reparar as imas indirectas (os seus filhos e familiares) e a consciência do desvalor da sua conduta.
VI. Por outro lado ainda, a recorrente tem um percurso penitenciário quase sem mácula e um conjunto de saídas autorizadas sem quaisquer problemas a assinalar.
VII. Acresce que, pese embora o CRC ser extenso, por um lado conjunto de crimes que nada tem que ver com a apropriação legítima de bens alheios (tipo fundamental do crime de roubo) e, por outro lado, é possível verificar-se um paralelismo entre a prática dos crimes e a vida familiar da arguida, hoje inteiramente ultrapassado (vide factos E. alíneas d) a h) da matéria dada como provada na sentença)
VIII. Finalmente, haverá que dizer que, volvidos mais de 9 anos sobre a prática dos factos que integram o crime de roubo a que foi condenada e cumprida mais de metade da pena, no meio residencial a situação penal da condenada é conhecida, não inexistindo sentimentos de rejeição»
IX. O que, in casu, afasta qualquer possibilidade de desvalor da ideia da reafirmação da validade e vigência da norma penal violada com a prática de um qualquer crime e, em particular, do crime pelo qual a arguida foi condenada.
X. E mesmo que se diga que as exigências de prevenção geral nos levam a ponderar as exigências de prevenção geral por conta do sentimento de insegurança que crimes de índole violenta geram na sociedade, haverá que ser mais objectivo na análise, não claudicando perante sentimentos artificialmente criados, pela voragem da comunicação social.
XI. Bastará atentar nos relatórios anuais de segurança interna nacionais para perceber que o número de participações criminais ligados à criminalidade violenta e grave, em Portugal, diminuíram fortemente na última década (relatório anual de segurança interna de 2022)
XII. E ter-se-á aqui também que se dar crédito a quem, muito provável e tendencialmente se pretende afastar da prática de quaisquer crimes e manifesta a sua vontade de proceder à reparação junto da vítima, como é o caso da recorrente.
XIII. Dizendo de outro modo, parecem preenchidos os critérios do disposto no artigo 61.º n.º 1 alínea b do CP.
Termos em que se requer a Vossas Excelências que se dignem julgar procedente, por provado, o presente recurso e, em consequência reconhecer que a sentença recorrida viola o disposto no artigo 61.º 2 do CP e consequentemente:
a) Declarar provado que a condenada apresenta juízo crítico quanto aos comportamentos criminais por si perpetrados, reconhecendo a ilicitude dos mesmos e os danos provocados em vítimas e mostrando arrependimento.
b) Revogar a decisão, concedendo à recorrente a liberdade condicional, ainda que sujeita às condições referidas no relatório da DGRS.
COM O QUE SE FARÁ A ACOSTUMADA JUSTIÇA.»

*
O M.P. respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência do recurso, apresentando nesse sentido as seguintes conclusões (transcrição):

“CONCLUSÕES:
1.- o recurso versa a decisão judicial que não concedeu liberdade condicional à reclusa/recorrente, apreciada, em obediência ao disposto no artº 180º, do CEPMPL, por referência ao meio, ocorrido a 03/04/2021, do cumprimento da pena de 18 Anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado, na pessoa do seu ex-marido;
2.- do acórdão condenatório resulta que a reclusa sempre grande animosidade com o seu marido, quer durante o casamento, chegando a agredi-lo e ameaça-lo de morte, quer depois do divórcio, permitindo-se a, sem autorização do mesmo, entrar na respetiva habitação, bem como que, aquando da partilha de bens, a relação entre ambos se agravou, acabando, a condenada, por contratar, a troco de €150.000,00, os coarguidos para que o matassem;
3.- ouvida em declarações a afirmou ter vergonha, mas que foi sempre perseguida e maltratada pela vítima, mesmo depois do divórcio, levando muita “porrada”, acabando por ter pedido aos coarguidos “para irem lá e fazerem o que quisessem” que lhe dessem uma sova, mas não se importando que os mesmos tirassem a vida à vítima;
4.- pretende comprovar esta afirmação afirmando que, nas saídas ao exterior, toda a gente vai ter consigo e tiram fotografias (????);
5.- ainda que por renovação da instância, por referência ao meio do cumprimento da pena, são as exigências de prevenção geral que norteiam a decisão sobre a concessão da mesma, exigências de prevenção geral já não exigíveis quando apreciada a mesma nos dois terços do cumprimento, como decorre da al. a), do mesmo parágrafo, para o qual remente o seu nº 3;
6.- por todo o modus operandi da prática do crime delineado e concretizado conforme determinado pela reclusa, a defesa das exigências de prevenção geral assume proporções elevadíssimas;
7.- as exigências de tutela do ordenamento jurídico consubstanciam-se na reafirmação da validade e vigência da norma penal violada com a prática do crime, para que alcançado o objetivo de realização da prevenção geral;
