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REVELIA RELATIVA
JUNÇÃO DE PROCURAÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO DE NULIDADES
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
Sumário
I. Considerando a junção de procuração pelo réu estamos perante uma situação de revelia relativa, tal revelia não arreda o réu da lide e permite-lhe designadamente alegar de direito e defender-se com base neste. II. Porém, a possibilidade de alegação facultada ao réu nos termos e para os efeitos do nº 2 do art.º 567º do Código de Processo Civil não se destina a dar ao mesmo a possibilidade de alegar factos estranhos à lide trazida pelo Autor, mas apenas a possibilidade conferida ao réu de dar enforme jurídico a tal factualidade já considerada confessada e assente. III. Escudar-se o réu que não contestou na questão do “conhecimento oficioso” relativo a nulidades, quer as que advêm da aplicação da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (falta de informação), quer as nulidades previstas no Código Civil (alegados vicíos da vontade ou ausência de objecto do contrato), é olvidar que sempre o ónus de alegação dos factos correspondentes compete à parte, corolário do princípio do dispositivo e igualmente da preclusão. (Sumário elaborado pela relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório:
O…– SUCURSAL EM PORTUGAL, com sede em … Algés, propõe a presente acção declarativa de condenação contra N… NA QUALIDADE DE HERDEIRO DE E… E DE A… (Na petição inicial, a autora intentou a ação contra Herança Jacente aberta por óbito de E… e A… e herdeiros incertos. Ao abrigo da colaboração, o tribunal efectuou diligência com vista identificar da identidade dos herdeiros, tendo-se concluído que a herança já não está jacente, existindo um herdeiro conhecido, tendo-se ordenado, por despacho de 07-07-2022, a rectificação do nome do réu para N… na qualidade de herdeiro de E… e de A…) pedindo a condenação a pagar o montante de 13.286,63€ (treze mil, duzentos e oitenta e seis euros e sessenta e três cêntimos), acrescido de juros vincendos à taxa contratual e de penalização, até efectivo e integral pagamento, acrescido de custas e demais legal, de acordo com a proporção da quota que lhe tenha cabido na herança.
Alega para o efeito que é uma sociedade cujo objecto é a actividade bancária e que, por acordo de 18/10/2016, celebrou com E… e A… um acordo denominado Crédito Pessoal O…a que foi dado o número 101920805, mediante o qual lhes disponibilizou na conta bancária o montante de 10.000,00 euros, tendo ficado acordado que o reembolso seria feito em 108 prestações mensais, sendo a primeira de 319,71 euros e as restantes de 169,61 euros, sendo o empréstimo remunerado à taxa de 11,99% (TAN) e 13,90% (TAEG). Contudo, a 30/11/2020 e 13/07/2021 os mutuários faleceram pelo que, de acordo com as condições contratuais, o contrato cessou, podendo a mutuante exigir a totalidade do crédito que, à data do óbito ascende a 7.478,14 euros.
Alega ainda que, a 27/10/2012, celebrou com E… e A… um contrato de cartão de crédito O… a que foi dado o número 100401244 o qual possibilita aos seus titulares a aquisição, como meio de pagamento, de bens e/ou serviços nos Hipermercados A… e demais estabelecimentos aderentes à rede O…. Com o supracitado cartão, o mutuário efectuou compras, as quais foram objecto de menção expressa nos extractos de conta do cartão “O…” enviados mensalmente para a morada contratual, sendo os pagamentos efectuados através de Sistema de Débito Directo por transferência bancária da conta do titular/mutuário para a conta do A. ou por Multibanco, ao dia 5 de cada mês, ou no dia útil seguinte. Alega que os mutuários efectuaram compras as quais foram objecto de menção expressa nos extractos de conta do cartão O… e, simultaneamente, foram efectuados pela mutuária pedidos de financiamento / reserva financeira: 28/10/2020 30/10/2020 financiamento reserva financeira 50,00; 03/08/2020 05/08/2020 financiamento reserva financeira 300,00; 25/05/2020 27/05/2020 financiamento reserva financeira 300,00; 22/04/2020 24/04/2020 financiamento reserva financeira 250,00; 19/03/2020 21/03/2020 financiamento reserva financeira 200,00; 26/02/2020 28/02/2020 financiamento reserva financeira 232,34; 09/12/2019 11/12/2019 financiamento reserva financeira 200,00; 22/08/2019 24/08/2019 financiamento reserva financeira 265,00; 24/06/2019 26/06/2019 financiamento reserva financeira 400,00; 16/04/2019 18/04/2019 financiamento reserva financeira 400,00; 22/02/2019 24/02/2019 financiamento reserva financeira 400,00; 16/01/2019 18/01/2019 financiamento reserva financeira 600,00; 13/11/2018 15/11/2018 financiamento reserva financeira 250,00; 09/08/2018 11/08/2018 financiamento reserva financeira 500,00; 26/06/2018 28/06/2018 financiamento reserva financeira 250,00. Invoca que, de acordo com a cláusulas do contrato, o falecimento dos mutuários teve como consequência a cessação do contrato e o direito de exigir de imediato a totalidade do crédito, acrescido da taxa de mora e eventuais encargos ou indemnizações devidas, o que ascende ao montante de 5.808,49 euros.
O réu herdeiro, regularmente citado, não apresentou contestação, mas juntou procuração forense.
Por despacho foram declarados confessados os factos articulados pela autora e notificadas as partes para alegarem.
Ambas as partes alegaram nos termos e para os efeitos do art.º 567º nº 2 do Código de Processo Civil.
Juntas as alegações das partes foi proferido o seguinte despacho: «O artigo 567.º do CPC dispõe o seguinte: 1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor. 2 - O processo é facultado para exame pelo prazo de 10 dias, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para alegarem por escrito, e em seguida é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito. 3 - Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado. No caso concreto, N… na qualidade de herdeiro de E… e de A…, veio juntar procuração forense a favor de advogada. Apesar disso, não contestou. Por não se verificarem as excepções do artigo 568.º do CPC, pelo que se julgaram confessados os factos alegados pela autora. As partes foram notificadas para alegar de direito, pelo que importa proferir sentença, julgando a causa conforme for de direito. Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado.».
