EMBARGOS DE EXECUTADO
INJUNÇÃO
JUROS VINCENDOS
ABUSO DE DIREITO
Sumário


I- Na execução que tenha como título executivo injunção a que foi aposta fórmula executória, assiste ao exequente o direito de no seu requerimento executivo contabilizar ( para além dos juros vencidos ) os juros vincendos e que integram a quantia exequenda.
II- A exequente ao instaurar a ação executiva com base num título executivo que a lei prevê, não ultrapassa os limites impostos pelo fim social ou económico do direito e, está, assim, a realizar o interesse que a lei visa tutelar, pelo que não há abuso de direito.
III- Para haver abuso de direito na modalidade de supressio, não basta o mero decurso do tempo sem que o direito seja exercido, mas é necessário que para além do não exercício do direito durante um período longo de tempo, sejam apuradas circunstâncias objetivas e concretas que justifiquem a expectativa, legítima e fundada, daquele em relação ao qual o direito é exercido de que o respetivo titular não mais o exerceria, ou seja, é necessário que do conjunto das circunstâncias do caso concreto, se conclua que o titular do direito deu àquele em relação ao qual o exercita a impressão de que não mais faria valer o direito em causa.
IV- Não constitui abuso do direito a propositura da ação de execução em 2022 e baseada numa injunção a que foi aposta a fórmula executória em 2008, ou seja, decorridos mais de 14 anos, quando nesse período não foi reclamado o pagamento de qualquer quantia em dívida, não estando demonstrado que a exequente tenha assumido uma conduta da qual era legítimo extrair que o pagamento do preço já não seria reclamado em sede de execução, nem se provando qualquer elemento que permita concluir que a exequente criou na executada a fundada expetativa de que o direito não mais seria exercido.

Texto Integral


Relatora: Anizabel Sousa Pereira
Adjuntos: Jorge Santos e José Manuel Flores

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I- Relatório ( que se transcreve):
Por apenso aos autos de execução comum n.º1479/22...., veio a executada AA EMBARGOS DE EXECUTADO invocando, em síntese, a ineptidão do requerimento de injunção desde logo porque no requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória e que é, por isso, título executivo, na parte relativa à exposição dos factos que fundamentam o pedido – causa de pedir – consta apenas o seguinte: “Contrato nº ...55 Descoberto na Conta de Depósitos à Ordem provocado por movimentos efectuados entre 2007-11-07 e 2008-06-30. Sobre os juros efectivamente cobrados incide o imposto selo à taxa de 4% - nº 17 da Tabela Geral do Imposto de Selo. Elementos de identificação dos requeridos: BB B.I. nº ... Contribuinte nº ...12 (Referencia do requerente nº... – Telefone do Requerente nº...12)”, ou seja, não consta da exposição de factos sequer qual o montante por cujo pagamento a Executada será eventualmente responsável, nem a que é que dizem respeito os alegados “movimentos”, assim como não são alegadas as condições do referido contrato que terá sido celebrado entre as partes, nem se, nem quando ou de que forma o mesmo terá sido incumprido, dando origem à dívida peticionada, razão pela qual deve ser julgada procedente a exceção dilatória invocada, sendo a Executada absolvida da instância.
Alega também a executada o abuso de direito da exequente pois a presente execução foi instaurada no ano de 2022, tendo como título executivo um requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória em 2008 e no qual foi peticionado o montante de €1.635,73, isto é, quase 14 anos depois da aposição da fórmula executória, é que foi instaurada a presente execução, com a quantia exequenda de € 7.034,25.
Mais alega que a exequente peticiona juros à taxa de 20% – sem qualquer fundamento – e juros compulsórios, sendo que a demora da exequente na instauração da execução importou uma diferença no valor peticionado de € 5.398,52, uma inércia muito lucrativa que demonstra bem a má fé do exequente na instauração da presente execução, bem como traduz um exercício clamorosamente ofensivo do princípio da boa fé, criando na parte contrária a firme e fundada expectativa de que a contraparte jamais iria exercer ou acionar o correspondente direito (cfr. art. 334.º do Código Civil).
Afirma também que a executada tinha efetivamente uma conta junto do Banco 1..., mas em momento algum utilizou o saldo a descoberto, tendo pago tudo quanto era devido no âmbito do contrato celebrado acrescentando ainda que, no que diz respeito aos juros peticionados no requerimento executivo, no montante de € 4.334,62, por não serem devidos, deverá tal pedido improceder.
Alega ainda que a executada, nos catorze anos decorridos, não foi interpelada para o pagamento de qualquer quantia, assim como nunca foi informada da existência de qualquer valor em dívida, quer através de carta, quer por contacto telefónico, ou por qualquer outro meio, não tendo sido notificada do requerimento de injunção que serve de base à presente execução, desconhecendo a existência de qualquer dívida que não contraiu.
Concluiu pela procedência dos presentes embargos e com a consequente extinção da execução.
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Regularmente notificada veio a exequente EMP01... apresentar contestação alegando, em síntese, que a embargante alega que a ineptidão do requerimento injuntivo, por falta ou ser ininteligível a indicação da causa de pedir, nomeadamente, por não ser especificada as condições do contrato (data do contrato, data de vencimento, data da mora, saldo devedor à data do incumprimento), todavia, carece de fundamentação legal pois que no requerimento injuntivo foi feita uma indicação muito sumária do pedido e da causa de pedir como, aliás, é inerente ao próprio formulário do requerimento de injunção, percebendo-se que ocorreu o incumprimento do contrato celebrado com o n.º ...55, estando em causa um descoberto da Conta de Depósitos à Ordem associada a esse contrato, no período compreendido entre 2007-11-07 e 2008-06-30, sendo certo que a embargante conseguiu identificar precisamente qual o contrato em causa a que se refere no aludido requerimento, tendo organizado e apresentado a sua defesa em conformidade.
No que concerne à alegação de que a atuação da embargante constitui abuso de direito por só ter instaurado a execução catorze anos transcorridos desde a data da aposição da fórmula executória entende a exequente que também não assiste razão à executada pois esta nunca poderia ter criado expetativa de que o crédito em causa não seria cobrado, atendendo que esta conhecia a existência da mesma e não optou pela resolução extrajudicial do presente litígio, apesar das várias tentativas nesse sentido.
Também alega que a embargante não podia contar com a inação da embargada visto que conhecia a existência da dívida, tendo sido interpelada para o efeito, através dos dados pessoais disponibilizados aquando a celebração do contrato.
Por último impugnou toda a matéria dos embargos de executado por contradição com a defesa da embargada no seu conjunto.
Concluiu pela improcedência dos embargos de executado.
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Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, onde foi decidida a regularidade da instância executiva e foi dispensada a fixação dos factos assentes e da base instrutória.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida a sentença com o seguinte dispositivo:
“ julgo improcedentes os presentes embargos de executado e, em consequência, determino o prosseguimento dos autos principais de execução.
Custas pela executada/embargante BB (art.527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil), sem prejuízo da decisão que incidiu sobre o pedido de concessão do apoio judiciário.
Notifique e registe.”
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Inconformada com aquela decisão judicial, veio a embargante/exequente dela interpor recurso, e a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