8.- o crime praticado pela reclusa teve particular impacto na comunidade, meio pequeno, onde toda a família é bem conhecida e onde, particularmente, a vítima era acarinhada, sendo do conhecimento público, como melhor resulta da fundamentação da matéria de facto provada no acórdão condenatório, a conduta prepotente e agressiva como a reclusa/recorrente tratava a vítima, chegando esta a manifestar a amigos o receio que tinha de que aquela o matasse, e isto decorrente das ameaças, que nesse sentido a mesma lhe fazia;
9.- o impacto da conduta delituosa da reclusa na comunidade impede, por exigências da defesa da ordem jurídica e da paz social, na perspetiva da neutralização do efeito negativo do crime, a dissuasão e fortalecimento do seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, a concessão de liberdade condicional;
10.- a reclusa não é bem aceite na comunidade local onde reside a filha e onde praticou o crime, não obstante a efabulação que apresenta ao afirmar que, aquando das idas ao exterior, as pessoas a abordam e lhe pedem para consigo tirar fotografias, como se fosse uma heroína ou um exemplo de mártir;
11.- inexistem quaisquer circunstâncias de especial relevância, quanto à prevenção especial que permitam atenuar as exigências de prevenção geral suprarreferidas;
12.- a reclusa não manifesta a interiorização do desvalor do crime, chegando ao ponto de não o admitir na sua plenitude, como o evidencia ao afirma que apenas pediu aos coarguidos para irem dar uma sova à vítima, e se eles quisessem, o matassem, pois não se importaria com tal;
13.- não admite ter contratado aqueles precisamente com o propósito e determinação de que matassem o seu ex-marido, a troco de quantia monetária, não admite ter sido ela que sempre manteve relação conflituosa com a vítima, não só no decurso do casamento, mas mesmos depois do divórcio, que tinha ascendente sobre a mesma, e que, mesmo depois do fim do mesmo, foi quem manteve atitudes sempre persecutórias, chegando a entrar, sem qualquer autorização, na casa habitada por aquela;
14.- as exigências de prevenção especial, assentes na expectativa fundada de que a condenada, em liberdade, não tornará a delinquir, também não permitem, como decorre da falta de censura e interiorização do desvalor do crime, formular um juízo de prognose favorável quanto à vida futura em sociedade, no sentido de não voltar a delinquir;
15.- o Conselho Técnico foi unanimemente desfavorável à concessão de liberdade condicional à reclusa;
16.- bem andou a decisão a quo, ao não conceder liberdade condicional, pois não se verificam os necessários pressupostos decorrentes das exigências de prevenção geral, que não são atenuadas, antes pelo contrário, pelas exigências de prevenção especial, pelo que em nada violou o disposto no nº 2m do artº 61º, do Cód. Penal.
17.- o recurso não merece, pois, provimento.
Nos termos expostos e nos demais de direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida, assim de fazendo JUSTIÇA.”
*

Nesta Relação do Porto, o Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, sufragando o entendimento e considerações expendidas pelo Ministério Público junto do Tribunal recorrido na resposta ao recurso que apresentou.

A recorrente não respondeu.
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II. Apreciando e decidindo:
Questões a decidir no recurso
A única questão a decidir consiste em saber se se verificam no caso concreto os pressupostos de concessão à recorrente da liberdade condicional no âmbito da apreciação realizada com o cumprimento ainda não atingidos os 2/3 da pena de prisão.

Na decisão objeto do recurso foi dada como provada a seguinte factualidade (transcrição):
“I. Relatório
Corre termos o presente processo de liberdade condicional referente à reclusa AA, devidamente identificada nos autos, a qual cumpre a pena de 18 anos de prisão à ordem do Processo nº 244/10.7JAAVR da Comarca de Coimbra – Coimbra- JC Criminal – J2.
*
Foi realizada a instrução, com elaboração dos pertinentes relatórios e junção de CRC atualizado.
Reunido o Conselho Técnico, procedeu-se à audição da reclusa, a qual consentiu na aplicação da liberdade condicional.
Os elementos do Conselho Técnico emitiram parecer unânime desfavorável à concessão da liberdade condicional.
O Ministério Público teve vista do processo, emitindo igualmente parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional.
II. Factos com interesse para a decisão
Com relevo para a decisão a proferir, mostram-se assentes os seguintes factos:
A. No âmbito do processo da pena em execução – Processo nº 244/10.7JAAVR da Comarca de Coimbra – Coimbra - JC Criminal – J2, foi a reclusa condenada na pena de 18 anos de prisão, pela prática em 28.05.2010, como instigadora de um crime de homicídio qualificado.
B. A reclusa atingiu o meio da pena em 03.04.2021, os dois terços serão atingidos em 03.04.2024, os cinco sextos em 03.04.2027, estando o termo previsto para 03.04.2030.
C. A reclusa não tem averbada no seu Certificado do Registo Criminal qualquer outra condenação.
D. A reclusa:
a) Nasceu em .../.../1954.
