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ACÇÃO EXECUTIVA
PERSI
DISPENSA
Sumário
1- Verificando-se a estipulação da obrigatoriedade de a instituição bancária exequente expedir cartas registadas aos mutuários executados com a declaração resolutória, não se pode afirmar que as partes criaram uma norma jurídica (de fonte convencional) segundo a qual a falta de pagamento de qualquer prestação desencadearia o incumprimento definitivo do contrato e a sua imediata e automática resolução. 2- Não estando demonstrado que a instituição bancária exequente comunicou aos executados a resolução dos contratos, antes da entrada em vigor do D.L. 227/2012, de 25/10, e estando assente que não comunicou aos mesmos a integração no PERSI por qualquer meio (em suporte duradouro ou não), ficou a mesma sujeita aos efeitos dessa não integração, desde logo a impossibilidade de demandar os mesmos por via da acção executiva, para cobrança dos valores em dívida emergentes dos contratos, face ao disposto no art.º 18º, nº 1, al. b), do D.L. 227/2012, de 25/10. 3- Visando a recorrente que se afirme que, no caso concreto, não há lugar à aplicação dos impedimentos constantes do nº 1 do art.º 18º do D.L. 227/2012, de 25/10, segundo a interpretação restritiva desse preceito legal que alguma jurisprudência sustenta, mas não estando verificado o circunstancialismo fáctico que autoriza tal afirmação, nem os executados estavam impedidos de suscitar junto do tribunal recorrido o conhecimento da questão da omissão de integração dos mesmos no PERSI e suas consequências processuais, nem o tribunal recorrido estava impedido de conhecer dessa questão, afirmando não estar demonstrada a integração dos executados no PERSI, previamente à propositura da acção executiva, e julgando procedente a excepção dilatória inominada correspondente, com a absolvição da instância dos executados. (Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
Em 26/7/2013 Banco Espírito Santo, S.A. (entretanto substituído processualmente por Novo Banco, S.A.) intentou acção executiva contra HM. e MA., apresentando como títulos executivos três contratos de mútuo, e visando o pagamento da quantia global de capital e juros de € 242.748,13.
Os executados foram regularmente citados e foi efectuada a penhora de um imóvel.
Em 12/10/2022 veio Ares Lusitani S.T.C., S.A. requerer a sua habilitação na posição da exequente, enquanto cessionária do crédito exequendo, relativamente a dois dos três contratos de mútuo.
Em 15/2/2023 (ref. 44731376) os executados vieram apresentar requerimento onde, para além do mais, invocam que não ocorreu a integração dos mesmos no PERSI, relativamente às dívidas emergentes de cada um dos três contratos de mútuo, pelo que “o exequente estava impedido de resolver os 3 contratos de crédito celebrados e de intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação daqueles”, estando igualmente impedido de ceder a terceiro parte ou a totalidade do crédito. Concluem então estar-se perante uma “excepção dilatória insuprível inominada por falta de condição objectiva de procedibilidade”, de conhecimento oficioso, e a determinar a absolvição dos mesmos da instância executiva, com a extinção desta.
O exequente exerceu o contraditório, por requerimento de 6/3/2023 (ref. 44914579), onde sustenta, em síntese, a extemporaneidade do requerimento apresentado pelos executados e a resolução dos contratos em data anterior à entrada em vigor do regime que instituiu o PERSI, mais juntando documentos, com os quais pretende demonstrar que interpelou os executados da denúncia dos contratos, bem como que os notificou da cessão de créditos.
Em 26/6/2023 foi proferida decisão final, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo o requerimento dos Executados procedente e consequentemente absolvo os executados HM. e MA. da instância executiva, com as legais consequências. Face ao exposto, encontra-se prejudicado o conhecimento das demais questões alegadas pelos intervenientes processuais. Registe e notifique e informe o Agente de Execução”.
A cessionária Ares Lusitani S.T.C., S.A. recorre desta decisão final, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
A.Foi proferida decisão de rejeição da execução, por o Tribunal a quo ter considerado que a não integração dos executados no PERSI configura uma excepção dilatória (inominada), não suprível, que pode ser oficiosamente conhecida até à prática do primeiro acto de transmissão dos bens penhorados e determina a rejeição da execução (artigos 726.º, n.º 2, alínea b), e 734.º do CPC).
B.Ora, atentas as circunstâncias do caso concreto, não pode, a recorrente, conformar-se com tal decisão, não podendo o Tribunal a quo ter decidido como decidiu uma vez que a recorrente, não estava, in casu, obrigada a integrar os mutuários, ora Recorridos, no âmbito do PERSI, motivo pelo qual declarou não o ter feito.
Da resolução dos contratos:
C.O incumprimento dos contratos de mútuo celebrados entre a recorrente e os executados deu-se em 01/10/2012 e 01/02/2013, altura em que deixaram de proceder ao pagamento das prestações vencidas e das subsequentes.
