LOCAÇÃO FINANCEIRA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
RECEÇÃO DA COMUNICAÇÃO RESOLUTIVA
ALTERAÇÃO DA MORADA DO DESTINATÁRIO
REGISTO PÚBLICO DA ALTERAÇÃO DA SEDE SOCIAL
Sumário


I – A declaração de resolução é uma declaração receptícia, pelo que se torna eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida.
II – Ainda que não chegue ao destinatário, será, todavia, considerada eficaz, se só por culpa deste não for oportunamente recebida.
III – A apreciação da culpa deve ser feita casuisticamente, ponderando designadamente o específico contexto contratual.
IV – Será diferente o juízo formulado no âmbito de um contrato em que nada tenha sido acautelado a respeito da forma das comunicações ou do seu destino, em comparação com outro em que as partes tenham estabelecido endereços para onde deveriam remeter as comunicações relevantes em termos contratuais.
V – Tendo sido expressamente acordado no contrato celebrado entre as partes que “as comunicações entre locado e o locatário serão consideradas válidas e eficazes se forem efetuadas para os respetivos domicílios ou sede sociais tal como identificados neste contrato ou que, posteriormente, sejam informados, por escrito, à outra parte. Em caso de alteração de domicilio do locatário deve este comunicador ao Locador a nova morada nos 30 dias subsequentes à alteração, por carta registada com aviso de receção”, e não tendo a locatária provado ter cumprido o acordado, comunicando por carta registada com AR a alteração da morada, a devolução das cartas para interpelação e a declarar a resolução para a morada constante do contrato, não impede a eficácia das declarações nelas constantes.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Relatora: Helena Melo
1.º Adjunto: Arlindo Oliveira
2.ª Adjunta: Maria Catarina Gonçalves


Processo 4692/22.1T8LRA

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

Banco 1..., s.a.  instaurou  providência cautelar de entrega judicial de bens móveis, ao abrigo do disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95 de 24 de junho, contra A... Lda., pedindo a entrega imediata ao Requerente, em bom estado de conservação, dos bens constantes e melhor descritos nas faturas juntas como documento 2.

A requerida deduziu oposição, reconhecendo encontrar-se em incumprimento e invocando que, a admitir-se que as cartas que o requerente alega ter remetido, instando-a ao cumprimento e fixando-lhe prazo para pagar e a declarar a resolução do contrato, foram efetivamente remetidas pelo requerente, o que os documentos juntos não provam, tais cartas foram remetidas para a morada da sua antiga sede e não para a morada da sua sede atual, morada que o requerente conhecia.

Concluiu pela ineficácia das comunicações e, consequentemente, pela improcedência do requerido, por falta dos pressupostos exigidos pelo artº 21º, nº 1 do DL 149/95.

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, tendo sido julgada improcedente o procedimento cautelar.

A requerente não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

1. Com os elementos que constam dos autos, o Tribunal não podia ter dado como provado o final do Ponto 10 “como é do conhecimento do Requerente”.

2. O próprio Tribunal reconhece que a Requerida não demonstrou ter cumprido a obrigação prevista na Clausula 13ª do Contrato que previa que "as comunicações entre locado e o locatário serão consideradas válidas e eficazes se forem efetuadas para os respetivos domicílios ou sede sociais tal como identificados neste contrato ou que, posteriormente, sejam informados, por escrito, à outra parte. Em caso de alteração de domicilio do locatário deve este comunicador ao Locador a nova morada nos 30 dias subsequentes à alteração, por carta registada com aviso de receção.“

3. O Tribunal a quo dá como provado o conhecimento por parte do Requerente da alteração de morada da Requerida por via de um extrato de uma conta à ordem que em nada se relaciona com contrato de locação financeira ...64. Ao contrário do que refere o Tribunal a quo na fundamentação, o referido documento não respeita ao contrato dos autos.

5. Resultou da prova testemunhal produzida a ausência de conhecimento por parte do Requente da alteração de morada da Requerida.