Processo: 288/15.2TXPRT-C
b) Habilitada com o 1º ciclo, desenvolveu um trajecto profissional crescente e consistente como vendedora em feiras e mercados, essencialmente de flores e produtos hortícolas, tendo tido negócios na venda de enchido e carnes.
c) Em liberdade irá viver com a filha, durante o dia e irá dormir ao agregado familiar do irmão, constituído por este e pelo seu filho de sete anos.
d) Esta situação já ocorreu nas últimas licenças de saída, referindo a reclusa que o faz porque foi aconselhada.
e) As relações familiares com os filhos são apresentadas como coesas e pautadas pela entreajuda, manifestando a condenada forte vinculação aos familiares.
f) Ambos os agregados de inserção residem em moradia independente, situadas em zona residencial com características rurais.
g) A reclusa é conhecida na comunidade onde vive a filha e onde o processo judicial teve impacto negativo. No meio onde reside o irmão não é conhecida.
h) A reclusa beneficia de pensão de velhice, não sendo sua intenção deixar a vida profissional ativa que considera poder vir a retomar junto da filha.
i) Em meio prisional manteve comportamento globalmente adaptado ao normativo institucional, pese embora tenha sofrido duas repreensões escritas em 2012.
l) No EP concluiu o 2º e 3º ciclos e frequentou outros curso de formação. Trabalhou nas oficinas e atualmente na jardinagem.
m) Beneficiou de duas licenças de saída jurisdicional e duas licenças de saída de curta duração.
n) A reclusa não admite ainda totalmente a prática dos factos pelos quais foi condenada, continuando sem assumir de forma cabal a culpa pessoal e sem demonstrar genuína interiorização da gravidade do seu comportamento e empatia quando aos danos causados quer à vítima, quer aos familiares da mesma, verbalizando arrependimento essencialmente autocentrado nos custos da reclusão.
o) Ouvida, prestou as declarações que se encontram gravadas conforme auto de fls. 226, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
III. Motivação da matéria de facto
Para prova dos factos acima descritos o tribunal atendeu aos seguintes elementos constantes dos autos, analisados de forma objetiva, criteriosa e analisada à luz das regras da experiência, complementados pelos esclarecimentos prestados em sede de Conselho Técnico:
- Certidão do acórdão condenatório e liquidação da pena;
- Nota biográfica;
- Relatório dos serviços de educação;
- Certificado do Registo Criminal;
- Relatórios dos serviços de reinserção social;
- Declarações da reclusa de fls. 226 (gravadas).
*

IV. Fundamentação jurídica
O instituto da liberdade condicional, enquanto incidente de execução da pena de prisão que antecipa a libertação do condenado, visa eliminar ou, pelo menos, esbater, o efeito criminógeno da pena e consequente aumento das dificuldades dos condenados em regressarem, de forma integrada, ao seio da comunidade, terminado que seja o respetivo cumprimento (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, págs. 528 e 542).
Pode ler-se, a propósito, no ponto 9 do Preâmbulo do C. Penal (1982): «Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a liberdade condicional serve, na política do Código, um objetivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.».
Não estamos, assim, perante um instituto concebido como medida de clemência ou como mera compensação pela boa conduta prisional, mas antes, como um incentivo e auxílio ao condenado, uma vez colocado em meio livre, a não recair na prática de novos delitos, permitindo-lhe uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais.
Daí que, sejam razões de prevenção geral positiva e de prevenção especial de socialização que estão na base do instituto, em plena conformidade, aliás, com as finalidades das penas assinalados no art. 40º, nº 1, do Código Penal (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 528).
Estatui o art. 61º do Código Penal que:
1 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
5 - Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.
A concessão da liberdade condicional depende da verificação de pressupostos formais e substanciais.
São pressupostos de natureza formal de tal instituto os seguintes:
a) O consentimento do condenado (artigo 61º, nº 1, do Código Penal (CP);
b) O cumprimento de, pelo menos, seis meses da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61º, nº 2 e 63º, nº 2, do CP);
c) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61º, nºs 2, 3 e 4 e 63º, nº 2, do CP).
A liberdade condicional quando referida a 1/2 ou a 2/3 da pena (liberdade condicional facultativa) consiste num poder-dever do tribunal vinculado à verificação de todos os pressupostos formais e materiais estipulados na lei, sendo que estes últimos são em número diferente consoante estejamos perante o final do primeiro ou do segundo dos supra referidos períodos de execução da pena de prisão.
Por seu turno, são requisitos substanciais (ou materiais) da concessão da liberdade condicional (exceto na situação do n.º 4):
a) que, de forma consolidada, seja de esperar, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, tendo-se para tanto em atenção as circunstâncias do caso, a sua vida anterior, a respetiva personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão (que constituem índices de ressocialização a apurar no caso concreto); e
b) a compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social (exceto, também, na situação do n.º 3).