De seguida foi proferida sentença que julgou a acção procedente, por provada, e em consequência, condenou N…, na qualidade de herdeiro de E… e de A…, a pagar à autora O…, Sucursal em Portugal a quantia de 13.286,63€ (treze mil, duzentos e oitenta e seis euros e sessenta e três cêntimos), a título de capital em dívida, acrescido de juros de mora à taxa civil a contar da data da citação (27-02-2023) até efectivo e integral pagamento, estando a sua responsabilidade pessoal limitada àquilo que recebeu da herança dos pais.
Inconformado veio o réu recorrer formulando as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso versa sobre a decisão constante da douta sentença de que se recorre, decisão essa que, salvo o devido respeito, não se concorda;
2. A sentença recorrida fez errada interpretação da matéria de facto provada nos autos e errada aplicação do regime aplicável ao caso em apreço, designadamente da falta de interpretação do disposto nos artigos os artigos 5.ª e 8º do Decreto-Lei nº 446/85 de 25/10, o Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02/06, designadamente, os artigos 14.º, n.º 1 e 15.º. n.º 1, respectivamente, e os artigos 282.º, 559.º-A e 1146.º, todos do Código Civil, preceitos que assim violou;
3. Veio o Tribunal a quo a justificar a sua decisão no sentido de que seria suficiente a falta de contestação do Recorrente, para considerar confessados todos os factos alegados na petição inicial, contudo não se pronunciou sobre as invocadas nulidades e que são de conhecimento oficioso;
4. Com efeito, o Recorrente foi notificado para apresentar as suas alegações, por escrito, o que fez;
5. Nas suas alegações, o Recorrente invocou vários factos que colocariam em causa a factualidade alegada pelo Autor na petição inicial e que este astutamente ignorou e ocultou na sua peça processual e, ainda, invocou a ilegalidade e nulidade dos contratos juntos aos autos;
6. O Recorrente nunca foi informado ou sequer conhecia quaisquer contratos celebrados entre o Autor e os seus pais.
7. As digitalizações juntas pelo Autor aos autos a que o mesmo apelidou de contratos, além de deterem páginas que não se encontram assinadas pelos pais do aqui Recorrente, detêm cláusulas que são totalmente ilegíveis.
8. Ora, dúvidas inexistem que estamos perante contratos de adesão, pré-escritos pelo Autor/Recorrido e cuja aceitação e cabal conhecimento deve ser provado,
9. O que não aconteceu no caso vertente, pois muitas das páginas nem sequer constam assinadas.
10. Tal falta de prova não foi tida em linha de conta pelo Tribunal a quo, o que não se aceita nem concede;
11. Sendo contratos de adesão, estão sujeitos ao regime das cláusulas contratuais gerais, aprovadas pelo DL 446/85, de 25/10, com as alterações que lhe foram introduzidas pelos DL 220/95, de 31/1 e 249/99, de 7/7;
12. O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais, tem o dever de informação e comunicação sobre o conteúdo de tais cláusulas, pois que só podem ser correctamente aceites pela outra parte se desta forem conhecidas, sob pena de ocorrerem vícios na formação da vontade, nomeadamente os aludidos nos artigos 246.º, 247.º e 251.º do Código Civil;
13. Quem as utiliza, deve, além de comunicar o respectivo conteúdo, informar o aderente do seu significado e das suas implicações, tendo em conta as especificidades de cada caso em concreto, sob pena de não se poder ter por cumprido tal dever, cabendo, o ónus da prova de que assim aconteceu ao proponente;
14. A cominação com que a lei sanciona tal ilegalidade é a de que tais cláusulas se consideram excluídas dos contratos celebrados, nos termos do disposto no artigo 8.º, al. a), do mesmo DL 446/85;
15. Ora, como é consabido, os contratos de mútuo são contratos que, nos termos do disposto no art.º 1142º do CC, só se efectivam com a entrega da coisa, ou seja, do dinheiro, entrega essa que o Autor não demonstrou;
16. Sendo o contrato de mútuo um contrato real quod constitutionem (vide definição constante do art.º 1142º do CC), isto é, um contrato que só se completa com a entrega da coisa, e não tendo havido qualquer entrega, então tal "contrato" é nulo por falta de objecto, nos termos do art.º 280º do CC.;
17. Não se encontrando também provada a entrega da coisa, o contrato é nulo, nulidade essa que foi requerida pelo Recorrente em sede de alegações escritas;
18. Os documentos que o Autor juntou como alegados extratos, são documentos por si elaborados, não juntou qualquer prova de envio dos mesmos aos pais do Recorrente, ou a este, o qual nunca os recebeu;
19. No saneamento, declarou o Tribunal a quo que (SIC) "… Inexistem exceções dilatórias ou nulidades processuais que cumpre conhecer e que impeçam o conhecimento do mérito da causa.", no entanto, o Tribunal tem de olhar para aqueles contratos e dizer se são ou não nulos por falta de forma, ilegalidades diversas, porque esta excepção é de conhecimento oficioso;
20. Não se aceita, esta posição do douto Tribunal a quo, pois que a nulidade decorre da lei, é de conhecimento oficioso e não tem prazo para ser declarada – como decorre do regime dos art.ºs 286.º e ss do CC;
21. A necessária consequência seria a exclusão das Cláusulas Contratuais Gerais (doravante CCG), imposta pelo art.º 8.º da LCCG, que resulta de uma inexistência jurídica, que é um vício até mais grave que a nulidade;
22. Sendo a nulidade de conhecimento oficioso (art.º 286.º do CC), também a inexistência o deve ser, razão pela qual se deve conhecer de tal questão, o que se requer seja finalmente feito em sede de recurso, ainda que o não tenha sido na 1.ª instância;
23. As cláusulas que dizem que os aderentes tiveram conhecimento e aceitaram as CCG (cláusulas confirmatórias ou de confirmação) têm, quando muito e observada que seja uma série de exigências, um valor de princípio de prova da comunicação dessas CCG, que teria de ser corroborado por outros meios de prova;
24. Não tendo sido comunicadas as CCG que constam do verso de um documento assinado no rosto, elas têm-se por excluídas do contrato, por força do art.º 8-a-d da LCCG;
25. Nestas circunstâncias, deverá ser o presente Tribunal de recurso a reparar o erro da sentença do tribunal “a quo”, já que o pode fazer.