“I – Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. ( ) proferida pelo Juízo de Execução ... que julgou os embargos de executado apresentados pela ora Recorrente improcedentes, ordenando o prosseguimento da execução.
II – Ainda que entendendo que o título executivo era válido, sempre deveria ter-se em consideração que, não tendo sido peticionados juros vincendos no requerimento de injunção, nunca poderia o mesmo ser considerado título executivo válido quanto aos montantes peticionados a esse título.
III – Pelo que sempre deveriam desde logo ter sido julgados parcialmente procedentes os embargos, sendo reduzida a quantia exequenda ao valor requerido na injunção.
IV – Entendeu também a douta sentença não estar em causa abuso de direito da Exequente, por ter instaurado em 2022 uma injunção à qual foi aposta fórmula executória em 2008, importando uma diferença de € 5.398,52 no valor peticionado.
V – Além do tempo decorrido entre a formação do título e a execução, o que permitiu criar na
Executada a convicção de que nada devia e portanto nada lhe seria exigido, importa também salientar as consequências muito gravosas desta demora em nada imputável à Executada.
...
VI – É assim evidente – e a douta sentença recorrida não poderia tê-lo ignorado – que a intenção da Exequente com a demora na instauração da execução era o aumento exponencial e abusivo do seu lucro.
VII – Essa atuação constitui manifesto abuso de direito, sendo ilegítimo o exercício do direito – cfr. art. 334.º do Código Civil.
VIII – Por culpa da inação da Exequente, avolumou o valor dos juros para montantes exorbitantes, que não se coibiu de cobrar à Executada, causando um agravamento desmesurado da prestação.
IX – Conforme douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09.06.2020, proferido no âmbito do processo n.º 1429/14.2T8CHV-A.G1, “Nos termos do art.º 334.º do C.C., é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico desse direito. Como refere o Acórdão do S.T.J. de 09/09/2015, neste dispositivo legal consagra-se “um princípio fundamental da ordem jurídica, qual seja o de que o exercício dos direitos tem limites, pelo que a titularidade de um direito não confere um complexo de poderes absolutos inerente ao seu exercício” (ut Proc.º 499/12.2TTVCT.G1.S1, in www.dgsi.pt).”.
X – E ainda: “o abuso do direito “constitui uma ‘válvula de segurança’ do sistema jurídico, destinado a fazer face e neutralizar situações de flagrante injustiça a que por vezes pode conduzir o exercício de um direito subjectivo” – cfr., v.g., Ac. do S.T.J. de 12/02/2004 (ut Proc.º 03B4273, in www.dgsi.pt).”
XI – Conforme também aí se fez notar e nos presentes autos também se verifica, o efeito “bola de neve” resultante da inação da Exequente criou uma desvantagem para a Executada que é injusta e iníqua.
XII – Pelo que andou mal a Mma. Juiz a quo ao não julgar verificada a exceção perentória do abuso de direito, nos termos previstos no art. 334.º do Código Civil.
XIII – Devendo a decisão de que ora se recorre ser revogada e substituída por outra que julgue
procedentes os embargos de executado, por se verificar a exceção perentória de abuso de direito.
XIV – Ou, quando assim não seja, que reduza a quantia exequenda ao valor peticionado na injunção de € 1.635,73.”
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Foram apresentadas contra-alegações, pugnando, em síntese, pela manutenção da sentença.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido, após os vistos.
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II. Questões a decidir.