6. Nada nos autos existindo que permita concluir que tenha sido dado conhecimento à Requerente da alteração de morada da Requerida, o que aliás o próprio Tribunal a quo reconhece.

7. Nem se diga que o registo público da alteração da sede social da Requerida seria suficiente, face o teor da Clausula 13º do Contrato de Locação Financeira

8. O facto de existir um extrato de conta à ordem, que nada tem a ver com o contrato em crise, em que consta outra morada, nada releva para efeitos das comunicações do contrato em causa.

9. Ou seja, ainda que o Requerente tivesse tido, oficiosamente, conhecimento da alteração da sede social – o que não se concede – nada impedia que para efeitos do contrato de locação financeira a Requerida pretendesse manter o domicílio indicado no contrato celebrado com o Requerente.

10. Pelo que nunca podia o Requerente, face ao contratado com a Requerida e sem a comunicação da alteração da morada, passar por sua iniciativa a enviar as comunicações referentes a este contrato para outra morada diferente da constante no contrato.

11. Assim, não tendo a carta de resolução sido recebida terá de se concluir que foi por culpa da Requerida, sendo de a considerar eficaz por força do preceituado no n.º 2 do artigo 224º do Código Civil.

12. Nesses termos, deve a Sentença recorrida ser revogada substituída por outra que decrete o Procedimento Cautelar e ordene a entrega do equipamento locado.

NORMAS VIOLADAS

Artº 224 nº 2 do C.P. Civil e 12º nº 3 do Código das Sociedades Comerciais.

NESTES TERMOS e deve ser revogada a Sentença Recorrida, devendo ser substituída por outra que considere o contrato validamente resolvido e decrete o Procedimento Cautelar e ordene a entrega do equipamento locado.

II – Objeto do recurso

De acordo com as conclusões da apelação, as quais delimitam o objeto do recurso, as questões a conhecer são as seguintes:

. se deve ser alterado o ponto 12 dos factos provados, passando a considerar-se não provado que  é do conhecimento da Requerente que a requerida alterou a sua sede social; e,

. se não obstante a devolução das cartas para notificação da apelada - a primeira interpelando-a para cumprir no prazo de 15 dias, sob pena de se considerar o contrato definitivamente incumprido e a segunda, declarando a resolução do contrato - as notificações/declarações produziram os seus efeitos, porque só não foram recebidas por culpa da apelada.

 III - Fundamentação

Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:

Factos Provados

1. No exercício da sua atividade, o Banco Requerente celebrou com a requerida em 28 de Maio de 2019, um contrato de locação financeira mobiliário a que foi atribuído o nº ...96 pelo qual o Banco Requerente deu em locação à Requerida os seguintes bens: “Um estabilizador de corrente 30 KW e uma seccionadora acm level 7, conforme fatura Proforma nº PF 2019ª7/2 de 11/03/2019”; Um silo e rede de aspiração, conforme fatura proforma n.º PF 2019ª7/4 de 11/03/2019; Um compressor de parafuso newsilver D10/300, secador, 2 depósitos, filtros e respetivos acessórios, conforme fatura proforma n.º PF 2019ª7/5 de 11/03/2019”, emitidas pela empresa fornecedora dos bens.

2. O equipamento objeto do presente contrato foi escolhido pela Requerida e comprado pelo Banco Requerente à sociedade B... LDA., pelo valor global de € 105.800,00, a que acresce o IVA à taxa legal em vigor, tendo o requerente pago tal equipamento

3. Depois de adquirido pelo Banco Requerente, o referido equipamento foi entregue à Requerida.

4. O referido contrato foi celebrado pelo prazo de 48 meses com rendas mensais e sucessivas, a primeira no montante de € 21.360,00 e as restantes 47 rendas no montante

de € 1.840,02 acrescidas de IVA à taxa legal em vigor.

5. O valor global da locação financeira foi de € 110.144,44, a que acresce I.V.A. à taxa legal em vigor. As rendas, com exceção da primeira, venciam-se mensal e antecipadamente.