Ora, no que se reporta aos requisitos da liberdade condicional, é comummente aceite e lido que a alínea a) se reporta e assegura finalidades de prevenção especial, ao invés da alínea b) que antes visa finalidades de prevenção geral.
Como tal, dando o efetivo relevo ao fito de reinserção social por parte da liberdade condicional, vislumbrável através da condução de vida por parte do libertado condicional de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, haverá para tanto que no caso em análise, para efeitos da alínea a) – no propósito de prevenção especial inerente – atender-se, fundadamente, a tais dimensões subjetivas pelas seguintes vias:
1) circunstâncias do caso: tal análise deve ser concretizada na valoração concreta dos crimes cometidos e pelos quais operou condenação em pena de prisão, o que se deve fazer por via da apreciação da natureza dos crimes e das realidades normativas que deram azo à efetiva determinação concreta da pena, face ao art. 71.º CP e, por efeito inerente, à medida concreta da pena, assim se atendendo ao grau de ilicitude do facto, ao concreto modo de execução deste, bem como à gravidade das suas consequências e ao grau de violação dos deveres impostos ao agente; determinando a intensidade do dolo ou da negligência considerada; atendendo aos provados sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; acompanhando as condições pessoais do agente e a sua situação económica; atentando na conduta anterior ao facto e na posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; considerando a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta foi censurada através da aplicação da pena.
2) consideração da vida anterior: tal análise deve ser concretizada na valoração concreta do constante do CRC – simples existência, ou não, de antecedentes criminais.
3) personalidade do condenado: tal análise deve ser concretizada na valoração concreta, ainda que por via estatística, do passado criminal postulado nos existentes antecedentes criminais, elemento este que se pode revelar como fortemente indiciador de uma personalidade disforme ao direito e, como tal, não merecedora da liberdade condicional, tudo com o firme propósito de aquilatar e compreender se o determinado percurso criminoso do condenado se gerou em circunstâncias que o mesmo não controlou, ou não controlou inteiramente (a chamada culpa pela condução de vida).
4) evolução da personalidade do condenado durante a execução da pena de prisão: tal análise deve ser concretizada na valoração concreta, não só pelos comportamentos assumidos institucionalmente pelo condenado no seio prisional (a vulgar esfera interna psíquica do condenado), mas essencialmente por via dos padrões comportamentais firmados de modo duradouro e que indiciem um concreto e adequado processo evolutivo de preparação para a vida em meio livre, sempre temperados nos limites da liberdade condicional.
Por seu turno, para efeitos da alínea b) – no propósito de prevenção geral inerente – há que atender a tal dimensão subjetiva através do assegurar do funcionamento da sua vertente positiva, que a lei, outrossim, já prevê como uma das suas valências ao instituir que a mesma serve a defesa da sociedade (art. 42º, nº1 do Cód. Penal.
Por último, em termos de duração da liberdade condicional, fixa o nº5 do art. 61º do Cód. Penal, que esta tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.
*
No caso em apreço nos autos, está em causa a terceira apreciação de viabilidade/possibilidade de concessão de liberdade condicional, sendo que estamos ainda em fase posterior ao ½ de cumprimento da pena (os 2/3 só serão alcançados em 3/4/2024), em sede de renovação da instância.
Verificados que estão os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional, cumpre avaliar o preenchimento dos respetivos requisitos de natureza material, os quais,
dada a presente fase da execução da pena, são os estabelecidos no artigo 61º, nº2, alíneas a) e b), do Código Penal.
Em primeira linha, cumpre considerar que os crimes cometidos pela condenada, se revestem de exacerbada gravidade, resultando muito fortes as exigências de prevenção geral que operam no caso em análise.
Trata-se, neste âmbito, de preservar a ideia da reafirmação da validade e vigência da norma penal violada com a prática desse crime (v., a propósito do requisito da alínea b), do n.º 2, do artigo 61.º, do Código Penal, as Actas da Comissão de Revisão do Código Penal, ed. Rei dos Livros, 1993, p. 62), o que se mostra incompatível com a aplicação do regime da liberdade condicional nesta fase do cumprimento da pena de prisão, antes demandando acrescido período de prisão efectiva.
Recuperando o antigo, mas ainda plenamente actual, porque seminal, ensinamento de Cesare Beccaria, pode afirmar-se que é do interesse comum, não só que não se cometam delitos, mas que eles sejam tanto mais raros quanto maiores são os males que arrastam para a sociedade; devem, pois, ser mais fortes os obstáculos que afastam os homens dos delitos na medida em que eles são contrários ao bem público e na medida em que são estímulo para os delitos (in “Dos Delitos e das Penas”, 1766, tradução de José de Faria Costa, ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 1998, p. 72).