Termos em que, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e a sentença ora recorrida ser revogada, com a necessária absolvição do Apelante.»
Nas suas contra alegações a recorrida pugna pela improcedência do recurso e conclui:
«I. Vem o Réu nos autos supra identificados interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
II. Como adiante se demonstrará, a sentença não merece qualquer reparo.
Senão vejamos,
III. O Réu vem alegar que: “A sentença recorrida fez errada interpretação da matéria de facto provada nos autos e errada aplicação do regime aplicável ao caso em apreço…”.
IV. Alegando, por sua vez, que: “Veio o Tribunal a quo a justificar a sua decisão no sentido de que seria suficiente a falta de contestação do Recorrente, para considerar confessados todos os factos alegados na petição inicial contudo,
Como é bom de ver, mal andou o douto Tribunal a proferir tal decisão, como infra se deixará exarado…”.
V. E, ainda, que: “…o Tribunal tem de olhar para aqueles contratos e dizer se são ou não nulos por falta de forma, ilegalidades diversas, porque esta exceção é de conhecimento oficioso, Ademais, tal excepção foi expressamente invocada pelo Recorrente”.
VI. Concluindo o Réu nas suas alegações: “Devendo, por isso, a presente ação ser julgada improcedente, revogando-se em consequência a douta sentença recorrida com a necessária absolvição do Recorrente do pedido”.
VII. Acontece, porém, que tais argumentos não poderão proceder.
Com efeito,
VIII. O Autor, ora Requerente, deu entrada de ação judicial contra o único e efectivo herdeiro da de cujus E…, nessa qualidade.
IX. Em 07/07/2022 foi proferido o seguinte despacho: “As diligências efectuadas pelo tribunal a pedido da autora permitiram identificar que a herança aberta de E… e A… já não está jacente, existindo um herdeiro conhecido.
Deste modo, o tribunal determina a rectificação da identificação do réu, ficando a constar do processo o seguinte: N… na qualidade de herdeiro de E… e de A…”.
X. Atento douto despacho, a Secretaria do Tribunal a quo encetou diligências de citação do Réu/Herdeiro.
XI. Sendo certo que, ainda antes de concluídas as referidas diligências, e por requerimento de 27/02/2023, a Il. Mandatária do Réu veio juntar aos autos Procuração Forense.
XII. Motivo pelo qual, em 16/05/2023, foi proferido o seguinte despacho (1ª parte): “N…, herdeiro de E… e de A… vem juntar procuração forense a favor da ilustre advogada Dr.ª A….
O artigo 189.º do CPC estabelece que Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.
Considera-se, assim, a falta de citação do réu sanada”.
XIII. Resulta do disposto no art.º 569º/1 do CPC que: “O réu pode contestar no prazo de 30 dias a contar da citação, começando o prazo a correr desde o termo da dilação, quando a esta houver lugar”.
XIV. Ora, regularmente citado, e dentro do prazo judicial para o efeito, o Réu/Herdeiro não veio deduzir Contestação.
XV. Consequentemente, consideram-se integralmente confessados os factos articulados pelo Autor – cfr. disposto no art.º 567º/1 do CPC: “Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor”.
XVI. Neste sentido, veja-se 2ª parte de douto despacho de 16/05/2023: “O réu constituiu mandatário nos autos mas não apresentou qualquer oposição. Sendo a revelia operante, consideram-se confessados os factos articulados pela autora susceptíveis de confissão (artigo 567.º, n.º 1, do CPC, na versão dada pela Lei 41/2013, de 26-06).
Faculte o processo aos ilustres advogados de autora e réu para alegarem por escrito, querendo, no prazo de 10 dias, abrindo-se posteriormente conclusão para sentença (artigo 567.º, n.º 2 do CPC)”.
XVII. As partes foram notificadas a 17/05/2023 para alegarem por escrito.
XVIII. A 01/06/2023 o Autor veio apresentar as suas alegações finais escritas.
XIX. A 02/06/2023 veio o Réu apresentar as suas alegações.
XX. Acontece que, o Réu procurou com o seu requerimento de 02/06/2023 contornar os prazos judiciais e os normativos legais. Tentando colmatar/contornar o facto de não ter deduzido, em tempo oportuno, contestação!
XXI. Conforme se poderá aferir da leitura do requerimento de 02/06/2023, o Réu não se limitou a apresentar as suas alegações finais procurando, antes, alegar matéria de excepção – o que lhe estava já vedado, atento o decurso do prazo judicial para contestar!
XXII. Aliás, tal intenção do Réu, é assumida expressamente nas suas alegações de recurso: “Ora, o recorrente foi notificado para apresentar as suas alegações, por escrito, o que este fez.
Nas suas alegações, o Recorrente invocou vários factos que colocariam em causa a factualidade alegada pelo Autor na petição inicial e que este astutamente ignorou e ocultou na sua peça processual e, ainda, O Recorrente invocou a ilegalidade e nulidade dos contratos juntos aos autos!”.
XXIII. Porquanto, bem andou o douto Tribunal a quo ao não considerar a matéria de excepção, incluída nas “alegações finais” do Réu!
O Tribunal não poderá tomar em consideração tal matéria, atento o princípio da preclusão da defesa.
XXIV. Conforme douta sentença de 10/07/2023, e previamente à prolação da mesma: “O artigo 567.º do CPC dispõe o seguinte: 1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor. 2 - O processo é facultado para exame pelo prazo de 10 dias, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para alegarem por escrito, e em seguida é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito.
3 - Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado.
No caso concreto, N… na qualidade de herdeiro de E… e de A…, veio juntar procuração forense a favor de advogada. Apesar disso, não contestou. Por não se verificarem as exceções do artigo 568.º do CPC, pelo que se julgaram confessados os factos alegados pela autora.
As partes foram notificadas para alegar de direito, pelo que importa proferir sentença, julgando a causa conforme for de direito.
Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado”.
XXV. Resulta, ainda, de douta sentença: “3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO FACTOS PROVADOS Nos termos dos artigos 567.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, mostram-se confessados os factos articulados pela autora, sumariados supra.