6. Nos termos da cláusula 11ª das condições gerais, o contrato poderá ser resolvido em caso de incumprimento de qualquer uma das obrigações do locatário se este, interpelado para o efeito por escrito, não suprir a falta no prazo de dez dias a contar da data da emissão daquela notificação.

Na referida cláusula ficou ainda determinado que “a resolução far-se-á por simples declaração do locador dirigida ao locatário por escrito”.

7. Nos termos da cláusula 13ª das condições gerais, “as comunicações entre locado e o locatário serão consideradas válidas e eficazes se forem efetuadas para os respetivos domicílios ou sede sociais tal como identificados neste contrato ou que, posteriormente, sejam informados, por escrito, à outra parte. Em caso de alteração de domicilio do locatário deve este comunicador ao Locador a nova morada nos 30 dias subsequentes à alteração, por carta registada com aviso de receção. “

8. Entre 27 de abril de 2020 e 30 de Setembro de 2021 o contrato de locação financeira beneficiou de uma moratória decorrente dos benefícios concedidos em virtude da pandemia Covid-19.

9. A requerida não pagou a renda vencida em 01 de Fevereiro de 2022 nem as rendas seguintes, devidas por força do contrato, pelo que foi feita interpelação feita pelo Requerente por carta registada em 29 de Março de 2022 dirigida à ... 6 ....

10. Persistindo a Requerida no incumprimento, o Requerente enviou carta registada à requerida para a ... 6 ... em que declarava resolvido o contrato de locação financeira em 14 de Junho de 2022.

11. A Requerida ainda não entregou ao requerente o bem de que este é legitimo proprietário.

12. A Requerida alterou a sua sede social, em 04/11/2019, passando a ter a sua sede social em Rua ..., ..., ... ..., como é do conhecimento da Requerente.

B- Factos não provados

Não existem factos não provados com relevo para a decisão.

Da impugnação da matéria de facto

A Relação pode alterar a matéria de facto, se aprova produzida impuser decisão diversa (artº 662º, nº 1 do CPC).

Entende o apelante que não deveria ter sido dado como provado no final do ponto 12 “como é do conhecimento do Requerente”.

Alega o apelante  que o Tribunal a quo dá como provado o conhecimento por parte do Requerente da alteração da morada da Requerida por via de um extrato de uma conta à ordem que em nada se relaciona com o contrato de locação financeira ...64. Ao contrário do que refere o Tribunal a quo na fundamentação, o referido documento não respeita ao contrato dos autos e resultou da prova testemunhal – depoimento da testemunha  AA - a ausência de conhecimento por parte do Requente da alteração de morada da Requerida.

Apreciando:

O ponto 12 dos factos provados tem a seguinte redação:

.12.A Requerida alterou a sua sede social, em 04/11/2019, passando a ter a sua sede social em Rua ..., ..., ... ..., como é do conhecimento da Requerente.

O Tribunal a quo apresentou a seguinte fundamentação:

“Os factos provados, a esse respeito, resultam do envio das cartas juntas com o requerimento inicial, bem como dos originais juntos na audiência de produção de prova. De tais documentos resulta inequívoca a morada para onde as cartas foram enviadas, a qual era a sede da requerida à data de celebração do contrato – como consta do próprio contrato. Contudo, damos como provado não só a alteração da sede da requerida – pela certidão do registo, junta com a oposição – quer esse conhecimento por parte da requerente, atentos os documentos n. 2 juntos com a oposição (extratos combinados com datas de 31.1.2022, 30.6.2022 e 29.7.2022). Tais documentos não só são emitidos pela requerente como respeitam ao contrato dos autos”.

Procedemos à audição integral do depoimento da testemunha AA, no qual a apelante se fundamenta. A testemunha é  trabalhadora do Banco Réu e era a gestora da conta da apelada na altura em que foi celebrado o contrato de locação financeira, tendo visitado a sociedade apelada, pelo menos duas vezes, na ocasião da celebração do contrato e uma outra vez, em data que não soube precisar, mas que localizou em 2019.  Referiu que a apelante tinha na ocasião da celebração do contrato de locação financeira a sua sede em Lisboa, mas as instalações onde produzia, situavam-se na ..., em ..., local onde procedeu às visitas.