Tal como se entendeu no acórdão de 14.07.2010, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no âmbito do Recurso n.º 2318/10.5TXPRT-C.P1, processo n.º 2318/10.5TXPRT-C, cumpre que se tenha em consideração que, como se salienta no Ac. R. de Lisboa de 28/10/2009, Proc. nº 3394/06.TXLSB-3, em www.dgsi.pt, “em caso de conflito entre os vectores da prevenção geral e especial, o primado pertence à prevenção geral. No caso de se encontrar cumprida apenas metade da pena, a prevenção geral impõe-se como limite, impedindo a concessão de liberdade condicional quando, não obstante o prognóstico favorável sobre o comportamento futuro do condenado, ainda não estiverem satisfeitas as exigências mínimas de tutela do ordenamento jurídico”, sob pena de se fazer tábua rasa da tutela dos bens jurídicos, se banalizar a prática de crimes (incluindo os de gravidade significativa) e, no fundo, se defraudarem as expectativas da comunidade, criando nos seus membros forte sentimento de insegurança, potenciando a perda de confiança dos cidadãos no próprio Estado como principal regulador da paz social”, entendimento que se perfilha e que, dada a dimensão da pena e a gravidade do crime, se mantém integralmente nesta fase da pena.
Veja-se o que se refere no acórdão de 10.09.2014, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no quadro do Processo n.º 1330/12.4TXPRT-G.P1, “nos crimes contra a vida, a liberdade condicional gera sempre na comunidade um compreensível sentimento de incompatibilidade entre a liberdade condicional e a necessária defesa da paz e ordem social”.
Por outra parte, no acórdão do mesmo tribunal superior proferido em 16.05.2012 (Recurso n.º 2412/10.2TXPRT-H.P1), também em caso de crime grave contra as pessoas, considerou-se que as exigências de prevenção geral “não ficam satisfeitas pela circunstância de não se verificar rejeição social no meio em que a mesma [condenada] se insere, já que o que está em causa é ‘a suportabilidade comunitária do risco da libertação’, entendendo-se aqui a comunidade jurídica e não apenas o meio social restrito em que a arguida se encontra inserida”.
E na decisão sumária, também proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, em 03.07.2012 (Recurso n.º 1350/11.6TXPRT-D.P1), entendeu-se que o preenchimento do requisito da alínea b) do artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal, “não pode satisfazer-se com a mera diluição dos aspectos negativos da sua [do condenado] imagem e com a ausência de sinais de rejeição ao seu regresso no meio comunitário restrito a que pertence e a parte de cujos membros certamente terá laços senão familiares, pelo menos afectivos”.
No caso em apreço, entendemos que seria incompreensível para a comunidade e transmitiria um enfraquecimento da ordem jurídica, potenciador de novos delitos e não dissuasor da sua prática, a concessão da liberdade condicional cumprida, apenas, pouco mais de metade da pena.
É, pois, manifesto que continuam muito acentuadas as exigências de prevenção geral, a obstar de forma decisiva à libertação antecipada da condenada nesta fase da pena.
Noutra vertente, concretamente no que se prende com as circunstâncias do caso sub judice (artigo 61.º, n.º 2, al. a), do Código Penal), cumpre considerar que o desvalor objetivo dos factos subjacentes ao crime aparece como muito acentuado, manifestado, nomeadamente, no seu modo de execução e nas gravíssimas consequências que dos mesmos advieram.
Acresce que, emergem ainda necessidades de reinserção social no que respeita à interiorização do desvalor da conduta, sendo necessário o reforço da autocrítica, bastando para tal considerar que, pese embora o esforço notório da reclusa em apresentar um discurso mais adequado ao que julga que o interlocutor quer ouvir, foi nítido que se trata de um discurso debitado, sem qualquer genuinidade e, mesmo assim, a reclusa persiste em não admitir a totalidade da prática dos factos, quanto à sua intenção inicial de matar (mandou-os ir lá para lhe dar uma sova, mas se lhe tirassem a vida não se importava) apresentando agora um discurso de desculpabilização com alegados insultos e perseguição por parte da vítima.
Esta postura continua a revelar a total indiferença da reclusa face ao bem jurídico violado e a ausência de qualquer reflexão crítica sobre a gravidade do crime e dos danos causados.
A reclusa não demonstra qualquer arrependimento sincero, apenas o verbalizando por reporte aos danos causados que considera que a reclusão lhe causou.
Por último, pese embora mantenha um percurso prisional globalmente adaptado e investido a nível formativo e laboral e beneficiar de apoio familiar no exterior, o que lhe permitiu beneficiar de licenças de saída, mais uma vez revelou que aquilo que diz não corresponde àquilo que faz, pois, comunicou à DGRSP que passou as últimas licenças em casa do irmão e que era neste agregado que iria residir em liberdade condicional mas aquando da sua audição revelou que apenas alterou a sua residência formalmente, uma vez que nas licenças passava todo o dia em casa da filha e só ia dormir a casa do irmão e era isso que pretendia fazer em situação de liberdade condicional, uma vez que mantém intenção de trabalhar com a filha e de permanecer durante o dia em casa desta e não em casa do irmão.
Justifica esta discrepância com o aconselhamento que obteve.