D.Nestes termos, os contratos de mútuo supra aludidos não foram pontualmente cumpridos pelos recorridos, atendendo à verificação reiterada da ausência de pagamentos nas datas certas em que se venciam as prestações mensais.
E.Por esse motivo, por cartas datadas de Outubro de 2012 o Banco cedente procedeu à comunicação da resolução dos contratos atento o não pagamento atempado das prestações, operando assim todos os seus efeitos.
F.Ora, atendendo ao disposto no art. 39.º do DL 227/2012 de 25 de Outubro não havia lugar à integração dos executados no PERSI, na medida em que a mora resultante do incumprimento (falta de pagamento das prestações) se iniciara há mais de um ano e na medida em que tal incumprimento determinou a resolução dos contratos de mútuo celebrados entre as partes.
G.Ou seja, os contratos já não estavam em vigor à data da entrada em vigor do referido regime legal, o que desde já se alega e argui para todos os devidos e legais efeitos.
Ainda que por mera hipótese académica assim não se entenda:
H.O não pagamento das respectivas prestações nos exactos termos convencionados pelos recorridos consubstanciou uma situação de mora, independentemente de interpelação, a partir de 2011 – altura em que deixaram de pagar as prestações – por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 805.º do CC.
I.A persistência da mora contratual, que não foi regularizada pelos recorridos, veio, então, a converter-se em incumprimento definitivo, conforme estipula o artigo 808º n.º 1 do CC, pelo que operou a resolução automática dos contratos e concomitantemente, o vencimento antecipado de todas as prestações vincendas, nos termos do artigo 781.º do CC.
J.Veja-se, neste sentido, o n.º 1 da Cláusula Nona dos Documentos Complementares à Escritura, que dispõe expressamente que “O não cumprimento pelo (s) “Mutuário (s)” de qualquer das obrigações assumidas neste contrato ou a ele inerentes e/ou relativa à(s) garantia(s) prestada(s), confere ao “BES” o direito de considerar imediatamente vencido tudo o que for devido, seja principal ou acessório, com a consequente exigibilidade de todas as obrigações ou responsabilidades ainda não vencidas” e no seguimento, o n.º 2 da mesma Cláusula estipula que “(…) constituem causa bastante e fundamentada de resolução do presente contrato, as que designadamente, se indicam: (a) não cumprimento das obrigações emergentes do presente contrato, assumidas pelo (s) Mutuário(s); (b) mora no pagamento de qualquer prestação, iniciando-se, desde logo, a contagem de juros de mora; (c) alienação, oneração ou arrendamento do (s) bem (ns) objecto da(s) hipoteca(s) sem o consentimento do BES, (d) penhora, arresto ou qualquer outra forma judicial ou não de apreensão do(s) imóvel (eis) hipotecado(s), (…)”.
K.Deste modo, e salvaguardando sempre e para todos os efeitos que à data da entrada em vigor do regime legal do DL 227/2012 os contratos já estavam resolvidos por incumprimento, conclui-se que a resolução operada e motivada pelo incumprimento foi imediata, legítima e eficaz, tendo produzido validamente os seus efeitos.
L.Desta feita, aquando da instauração da execução, por via do referido, já os contratos se encontravam-se resolvidos e os recorrentes cientes dessa resolução pois subscreveram os contratos.
M.Pois que, na data da entrada em vigor daquele procedimento, já o contrato se encontrava resolvido e não em simples mora – sendo este último o requisito para integração no PERSI.
Dos tramites da acção executiva
N.Conforme referido supra a execução deu entrada em 26/07/2013.
O.Em 15/07/2015 foi a acção executiva suspensa mediante decisão do Sr. Agente de Execução, em virtude da co-executada MA. ter sido declarada insolvente.
P.Em 14/11/2015 foi a acção executiva extinta por sustação integral.
Q.Sendo que em 19/05/2020 foi requerida a renovação da acção executiva.
R.A 10/02/2021 veio o Executado reclamar da decisão de venda por não concordar com o valor de venda atribuído.
S.Ora na senda da insolvência da co-executada, foi decidido que a venda da ½ do imóvel penhorado nos autos, e a ½ do imóvel apreendida no processo de insolvência seria conjunta.
T.Ora, de ressalvar que o Tribunal a quo descurou completamente a existência do processo de insolvência no qual se encontra penhorada ½ do imóvel.
U.De facto, os executados, incumpriram por diversas vezes os contratos em vigor, sendo que, aquando as respectivas interpelações para regularização dos valores em atraso, os mesmos eram regularizados.
V.Não obstante as diversas incidências, o Banco Cedente foi permitindo ao longo dos anos a regularização dos atrasos sucessivos no pagamento, cfr. Cartas juntas nos autos de execução.
Mais:
W.De facto, apenas após o depósito do preço, é que veio o co-executado arguir a nulidade por falta de citação, quando anteriormente tinha já reclamado da decisão de venda.
X.Ou seja, deram como válidos e cumpridos todos os pressupostos processuais.