A testemunha esclareceu que não foi ela nem o departamento comercial quem remeteu as cartas a interpelar a apelada para pagar e a declarar a resolução do contrato, pois que quando o incumprimento persiste por alguns meses, como aconteceu no caso, não obstante os contactos que estabeleceu, telefónicos e eventualmente por e-mail com a apelada, tendo falado com o seu sócio gerente BB[1] e com o diretor financeiro, CC,  o assunto é remetido para o departamento de recuperação de crédito, sendo este departamento que procede ao envio das cartas de interpelação e de resolução.

A testemunha referiu que não sabia da alteração da sede, esclarecendo, na sequência do que lhe foi perguntado pelo ilustre mandatário, que a comunicação da alteração poderia ser tratada com outro colaborador, pois não tinha que necessariamente ser tratada consigo.

Com a oposição a apelada juntou três extratos bancários, emitidos pelo Banco ora apelante, relativos aos meses de janeiro, junho e julho de 2022, assim como certidão da matrícula da R., onde consta a alteração da morada da sua sede.

Os extratos bancário juntos aos autos são relativos à conta que a apelada tem no Banco apelante,  com o IBAN nº  ...05. Esta conta é aquela que consta no contrato de locação, na sua cláusula 14ª das condições particulares, como a conta onde devem ser efetuados os pagamentos das rendas devidas. Efetivamente, confrontando o IBAN constante do contrato com o mencionado nos extratos, verifica-se que é o mesmo, pelo que não assiste razão ao apelante quando refere que tal conta nada tem a ver com o contrato de locação.

O extrato de 31.01.2022, tem data anterior, tanto à carta de resolução, datada de 14 de junho de 2022, como também à carta para interpelação, datada de 29 de março de 2022, na qual a apelante interpela a apelada para proceder ao pagamento das rendas vencidas que identifica, no prazo de 15 dias, a contar da data da carta, sob pena de considerar o contrato definitivamente incumprido. Mas desta constatação não se pode concluir que a apelante tinha conhecimento que a Ré tinha alterado a sua sede, de Lisboa para a ....

Como a testemunha AA referiu, à data da subscrição do contrato de locação, a apelada tinha sede em Lisboa, mas a produção situava-se na ..., local onde a testemunha visitou a apelada por duas vezes.

O facto do apelante remeter os extratos para a morada sita na ..., por si só, não prova o conhecimento pelo apelante da alteração da sua sede, tanto mais que a apelada sempre teve instalações também nessa morada. Também contribuiu para esta convicção, embora não determinante,  a circunstância da testemunha, ainda gestora da conta da apelada em janeiro 2022, conforme consta no extrato bancário desse mês junto, ter dito desconhecer que a apelada tivesse mudado o local da sua sede.

Consequentemente, embora não assista razão ao apelante quando refere que a conta a que se reportam os extratos nada tem a ver com o contrato dos autos,  entende-se que ocorreu erro de julgamento e altera-se a redação do ponto 12 dos factos provados, eliminando-se a referência ao conhecimento pelo apelante da alteração da morada da sede da apelada, nos termos propostos pelo apelante e adita-se um novo ponto aos factos provados.

A matéria de facto provada e não provada é a seguinte com as alterações introduzidas pela Relação:

. pontos 1 a 11 dos factos provados mantêm-se inalterados.

            12. A Requerida alterou a sua sede social, em 04/11/2019, passando a ter a sua sede social em Rua ..., ..., ... ....

            . A requerente remeteu os extratos bancários relativos aos meses de Janeiro, Junho e Julho de 2022, relativos à conta com o NIB ...05 para a Rua ..., ..., ... ....

            Factos não provados:

A requerente conhecia que a requerida tinha alterado a sua sede.

