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VALOR DA ACÇÃO
UTILIDADE ECONÓMICA
ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
VALOR DO PEDIDO RECONVENCIONAL
Sumário
1. Para definir a utilidade económica que as partes podem obter com a procedência dos pedidos que formulam, critério para determinar o valor da ação, há que verificar o que está em litigio, considerando a causa de pedir, e logo o que efetivamente pedem que seja decidido, afastando-se os pedidos que apenas foram formulados por serem pressupostos da efetiva pretensão das partes, mas que não correspondem a uma utilidade autónoma que pela ação pretendem fazer valer. 2. Tal como a ação foi configurada na petição inicial, dos três pedidos formulados pelos Autores, (1) reconhecimento de propriedade sobre o prédio dito serviente, pacificamente aceite pela parte contrária, (2) reconhecimento da existência e uma servidão que a onera e (3) reconhecimento do direito de preferência a seu favor na aquisição do prédio dominante, apenas o último corresponde, caso a ação proceda, à obtenção de um efetivo beneficio, visto que o primeiro não é objeto do litigio e o segundo é mero pressuposto lógico do direito de preferência que este pretende exercer. 3. Hoje já não há dúvidas de que o critério para a fixação do valor da causa na ação de preferência é o constante do artigo 301º, nº 1, do Código de Processo Civil 4. Para que se conclua que estamos perante um pedido do réu, ou do interveniente principal, distinto do autor, que deve ser somado ao valor dos pedidos do autor para alcançar o valor da ação, é preciso que ele não seja o mero reverso do pedido do autor e que neles se apresente uma nova utilidade ou valor económico ainda não abarcado pelo pedido formulado por aquele, embora a seu favor, de acordo com a regra do artigo 296º, nº 1, do Código de Processo Civil 5. O pedido formulado pelos Réus de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio que adquiriram pelo contrato que os Autores pretendem que preteriu o seu direito de preferência e que de outra forma não é contestado, no contexto do processo, apenas beneficia os Réus pela negação do direito de preferência dos Autores, não tendo outro valor económico para além deste. 6. Da mesma forma, o pedido formulado pelos Réus de que seja reconhecido o que os Autores entendem que é uma servidão de passagem o não é, mas um caminho abusivamente ocupado, mais não é que a negação da existência dessa servidão de passagem, tal como o pedido de condenação na cessação da ocupação é meramente instrumentais dessa negação da servidão, sem valor económico autónomo.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I - Relatório
Apelantes (e 2ºs Réus):AA e mulher BB Apelados (e Autores): CC e mulher DD autos de: (apelação em separado a ação declarativa com processo comum
Na petição inicial os Autores pediram a condenação dos Réus a:
- reconhecerem que os AA. são donos e legítimos proprietários do prédio identificado no artigo 1º desta petição, com a extensão e limites constantes do “doc. ...” junto a final;
- a reconhecerem que esse prédio se encontra onerado em toda a extensão do seu limite norte/nascente, desde tempos imemoriais, com uma servidão de passagem a pé e de carros de bois, constituída por usucapião, a favor do prédio vendido através do contrato de compra e venda entre eles celebrado em 30 de outubro de 2019, junto a final como “doc. ...”, prédio esse identificado no artigo 19º da petição;
- a reconhecerem que os AA. têm o direito de preferência na aquisição daquele prédio objeto do contrato de compra e venda celebrado em 30.10.2019 o direito de haver para si tal prédio, pelo preço da venda de € 30.000,00 (trinta mil euros), nos termos do disposto nos artigos 1550º e 1555º, ambos do C. Civil e bem assim que seja ordenado o cancelamento do registo daquele prédio a favor dos segundos Réus.
Alegaram, para tanto, em síntese, que são donos de um prédio que identificam, inscrito a seu favor na Conservatória do Registo Predial, porquanto o compraram em 1983, tendo ainda posse boa para usucapir. Este prédio está onerado no seu limite norte/nascente, desde tempos imemoriais, por uma servidão de passagem a pé e de carro de bois que termina no prédio que identificam, inscrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...76, o qual não tem qualquer outro acesso direto a via ou arruamento público. Os Autores vieram a saber que esta parcela foi vendida pelos 1ºs aos 2ºs Réus pelo preço de 30.000,00, sem que lhe tivesse sido dado conhecimento prévio da intenção de venda e condições do negócio que teve lugar.