Nas alegações de direito, o réu vem impugnar factos alegados pela autora e vem invocar factos novos. Não pode o tribunal ter em consideração tal matéria, atento o princípio da preclusão da defesa, por não ter sido deduzido, em tempo oportuno, contestação”.
XXVI. Tendo, assim, decidido o Tribunal a quo: “(…) julga a presente ação procedente, por provada, e em consequência, condena N…, na qualidade de herdeiro de E… e de A…, a pagar…quantia de 13.286,63€ (treze mil, duzentos e oitenta e seis euros e sessenta e três cêntimos), a título de capital em dívida, acrescido de juros de mora à taxa civil a contar da data da citação (27-02-2023) até efectivo e integral pagamento, estando a sua responsabilidade pessoal limitada àquilo que recebeu da herança dos pais”.
XXVII. Assim, atento o princípio dispositivo que regula o processo civil, atenta a fundamentação de facto (confissão dos factos articulados pelo Autor) e atenta a fundamentação de Direito, é concludente que o Tribunal a quo não poderia ter decidido de forma diferente.
XXVIII. Não assistindo razão ao Réu!».
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
* Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto:
- O Tribunal poderia ter conhecido das nulidades invocadas em sede de alegações após terem sido declarados provados os factos alegados pelo Autor face à ausência de contestação.
*
II. Fundamentação:
O Tribunal recorrido considerou quanto à fundamentação que: «Nos termos dos artigos 567.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, mostram-se confessados os factos articulados pela autora, sumariados supra. Nas alegações de direito, o réu vem impugnar factos alegados pela autora e vem invocar factos novos. Não pode o tribunal ter em consideração tal matéria, atento o princípio da preclusão da defesa, por não ter sido deduzido, em tempo oportuno, contestação.».
Considerando os factos alegados na petição inicial e confessados nos termos sobreditos haverá que considerar os seguintes factos:
1. O A. tem por objecto a emissão e gestão de cartões de crédito, bem como a concessão de crédito, incluindo a prestação de serviços conexos.
2. No âmbito da sua actividade, lançou o contrato de crédito “Crédito Pessoal O…”, que prevê a concessão de crédito pessoal ao titular do contrato, no montante autorizado pelo O… e indicado nas Condições Particulares, podendo o mesmo utilizar livremente o montante concedido, de acordo com as Cláusulas das Condições Gerais do Crédito Pessoal O….
3. O montante de crédito concedido é transferido na sua totalidade para a conta bancária constante do mandato SEPA em vigor, indicado pelo seu titular, a pedido deste, por sua conta e benefício, conforme Condições Gerais do Crédito Pessoal O….
4. A 18/10/2016, o mutuário procedeu à subscrição do contrato “Crédito Pessoal O…”, ao qual foi atribuído o n.º 101920805, mediante o preenchimento e assinatura da proposta de adesão que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
5. Em virtude desse facto, aceitou sem reservas todas as Condições Gerais contidas na proposta de adesão, tendo ainda ficado com uma cópia integral do documento.
6. Para pagamento do débito efectuado em sede do presente contrato de crédito, foi preenchido o respectivo Mandato SEPA.
7. O montante autorizado de 10.000€ € foi transferido para a conta bancária do titular em 26/10/2016 e comunicado ao titular.
8. O montante concedido deveria ser reembolsado em 8 prestações, sendo que a primeira era no valor de 319,71 € e as restantes no valor de 169,61€, de acordo com as Condições Particulares do Contrato ora juntas.
9. As prestações mensais venciam-se no dia 5 de cada mês.
10. Os juros remuneratórios incidem sobre o montante de crédito concedido e em função do saldo de capital em dívida, à taxa de 11,99% (TAN) e 13,90% (TAEG) – cfr. Condições Gerais e Condições Particulares.
11. Os juros remuneratórios são calculados à data de cada fecho de extracto, que ocorre ao dia 20 de cada mês.
12. O titular do contrato fica constituído em mora caso não efectue o pagamento integral de qualquer prestação de capital e/ou juros na data do respectivo vencimento – cfr. Condições Gerais.
13. Em caso de falta de pagamento atempado de qualquer quantia devida pelo titular ao A., incide sobre as quantias em mora a taxa de juro remuneratória prevista no contrato uma sobretaxa anual de 3%, ao abrigo do disposto nas Condições Gerais.
14. Os extractos de conta corrente foram emitidos e disponibilizados ao titular do contrato de crédito, em data posterior ao fecho de extracto de conta corrente, que ocorre ao dia 20 de cada mês.
15. O extracto de conta corrente é o documento que integra todos os movimentos a crédito e a débito durante o período temporal abrangido, e não carece de assinatura do cliente, servindo, igualmente, de interpelação.
16. A 30/11/2020 e 13/07/2021 os mutuários faleceram, cfr. Certidão de óbito que ora se junta e cujo teor se considera integralmente reproduzido.
17. Com o óbito do mutuário, verificou-se a cessação do contrato sub judice.
18. Verificando-se a cessação do contrato, os valores em divida devem ser reembolsados ao O…, podendo o O… exigir de imediato a totalidade do crédito, acrescido da taxa de mora e eventuais encargos ou indemnizações devidas – conforme condições contratuais.
19. À data do óbito, o valor em divida ao A. ascendia ao montante de 7.478,14€ – cfr. extrato que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
20. O A. tem por objecto a emissão e gestão de cartões de crédito e concessão de crédito, incluindo a prestação de serviços conexos.
21. O A. e E… e A…, celebraram um Contrato de Crédito Cartão O... A...1, o qual possibilita aos seus titulares a aquisição, como meio de pagamento, de bens e/ou serviços nos Hipermercados A... e demais estabelecimentos aderentes à rede O....
22. O contrato com o n.º 100401244 foi celebrado em 27/10/2012, na Loja A… da Amadora, mediante o preenchimento e assinatura da proposta de adesão que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
23. Em virtude desse facto, o mutuário aceitou sem reservas todas as condições gerais de utilização contidas na proposta de adesão, tendo ainda ficado com uma cópia integral daquele documento.
24. Para pagamento das despesas efectuadas com o cartão de crédito “O… A…”, foi assinada a respectiva autorização de débito da sua conta bancária.