Do Direito

            Entre as partes foi celebrado um contrato de locação financeira de equipamento diverso para o exercício da atividade da requerida.

 “A locação financeira é um contrato pelo qual uma entidade – o locador financeiro – concede a outra – o locatário financeiro – o gozo temporário de uma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador a um terceiro, por indicação do locatário” (cfr. Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, Almedina, 1998, pág. 550).

O artº 21º do DL 149/95, de 24/06  prevê uma providência específica dos contratos de locação, estabelecendo que, nos casos em que,  findo o contrato por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, pode este, após o pedido de cancelamento do registo da locação financeira, a efetuar por via eletrónica sempre que as condições técnicas o permitam, requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata ao requerente.

Resolvido o contrato de locação financeira, extingue-se a relação obrigacional, cessando quer as obrigações do locador previstas no art.º 9º do DL 149/95, quer as obrigações do locatário previstas no art.º 10º do mesmo. Consequentemente, impede sobre o locatário a obrigação de pagar as prestações vencidas até à data da resolução, além de ser obrigado a restituir o bem, já que cessou o seu direito a utilizá-lo e frui-lo. O mesmo se verifica quando contrato cessou pelo decurso do tempo, o locatário não exerceu a opção de compra, nem procedeu à entrega do bem.

Com o artº  21º do Dec. Lei nº 149/95, de 24/6, a lei pretendeu atribuir aos locadores um instrumento processual que, com celeridade e eficácia, pudesse defender os seus interesses, estabelecendo condições para evitar a deterioração e desvalorização dos bens locados e a fácil dissipação dos bens locados móveis, durante o decurso de tempo necessário à tramitação da ação principal. Este procedimento específico não exige o periculum in mora, como se verifica no procedimento cautelar comum regulado no artº 362º do CPC.

Na sentença recorrida entendeu-se que não estava demonstrada a resolução porque a carta de resolução não foi recebida pela locatária e não foi remetida para a sede da requerida, a qual foi alterada depois da celebração do contrato de locação, e da qual a apelante tinha conhecimento.  Mais se entendeu que, embora  a requerida não tivesse demonstrado ter cumprido o estabelecido na cláusula 13ª das condições gerais do contrato  - comunicação ao locador da alteração da morada por carta registada com AR. - tendo o locador  conhecimento da alteração da sua sede, pelo menos em 31.01.2002 (pretendeu-se certamente escrever 31.01.2022, dada a data do extrato bancário),  tal incumprimento não assumia qualquer relevo.

O apelante defende que o registo público da alteração da sede social da Requerida não é suficiente para dar cumprimento ao disposto na cláusula 13º das condições particulares do Contrato de Locação Financeira que impõe ao locatário dar conhecimento ao locador da alteração da morada constante do contrato por carta registada com aviso de receção.

No seu entender, o facto de existir um extrato de uma conta à ordem, que nada tem a ver com o contrato em crise, em que consta outra morada, nada releva para efeitos das comunicações do contrato em causa.  Ou seja, ainda que o apelante tivesse tido, oficiosamente, conhecimento da alteração da sede social – o que não se concede – nada impedia que para efeitos do contrato de locação financeira, a apelada pretendesse manter o domicílio indicado no contrato que celebrou consigo. Pelo que nunca podia o Requerente, face ao contratado com a Requerida e sem a comunicação da alteração da morada, nos termos acordados, passar por sua iniciativa a enviar as comunicações referentes a este contrato para outra morada diferente da constante no contrato.

Assim, não tendo a carta de resolução sido recebida, ter-se-á de concluir que foi por culpa da Requerida, sendo de  considerar eficaz a declaração de resolução por força do preceituado no n.º 2 do artigo 224º do Código Civil.

                                                           *

O contrato de locação financeira pode ser resolvido por qualquer das partes, nos termos gerais, com fundamento no incumprimento das obrigações da outra parte, não sendo aplicáveis as normas especiais, constantes da lei civil, relativas à locação (art. 17.º do Dec. Lei n.º 149/95). Pode, pois, o contrato ser resolvido pelo locador em caso de impossibilidade definitiva da prestação ou de perda do interesse contratual na prestação decorrente da mora ou do decurso de um termo fixo essencial (arts. 801.º, n.º 2, e 808.º, n.º 1, do Código Civil).