Atribuíram à causa do valor de 30.000,00 €.
Os 2ºs Réus contestaram, deduziram incidente de verificação do valor da causa e reconvenção.
Alegaram, em síntese, que a passagem a que se referem os Autores é um caminho que deste está perfeitamente delimitado e nunca fez parte do terreno do prédio daqueles, como resulta do próprio teor da escritura pública; deve somar-se aos 30.000,00 € indicados pelos Autores para valor da causa a quantia de 3.000,00 €, correspondente aos encargos atinentes à celebração do contrato de compra e venda, como impostos e registos e, ainda, à conservação do imóvel.
-- Pediram a sua absolvição da instância ou do pedido,
-- Que seja fixado, como valor da causa montante não inferior a € 33.000,00;
-- e a condenação dos Autores reconvindos a:
- reconhecer que os RR/Reconvintes são donos e legítimos possuidores do imóvel melhor identificado nos art.ºs 17.º e ss. da Contestação/Reconvenção, cuja entrada e saída, a pé e de veículo automóvel, se processa pelo denominado caminho, que possui uma largura média de cerca de 3,5 metros, embora atingindo cerca de 5/6 metros na interligação com o prédio dos 2.ºs RR., e uma extensão aproximada de 50 metros e que fica situado entre o prédio dos 2.º RR e o a rua, atualmente denominada, de ...;
- a reconhecer que estão abusivamente e sem título legítimo a ocupar o sobredito caminho, e ainda, a serem condenados a cessar de imediato essa ocupação e a eliminar/retirar o portão que lá se encontra e que alegam ter sido por eles (AA.) lá colocado, deixando o caminho livre e devoluto de pessoas e coisas.
Atribuíram à reconvenção o valor de 30.000,01 €.
Os Autores replicaram, negando o invocado pelos Réus e afirmando que o valor da ação de preferência corresponde ao preço do bem vendido, de harmonia com o que dispõe o nº 1 do artigo 301º, do C. P. Civil.
Foi proferida decisão que admitiu a reconvenção e fixou o valor da causa, nos seguintes termos:
“Admite-se liminarmente a reconvenção (cf. o art.º 266º nº 1 al. d) do Código de Processo Civil).
Fixa-se o valor da ação em €30.000,00 (trinta mil euros). – artigo 299º nº 2 e 301º nº 1, ambos do Código de Processo Civil.”
É da segunda parte desta decisão que o Recorrente interpõe recurso, apresentando as seguintes conclusões:
“I – O presente recurso circunscreve-se a um segmento do Despacho recorrido de fls…, mais concretamente, quanto à fixação do valor da causa, a saber: “Fixa-se o valor da ação em €30.000,00 (trinta mil euros). – artigo 299º nº 2 e 301º nº 1, ambos do Código de Processo Civil.” – cfr. Despacho de fls… 2 – Isto porque, salvo melhor opinião, mal andou o Tribunal recorrido na fixação do aludido valor, uma vez que, no caso em apreço, os valores dos pedidos dos AA. (€ 33.000,00) e dos RR. (€ 30.000,01), estes em sede reconvencional entretanto admitida, devem ser somados, ao contrário do entendimento perfilhado pelo Tribunal “a quo”. 3 – Efectivamente, tendo em conta que os pedidos de AA. e RR., bem como os seus respectivos efeitos jurídicos, são patentemente distintos, sendo um, o dos AA., o reconhecimento da preterição do direito de preferência na aquisição de um imóvel, e, o outro, o dos RR., o reconhecimento da propriedade sobre o dito imóvel, há que aplicar o art.º 299, n.º 2, e 530, n.º 3, ambos do C.P.C. 4 – Para se concluir no sentido aqui defendido, bastará atentar na diferenciada factualidade alegada e na necessidade de prova totalmente diversa da mesma para cada um dos diferentes pedidos para se afastar qualquer similitude de pretensões e seus efeitos jurídicos. 5 - Motivo pelo qual, na fixação do valor da causa, se deve somar o valor dos dois pedidos, no montante global de (33.000,00 + € 30.000,01 =) € 63.000.01, valor em que aquele deve ser fixado, o que se requer. 6 - Sem prescindir, se assim não se entender relativamente ao valor da acção, sempre se teria de considerar o valor indicado pelos AA. - € 30.000,00 -, independentemente da impugnação do mesmo realizado pelos RR., devendo, nesse caso, na fixação do valor da causa, ser somado o valor dos pedidos, no valor global de € 60.000.01, montante em que aquele deve ser fixado, o que se requer. 7 - Desta forma, verificou-se uma errada aplicação e interpretação, entre outros, dos art.ºs 299º, n.º 2, 301º, n.º 1, e 530º, n.º 3, todos do C.P.C., o que se requer seja reconhecido e, assim, mais se requer, seja determinada a revogação, nesta parte, do aludido Despacho e de todos os actos dele resultantes.” II - Objeto do recurso
O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas são de conhecimento oficioso ou se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.