As questões a decidir, em função das conclusões recursivas e segundo a sua sequência lógica, são as seguintes:
- poderá o exequente [que instaurou ação executiva com fundamento em injunção à qual foi aposta fórmula executória] formular pedido de pagamento coercivo de juros “vincendos” além dos que foram calculados no requerimento de injunção.
- e ainda saber se o comportamento da exequente constitui abuso do direito, na modalidade de supressio.
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III. Fundamentação de facto.

Na decisão sob recurso foram dados como provados os seguintes factos:
“A) Por Contrato de Cessão de Carteira de Créditos, outorgado em 21 de Setembro de 2016, o Banco 1..., S.A. e o Banco 2...., S.A. cederam à EMP02..., S.A.R.L. uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes.
B) Por sua vez, a EMP02..., S.A.R.L. mediante contrato de cessão de créditos celebrado no dia 3 de abril de 2020, cedeu à EMP03..., S.A.  (“EMP03...”), bem como todas as garantias a eles inerentes, sendo atualmente a ora exequente a titular do crédito reclamado nos autos principais de execução.
C) Na sequência de processo de injunção que o Banco 1..., S.A, Soc. A (primitivo titular do crédito, entretanto, cedido à ora exequente), instaurou contra a executada e que correu termos no Balcão Nacional de Injunções sob o n.º168502/08...., foi esta condenada a pagar àquele a quantia de 1.635,73€, acrescida dos juros de mora, calculados à taxa de 20,00%, contados sobre o montante de capital em dívida de 1602,35€, desde 30/06/2008 até efetivo e integral pagamento, acrescido do imposto de selo sobre os juros, nos termos do n.º 17 da Tabela Geral do Imposto de Selo.
D) A executada não pagou à exequente a quantia peticionada no requerimento injuntivo, não obstante ter sido pessoalmente notificada para o efeito do procedimento injuntivo por ter assinado a carta registada que o BNI lhe remeteu.
E) A exequente apresentou nos autos executivos, como título executivo, um requerimento injuntivo entregue no BNI em 09/07/2008, ao qual foi aposta fórmula executória em 07/10/2008 e no qual discriminou o valor total do pedido (1.635,73€), o valor do capital (1.602,65€), os juros de mora (21,08€) e o valor da taxa de justiça paga (12,00€), assim como indicou como data do contrato: o dia 24/07/2007, expondo a seguinte factualidade: “Contrato n.º...55. Descoberto na conta de Depósitos á ordem provocado por movimentos efetuados entre 07/11/2007 e 30/06/2008. Sobre os juros de mora incide imposto de selo à taxa de 4%, nos termos do n.º17 da Tabela Geral do Imposto de Selo. Elementos de Identificação dos requeridos BB, BI n.º..., Contribuinte n.º...12”.
F) A conta à ordem referida no ponto anterior, em 09/07/2008, apresentava um saldo devedor, a título de depósitos à ordem, no valor de € 1.602,65€”. 
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IV- da questão de - saber se a injunção dada à execução constitui título executivo contra a ora recorrida no que respeita aos juros vincendos ( conclusão I a III):
Na sentença considerou-se que podem ser peticionados, além do mais, aqueles juros vincendos e o recorrente sustenta que, como não foram peticionados no requerimento de injunção, nunca poderia ser considerado título executivo quanto aos montantes peticionados a esse título.
Vejamos.
Desde já, importa relembrar, que o título executivo constitui um pressuposto processual específico da execução. É ele que determina o fim e os limites da ação executiva.
O requerimento de injunção, com a aposição da fórmula executória, constitui um título executivo, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 703.º do Código de Processo Civil (CPC), por efeito da disposição especial previsto no art. 14.º do Anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de Setembro.
Através do procedimento de injunção, conforme declaração preambular do legislador, pode obter-se, de forma célere e simplificada, um título executivo, com a dispensa da ação declarativa, e, assim, lograr aliviar os tribunais do “elevadíssimo (…) número de ações propostas para cumprimento de obrigações pecuniárias, sobretudo nos tribunais dos grandes centros urbanos”, salvaguardando, no geral, a sua função constitucional e eficiência.