Assim, também a situação de integração em meio livre se mostra instável e suscetível de nova avaliação, inclusive quanto à forma efectiva como decorreram as licenças de saída, porquanto pernoitar não é o mesmo que residir.

V. Decisão
Pelo exposto, tudo visto e ponderado, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, decide-se não conceder a liberdade condicional à condenada AA, pelo que, o cumprimento efetivo da pena de prisão se manterá.
Notifique a condenada, o IM/IDO e o Ministério Público.
Após trânsito em julgado, comunique à equipa de Reinserção Social da DGRSP e aos autos da condenação.
Consigno que para efeitos de renovação anual da instância se deve atender à data de 3 de Abril de 2024.
Deve a secção, em 3 de Janeiro de 2024 (Alarme Citius/Habilus), levar a cabo as solicitações de referência ao art. 173º do CEP (solicitar relatório aos serviços prisionais e aos serviços de reinserção social).
D.N.”
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Vejamos.
A recorrente pretende inverter a factualidade dada como provada relativamente ao sentimento de interiorização do desvalor do se comportamento.
Todavia o tribunal tem suporte para a conclusão a que chegou, o qual deriva não só da audição realizada junto da recluída e cuja imediação se lhe não pode retirar, importantíssima para se aquilatar da sinceridade dos sentimentos manifestados a propósito da questão, mas também tem suporte no relatório social para a concessão de liberdade condicional donde resulta que a condenada tem tido dificuldades em assumir a prática dos factos, centrando-se mais nas suas perdas pessoais decorrentes da privação da liberdade, não demonstrando de forma sincera e espontânea empatia para com a vitima, não tendo ainda sido capaz de ter tido uma conversa clara com alguns dos seus filhos sobre aquilo que fez ao pai deles.
A propósito relatório de liberdade condicional:



De todo modo, apresenta um discurso desculpabilizador para o seu comportamento, afirmando-se vítima de violência doméstica, quando dos elementos factuais dados como provados e confirmados até ao STJ, resulta que a recorrente tinha tudo menos um papel de vítima, ao ponto de cometer o crime de homicídio já estando ela há muito divorciada.
Portanto, nada há que alterar quanto à matéria fáctica.
Resulta dos factos provados no acórdão condenatório:
A reclusa manteve sempre grande animosidade com a vítima, seu marido, e isto durante após o casamento, tendo a relação tomado rumos de agressividade, chegando aquele de ter de receber tratamento médico, pelo menos em una ocasião ser vítima e a ser ameaçado pela reclusa de morte.
Já depois do divórcio e de deixarem, de facto, de viver na mesma habitação, a reclusa, que obteve a chave da casa da vítima, rondava a mesma e insultava quem pensava que com a mesma mantinha relação afetiva.
Aquando da altura das partilhas dos bens comuns do casal, e já volvidos 2 anos após o divórcio, as discussões da reclusa com a vítima agudizaram-se.
No seu local de venda ambulante a reclusa havia conhecido os demais coarguidos, estabelecendo, com os mesmos, relação de confiança, ao ponto de lhes propor que, a troco de €150.000,00, matassem a vítima, o que foi aceite, pelo que lhes forneceu os hábitos quotidianos da mesma e os encaminhou até à casa desta, para que ficassem cientes onde o mesmo morava. A vítima padecia de deficiência física.
A reclusa entregou, ainda antes do homicídio da vítima, €1.000,00 aos coarguidos, os quais levaram a cabo o homicídio da vítima, como “encomenda da” pela reclusa.
Posteriormente a reclusa entregou aos coarguidos, por diversas vezes, mais dinheiro, do inicialmente acordado para pagamento da morte da vítima.
A reclusa, quando ouvida em declarações, como melhor se comprova da gravação das mesmas, e perguntada quanto à prática do crime, afirmou ter vergonha do crime praticado, mas que a vítima sempre a perseguiu muito, a maltratou, mesmo depois do divórcio, tendo levado, da mesma, muita “porrada”, acabando por ter pedido aos coarguidos “para irem lá e fazerem o que quisessem” que lhe dessem uma sova, referindo-se à vítima, e dizendo-lhes não se importar que que o matassem.
Afirma que, presentemente, nas idas ao exterior, pelas LSJ’s concedidas, toda a gente vai ter consigo para a acarinhar e consigo tirarem fotografias (????).
Nos termos do disposto no artº 61º, nº 2, al. b), aplicável por a apreciação de concessão de liberdade condicional se reportar, ainda que por renovação da instância, ao meio do cumprimento da pena, são as exigências de prevenção geral, que norteiam a decisão sobre a mesma, já não exigíveis quando apreciada a mesma nos dois terços do cumprimento, como decorre da al. a), do mesmo parágrafo, para o qual remente o seu nº 3.