Y.Pese embora os executados nunca tenham sido notificados para se iniciar o procedimento extrajudicial do PERSI, certo é que foram vários os incumprimentos ocorridos.
Z.A circunstância de os executados não terem sido formalmente integrados no PERSI não lhes retirou quaisquer direitos, nem lhes reduziu expectativas legítimas, porquanto antes da entrada da acção executiva foram várias as incidências ocorridas de incumprimento e possibilidade de regularização dos montantes em atraso.
AA.A circunstância de os executados não terem sido formalmente integrados no PERSI não lhes retirou quaisquer direitos, nem lhes reduziu expectativas legítimas, porquanto a acção executiva foi extinta após a celebração do acordo, apenas tendo sido pedida a renovação após frustrada a concretização da solução negociada por razões àquele imputáveis.
BB.E se o citado art. 39.º diz que são automaticamente integrados no PERSI os clientes bancários que, nessa data, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias, tal integração automática destina-se a obrigar a instituição de crédito a apresentar proposta(s) de regularização adequadas à situação financeira dos clientes e/ou a avaliar propostas alternativas dos próprios clientes (arts. 15.º e 16.º), extinguindo-se o PERSI nas situações enunciadas no art. 17.º, n.ºs 1 e 2.
CC.In casu, o que verdadeiramente se equaciona é a possibilidade de afastar a obrigatoriedade de implementação dos específicos procedimentos previstos no DL n.º 227/2012, nos casos em que a instituição bancária e o devedor já desenvolveram negociações – em virtude dos vários incumprimentos- tendentes, precisamente, a alcançar o desiderato daquele diploma legal, o que sucedeu.
DD.A actuação da instituição bancária/Banco Cedente foi muito mais longe do que preconiza o DL n.º 227/2012, de 25.10, ao manter os contratos em incumprimento, na tentativa de que os executados procedessem ao pagamento, pelo que vir agora ser rejeitada a execução com a invocação deste diploma, concluindo, que a exequente estava impedida de intentar acção judicial para satisfação do seu crédito, configura um claro abuso do direito e um benefício concedido aos executados por força do incumprimento a que os próprios se sujeitaram após as oportunidades que lhe foram concedidas, actuação que o direito não tutela e considera ilegítima (art. 334º do CC.
EE.Todo o descrito circunstancialismo, não pode deixar de ter criado na exequente/apelante a convicção de que era desnecessário formalizar a situação nos termos exigidos pelo DL n.º 227/12, devendo assim prosseguir os autos os seus ulteriores termos.
FF.Foram violadas, entre outras disposições, o previsto nos arts. 334.º, 405.º, 432.º, n.º 1, 436.º, n.º 2, 781.º e 808.º do CC, 17.º, n.º 1 e 2 e 39.º do DL 226/2012.
Os executados apresentaram alegação de resposta, aí sustentando a manutenção da decisão recorrida.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, prendem-se com:
- A verificação dos pressupostos para a integração dos executados no PERSI;
- A dispensa de integração dos executados no PERSI.
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Da decisão recorrida resultam como provados os seguintes factos:
1ºEm 12/12/2005 o Exequente celebrou com os Mutuários dois contratos de mútuo, no montante, respectivamente, de € 69.831,71 (sessenta e nove mil, oitocentos e trinta e um euros e setenta e um cêntimos) e de € 55.738,00 (cinquenta e cinco e mil setecentos e trinta e oito euros).
2ºA última prestação paga pelo(s) Executado(s) foi a vencida em 01/02/2013, não tendo efectuado o pagamento de qualquer uma das subsequentes, apesar de, por diversas vezes, interpelado(s) para o fazer(em) pelos serviços do Exequente – o que tornou vencida a dívida na sua totalidade, nos termos do art. 781.º do Código Civil.
3ºPara garantia dos capitais mutuados, respectivos juros e despesas, constituíram os Mutuários a favor do Exequente, hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra “F” (do prédio descrito sob o n.º 110) que foi, entretanto, objecto de dação.
4ºPor meio da referida dação em cumprimento, o Exequente foi pago de parte do crédito, remanescendo em dívida, a importância de € 24.338,98 (vinte e quatro mil trezentos e trinta e oito euros e noventa e oito cêntimos).
5ºQue até à presente data não foi pago.
6ºEm 09/08/2007, o Exequente celebrou, ainda, dois outros contratos com os supra referidos mutuários, no montante, respectivamente, de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) e de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros.
7ºPara garantia dos capitais mutuados, respectivos juros e despesas, constituíram o(s) Mutuário(s) a favor do Exequente, duas hipotecas sobre o imóvel agora nomeado à penhora.
8ºAs hipotecas garantem o bom pagamento dos empréstimos assumidos pelo(s) Mutuário(s), perante o Banco Exequente, até ao montante máximo, respectivamente, de € 212.250,00 e de € 106.125,00, encontrando-se devidamente registadas, também respectivamente, pelas Ap. 10 de 2007/07/19 e Ap. 11 de 2007/07/19, convertidas em definitivo pelas Ap. n.º 32 de 2007/08/24 e Ap. n.º 33 de 2007/08/24.