Para esse efeito, importa cumprir os procedimentos legais, nomeadamente quanto à notificação do requerimento de injunção, para a qual se previu um regime específico, integrado também por diversas disposições consignadas no CPC (arts. 12.º a 13.º-A do Anexo ao DL n.º 269/98).
Esse regime destina-se a salvaguardar, eficazmente, o princípio do contraditório e a garantir a segurança do procedimento de injunção.
Ora a questão que importa esclarecer, no caso vertente, é saber se poderá o exequente formular pedido de pagamento coercivo de juros (vincendos) além dos que foram calculados no requerimento de injunção, uma vez que do requerimento de injunção enquanto título executivo só consta a quantia da obrigação, juros vencidos e a taxa de justiça paga, nada mais resultando do título, designadamente a título de juros vincendos desde a instauração do procedimento?
Alguma jurisprudência tem tido o entendimento sustentado pelo recorrente no sentido de que “considerando que com o instituto de injunção se pretendeu que se pudesse obter, de forma célere e simplificada, um título executivo, tal só se evidenciava com inerente à celeridade de atribuição e força executória uma pretensão onde os quantitativos se tivessem, à partida, como líquidos. Assim o terminus a quo do débito de juros de mora vincendos, situa-se no momento da apresentação do requerimento de injunção”, não podendo o credor contabilizar juros para além desse momento ( neste sentido, vide T. Rel. de Évora de 14-04-2010, proferido no proc. nº 2744/06.4TBLLE, acessível em www.dgsi.pt).
Salvo o devido respeito, entendemos que assiste ao exequente o direito de no seu requerimento executivo contabilizar igualmente juros vincendos.
Prima facie, vejamos o que dispõem as normas mais diretamente em causa, a saber, constantes do DL 269/98, de 1/9, que é o diploma matriz nesta matéria.
Desde logo, dispõe o art. 10º, na al e) do seu nº1, que no requerimento deve o requerente «formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas».
Por sua vez, o art. 21º, nº2, desse mesmo DL nº269/98, preceitua que a execução fundada em injunção tem como limites as importâncias a que se refere a alínea d) do artigo 13º.
Finalmente, o art. 13º – preceituando sobre o conteúdo da notificação a efetuar ao requerido no procedimento de injunção – determina, na al. d) do nº1, que ela deve conter «A indicação de que, na falta de pagamento da quantia pedida e da taxa de justiça paga pelo requerente, são ainda devidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento e juros à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória».
 Assim, decorre literalmente da conjugação destas normas que, além da quantia pedida no requerimento de injunção e da taxa de justiça paga, a execução poderá ainda abranger os juros de mora desde a data da apresentação do requerimento, bem como juros à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória.
Em suma, como se lê num artigo de Joel Timóteo, in Julgar on line “ o título executivo forma-se nesta base e com os precisos termos desta notificação, pelo que tais quantias devem considerar-se integradas na fórmula executória aposta no requerimento de injunção, já que a fórmula executória tem por pressuposto a realização da específica notificação a que se refere o art. 13.º, do Dec.-Lei n.º 269/98 e de todos os respectivos elementos. Ou seja, é a própria lei que, independentemente de serem pedidos ou não, reconhece sempre esse direito, num efectivo desvio ao princípio do pedido (art. 661.º, n.º 1, do CPC) 39, razão por que encontra-se devidamente justificada tal contabilização (e petição de pagamento) na acção executiva, sem ferir a função do título executivo (art. 45.º, n.º 1, do CPC).”.
Pelo exposto, a apelação é improcedente, neste particular.
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B- Agora a questão a decidir é a seguinte: apurar acerca da verificação ou não do abuso de direito.
Ou seja: apurar se, no presente caso, se verifica abuso de direito da parte da exequente por ter instaurado a execução em 2022 com uma injunção em que foi aposta fórmula executória em 2008.