Face ao alegado nas conclusões das alegações, importa: - apurar qual o valor a fixar à causa, apreciandoo valor da ação na ação de preferência e se se deve somar ao valor atribuído aos pedidos formulados pelo autor o valor atribuído pelo réu ao pedido reconvencional, por se considerarem diferentes.
III - Fundamentação de Facto
A matéria de facto, de natureza processual, já foi elencada supra.
IV - Fundamentação de Direito
O cerne da questão neste processo, nos termos em que foi desenhada no incidente de atribuição do valor da causa, é a do valor a atribuir aos pedidos formulados pelos Autores, a que neste recurso se somou a questão da soma, ou não, desse valor ao que foi atribuído pelos Reconvintes aos pedidos que formularam.
.1- Dos critérios gerais a atribuição do valor à causa
A cada causa deve atribuir-se um valor, como impõe o artigo 299º nº 1 do Código de Processo Civil.
Este valor tem particular relevância por determinar a competência do tribunal e a suscetibilidade do recurso, nos casos em que outra norma especial o não permita. Mas acaba também por ter outras funções, como a determinação da forma do processo de execução comum para pagamento de quantia certa, o número de peritos, o número de testemunhas, os termos posteriores aos articulados e o tempo dedicado ás alegações orais da audiência final (artigos 296.º, n.º 2, 305.º, n.º 2, 468.º, n.º 5, 511.º, n.º 1, 597.º, todos do Código de Processo Civil).
A regra para definir o valor da causa é o recurso à utilidade económica imediata do pedido e está expressa no artigo 296º do Código de Processo Civil. Esta regra, bem consolidada, constava já do artigo 310º do Código de Processo Civil de 1939: “a utilidade económica imediata que com a ação se pretende obter”. (cf Manual dos Incidentes da Instância, Álvaro Lopes Cardoso, 1992, em relação ao artigo código 305º de 1967, mas cuja redação corresponde ao atual artigo 296º do Código de Processo Civil).
Para apreender qual a utilidade económica do pedido, é também mister atender à causa de pedir, visto que este deve ser lido à luz dos seus fundamentos, porquanto esta serve para compreender o que se pretende obter com o peticionado.
Assim, é pacífico, quer na jurisprudência, quer na doutrina, que o valor duma ação é o valor do que se pede combinado com a causa de pedir (cf, a título exemplificativo, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 4ª ed, pág. 601, Alberto Reis, Comentário ao CPC, Vol. III, pág. 594, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães de 11/07/2012, no processo 286/10.2TBSPS-B.C1 e do Tribunal da Relação de Lisboa no processo 2586/17.1T8CSC.L1-7, de 04/13/2021, disponíveis no portal dgsi.pt.)
Desta forma, para definir a utilidade que as partes podem obter com a procedência dos pedidos que formulam há que verificar o que está em litigio e logo o que efetivamente pedem que seja decidido, afastando-se os pedidos que apenas foram formulados por serem pressupostos da efetiva pretensão das partes, mas que não correspondem a uma utilidade autónoma que pela ação pretendem fazer valer.