9ºAs últimas prestações pagas pelo(s) Executado(s) foram as vencidas em 01/10/2012 e 01/02/2013, respectivamente para o primeiro e segundo empréstimos, não tendo efectuado o pagamento de qualquer uma das subsequentes, apesar de, por diversas vezes, interpelado(s) para o fazer(em) pelos serviços do Exequente.
10ºA execução entrou em juízo em 26.07.2013.
11ºO exequente enviou ao executado a carta datada de 03.03.2012, junta com o requerimento REFª: 44914579.
12ºO exequente enviou à executada a carta datada de 09.05.2022, junta com o requerimento REFª: 44914579.
13ºO exequente enviou ao executado a carta datada de 09.05.2022, junta com o requerimento REFª: 44914579.
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Nos termos do disposto no art.º 607º, nº 4, 2ª parte, ex vi art.º 663º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil, há ainda que considerar como provados os seguintes factos:
14ºOs créditos invocados pela cessionária/recorrente como tendo sido objecto de cessão pelo exequente respeitam aos dois contratos de mútuo identificados em 6º a 9º.
15ºA carta identificada em 11º tem por assunto a “regularização do contrato nº 60005587632” (correspondente ao primeiro contrato identificado em 6º a 9º, com o valor mutuado de € 150.000,00), aí declarando o exequente ao executado que o contrato “encontra-se na presente data, com um montante em incumprimento, incluindo juros de mora/penalizações, de 998,92 €”, e bem ainda que para “não se agravar ainda mais o valor da dívida e poder regularizar a situação em definitivo, solicitamos o pagamento do montante em dívida até ao dia 12/03/2012”. 16ºAs cartas identificadas em 12º e 13º foram enviadas pela cessionária/recorrente por via registada com aviso de recepção, têm por assunto a “Notificação de cessão de créditos – Cessão dos créditos relativos ao(s) contrato(s) de financiamento n.º(s) AA00013355700, AA60005587627; AA60005587632, AA60009312781”, e consta do teor das mesmas, para além do mais, que: “Para os efeitos do artigo 583.º do Código Civil, serve a presente para informar V/ Exa. que, no dia 07/04/2022, o NOVO BANCO, S.A. com sede na Avenida da Liberdade, 195, 1250-142 Lisboa, com o capital social de € 6.054.907.314,00 e com o número único de pessoa colectiva e matrícula 513 204 016 (doravante, “Banco”) e a sociedade ARES LUSITANI STC, S.A. (doravante, “Cessionário”), celebraram um contrato nos termos do qual os créditos resultantes do(s) supramencionado(s) contrato(s) de financiamento foram cedidos ao Cessionário (“Créditos”). Mais informamos que nos termos do artigo 582.º do Código Civil, a referida cessão de créditos inclui a transmissão ao Cessionário de todos os direitos e garantias associadas aos Créditos, incluindo a posição de beneficiário nos seguros associados, quando aplicável (…)”.
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Da verificação dos pressupostos para a integração dos executados no PERSI
A verificação da excepção dilatória que ditou a absolvição da instância dos executados ficou assim fundamentada na decisão recorrida:
“O Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras. De referir que está vertido no preâmbulo do diploma que «a concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a actuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afecta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma actuação prudente, correcta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na acepção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril». Ademais, no referido preâmbulo pode ler-se que se institui um «Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor». Ora o regime em discussão entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2013, face ao consignado no art. 40º do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, sendo que o artigo 1º desse mesmo diploma estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito, destacando-se, a este propósito, «a regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no nº 1 do artigo seguinte». Em acréscimo, o artigo 2º, nº 1, alínea b), integra os contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel na esfera de previsão do PERSI. Esta opção visa, entre outros aspectos, (i) restringir dentro dos clientes bancários aqueles que poderiam beneficiar do PARI/PERSI e em (ii) afastar do âmbito de aplicação do diploma aqueles que, apesar de estabelecerem relações com uma instituição de crédito, não se colocaram, nessa relação, na posição de credor de uma específica prestação. (…) a falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito, pelo que, sendo a integração de cliente bancário no PERSI, obrigatória (quando verificados os seus pressupostos), a acção judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI [cfr. citado art. 18º, nº1, al. b) do Decreto-Lei nº 227/2012], sendo certo que a dita falta de integração no PERSI, pela instituição de crédito, constitui violação de normas de carácter imperativo, que configuram, também, excepções dilatórias atípicas ou