Vejamos.
1.1.A sentença fundamenta a não verificação do abuso de direito por parte da exequente nos seguintes termos:
“da factualidade supra dada como provada não se consegue extrair que a exequente/embargada tenha atentado contra a boa-fé nem se encontra que a mesma tenha violado os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes pois, tendo cumprido todas as obrigações a que estava adstrita, veio apenas reclamar o pagamento de uma quantia que lhe é devida pela executada, não podendo, a nosso ver, a executada alegar que o facto de a exequente demorar 14 anos a instaurar a execução lhe criou legítimas expectativas de que tal não iria acontecer, desde logo, porque a exequente, ao ter intentado um procedimento injuntivo ao qual não foi deduzida oposição, e do qual a executada teve conhecimento pois assinou o respetivo aviso de receção, tendo sido conferida fórmula executória ao dito requerimento, manifestou junto da executada que pretendia cobrar o seu crédito podendo, a todo o tempo, a executada saldar a dívida que não desconhecia existir, o que não fez, razão pela qual apenas a si própria pode imputar o acréscimo de valor que agora lhe é peticionado.”.

1.2. O recorrente entende que a exequente atuou em abuso de direito, concluindo que a intenção da exequente com a demora da instauração da execução era o aumento exponencial do seu lucro, pois com essa atuação avolumou o valor dos juros que não se coibiu de cobrar ao executado, causando um agravamento desmesurado da prestação.
Para sustentar a sua tese lançou mão do Ac RG de 09-06-2020 ( relator José Alberto Moreira Dias), pois, na sua ótica, também se verifica, no caso vertente tal como na situação analisada naquele aresto, o efeito “bola de neve” resultante da inação da exequente o que criou uma desvantagem para a executada injusta e iníqua”.

1.3. Ora, provou-se que :
__ Na sequência de processo de injunção que o Banco 1..., S.A, Soc. A (primitivo titular do crédito, entretanto, cedido à ora exequente) instaurou contra a executada e que correu termos no Balcão Nacional de Injunções sob o n.º168502/08...., foi esta condenada a pagar àquele a quantia de 1.635,73€, acrescida dos juros de mora, calculados à taxa de 20,00%, contados sobre o montante de capital em dívida de 1602,35€, desde 30/06/2008 até efetivo e integral pagamento, acrescido do imposto de selo sobre os juros, nos termos do n.º 17 da Tabela Geral do Imposto de Selo.
__ A executada não pagou à exequente a quantia peticionada no requerimento injuntivo, não obstante ter sido pessoalmente notificada para o efeito do procedimento injuntivo por ter assinado a carta registada que o BNI lhe remeteu.
__ A exequente apresentou nos autos executivos, como título executivo, um requerimento injuntivo entregue no BNI em 09/07/2008, ao qual foi aposta fórmula executória em 07/10/2008 e no qual discriminou o valor total do pedido (1.635,73€), o valor do capital (1.602,65€), os juros de mora (21,08€) e o valor da taxa de justiça paga (12,00€), assim como indicou como data do contrato: o dia 24/07/2007, expondo a seguinte factualidade: “Contrato n.º...55. Descoberto na conta de Depósitos á ordem provocado por movimentos efetuados entre 07/11/2007 e 30/06/2008. Sobre os juros de mora incide imposto de selo à taxa de 4%, nos termos do n.º17 da Tabela Geral do Imposto de Selo. Elementos de Identificação dos requeridos BB, BI n.º..., Contribuinte n.º...12”.
__ A conta à ordem referida no ponto anterior, em 09/07/2008, apresentava um saldo devedor, a título de depósitos à ordem, no valor de € 1.602,65€.

2. Configura tal atitude da exequente um abuso de direito?

Cremos que não.

2.1. Prima facie, dir-se-á desde já, conforme se salienta no AC da RL de 12-07-2018 “ sendo o direito de ação, com consagração constitucional, inerente ao Estado de direito e um veículo para a discussão do direito subjetivo, não é por se decidir na ação que este direito afinal não existe, que deixa de se reconhecer que o direito de ação foi plena e corretamente exercido…  Em que situações excecionais se deve dizer que o exercício do direito de ação é ilícito?
Admitida a autonomia do direito da ação, que só por si não funciona como uma causa de exclusão da ilicitude, podendo ser exercido contra a lei, a doutrina e a jurisprudência mais recentes têm agrupado tais situações sob dois temas jurídicos essenciais:
-O exercício abusivo dentro dos contornos da cláusula geral do abuso de direito (artº 334º do Código Civil)…;
-Responsabilidade civil nos termos gerais, no âmbito da denominada “culpa in agendo...”
 