Esta ideia tem apoio também no artigo 297º do Código de Processo Civil, que estabelece os “Critérios gerais para a fixação do valor”, afirmando que se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa e se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício. Remete, pois, sempre, para o benefício concreto que a parte aufere com a ação, caso seja procedente.
Mais explana as regras a atender no caso de pedidos subsidiários e alternativos e no caso de cumulação de pedidos: no caso de pedidos alternativos, atende-se unicamente ao pedido de maior valor e, no caso de pedidos subsidiários, ao pedido formulado em primeiro lugar.
Se houver cumulação de pedidos atende-se ao valor de todos eles, que se somam, exceto quanto aos pedidos acessórios de juros, rendas e rendimentos não vencidos na pendência da causa, se forem pedidos os já vencidos.
No entanto, “Os pedidos acessórios só deverão ser considerados para efeitos de determinação do valor da causa quando representem um interesse autónomo, não incluindo no representado pelo pedido principal (art.ºs 296.º, n.º 1 e 297.º, n.º 2 do CPC)”, como se disse no acórdão de 12/09/2014 proferido no processo processo 33/09.1TBPNC.C1 e acórdão proferido em 04/10/2018, no processo nº 71/18.3T8CHV-A.G1).
Há que distinguir os casos em que as partes ao cumular pedidos pretendem efetivamente obter utilidades através de cada um deles, daqueles em que parte deles apenas traduzem os passos lógicos que conduzem ao único fim da ação, através dos quais não obtêm uma utilidade económica autónoma face á sua pretensão imediata.
A lei, a par do critério geral para a determinação do valor da ação selecionou um conjunto de situações em que os concretiza e fixou regras especiais para a determinação do valor, fundados essencialmente no pedido formulado. Caso a causa preencha qualquer uma dessas previsões é ao critério especial que se atende, visto que cada um destes visou concretizar a trave mestra prevista no artigo 296º nº 1 do Código de Processo Civil. Encontram-se, pois, estipulados critérios especiais para as ações de despejo (o valor é o da renda de dois anos e meio, acrescido do valor das rendas em dívida ou do valor da indemnização requerida, consoante o que for superior), para as ações referentes a contratos de locação financeira (o valor é o da soma das prestações em dívida até ao fim do contrato acrescido dos juros moratórios vencidos), para as ações de alimentos definitivos e de contribuição para despesas domésticas (o valor é o quíntuplo da anuidade correspondente ao pedido), para as demais ações que envolvam uma prestação periódica (tem-se em consideração o valor das prestações relativas a um ano multiplicado por 20 ou pelo número de anos que a decisão abranger, se for inferior; caso seja impossível determinar o número de anos, o valor é o da alçada da Relação e mais 0,01€), para as ações de prestação de contas (o valor é o da receita bruta ou o da despesa apresentada, se lhe for superior), tudo exposto nos artigo 298º e 300º do Código de Processo Civil.
Na mesma senda, o artigo 301º do Código de Processo Civil determina que nas ações cujo objeto é a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um ato jurídico, atende-se ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes e, na ausência destes, recorre-se às regras gerais para apuramento do valor; caso se pretenda a anulação do contrato fundada na simulação do preço, o valor da causa é o maior dos dois valores em discussão entre as partes.
Quando o objeto da ação é o direito de propriedade da coisa, o valor da coisa discutida (que pode corresponder apenas a parte da totalidade do valor do bem) é o valor da causa (artigo 302º nº 1 do Código de Processo Civil).
.2. Do valor da ação na ação de preferência
Pode discutir-se qual o critério a recorrer para determinar o valor da ação de preferência, porquanto, não obstante pela mesma se pretender que uma parte se substitua à outra no contrato em que se transmite a propriedade da coisa, remetendo para o citado artigo 301º do Código de Processo Civil, se poderia afirmar que o que conta realmente é o valor da coisa que se pretende adquirir, embora tal fosse não seguir a regra especial que, como vimos, afasta a geral.