inominadas, por falta de pressuposto (antecedente) da instauração da acção. Como já foi sublinhado em arestos jurisprudenciais no concernente a este concreto particular, «As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – arts. 14º, nº 4 e 17º, nº 3 do DL 227/2012, de 25/10, e não se podem provar com recurso a prova testemunhal (arts. 364º, nº 2 e 393º, nº 1, ambos do CC) excepto se houver um início de prova por escrito (que não seja a própria alegada comunicação).» Na mesma linha de entendimento, já foi sublinhado que «As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14º, nº 4 e 17º, nº 3, do DL 227/2012, de 25/10.» (…) Face ao que ficou dito, concluímos que procedem os argumentos dos Executados uma vez que, à data da entrada da execução em juízo já tinha entrado em vigor o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, realçando-se que o mesmo já tinha entrado em vigor quando ocorreu o incumprimento por parte dos Executados, sendo assim obrigatória a sua inclusão no PERSI. Ciente das situações pendentes, certamente quantificadas em grande número, o legislador não as deixou em aberto e regulou-as no artigo 39º, sob a epígrafe aplicação no tempo, que assim reza: “1 ‐ São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias. 2 ‐ Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no nº 4 do artigo 14.º 3 ‐ Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no nº 1 do artigo 14º”. A partir da data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro incumbia ao banco exequente cumprir as obrigações que para si decorrem da aplicação do presente diploma. Repare-se que essas obrigações não nascem apenas com a específica solicitação do devedor, prevista no nº 2, do artigo 14º, uma vez que esta norma ressalva o disposto no nº 1, do mesmo artigo, que estatui a integração obrigatória do devedor no PERSI, e que, por iguais razões, deve interpretar-se como estendendo a ressalva ao disposto no nº 1, do artigo 39º, do mesmo diploma, que estatui a integração automática do devedor no PERSI. No nosso caso, o banco exequente não cumpriu as obrigações que para si decorrem do diploma em causa, não tendo dado sequência à integração automática dos mutuários no PERSI, não se mostrando, por isso, o procedimento concluído. Estamos perante uma excepção dilatória inominada que impede o prosseguimento dos autos de execução para a efectiva satisfação do crédito do exequente e que implica a absolvição dos executados da instância executiva (e não do pedido executivo) – cfr. artigos 551º, nº 1, 576º, nºs. 1 e 2, e 731º do Código de Processo Civil”.
A recorrente não coloca em crise a qualificação dos executados como clientes bancários, para efeitos da sua integração no PERSI. Nem tão pouco coloca em crise que, relativamente aos créditos de que é titular (titularidade que lhe advém da aquisição desses créditos, em consequência do contrato de cessão de créditos celebrado com a exequente em 7/4/2022), não houve lugar à integração dos executados no PERSI.
Todavia, entende que tal integração não carecia de ter ocorrido, nos termos previstos no D.L. 227/2012, de 25/10, porque aquando da entrada em vigor do regime procedimental aí previsto já haviam sido resolvidos os contratos de mútuo. O que é o mesmo que sustentar que já não existia qualquer relacionamento contratual entre a exequente e os executados, o qual constitui o primeiro pressuposto da aplicabilidade do regime em questão (como resulta claro do disposto no art.º 39º, nº 1, do D.L. 227/2012, de 25/10, ao referir-se a situações de “mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor”).
Para fundamentar tal posição a recorrente invoca que ainda antes de 1/1/2013 (data em que o referido regime entrou em vigor) os contratos de mútuo já haviam sido resolvidos, tendo presente que “por cartas datadas de Outubro de 2012 o Banco cedente procedeu à comunicação da resolução dos contratos atento o não pagamento atempado das prestações, operando assim todos os seus efeitos”. Todavia, e contraditoriamente, invoca também que “o incumprimento dos contratos de mútuo celebrados entre a recorrente e os executados deu-se em 01/10/2012 e 01/02/2013, altura em que deixaram de proceder ao pagamento das prestações vencidas e das subsequentes”.
Da factualidade provada resulta que apenas em relação a um dos dois contratos de mútuo de onde emergem os créditos da titularidade da recorrente (aquele cujo capital mutuado ascende a € 150.000,00) existiu mora no pagamento das prestações devidas pelos executados mutuários, anteriormente a 1/1/2013. Mais concretamente, está apurado que em 3/3/2012 existiam prestações em atraso (pontos 11º e 15º) quanto a esse contrato, mas que entretanto terão sido regularizadas, não só porque isso mesmo é reconhecido pela recorrente (na motivação do recurso e na correspondente conclusão V.), mas igualmente porque só assim se compreende o afirmado no requerimento executivo e dado como provado (ponto 9º), no sentido de a última prestação paga pelos executados ser aquela que se venceu em 1/10/2012.