A declaração de resolução é uma declaração receptícia. Assim, e de acordo com o princípio geral estabelecido no art. 224.º, n.º 1, do Código Civil, que acolheu a chamada teoria da receção, apenas produz efeitos a partir do momento em que chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida.

No caso, as cartas para interpelação e posteriormente a declarar a resolução vieram devolvidas e foram remetidas para a morada constante do contrato, onde se localizava a  sede da locatária, à data da sua celebração. A primeira veio devolvida com a indicação de nova morada e a segunda com a indicação de desconhecido, menções apostas decerto pelo funcionário dos serviços postais.

O n.º 2 do art. 224.º do Código Civil atribui também eficácia à declaração apenas remetida nos casos em que a sua não receção se deve a culpa exclusiva do destinatário, dispondo para o efeito que “É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida”.

Não se tendo provado que a apelada deu a conhecer à apelante a alteração da morada da sua sede, por carta registada com AR, como impunha a cláusula do  artº 13º das condições gerais do contrato de locação financeira,  poder-se-á concluir que só por culpa da apelada é que as comunicações não foram por ela recebidas, tendo em consideração que o locador tinha conhecimento de que os extratos relativos à conta indicada no contrato de locação financeira eram remetidos para morada diferente da constante do contrato, à data da remessa das cartas para interpelação e a declarar a resolução e ainda atendendo às menções apostas nas cartas devolvidas?

Entendeu-se no Ac. do STJ de 09.02.202, proc. 3792/08.5TBMAI-A.P1.S1 “O disposto no art. 224º do CC traduz a assunção da teoria da receção, de tal modo que a eficácia da declaração negocial (ainda que de natureza resolutiva) depende do seu recebimento pelo destinatário, a tal equivalendo também a situação em que a declaração entra na sua esfera de influência.[2]

Todavia, o legislador ponderou outras situações, atribuindo também eficácia à declaração remetida, nos casos em que só por culpa do destinatário não foi por este oportunamente recebida (art. 224º, nº 2, do CC), previsão que nos aproxima da chamada teoria da expedição,[3] se bem que o ato de recebimento significa, nos termos da teoria da receção, chegada ao poder.[4]

 A dificuldade está na apreciação dos comportamentos (ações ou omissões) do destinatário suscetíveis de integrar tal situação. Lidando com conceitos indeterminados conexos com elementos subjetivos da responsabilidade contratual (a culpa e a exclusividade da culpa), a apreciação deve ser feita casuisticamente, ponderando designadamente o específico contexto contratual.

Deste modo, será diferente o juízo formulado no âmbito de um contrato em que nada tenha sido acautelado a respeito da forma das comunicações ou do seu destino, em comparação com outro em que as partes tenham estabelecido endereços para onde deveriam remeter as comunicações relevantes em termos contratuais. (sublinhado nosso)

Na ausência de outro critério delimitador do conceito de culpa para este efeito, teremos de nos socorrer do disposto no art. 799º, nº 2, do CC, sobre a culpa no âmbito da responsabilidade contratual e, por via remissiva, do art. 487º, nº 2, do CC, nos termos da qual esse elemento subjetivo deve ser concretamente aferido através do critério de um devedor criterioso e diligente.“

Na apreciação da culpa no não recebimento da declaração devem ser casuisticamente ponderadas todas circunstâncias relevantes, designadamente o grau de diligência concretamente exigível ao destinatário, atendendo também à natureza e ao teor do contrato a que respeita a declaração (cfr. se defende no Ac. do TRG de 11.02.2021, processo 4161/19.7T8VCT.G1).