25. Aquando da concessão e emissão do cartão, com limite de crédito, foi atribuído à mutuária o respectivo número pessoal e secreto de identificação (PIN), de cuja digitação depende a realização de transações comerciais com o cartão “O… A…N”, bem como um Código O… Contacto, que servirá como meio de identificação nos contactos com o A., nomeadamente para a realização de operações telefónicas e automáticas, quando aplicável.
26. O mutuário recebeu o respectivo cartão de crédito.
27. Com o supracitado cartão, o mutuário efectuou compras, as quais foram objecto de menção expressa nos extractos de conta do cartão “O… A…” (anteriormente designado de “Cartão J…”) enviados mensalmente para a morada contratual.
28. As modalidades de pagamento eram escolhidas pelo mutuário, no acto de aquisição, nas caixas de pagamento das Lojas – cfr. Cláusula “Modalidades de Pagamento”.
29. O mutuário utilizou as várias modalidades de pagamento disponíveis no Cartão O… A….
30. Os pagamentos eram efectuados através de Sistema de Débito Directo (cfr. Autorização de Débito Directo assinada pelo mutuário), por transferência bancária da conta do titular/mutuário para a conta do A. ou por MB, ao dia 5 de cada mês, ou no dia útil seguinte, cfr. Condições gerais.
31. Mediante a assinatura do contrato sub judice, o mutuário aceitou ainda que o crédito utilizado vencesse juros à taxa nominal fixa e respetiva TAEG cfr. condições particulares e gerais.
32. Sendo que em caso de não pagamento atempado de qualquer quantia devida pelo mutuário ao A., sobre as importâncias em mora, e durante o tempo em que se verifique, incidirá a taxa de juro da operação acrescida de uma sobretaxa (atual) de 3%.
33. Acrescendo ainda despesas judiciais, e outras, que o A. incorra para ser ressarcido do seu crédito.
34. Para os cartões de crédito emitidos, e utilizados como meio de pagamento, existe apenas uma única conta corrente, onde são registadas todas as transações, pagamentos realizados e a realizar, encargos, prémios de seguro facultativos previstos ou a prever na proposta e custos de serviço.
35. Consequentemente, é emitido e enviado, mensalmente, ao titular do contrato um extracto dessa conta corrente, após o seu fecho que ocorre ao dia 20 de cada mês.
36. Sendo que o extrato constitui reconhecimento da dívida – cfr. condições gerais - uma vez que integra todos os movimentos a crédito/débito da conta do Cliente (compras, lojas, financiamentos, mensalidades, etc…), não carecendo de assinatura.
37. No caso com o supracitado cartão, o mutuário efectuou compras as quais foram objeto de menção expressa nos extratos de conta do cartão O… A…, sendo que o O..., enquanto instituição de crédito, não tem acesso aos bens/serviços adquiridos pelos seus clientes, apenas à informação que é espelhada nos extractos de conta corrente.
38. Simultaneamente, foram efectuados pela mutuária pedidos de financiamento / reserva financeira nos termos descritos no extracto e descritos na petição inicial no seu art.º 39º cujo teor se reproduz;
39. Com o óbito do mutuário, verificou-se a cessação do contrato sub judice.
40. Verificando-se a cessação do contrato, os valores em divida devem ser reembolsados ao O... BANK, podendo o O... exigir de imediato a totalidade do crédito, acrescido da taxa de mora e eventuais encargos ou indemnizações devidas – conforme condições contratuais.
41. O valor em divida ascendia ao montante de 5.808,49€ – cfr. extracto que cujo teor se considera integralmente reproduzido.
42. Autor diligenciou pela cobrança do seu crédito, procedendo ao envio de carta dirigida aos herdeiros para a morada contratual.
*
III. O Direito:
A questão essencial a decidir prende-se com a possibilidade que o apelante, réu na acção e que não contestou a mesma, possa arguir as nulidades dos contratos em sede de alegações, devendo o Tribunal conhecer das mesmas ao abrigo da possibilidade de conhecimento oficioso, com a consequente absolvição dos pedidos formulados nos autos.
Na sustentação da sua absolvição defende o apelante que a sentença recorrida fez errada interpretação da matéria de facto provada nos autos e errada aplicação do regime aplicável ao caso em apreço, designadamente da falta de interpretação do disposto nos artigos os artigos 5.ª e 8º do Decreto-Lei nº 446/85 de 25/10, o Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02/06, designadamente, os artigos 14.º, n.º 1 e 15.º. n.º 1, respectivamente, e os artigos 282.º, 559.º-A e 1146.º, todos do Código Civil, preceitos que entende que assim violou. Dizendo que o Tribunal não se pronunciou sobre as nulidades invocadas pelo próprio nas suas alegações, nulidades que defende que são de conhecimento oficioso. Argumentado que nas suas alegações “o Recorrente invocou vários factos que colocariam em causa a factualidade alegada pelo Autor na petição inicial e que este astutamente ignorou e ocultou na sua peça processual e, ainda, invocou a ilegalidade e nulidade dos contratos juntos aos autos”. No que concerne a tais nulidades convoca ausência de informação sobre a existência dos contratos celebrados entre o Autor e os seus pais, colocando em causa os documentos juntos, quer pela ausência de assinaturas, cláusulas ilegíveis. Entende ainda que estamos perante contratos de adesão, pré-escritos pelo Autor/Recorrido para “cuja aceitação e cabal conhecimento deve ser provado” e que tal não ocorre nos autos, arguindo ainda a falta de cumprimento do dever de informação e comunicação sobre o conteúdo de “tais cláusulas” com o subsequente “vícios na formação da vontade” e ainda a ilegalidade de tais cláusulas, as quais se consideram excluídas dos contratos celebrados, nos termos do disposto no artigo 8.º, al. a), do mesmo DL 446/85. Por fim, também põe em causa que tenha existido a “a entrega da coisa, ou seja, do dinheiro” dizendo que “entrega essa que o Autor não demonstrou”, concluindo que o contrato é nulo por falta de objecto, nos termos do art.º 280º do CC. Pondo ainda em causa o envio dos extractos, e afirmando que o Tribunal não pode afirmar que não há excepções, pois sustenta que tais nulidades decorrem da lei, são de conhecimento oficioso e não têm prazo para serem declaradas.
É por demais evidente a ausência de razão do apelante relativamente a todos os argumentos da sua apelação.
Senão vejamos.