No mais, inexiste qualquer factualidade de onde se consiga retirar que em Outubro de 2012 a exequente enviou cartas a cada um dos executados, comunicando‑lhes a resolução de cada um dos dois contratos de mútuo. E nem faz sentido que a exequente procedesse a essa declaração, nessa data de Outubro de 2012, tendo presente que nesse mês foram pagas as prestações relativas a cada um desses dois contratos de mútuo, como se retira da factualidade constante do ponto 9º. Pelo que a afirmação da recorrente, no sentido da resolução dos contratos em data anterior a 1/1/2013, carece de todo e qualquer fundamento ou sentido. E, do mesmo modo, o alegado no requerimento executivo não corrobora essa invocação da recorrente, mas antes a afasta, pois o que aí foi afirmado, tão só, é que os executados foram interpelados por várias vezes para efectuarem o pagamento das prestações vencidas e não pagas, tendo presente que quanto ao contrato cujo valor mutuado ascendeu a € 150.000,00 deixaram de pagar prestações após a que se venceu (e foi paga) em 1/10/2012, e que quanto ao contrato cujo valor mutuado ascendeu a € 75.000,00 deixaram de pagar prestações após a que se venceu (e foi paga) em 1/1/2013.
Do mesmo modo, tendo presente o quadro contratual, tal como o mesmo emerge do teor das escrituras outorgadas em 9/8/2007 e dos respectivos documentos complementares (cláusula 9ª, nº 3), a exequente não estava dispensada de comunicar aos executados a resolução do contrato, “através de carta registada com aviso de recepção”, não sendo bastante a constatação do incumprimento contratual, para que se considerasse “a resolução automática dos contratos sub judice, ao abrigo não só do princípio da liberdade contratual, plasmado no artigo 405.º do CC, mas também do disposto no artigo 436.º n.º 2 do CC e bem assim do estipulado nos próprios contratos” (como alega a recorrente).
Ensaia a recorrente uma tentativa de fazer vingar o entendimento segundo o qual o vencimento antecipado de todas as prestações vincendas, nos termos convencionados e igualmente previstos no art.º 781º do Código Civil, corresponde à resolução automática do contrato respectivo, porque assim foi convencionado por exequente e executados. Todavia, a estipulação da obrigatoriedade de a exequente expedir cartas registadas com a declaração resolutória contraria tal entendimento, não se podendo, assim, afirmar que as partes criaram uma norma jurídica (de fonte convencional) segundo a qual a falta de pagamento de qualquer prestação desencadearia o incumprimento definitivo do contrato e a sua imediata e automática resolução.
Ou seja, não existindo qualquer demonstração da expedição das cartas registadas com aviso de recepção, contendo a declaração resolutória, e não existindo qualquer norma (convencional ou legal) de onde se possa retirar que a simples mora no pagamento das prestações conduzia à resolução imediata e automática do contrato, dispensando a sua declaração pela exequente aos executados (desde logo porque não é isso que resulta dos art.º 781º e 808º, nº 1, ambos do Código Civil), há que concluir que todos os contratos (não só os dois contratos referidos, mas igualmente aquele outro de onde emerge o crédito que permanece na titularidade da exequente, e cuja última prestação paga foi a vencida em 1/2/2013) permaneciam em vigor à data de 1/1/2013 (data da entrada em vigor do D.L. 227/2012, de 25/10).
Pelo que estava a exequente obrigada a comunicar aos executados a sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro (art.º 14º, nº 4 do D.L. 227/2012, de 25/10), tendo presente o disposto no art.º 39º, nº 2 (no caso das obrigações vencidas há mais de 30 dias, à data da entrada em vigor do diploma em questão), ou tendo presente o disposto no art.º 14º, nº 1 (no caso da mora verificada depois daquele momento).
Assim sendo, e estando assente que a exequente não comunicou aos executados a integração dos mesmos no PERSI por qualquer meio (em suporte duradouro ou não), ficou a mesma sujeita aos efeitos dessa não integração, desde logo a impossibilidade de demandar os mesmos por via da acção executiva, para cobrança dos valores em dívida emergentes dos contratos, e correspondentes aos montantes indicados no requerimento executivo, face ao disposto no art.º 18º, nº 1, al. b), do D.L. 227/2012, de 25/10.
Pelo que, nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.
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Da dispensa de integração dos executados no PERSI
Entende a recorrente que as circunstâncias concretas em que se manteve o incumprimento dos executados dispensavam o cumprimento do disposto no art.º 14º do D.L. 227/2012, de 25/10, desde logo porque “a circunstância de os executados não terem sido formalmente integrados no PERSI não lhes retirou quaisquer direitos, nem lhes reduziu expectativas legítimas”, não só porque foram dadas aos mesmos várias possibilidades de regularização dos montantes em dívida, ainda antes da propositura da acção executiva, mas igualmente porque já no domínio da acção executiva foi celebrado um acordo e só em razão da frustração da solução negociada, por causa imputável aos executados, é que a instância executiva seguiu os seus termos.
Não sofre controvérsia que o regime procedimental que resulta do D.L. 227/2012, de 25/10, visa “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a actuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários” (como resulta do seu preâmbulo), desde logo através da “regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários”, respeitantes a contratos de crédito como aqueles que aqui estão em causa (segundo a al. b) do nº 1 do art.º 1º do D.L. 227/2012, de 25/10).