No caso em apreço, cumprindo a reclusa pena de 18 Anos de prisão na qual foi condenada pela prática do crime contra o bem jurídico mais reverenciado -a vida humana-, crime esse praticado na pessoa que era o pai dos seus filhos, que sabia sofrer de deficiência física e sobre o qual sempre exercera, quer ao longo do matrimónio quer terminado este, ascendência e controlo, crime este que premeditou ao longo de muito tempo, a defesa das exigências decorrentes da prevenção geral continua a assumir proporções elevadíssimas.
Dependendo, a concessão de liberdade, ao meio do cumprimento da pena, essencialmente de exigências de tutela do ordenamento jurídico, estas terão de se consubstanciar na reafirmação da validade e vigência da norma penal violada com a prática do crime, tendo esta reafirmação como objetivo a realização da prevenção geral, quer positiva, quer negativa (a pena como instrumento dissuasor da prática de crimes, através da intimidação dos outros perante o sofrimento que a pena inflige ao delinquente – prevenção geral negativa – quer para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela dos bens jurídicos, e, dessa forma, no ordenamento jurídico penal – prevenção geral positiva).
Como é compreensível, o crime praticado pela reclusa teve particular impacto na comunidade, meio pequeno, onde toda a família é bem conhecida e onde, particularmente, a vítima era acarinhada, sendo do conhecimento público, como melhor resulta da fundamentação da matéria de facto provada, o modo inadequado e mesmo agressivo como este era tratado pela reclusa, chegando mesmo a desabafar ter o receio que a mesma o matasse, pois eram essas ameaças que a mesma lhe fazia;
Sendo esse impacto muito negativo, as exigências da defesa da ordem jurídica e da paz social, na perspetiva da neutralização do efeito negativo do crime na comunidade, a dissuasão e fortalecimento do seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas impedem a antecipação para este momento da libertação de recusa.
São, precisamente, estas exigências que demandam acrescida reclusão, já que não é possível, nesta altura, formular juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade.
In casu impõe-se, vivamente, reafirmar a validade e eficácia da norma que tutela o bem jurídico violado, pois que o mesmo é o bem supremo, a vida humana.
A concessão de liberdade condicional, neste momento, afrontaria, necessariamente, as expetativas da sociedade na validade, vigência e reforço das normas violadas.
A reclusa, nas declarações prestadas, baralhando os esclarecimentos quanto ao local para onde irá viver, se libertada, afirma que pretendendo continuar o negócio com a filha, que reside no local onde o crime foi cometido, mas tanto pretender viver na casa desta, como na do seu irmão, esta noutra localidade, onde tem vindo a fazer nas saídas ao exterior que lhe foram já concedidas.
Optou, segundo disse, por esta solução porque lhe falaram “nos danos sociais e outras coisas assim, que não percebeu”.
Resumindo a reclusa não é bem aceite na sua comunidade local onde residia e onde o crime foi praticado, e onde a filha, em casa de quem, efetivamente, pretende viver, se libertada, não obstante a efabulação que apresenta em sentido contrário, chegando ao ponto de afirmar, como supra se referiu que as pessoas chegam a ir ter consigo para tirar fotografias, como se fosse uma heroína ou um exemplo de mártir.
Mais relevante, tendo em consideração o crime de sangue que realizou a comunidade no seu todo não aceitaria ainda a sua libertação.
Ademais, inexistem quaisquer circunstâncias de especial relevância, quanto à prevenção especial que permitam atenuar as exigências de prevenção geral suprarreferidas. Efetivamente, e como, igualmente, decorre das declarações prestadas pela reclusa, a mesma tão pouco manifesta uma interiorização do desvalor do crime, chegando ao ponto de não o admitir na sua plenitude, pois que afirma que falou com os coarguidos para irem dar uma sova à vítima, e se eles quisessem, que o matassem, pois não se importaria com tal.
Não admitiu ter contratado aqueles precisamente com o propósito e determinação de que matassem o seu ex-marido, a troco de quantia monetária, não admitiu ter sido ela que sempre manteve relação conflituosa com a vítima, não só no decurso do casamento, mas mesmos depois do divórcio, que tinha ascendente sobre a mesma, e que, mesmo depois de terminado aquele, foi ela quem manteve atitudes sempre persecutórias, chegando a entrar, sem qualquer autorização, na casa daquela.
As exigências de prevenção especial, assentes na expectativa fundada de que a condenada, em liberdade, não tornará a delinquir, também não permitem formular um juízo de prognose favorável quanto à vida futura em sociedade, no sentido de não voltar a delinquir.
Por tudo quanto deixamos dito, e também no seguimento do parecer então emitido, e, igualmente do resultado do Conselho Técnico, unanimemente desfavorável à concessão de liberdade condicional à reclusa, bem andou a decisão a quo, ao não a conceder, precisamente por não verificados os necessários pressupostos decorrentes das exigências de prevenção geral, que não são atenuadas, antes pelo contrário, pelas exigências de prevenção especial.