Face à junção pelo réu de procuração forense, foi, em 16/05/2023, proferido o seguinte despacho: “N…, herdeiro de E… e de A… vem juntar procuração forense a favor da ilustre advogada Dr.ª A… O artigo 189.º do CPC estabelece que Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade. Considera-se, assim, a falta de citação do réu sanada”.
Na mesma data e no seguimento de tal despacho foi ainda dito que: «O réu constituiu mandatário nos autos mas não apresentou qualquer oposição. Sendo a revelia operante, consideram-se confessados os factos articulados pela autora susceptíveis de confissão (artigo 567.º, n.º 1, do CPC, na versão dada pela Lei 41/2013, de 26-06). Faculte o processo aos ilustres advogados de autora e réu para alegarem por escrito, querendo, no prazo de 10 dias, abrindo-se posteriormente conclusão para sentença (artigo 567.º, n.º 2 do CPC)».
As partes foram notificadas a 17/05/2023 para alegarem por escrito. A 1/06/2023, o Autor veio apresentar as suas alegações finais escritas e a 2/06/2023, veio o Réu apresentar as suas alegações.
Não é posto em causa pelo apelante o despacho que determinou a confissão dos factos por ausência de contestação, nem tal despacho foi objecto de recurso por parte do réu.
Considerando a junção de procuração pelo réu estamos perante uma situação de revelia relativa, na qual o réu comparece em juízo (nomeando mandatário ou praticando qualquer outro acto), mas não contesta, desde o momento em que a não contestação seja definitiva (cf. Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa – Processo Civil - Vol. II – pág. 68).
Como bem se alude no Acórdão desta Relação, de 8/10/2015, proferido no proc. nº 296/13.8TBLNH.L1-2 (in www.dgsi.pt) “tal revelia, não arreda o réu da lide e permite-lhe designadamente esgrimir com um articulado anterior à fase da sentença, que o actual art.º 567.º do Código de Processo Civil (idêntico ao anterior art.º 484.º) designa de “Efeitos da Revelia”.
Mas como referem Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa ( in. Ob. Cit. Pág. 69), não deixaremos de estar face a uma situação de revelia operante mas «produzindo, por conseguinte, efeitos profundos no processo. Esses efeitos são de três ordens: – Efeitos quanto ao julgamento do processo; – Efeitos quanto à marcha do processo; – Efeitos secundários.», sendo que relativamente ao primeiro o efeito é: consideram-se confessados os factos articulados pelo autor, no segundo: ainda que o réu tenha optado deliberadamente pela revelia, por não lhe interessar defender-se de facto, mas pode querer defender-se de direito, mostrando essa intenção ao juntar ao processo procuração passada a advogado (revelia-defesa), sendo que neste caso o processo é facultado para exame pelo prazo de dez dias ao advogado do autor e do réu, que alegarão por escrito sobre a questão de direito.
No nosso caso, verificando-se a existência duma situação de revelia operante, com efeito cominatório semipleno, o Réu teve a oportunidade de apresentar as alegações a que se reportam o apontado n.º 2 do art.º 567.º.
Todavia, tais alegações destinam-se a permitir que as partes, face à circunstância de se registar assente a matéria de facto invocada pelo A., poderem apresentar a sua argumentação de direito, melhor, exporem a sua posição quanto ao direito que poderá ser aplicado quanto àquela factualidade.
Logo, a possibilidade de alegar conferida pelo nº 2 do artº 567º nº 2 do Código de Processo Civil não confere ao réu a possibilidade de alterar ou aditar factos, mas apenas discutir a subsunção ao direito considerando os factos já cristalizados na sequência da confissão.
No âmbito destes autos foram, face à ausência de contestação do réu, considerados confessados os factos alegados pela Autora, face à aplicação do disposto no art.º 567º do CPC. Neste normativo expõe-se que: 1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou evendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.
Por outro lado, face ao preceito seguinte – artº 568º do CPC- haverá que considerar que tal preceito não se aplica: (…)c) Quando a vontade das partes for ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela acção se pretende obter; e d) Quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito.
Para completarmos o primeiro tipo de factos excluídos temos de nos socorrer do previsto no artigo 354.º do Código Civil, que estabelece: “A confissão não faz prova contra o confitente:
a) Se for declarada insuficiente por lei ou recair sobre facto cujo reconhecimento ou investigação a lei proíba; b) Se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis; c) Se o facto confessado for impossível ou notoriamente inexistente.”. Além disso, nos termos do art.º 364.º CC: 1. Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior. 2. Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.
A ausência de contestação do réu é considerada processualmente como norteada pelo princípio do dispositivo e, logo, por uma ideia de liberdade, pois sobre o demandado não recai o dever, mas antes o ónus de contestar.
Logo, a revelia operante tem por efeito a confissão dos factos articulados pelo autor, tal como estabelece o art.567.º/1, in fine, sendo que este regime tem lugar quando o réu, apesar de não contestar, tenha sido ou deva considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa, ou, pelo menos, haja juntado procuração a mandatário judicial, no prazo da contestação. O efeito deste comportamento omissivo do réu é a chamada “confissão tácita ou ficta”.
Miguel Mesquita a propósito da opção legislativa tal como se encontra prevista no nosso Código de Processo Civil, refere que o legislador nacional se inspirou numa solução de direito processual prussiano, segundo a qual a falta de contestação acarretava a confissão dos factos alegados pelo autor, jamais conduzindo contudo à procedência automática da pretensão por ele deduzida ou , até, como um passado remoto, à aplicação de sanções penais graves ao revel, por se entender que este desrespeitava, de forma flagrante a autoridade do juiz (inA revelia no processo ordinário, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, p. 1093). Omesmo autor, alude ainda que a solução do nosso sistema jurídico, comum à do direito alemão, não é a acolhida, por ex., na Itália, Espanha e França, onde o silêncio do réu opera como oposição ou contestação tácita.