Como já concluiu o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 19/5/2020 (relatado por Maria Olinda Garcia e disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt), “enquanto o mutuante não proporcionar ao devedor consumidor a oportunidade para encontrar uma solução extrajudicial, tendo em vista a renegociação ou a modificação do modo de cumprimento da dívida, não lhe é permitido o recurso à via judicial para fazer valer o seu crédito (como se extrai do art. 18º daquele diploma)”.
E como concluiu igualmente o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 16/12/2020 (relatado por Catarina Serra e disponível em www.dgsi.pt), “como instrumento para a prevenção de incumprimento no crédito bancário, o Procedimento Extrajudicial para Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) não se basta com o cumprimento formal, pela instituição de crédito, do dever de integração do cliente bancário no procedimento, sendo-lhe exigida a observância de deveres específicos e a realização de diligências concretas”.
Do mesmo modo, e como já ficou afirmado no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 8/10/2020 (relatado por Ana de Azeredo Coelho e disponível em www.dgsi.pt), o disposto no art.º 18º do D.L. 227/2012, de 25/10 deve ser interpretado no sentido da “exigência de um procedimento de renegociação suficiente e materialmente efectivo e não de exigência de cumprimento de um iter sacramental de actos formais”.
E como ficou igualmente afirmado no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2/5/2016 (relatado por Ana Cristina Duarte e disponível em www.dgsi.pt), “o objectivo prosseguido pelo Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), previsto no DL 227/2012 de 25/10, é o de envolver as instituições de crédito na apresentação de propostas de regularização de situações de incumprimento adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor”. Pelo que, estando demonstrada uma actuação da instituição bancária mutuante que “foi muito mais longe do que preconiza este DL, ao manter os contratos em incumprimento durante mais de um ano, na tentativa de encontrar uma solução para o problema”, é de concluir que tal objectivo estava prosseguido, constituindo “um claro abuso de direito” a invocação do diploma em questão por parte dos clientes bancários “para concluir que o Banco estava impedido de intentar acção judicial para satisfação do seu crédito no período compreendido entre a integração no PERSI e a extinção deste”.
Este mesmo entendimento foi igualmente afirmado no acórdão de 8/10/2020 deste Tribunal da Relação de Lisboa, já acima referido, quando aí se conclui que:
“V) Das diversas fases do PERSI decorre que o legislador constitui a instituição bancária na obrigação de analisar a situação de incumprimento e a capacidade financeira do devedor, privilegiando a renegociação do contrato e o cumprimento do programa contratual com a alteração que resultar do procedimento. VI) Tendo o Executado/Embargante e a Exequente/Embargada, na sequência do incumprimento, estabelecido novo acordo alterando as cláusulas do mútuo, nomeadamente por alargamento do prazo e fixação de um período de carência de capital e juros, a renegociação só pode ser o resultado desta actividade de análise da capacidade financeira face ao contrato e ao incumprimento e de renegociação do mesmo, favorecendo o cumprimento no futuro, alcançando as finalidades visadas pelo PERSI e a materialidade do resultado que o legislador pretendeu. VII) O exercício pelo Executado da posição jurídica consistente em opor-se ao prosseguimento do processo executivo com fundamento na omissão de PERSI constitui um manifesto venire contra factum proprium, sendo este a sua participação na renegociação do contrato em incumprimento e a efectiva renegociação dele. VIII) Devendo o Tribunal conhecer oficiosamente da excepção dilatória, é despicienda a invocação dela pelo Executado que poderia fundar abuso de direito. IX) Todavia, o escopo do regime legal e a situação fáctica descrita impõem uma interpretação restritiva do artigo 18.º do DL 227/2012, no sentido de não se verificar a excepção dilatória de omissão de PERSI quando as finalidades substanciais do procedimento foram atingidas por outra via, consensual entre as partes”.
Do mesmo modo, refere o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 9/2/2017 (relatado por Fernanda Isabel Pereira e disponível em www.dgsi.pt), pelo qual foi confirmado o já referido acórdão de 2/5/2016 do Tribunal da Relação de Guimarães, que “a facticidade provada evidencia que os contactos entre a exequente e os oponentes/executados, com vista a uma solução que lhes permitisse cumprir as obrigações emergentes dos contratos de crédito celebrados, se iniciaram em Maio de 2011 e se prolongaram até Março de 2013, só não se tendo concretizado a formalização da negociada dação em cumprimento por facto imputável aos próprios oponentes”. Pelo que, nessa medida, entende que “antes mesmo da entrada em vigor do DL nº 272/2012, de 25 de Outubro, a exequente havia iniciado, no plano substancial, um procedimento extrajudicial de regularização da situação de incumprimento dos oponentes equiparado ao PERSI, o qual se prolongou para além da data da sua entrada em vigor e que, na tentativa de encontrar uma solução para o problema, permitiu aos oponentes manter os contratos em incumprimento durante mais de um ano”, assim concluindo que “a circunstância de o procedimento já em curso não ter sido formalmente convertido num PERSI não afectou ou prejudicou qualquer direito ou expectativa legítima dos oponentes, aqui recorrentes, assumindo a sua pretensão contornos de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium (artigo 334º do Código Civil)”.