2.2. Importa ainda relembrar os princípios subjacentes àquela figura jurídica do abuso de direito, o que nos interessa analisar no caso vertente.
Efetivamente, nos termos do disposto no art. 334°, é ilegítimo o exercício de um direito, nomeadamente, « quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito ».
Como escrevem Pires de Lima / Antunes Varela ( in “Código Civil Anotado”, vol. 1, 4ª edição, pág. 298 ), o nosso ordenamento jurídico adotou uma conceção objetiva de abuso do direito, na medida em que basta que se excedam, manifestamente, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, não sendo necessária a consciência de se excederem.
Manuel de Andrade, por sua vez, refere-se aos « direitos exercidos em termos clamorosamente ofensivos da Justiça» (cfr.”Teoria Geral das Obrigações “, pág. 83 ), ao passo que, no dizer de Vaz Serra, se trata de «uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante » (cfr. BMJ, 85, 253 ).
O abuso do direito é um limite normativamente imanente ou interno dos direitos subjetivos, pelo que no comportamento abusivo são os próprios limites normativo-jurídicos do direito que são ultrapassados.
Por isso, o princípio do abuso do direito acaba por funcionar como um expediente técnico ditado pela consciência jurídica para obviar, em algumas situações particularmente clamorosas, às consequências da rígida estrutura das normas legais (cfr. Baptista Machado, CJ, IX, 2°, pág. 17, e Almeida Costa, « Direito das Obrigações », 7 ed., pág. 68).
O instituto do abuso do direito representa, assim, uma forma de controlo institucional por parte da Ordem Jurídica. Por outras palavras : o instituto do abuso do direito visa obtemperar a situações em que a concreta aplicação de um preceito legal que, na normalidade das situações seria ajustada, numa concreta situação da relação jurídica, se revela injusta e fere o sentido de justiça dominante.
Assim, o abuso do direito pressupõe a « existência de uma contradição entre o modo ou fim com o que o titular exerce o direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito, caso em que se excedem os limites impostos pela boa fé » (cfr. o AC. do STJde28/l1/96, CJSTJ, IV, 3°, pág. 117).

2.3. A parte que abusa do direito atua a coberto de um poder legal, formal, visando resultados que, clamorosamente, violam os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, ou pelo fim económico ou social do direito.
Uma das vertentes em que se exprime tal atuação, manifesta-se quando essa conduta viola o princípio da confiança, revelando um comportamento com que, razoavelmente, não se contava, face à conduta anteriormente assumida e às legítimas expectativas que gerou — venire contra factuin proprium.
Na verdade, com o desenvolvimento da teoria do abuso do direito, a chamada « conduta contraditória » — venire contra factum proprium —, em combinação com o princípio da tutela da confiança, começou a ser considerada como uma das manifestações daquele abuso e a variante mais clara da figura genérica que constitui aquele princípio.
No âmbito da fórmula « manifesto excesso » cabe, pois, a figura da « conduta contraditória », que se inscreve no contexto da violação do princípio da confiança, que tem lugar quando o agente adota uma conduta inconciliável com as expectativas adquiridas pela contraparte, em função do modo como antes atuara.
O venire contra factum proprium postula, assim, dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo.
O primeiro — o factum proprium —é, porém, contrariado pelo segundo.
Deste modo, a locução venire contra factum propriumi traduz o exercício de uma posição jurídica em aberrante e chocante contradição com o comportamento anteriormente adotado pelo exercente. Contradição que, diga-se, terá de ser aferida em função das regras da boa-fé (cfr. Menezes Cordeiro, « Da Boa-Fé no Direito Civil », vol. II, págs. 742 e 745).
O princípio do venire, como aplicação do princípio da confiança do tráfego jurídico, vem a significar que, se a outra parte confiar que o titular do direito o não exerceria com base nas suas declarações ou comportamentos, o exercício posterior do direito traduz, precisamente, uma atitude contraditória, já que se havia criado na outra parte a confiança de que o direito não seria exercido.
Não se exige, obviamente, que o responsável pela confiança tenha agido com culpa ao adotar a conduta que criou a confiança, «tanto mais que esta conduta nada terá de ilícito». Ilícita ou ilegítima apenas seria, mais tarde, « a tentativa de escapar à vinculação ( ou auto-vinculação ) ligada àquela primeira conduta ».
Todavia, apesar de não se exigir culpa, « no sentido de negligência censurável », sempre será de exigir, ao menos, uma « certa espécie de culpa do agente perante si próprio, no sentido de que conscientemente assim se quis conduzir, podendo e devendo prever, se usasse do cuidado usual, que tal conduta o poderia vincular de futuro segundo os ditames da boa-fé ».
Como tal, o ponto de partida para uma situação objetiva de confiança é, pois, «uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objetivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira» (cfr. Baptista Machado, RLJ, 118°, pág. 171).
Tal conduta tanto pode radicar « numa mera conduta de facto como numa declaração jurídico-negocial », sendo certo que os princípios que, à face do direito civil, permitem detetar a presença de um facto gerador de confiança podem ser induzidos das regras referentes às declarações de vontade, com relevância para a normalidade ( art. 236°, n° 1 ) e o equilíbrio (art. 237°).
Daqui resulta, pois, que o quantum de credibilidade necessário para integrar na previsão da confiança, por parte do factum proprium terá de ser função do necessário para convencer uma pessoa normal, colocada na posição do confiante e do razoável.
Neste domínio, como noutros, a concretização da boa-fé impõe o abandono de subsunções conceptualistas como modo de abordar o Direito.
 « Perante comportamentos contraditórios, a Ordem Jurídica não visa a manutenção do status gerado pela primeira atuação que o Direito não reconheceu, mas antes a proteção da pessoa que teve por boa, com justificação, a atuação em causa» (cfr. Menezes Cordeiro, op. cit., vol. II, págs. 751, 758, 759 e 769, e Baptista Machado, RLJ, 118°, pág. 171 ).