Deste modo, o tribunal perante a ausência de contestação tem de verificar se a acção é fundada, ou seja, se os factos alegados e provados justificam o pedido à luz do direito, num cominatório dito semi-pleno, pois o que a revelia gera é a prova ficta ( ficta confessio) dos factos alegados pelo autor. Todavia, e ainda que exista subjacente à revelia uma vontade pressumida de não contestar e, logo, de aceitar os factos trazidos pelo autor, tal ficará mitigado quer pelas circunstâncias que não permitem a confissão, quer ainda por eventuais afirmações manifestamente inverossímeis ou totalmente contrários aos elementos probatórios trazidos aos autos. Porém, tais elementos probatórios terão de ser evidentes na sua contradição com os factos provados e não os que eventualmente decorrem da análise da prova documental e da interpretação que da mesma possa ser feita pelo juiz na sua livre convicção, pois aí esbarra com o efeito da revelia e a confissão dos factos da mesma decorrente, salvo tratando-se de factos cuja prova se exija documento escrito, ou documento autêntico que encerra si um juízo de prova plena, o que não é o caso.
Em suma, a revelia não produz efeitos quando se trate de factos para a prova dos quais se exija documento escrito. Se por lei (art.364.º CC) ou por convenção das partes (art.223.º CC) for imposta determinada forma para a emissão de declarações negociais, a lei de processo não pode permitir que a eventual falta de contestação conduza a um resultado contrário ao exigido pela lei substantiva ou pela convenção. Tenha-se em atenção que, neste caso, a inoperância da revelia é mais restrita do que nos anteriores. Quer dizer, por princípio, a falta de contestação implica a confissão de todos os factos articulados pelo autor, nos termos do art.º 567.º/1, salvo daqueles que, efetivamente, careçam de prova documental para a sua demonstração. Em caso de não impugnação também não se consideram assentes os factos que só podem ser provados por documento escrito (cfr. art.364.º CC) – art.574.º/2.
No que tange à terceira exceção (factos para cuja prova se exija documento escrito), à revisão do art.574.º/2 subjaz um fundamento em tudo equivalente à do art.568.º/d para o efeito cominatório da revelia: em matéria de declaração negocial, rege o princípio da consensualidade ou da liberdade de forma (cfr. art.219.º CC); porém, em diversas situações, a lei exige, sob pena de nulidade (cfr. art.220.º CC), o mero documento particular escrito (simples ou autenticado) ou outra forma ainda mais solene para a celebração (validade e forma) de certos negócios jurídicos (requisito ad substantiam ou mesmo ad constitutionem).
Logo, não se pode olvidar que, confessados os factos, a causa é julgada “conforme for de direito” (nº 2, in fine, do art.º 567º do CPC) e esse julgamento pode conduzir ou não à procedência da acção, já que há confissão dos factos, mas não do direito, estando-se perante o chamado efeito cominatório semi-pleno associado à revelia operante (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 630).
Conforme se decidiu no Ac. do STJ de 26-11-2015, Rel. Lopes do Rego, Proc. 7256/10.9TBCSC.L1.S4, publicado em www.dgsi.pt:«2. O efeito cominatório semi-pleno, decorrente da situação de revelia operante da R./demandada, apenas determina que se devam ter por confessados os factos efectivamente alegados pelo demandante – cabendo ao juiz sindicar da suficiência e concludência jurídica da factualidade assente por confissão ficta, em termos do preenchimento ou não da fattispecie subjacente ao pedido deduzido.».
Aqui chegados manifestamente razão não assiste ao apelante, pois a invocação que os contratos juntos aos autos não contém a assinatura dos mutuantes não colhe, pois pressuporia a existência de alegação desses mesmos factos, o mesmo ocorre quanto à natureza dos contratos como sendo de adesão com a ausência de comunicação de suas cláusulas (sem contudo indicar quais), ou ainda a nulidade por falta de entrega do valor mutuado. Com efeito, percorridos os documentos juntos com a petição inicial e analisados os factos que resultaram confessados, os contratos foram validamente celebrados, quer quanto à sua forma, quer quanto ao seu conteúdo. Pois ainda que nos contratos de mútuo se exija prova documental, não há que olvidar que no caso concreto há que atentar à eficácia da revelia do réu, ou do seu carácter operante em absoluto, pelo que o julgador além da análise dos documentos particulares (os contratos) e autênticos (as certidões de óbito dos mutuantes), toda a demais matéria factual relevante advém igualmente da confissão, mormente o valor mutuado e o correspondente à utilização do cartão de crédito facultado aos mutuantes, mas igualmente tudo o que resulta acordado e constitui o desenvolvimento contratual das partes.
Donde, a possibilidade de alegação facultada ao réu nos termos e para os efeitos do nº 2 do artº 567º do Código de Processo Civil não se destina a dar ao mesmo a possibilidade de alegar factos estranhos à lide trazida pelo Autor, mas apenas a dar a possibilidade ao réu de dar enforme jurídico a tal factualidade já considerada confessada e assente.
Princípio basilar do processo civil é ainda o que se prende com a oportunidade de dedução da defesa, sendo que esta deve ser deduzida na contestação – art.º 573º do CPC- excepcionando-se apenas os meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou que se deva conhecer oficiosamente.
Como refere José Lebre de Freitas (in “A Ação Declarativa Comum – À Luz do Código de Processo Civil de 2013, pp. 97-98), estão em causa, no n.º 2 do artigo 573.º citado: «meios de defesa supervenientes, abrangendo quer os casos em que o facto em que eles se baseiam se verifica supervenientemente (superveniência objectiva), quer aqueles em que esse facto é anterior à contestação, mas só posteriormente é conhecido pelo réu (superveniência subjectiva), devendo em ambos os casos ser alegado em articulado superveniente (art.º 588-2); meios de defesa que a lei expressamente admita posteriormente à contestação; meios de defesa de que o tribunal pode conhecer oficiosamente, abrangendo a impugnação de direito (art.º 5-3) e a maioria das excepções dilatórias (art.º 578) e peremptórias (art.º 579), sem prejuízo de os factos em que as excepções se baseiem só poderem ser introduzidos no processo pelas partes (salvo os casos excepcionais em que é permitido o seu conhecimento oficioso: art.º 412), na fase dos articulados ou com os limites definidos para a alegação de facto em articulado superveniente […].»
Acresce que como menciona o mesmo autor: «Corolário do princípio da concentração é a preclusão. O réu tem o ónus de, na contestação, impugnar os factos alegados pelo autor, alegar os factos que sirvam de base a qualquer excepção dilatória ou peremptória (excetuadas apenas as que forem supervenientes) e deduzir as excepções não previstas na norma excepcional do art.º 573-2. Se não o fizer, preclude a possibilidade de o fazer» (ob. cit., pp. 98-99).