Todavia, torna-se igualmente necessário não esquecer que, como já afirmou este Tribunal da Relação de Lisboa, através do seu acórdão de 20/4/2023 (relatado pelo ora primeiro adjunto e disponível em www.dgsi.pt), o regime procedimental instituído pelo D.L. 227/2012, de 25/10, apresenta-se como imperativo, pelo que “não pode ser substituído por um processo ad hoc que não cumpra aquele regime imperativo”. E para sustentar tal entendimento aí é convocado o afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 2/2/2023 (relatado por Fernando Baptista e disponível em www.dgsi.pt), no acórdão de 16/11/2021 (relatado por Maria Clara Sottomayor e disponível em ww.dgsi.pt), e no já referido acórdão de 19/5/2020.
Ou seja, e como ficou igualmente referido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/12/2022 (relatado por Alberto Taveira, disponível em www.dgsi.pt e igualmente referido no mencionado acórdão de 20/4/2023 deste Tribunal da Relação de Lisboa), “não está na disponibilidade das partes, entidade bancária e cliente bancário, afastar as regras do PERSI, ainda que de mútuo acordo”, tendo presente a imperatividade do regime legal em questão, decorrente do interesse público que está na sua génese.
O que é o mesmo que afirmar que apenas na presença de uma actuação da instituição bancária mutuante pela qual a mesma tenha cumprido as obrigações que para si decorrem do regime procedimental instituído pelo D.L. 227/2012, de 25/10, é que é possível acompanhar o entendimento plasmado no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9/2/2017. Caso contrário, não há como afastar a aplicação do disposto no nº 1 do art.º 18º do D.L. 227/2012, de 25/10, uma vez que não se pode afirmar que a instituição bancária mutuante cumpriu com a sua obrigação de integrar os devedores no PERSI, procedendo à negociação que aí é imposta, segundo o regime aí definido.
Reconduzindo o acima afirmado ao caso concreto, e tendo presente a factualidade apurada, não é possível descortinar qualquer actuação da exequente (ainda que se haja iniciado antes de 1/1/2013), e que materialmente vise o escopo do regime a que respeita o D.L. 227/2012, de 25/10.
Com efeito, não é possível descortinar a existência de quaisquer negociações (mesmo que já em sede da acção executiva), e sendo que os “trâmites da acção executiva” que a recorrente invoca não estão demonstrados nos autos, no que respeita à existência de uma ou mais propostas de regularização dos montantes em dívida, ou tão pouco à existência de qualquer acordo de pagamento celebrado entre exequente e executados, não cumprido por estes últimos.
Ou seja, mesmo que se quisesse acompanhar a argumentação da recorrente, no sentido da não aplicação dos impedimentos constantes do nº 1 do art.º 18º do D.L. 227/2012, de 25/10, quando a instituição bancária propôs e promoveu acordos para a regularização da situação de incumprimento das obrigações contratuais dos seus clientes, e que só não se concretizam por exclusiva responsabilidade destes (e já se viu que tal argumentação não é de acompanhar, por força da imperatividade do regime em apreço), no caso concreto não estão preenchidos os pressupostos de facto que autorizariam tal interpretação restritiva do preceito legal em causa, a saber, a existência dessa actuação por parte da exequente, ainda antes da entrada em vigor do D.L. 227/2012, de 25/10.
E, do mesmo modo, não há que falar de qualquer exercício ilegítimo do direito dos executados a solicitar ao tribunal recorrido que conheça da omissão da integração dos mesmos no PERSI e da verificação da respectiva excepção dilatória inominada, conhecimento esse que sempre se apresentaria como oficioso.
Dito de outra forma, visando a recorrente que se afirme que, no caso concreto, a actuação da exequente legitimava o não cumprimento do disposto no art.º 14º, nº 4, ex vi art.º 39º, nº 2, ambos do D.L. 227/2012, de 25/10, mas não estando verificado o circunstancialismo fáctico que autoriza tal afirmação, nem os executados estavam impedidos de suscitar junto do tribunal recorrido o conhecimento da questão da omissão de cumprimento daquele preceito legal e suas consequências processuais, nem o tribunal recorrido estava impedido de conhecer dessa questão, afirmando não estar demonstrada a integração dos executados no PERSI, previamente à propositura da acção executiva, e julgando procedente a excepção dilatória inominada correspondente, com a absolvição da instância dos executados.
Pelo que improcedem igualmente as conclusões do recurso, quanto a esta questão, não havendo que fazer qualquer censura à decisão recorrida.
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DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
23 de Novembro de 2023
António Moreira
Pedro Martins
Carlos Castelo Branco