A questão já se encontra dirimida com posição francamente maioritária na doutrina e na jurisprudência: “Não há dúvidas de que o critério para a fixação neste caso do valor da ação é o constante do artigo 301º, nº 1, do Código de Processo Civil, isto é, o do valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes. (considerando a aplicação deste critério às ações de preferência, vide Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa in “Código de Processo Civil Anotado. Volume I. Parte Geral e Processo de Declaração. Artigos 1º a 702º”, Almedina 2020, 2ª edição, a página 370; Miguel Teixeira de Sousa in “Código de Processo Civil Online”, publicado no Blogue do Instituto Português do Processo Civil (IPPC), em anotação ao citado artigo 301º, nº 1, do Código de Processo Civil; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2021 (relatora Catarina Serra), proferido no processo nº 8526/19.6T8SNT.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Dezembro de 2002 (relator Eduardo Antunes), proferido no processo nº 02A2890, publicitado in www.jusnet.pt; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24 de Maio de 2011 (relatora Rosa Tching), proferido no processo nº 1.09.3TCGMR-A.G1, publicitado in www.jusnet.pt; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26 de Novembro de 2013 (relator Henrique Antunes), proferido no processo nº 9/11, publicitado in www.jusnet.pt acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16 de Outubro de 2007 (relator Isaías Pádua), proferido no processo nº 1937/04.3TBC, publicitado in www.jusnet.pt; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14 de Junho de 2018 (relatora Eugénia Cunha), proferido no processo nº 2269 /17, publicitado in www.jusnet.pt e que contém referências jurisprudenciais sobre este ponto; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de Dezembro de 2014 (relatora Maria Domingas Simões), proferido no processo nº 33/09.1TBPNC.C1, publicado in www.dgsi.pt). Conforme refere, sobre este ponto, Salvador da Costa in “Os Incidentes da Instância”, Almedina 2020, 11ª edição, a página 40: “Por força deste normativo, o valor processual da ação de preferência corresponde ao do preço pelo qual a coisa foi vendida e não ao seu valor real (...)”.).” como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/02/2022, no processo 3372/18.7T8VNF-A.G1.S1 .
Com efeito, preenchendo-se a previsão do artigo 301º nº 1 do Código de Processo Civil é a esta norma que há que recorrer, por ser especifica para o caso em questão: porque o valor entre o preço constante do contrato e aquele por que se pretende preferir, este representa a utilidade económica do pedido.
.3. Do valor da causa quando haja reconvenção
O momento a atender para a determinação da causa é aquele em que a ação foi proposta, diz-nos o artigo 299º nº 1 do Código de Processo Civil, com exceção de duas situações:
- nos processos de liquidação ou análogos, em que a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários.
- quando haja reconvenção ou intervenção principal em que os pedidos (o formulado pelo réu na reconvenção ou pelo interveniente) sejam distintos dos do autor, considerando-se semelhantes quando estes pretendem obter, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o pretendido pelo autor ou a mera compensação de créditos (nº 2 do artigo 530º, e nº 2 do artigo 299º, ambos do Código de Processo Civil).
Assim, para que se conclua que estamos perante um pedido do réu ou do interveniente principal distinto do autor, é preciso que nestes se apresente uma nova utilidade ou valor económico, de acordo com a regra do artigo 296º, nº 1, do Código de Processo Civil, ainda não abarcado pelo pedido formulado por este (a seu favor).
Tudo passa, pois, por verificar os pedidos formulados pelos Autores e depois contrapô-los aos pedidos formulados pelos Réus, verificando se estes pedem a seu favor alguma utilidade que os Autores não tivessem já pedido, mas em seu benefício.
Só nesse caso haverá que aquilatar o valor de tais pedidos que extravasam a pretensão dos Autores.
Concretização
.1- Dos pedidos formulados pelos Autores
Os pedidos formulados pelos Autores traduzem-se numa simples ação de preferência, porquanto os pedidos acessórios não ganharam qualquer utilidade no contexto da pretensão por estes formulada.
Dos três pedidos formulados pelos Autores ((1) reconhecimento de propriedade sobre o prédio dito serviente, (2) reconhecimento da existência e uma servidão que a onera e (3) reconhecimento do direito de preferência a seu favor), apenas um corresponde, caso proceda, à obtenção de um efetivo beneficio: aquele pelo qual pretendem exercer o direito de preferência na aquisição do imóvel adquirido pelos ora recorrentes.