O regime estabelecido pelo artº 224º, nº 2 do CC, visa, designadamente, como se entendeu no Ac. do STJ de 14.11.2006, CJSTJ, Ano XIV, tomo 3, págs. 109 e segs., “contrariar práticas como as dos que se esquivam a receber declarações, de que constituirão a maior parte das cartas registadas, que são devolvidas aos respetivos remetentes. Por isso se compreende que a não receção se fique a dever exclusivamente ou apenas a culpa do destinatário a declaração seja havida como eficaz. Havendo culpa do declarante ou de terceiro, caso fortuito ou de força maior, afastada fica a aplicabilidade desta norma. Consequentemente, haverá que demonstrar, em cada caso, que sem ação ou abstenção culposas do destinatário, a declaração teria sido recebida, não dispensando a concretização do regime um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do declaratário, no atraso ou na não receção da declaração”.

No caso, as partes estabeleceram na cláusula 13ª das condições gerais do contrato de locação que:

“As comunicações entre locado e o locatário serão consideradas válidas e eficazes se forem efetuadas para os respetivos domicílios ou sede sociais tal como identificados neste contrato ou que, posteriormente, sejam informados, por escrito, à outra parte. Em caso de alteração de domicilio do locatário deve este comunicador ao Locador a nova morada nos 30 dias subsequentes à alteração, por carta registada com aviso de receção. “

Assim, as partes certamente por razões de certeza e de segurança jurídica deixaram expresso um determinado endereço postal para as comunicações, assim como deixaram expressa a obrigação do locatário comunicar a alteração de domicílio nos 30 dias subsequentes à alteração, por carta registada com aviso de receção.

A apelada não logrou demonstrar que tivesse procedido a essa comunicação pelo meio previsto – carta registada com AR.

Neste contexto, em que não se prova que a apelada dirigiu à apelante comunicação escrita com aviso de receção a comunicar a alteração da sua morada e não proibindo a lei que uma sociedade possa ter a sua sede num determinado domicílio e outro particular para determinado negócio (artº 12º, nº 3 do CSC),  estando previsto expressamente que as comunicações são efetuadas para a morada constante do contrato, exceto se tiver sido comunicada uma outra, sendo que no caso do locatário teria de ser por carta registada com aviso de receção, há que concluir que as comunicações remetidas para a morada constante do contrato só por culpa exclusiva da apelada não foram recebidas.

E não se diga que em face dos motivos da devolução e em face da morada diferente da mencionada no contrato que o apelante conhecia, para a qual remetia os extratos de conta,  um juízo de prudência aconselharia a remessa de novas cartas para a morada constante do extrato bancário. É que se  apelante não tivesse mandado as cartas para o domicílio convencionado e as tivesse remetido para a morada constante do extrato (tivessem ou não sido devolvidas),  a apelada poderia invocar a ineficácia das declarações porque remetidas para a morada não convencionada. No âmbito de um contrato em que as partes tenham estabelecido endereços para onde deveriam remeter as comunicações relevantes em termos contratuais, o juízo de culpa tem de ter em conta o formalismo imposto às comunicações.

A apelada não poderia desconhecer que se encontrava em incumprimento, e deveria prever que o apelante lhe iria dirigir comunicações e deveria ter  assegurado o cumprimento da cláusula 13ª das condições gerais do contrato, o que não logrou provar.

Assim, não obstante as devoluções operadas, há que considerar as declarações eficazes porque só não foram recebidas por culpa da apelante.

Tendo considerada eficaz a declaração de resolução promovida pelo apelante, deve ser decretada a requerida entrega.

Sumário:

(…).

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogam a sentença recorrida e decretam a entrega imediata ao Requerente, em bom estado de conservação, dos bens constantes e melhor descritos nas faturas juntas como documento 2, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do Art. 21 do Decreto-Lei 149/95 de 24 de Junho, nomeando-se  depositária dos bens a sociedade C... LDA., com sede na ... Lisboa.
Custas pela massa insolvente da apelada.
Coimbra, 7 de novembro de 2023





[1] Pretendeu certamente referir-se a BB, sócio gerente da requerida, cfr. consta da certidão da matrícula junta com a oposição.