A preclusão pode ser definida como a inadmissibilidade da prática de um acto processual pela parte depois do prazo peremptório para a sua realização, sendo que uma das funções que realiza é a de estabilização: uma vez inobservado o ónus de praticar o acto, estabiliza-se a situação processual decorrente da omissão do ato, não mais podendo esta situação ser alterada ou só podendo ser alterada com um fundamento específico. Quando referida a factos, a preclusão é correlativa não só de um ónus de alegação, mas também de um ónus de concentração: de molde a evitar a preclusão da alegação do facto, a parte tem o ónus de alegar todos os factos relevantes no momento adequado. A correlatividade entre o ónus de concentração e a preclusão significa que, sempre que seja imposto um ónus de concentração, se verifica a preclusão de um facto não alegado, mas também exprime que a preclusão só pode ocorrer se e quando houver um ónus de concentração. Se não for imposto à parte nenhum ónus de concentração, então a parte pode escolher o facto que pretende alegar para obter um determinado efeito e, caso não o consiga obter, pode alegar posteriormente um facto distinto para procurar conseguir com base nele aquele efeito.
No caso concreto a possibilidade conferida ao réu de contestar a acção já decorreu, sendo que seria nesta que o mesmo poderia alegar as vicissitudes que ora pretende que o Tribunal considere em sede de sentença, pois a invocação das nulidades apontadas pressupõem a alegação de factos consubstanciadoras das mesmas, factos estes ausentes da lide, existindo apenas os factos que resultam quer dos documentos (particulares e autenticos juntos) quer da confissão ficta do réu. Escudar-se na questão do “conhecimento oficioso” relativo a nulidades, quer as que advêm da aplicação da Lei das cláusulas contratuais gerais, quer as nulidades previstas no código civil (alegados vícios da vontade ou ausência do objecto do contrato) é olvidar que sempre o ónus de alegação dos factos correspondentes compete à parte, corolário do princípio do dispositivo e igualmente da preclusão nos termos aludidos.
Donde, a concentração dos meios de defesa e a obrigatoriedade de os alegar, sob pena de perda do direito de invocação, preclusão, estão ligados quer à estabilidade das decisões, bem como com o dever de lealdade e de litigar de boa fé.
Assim, somos em confirmar o juízo efectuado pelo Tribunal a quo quando conclui que “relativamente ao caso concreto, consideramos que a factualidade assente permite vislumbrar a existência de um contrato bancário que reúne elementos típicos do mútuo. (…) Trata-se de um mútuo bancário porque realizado por uma instituição de crédito ou parabancária (artigo 1.º do D.L. 344/78) e de crédito ao consumo (artigo 2.º do D.L. 359/91, de 25.10). Por ter um enunciado de cláusulas gerais, pré elaboradas e destinadas a ser propostas a destinatários indeterminados que as deverão subscrever em bloco sem possibilidade de as alterar, está sujeita ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais aprovado pelo D.L. 446/85, de 25.10. Nos termos do contrato celebrado, tal quantia seria paga em prestações, sendo que, nos termos do disposto no art.º 781.º do Código Civil, “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.” Provou-se que, por acordo de 18/10/2016, celebrou com E… e A… um acordo denominado Crédito Pessoal O... a que foi dado o número 101920805, mediante o qual lhes disponibilizou na conta bancária o montante de 10.000,00 euros, tendo ficado acordado que o reembolso seria feito em 108 prestações mensais, sendo a primeira de 319,71 euros e as restantes de 169,61 euros, sendo o empréstimo remunerado à taxa de 11,99% (TAN) e 13,90% (TAEG). Tendo em conta os factos dados como provados existem declarações negociais entre a autora instituição de crédito e os clientes com vista a cedência de uma quantia monetária. Estes obrigaram-se a restituir aquela quantia e juros remuneratórios em prestações mensais. Temos, assim, por celebrado um contrato de mútuo.”.
Quanto ao mais também subscrevemos que “o mútuo bancário surge também como tronco comum para outras formas de tipos bancários de crédito, nomeadamente o contrato de abertura de crédito. (…) Na situação em apreço, apesar de, em rigor, não se tratar de uma pura situação de abertura de crédito, a autora, como instituição financeira, atribuiu aos clientes um montante de crédito que este utiliza para aquisições a crédito, nas lojas autorizadas pela autora, integrante ou relacionadas com a marca A.... Para utilização deste crédito, a autora concedeu ao cliente um cartão de crédito, que consiste na adopção de procedimentos electrónicos com vista ao cumprimento de ordens do cliente às entidades financeiras. O cartão de crédito pode definir-se como o documento pessoal e intransmissível, emitido por uma entidade bancária, por uma instituição financeira ou outro estabelecimento comercial a favor de um determinado titular, cuja posse confere a este a possibilidade de adquirir bens e serviços junto de estabelecimentos comerciais. O contrato de emissão de cartão de crédito está previsto no D.L. 166/95, de 15 de Julho, apresentando-se como um mandato de pagar a terceiros beneficiários das transferências bancárias a executar na sequência das instruções dadas através dos cartões. Na situação em apreço, os factos dados como provados permitem concluir pela existência de um contrato de abertura de crédito e, simultaneamente de um contrato de cartão de crédito, dando-se a possibilidade de utilização do cartão de crédito para a compra de bens e serviços nos estabelecimentos autorizados pela autora, pagando a terceiros beneficiários. Simultaneamente, foram efetuados pela mutuária pedidos de financiamento / reserva financeira, que foram concedidos.”.
Logo, prosseguindo e provando-se o falecimento dos mutuários e tendo ficado estabelecido contratualmente que, o contrato cessa por morte dos titulares, tem a mutuante o direito à totalidade do crédito que, à data do óbito, ascendia a 7.478,14 euros e 5.808,49 euros respectivamente em relação a cada contrato.
Improcede assim, a apelação.
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IV. Decisão:
Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Réu e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelo apelante.
Registe e notifique.
Lisboa, 23 de Novembro de 20223
Gabriela de Fátima Marques
Vera Antunes
Adeodato Brotas