Os demais apenas representam o processo lógico prévio para a obtenção desse benefício: o direito de propriedade sobre o prédio que dizem serviente não é discutido e logo não é objeto da ação; o reconhecimento da existência de uma servidão que onera os seus prédios é meramente instrumental, sem que seja apresentado qualquer interesse autónomo do titular do prédio serviente no reconhecimento da servidão, para além do que advém do facto da servidão de passagem ser mero pressuposto lógico para o beneficio que pretendem que lhes seja permitido exercer.
Que valor atribuir a este pedido?
Como vimos existe norma que determina que quando a ação tiver por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um ato jurídico, atende-se ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes – artigo 301º nº 1 do Código de Processo Civil.
Os Réus na sua contestação vieram afirmar que entendiam que se lhes devia somar os encargos atinentes à celebração do contrato de compra e venda, como impostos e registos e encargos com o prédio, mas estes não cabem no preço estipulado pelas partes. Este valor, aliás, não é peticionado pelos Autores, porque nunca integraria o valor do pedido.
Assim, nos termos do artigo 301º nº 1 do Código de Processo Civil, deve-se atribuir ao pedido dos Autores da compra e venda pelo preço de 30.000,00 €.
Termos em que se concorda com o valor atribuído aos pedidos formulados pelos Autores.
2- Da reconvenção
Porquanto se estabeleceu no Código de Processo Civil que o valor da reconvenção só é somado ao pedido do Autor quando os pedidos sejam distintos, há que verificar se os pedidos formulados por ambas as partes são, ou não, distintos.
Já vimos o conteúdo do pedido dos Autores: reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio serviente, reconhecimento da servidão de passagem e, finalmente, do direito de preferência.
Os Réus peticionam:
- reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio que adquiriram pelo contrato que os Autores pretendem que preteriu o seu direito de preferência e que de outra forma não é contestado;
-- que seja reconhecido o que os Autores entendem que é uma servidão de passagem o não é, mas um caminho abusivamente ocupado, que descrevem e logo que a sua ocupação é ilegítima;
- a condenação dos reconvintes a cessar essa ocupação ilegítima e bem assim a retirar o portão e que deixem o caminho livre e desocupado.
Confrontados estes pedidos com os formulados pelos Autores logo se vê que não são mais que o pedido contrário, a sua negação, nada trazendo de novo na sua essência. É pressuposto no pedido dos Autores que a escritura pública de compra e venda pela qual os Réus declararam adquirir o imóvel é idónea para a transmissão da propriedade e portanto que não procedendo o seu pedido de preferência os Réus são proprietários do dito imóvel.
Assim, por não ser objeto do litigio, a única forma que este pedido beneficia os Réus, no contexto do processo, é pela negação do direito de preferência dos Autores, não tendo outro valor económico para além deste.
O mesmo ocorre com a declaração da existência do caminho, que mais não é que a negação da existência da servidão de passagem.
Por fim, as normais consequências práticas dessa declaração, como a cessação da ocupação e o retirar do portão, são meramente instrumentais dessa negação da servidão e declaração da existência do caminho, sem valor económico autónomo.
Assim, considera-se que o pedido reconvencional não tem um conteúdo distinto, na sua essência, dos formulados pelos Autores, sendo apenas o equivalente ao pedido de declaração da sua negação ou declaração de inexistência dos direitos constantes desses pedidos, traduzidos na declaração do oposto ao peticionado na petição inicial.
Termos em que bem andou a decisão recorrida em fixar o valor da causa no valor dos pedidos do autor, correspondente ao valor pelo qual a coisa foi vendida.
V- Decisão:
Por todo o exposto, julga-se a apelação improcedente, e em consequência mantém-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes (artigo 527º, n.º 1, do Código de Processo Civil)
** Guimarães, 9 de novembro de 2023
Sandra Melo Jorge Alberto Martins Teixeira Maria da Conceição Barbosa de Carvalho Sampaio