A concessão da liberdade condicional neste momento, e perante um crime de tão elevada gravidade, provocando grande alarme social e fortes exigências de prevenção e de consequências incomensuravelmente negativas, que pôs em causa a estrutura social e igualmente familiar, representaria uma profunda afronta das referidas finalidades de tutela jurídico-penal da norma violada.
“(…)a concessão da liberdade condicional a meio da pena é uma medida de favor, verdadeiramente excepcional, para a possibilidade de adequar a pena de prisão a casos em que, cumprido que seja esse meio da pena, haja um rol excepcional de factos de relevância positiva que indiciem, sem grande margem de dúvida, que o recluso já se mostra ressocializado a ponto de se impor um juízo de prognose positiva da sua conduta daí em diante e da aceitação comunitária de uma libertação, nessas precisas condições.”Acórdão: 30-05-2018, da Sr.ª Desembargadora MARIA DA GRAÇA SANTOS SILVA, in w ww.dgsi.pt.
Não obstante ser evidente que a recluída tem tido um comportamento positivo na cadeia, não é o facto de a reclusa ter ou não bom comportamento intramuros que permite estarem diminuídas as exigências de prevenção geral, e mesmo especial. O seu bom comportamento em reclusão é aquele que lhe é exigido, mas não deixa de ser ponderado.
Reafirmando, o que importa transparecer para a sociedade que, sem razões, manifestamente muito, muito excecionais que permitam outra solução, uma pena de prisão efetiva por homicídio qualificado, não pode ser reduzida, no seu cumprimento efetivo, para metade ou próximo disso.
Se tal ocorresse não só se estaria a premiar a condenada de crime grave, mas também a encorajar terceiros à prática do mesmo, pois a sua perceção seria a de que as consequências punitivas sempre seriam benevolentemente diminuídas.
Mas igualmente o Ac. do TRP, Sr. Desembargador José Carreto, de 21/09/2011, in www.dgsi.pt, deixa, inequivocamente esclarecida, a razão pela qual ao meio do cumprimento de uma pena tão elevada pelo crime em causa, não deverá ser concedida a liberdade condicional se inexistirem excecionais razões que permitam o afastamento das exigências decorrentes da prevenção geral.
(…)“preenchidas as razões de prevenção especial - (al.a): reinserção do condenado e prevenção da reincidência - não voltar a delinquir) e as razões de prevenção geral – (al. b): a pena já cumprida seja sentida pela Comunidade como já suficiente para a protecção dos bens jurídicos e para a reinserção do condenado (reforçando o sentimento prevalecente de que a norma violada mantém a sua validade), sendo tais requisitos de natureza cumulativa, demonstrativos do carácter excepcional da concessão da liberdade condicional, nesta fase” Cfr. Ac. R. P. de 20/1/2010 in www.dgsi.pt/jtrp Proc. 2997/09.6TXPRT-A.P1 Des. J. Gomes.
O que está em causa, antes dos 2/3 do cumprimento da pena, é a compatibilização da libertação com a defesa da ordem e paz social.
Ora, assim, reportando-se a decisão recorrida ao meio do cumprimento da pena é manifesto carecer a reclusa recorrente de qualquer razão ao pretender que a decisão tivesse apenas atendido ao pressuposto respeitante à prevenção especial.
Efetivamente, não é isso o que resulta do disposto no artº 61º, nº 2, al.s a) e b), do Cód. Penal, pois que do mesmo decorre que, ao meio do cumprimento da pena, dois são os requisitos necessários para que seja concedida a liberdade condicional.
Tem de se atender ao sentimento que toda a comunidade possui ao ser confrontada, no caso, com a libertação do condenado e aos crimes que fizeram com estivesse em cumprimento de pena; e, para nós, esse sentimento seria de incompreensão perante a decisão de que a uma agente que mandou matar o ex-marido que lhe tirou o direito de viver, bastaria cumprir metade ou pouco mais da pena para poder inserir-se quase na totalidade no seio da mesma postergando uma parte significativa de execução de pena privativa sem que haja uma situação excecional que o justifique.
É certo que, como em toda e qualquer situação em que se lide com metas numéricas, pode não resultar tão explícito que ao fim metade do cumprimento de uma pena esse caráter de defesa de paz social seja tão importante e depois ao fim de dois terços já não o seja mas tal é o que a lei determina, assumindo que ao fim de dois terços de cumprimento da pena de prisão o condenado é libertado se mostrar que vai conduzir a sua vida sem praticar crimes e de modo responsável; antes dos indicados dois terços, entendeu o legislador que a paz social ainda tinha de ser valorada.
O recurso não merece, pois, provimento.
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Decisão.
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente com o mínimo de taxa de justiça, sem prejuízo de se verificar o disposto no artigo 4.º, n.º 1, j), do R. C. P. – artigo 513.º, n.º 1, do C. P. P.

Deposite.

Notifique.


Sumário:
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Porto, 25 de outubro de 2023
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relator)
Paulo Costa
Maria do Rosário Martins
Eduarda Lobo