2.4. Importa aludir, igualmente, à chamada figura da « neutralização do direito », a qual, nas elucidativas palavras de Baptista Machado, não apresenta absoluta autonomia, antes deve ser reconduzida ao princípio do venire contra factum proprium ( cfr. « Obra Dispersa, pág. 241 ), dado estar, também, em causa a tutela da confiança. A sua única particularidade reside no relevo atribuído ao fator tempo e na circunstância do comportamento do titular do direito consistir, precisamente, em não agir.
Com efeito, em relação ao longo período de tempo em que por exemplo o agente se mantém passivo, pode falar-se da figura conhecida na doutrina por supressio.
O exercício do direito em tais condições ( decorrido tão longo lapso de tempo) contraria a boa fé.
Sinteticamente, dir-se-á que a « neutralização » é configurada quando o titular do direito deixa passar um longo período de tempo sem o exercer, o que, aliado a uma particular conduta desse titular ou a outras circunstâncias, cria na contraparte a expectativa ou convicção fundada e justificada de que o direito já não será exercido, em termos tais que a leva a adotar medidas ou «programas de ação que, doutro modo, não adotaria ».
Em tal caso, impõe-se que se impeça o exercício do direito, porquanto o seu exercício tardio e inesperado causaria desvantagem considerável, representando simultaneamente consequência ofensiva da boa fé ( cfr. Menezes Cordeiro, op. cit,, pág. 819, Baptista Machado, RLJ, 118°, págs. 11 e 228, Rita Amaral Cabral, RDES, XXXV, págs. 322 e 323, e o Ac. do STJ de 03/05/90, BMJ, 397, 454).

2.5. Na situação ajuizada, para que possa considerar-se abusivo o exercício do direito por parte do exequente importa averiguar se se encontram demonstrados factos a partir dos quais pode concluir-se que excedeu manifestamente, clamorosamente, o fim social ou económico do direito exercido, ou que a sua pretensão viola expectativas incutidas na Requerida.
Dito de outro modo para haver abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, é necessário saber se a conduta do pretenso abusante — o exequente — foi no sentido de criar, razoavelmente, na requerida uma expectativa factual sólida, de poder confiar na manutenção do status quo.
Como precedentemente se referiu, o art. 334º acolhe uma conceção objetiva do abuso do direito, porquanto não é necessário que o titular do direito atue com consciência de que excede os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito.
A lei considera verificado o abuso, prescindindo dessa intenção, bastando que a atuação do abusante, objetivamente, contrarie aqueles valores.
Deste modo, a conduta do agente, para ser integradora do venire, terá, objetivamente, de trair o « investimento da confiança » feito pela contraparte, importando que os factos demonstrem que o resultado dessa conduta constitui, em concreto, uma clara injustiça.
Nas elucidativas palavras de Menezes Cordeiro ( in « Revista da Ordem dos Advogados », ano 58, Julho de 1998, pág. 964), são quatro os pressupostos da proteção da confiança, ao abrigo da figura do venire contra factum proprium.
Assim, em primeiro lugar, exige-se uma situação de confiança, traduzida na boa fé própria da pessoa que acredita numa conduta alheia ( no factum propriuin).
Depois, é necessária uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis.
Em terceiro lugar, é preciso um investimento de confiança, que se reconduz no facto de ter havido, por parte do confiante, o desenvolvimento de uma atividade na base do factum proprium, de tal modo que a destruição dessa atividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara.

2.6. Chegados aqui, desde já, dir-se-á, que, no caso vertente, entendemos ser manifesto que a exequente ao instaurar a ação executiva com base num título executivo que a lei prevê, não ultrapassa os limites impostos pelo fim social ou económico do direito. Assim sendo, está a realizar o interesse que a lei visa tutelar.
Agora, resta apurar se a interposição da ação executiva, no concreto circunstancialismo apurado nos autos, decorridos 14 anos desde que foi aposta a fórmula executória na injunção deduzida, viola os limites impostos pela boa fé?
Ou seja, essencialmente, importa averiguar se o fundamento invocado pelo recorrente enquadra-se no que a doutrina designa por “supressio”: o longo período de tempo em que por exemplo o agente se mantém passivo, no caso, os 14 anos que distam da instauração da ação executiva ( em 2022) em relação à aposição da fórmula executória na injunção intentada contra a recorrente no ano 2008 e nesse lapso temporal nada ter sido pedido.
A recorrente invoca o decidido no acordão da RG de 20-02-2020 ( relator José Alberto Moreira Dias), nos termos do qual se concluiu pelo abuso de direito da exequente.
Todavia, a situação em causa em nada se assemelha à do caso vertente.
Com efeito, naquela outra situação analisada no citado acórdão da RG verificou-se o seguinte: “a exequente , em 28/02/2019, instaura uma execução para pagamento de quantia certa, contra uma associação de estudantes, tendo como titulo executivo um requerimento de injunção em que, em 10/12/2004, tinha sido aposta a fórmula executória relativa a um crédito emergente de um incumprimento contratual da parte da executada ocorrido em 2000, quando se apura que, desde 10/12/2004 até 14/11/2018, a exequente nunca abordou a associação executada a propósito desse anterior débito, sequer reclamou o respetivo pagamento e que, em 2007, a associação executada solicitou nova prestação de serviços à exequente, que lhos prestou, e que a associação pagou em 2008, sem que, em nenhuma dessas alturas, a exequente abordasse a executada sobre a questão daquela dívida antiga, que permanecia por liquidar, e sem reclamar esse pagamento, antes, na sequência do pagamento (em 2008) pela associação executada dos serviços prestados em 2007, a exequente emitiu recibo de pagamento desses serviços, em que fez consignar a menção: “valor pendente: zero”.
Ou seja, na hipótese analisada naquele aresto, provou-se, naquele lapso temporal ocorrido, um comportamento da exequente que cimentou ou que continuou a cimentar uma determinada expectativa de que não iria ser cobrada a quantia anteriormente devida ( e que a certa altura considerou expressamente junto da ré/executada: valor pendente: zero), o que consubstancia um ato clamorosamente abusivo e lesivo da boa fé, traduzindo uma clara situação de abuso de direito, na modalidade de supressio.
Sem embargo, no caso sub judicio, a situação em nada é semelhante.
No âmbito do recurso, a Recorrente socorre-se apenas do argumento de que nada mais foi reclamado desde a aposição da fórmula executória em 2008 para alicerçar o abuso do direito.
Sucede que a aludida situação objetiva não é suficiente para considerar que a Recorrida age em abuso do direito. Falta a demonstração de um elemento subjetivo que permita considerar a conduta desvaliosa. O que temos nos autos é apenas a situação da falta de pagamento da quantia pedida na injunção onde a requerida foi notificada e nada disse, tendo sido aposta a fórmula executória em 2008 e apenas em 2022 é que foi instaurada a execução respetiva e subsequente, sendo certo que tal lapso temporal pode ter ficado a dever-se a vários motivos, mas que não foram ventilados, nem apurados.
Depois, para além da inequívoca constatação de que não reclamou anteriormente o pagamento desde a aposição da fórmula executória na injunção deduzida, não está demonstrado que a exequente tenha assumido uma conduta da qual era legítimo extrair que o pagamento do preço já não seria reclamado em sede de execução. Não está provado qualquer elemento que permita concluir que a exequente criou na executada a fundada expetativa de que o direito não mais seria exercido.
Assim sendo, concordamos com a sentença quando ali se lê “ Na verdade, da factualidade supra dada como provada não se consegue extrair que a exequente/embargada tenha atentado contra a boa-fé nem se encontra que a mesma tenha violado os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes pois, tendo cumprido todas as obrigações a que estava adstrita, veio apenas reclamar o pagamento de uma quantia que lhe é devida pela executada, não podendo, a nosso ver, a executada alegar que o facto de a exequente demorar 14 anos a instaurar a execução lhe criou legítimas expectativas de que tal não iria acontecer, desde logo, porque a exequente, ao ter intentado um procedimento injuntivo ao qual não foi deduzida oposição, e do qual a executada teve conhecimento pois assinou o respetivo aviso de receção, tendo sido conferida fórmula executória ao dito requerimento, manifestou junto da executada que pretendia cobrar o seu crédito podendo, a todo o tempo, a executada saldar a dívida que não desconhecia existir, o que não fez, razão pela qual apenas a si própria pode imputar o acréscimo de valor que agora lhe é peticionado.”.
Por conseguinte, a apelação improcede igualmente, neste particular.
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V- DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
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Guimarães, 9 de novembro de 2023

Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
Jorge Santos e
José Manuel Flores