INSOLVÊNCIA
AÇÃO ESPECIAL PARA SEPARAÇÃO E RESTITUIÇÃO DE BENS
CÔNJUGE DO INSOLVENTE
BENS COMUNS DO CASAL
COMPROPRIEDADE
AQUISIÇÃO DE BENS COM DINHEIRO DO CASAL
Sumário


I – Se um dos cônjuges for comproprietário de certa coisa indivisa fora da comunhão conjugal (ou seja, se a quota detida, em compropriedade, sobre determinada coisa indivisa corresponder a bem próprio de um dos cônjuges), qualquer outra quota do mesmo bem que esse cônjuge/comproprietário venha a adquirir (além da que já lhe pertencia) será sempre um bem próprio dele, independentemente da natureza dos valores que sejam usados para tal aquisição (cfr. art.º 1727.º do CC);
II – A circunstância de essa aquisição ser efectuada com dinheiro comum do casal determina apenas a respectiva compensação ao património comum pelos valores utilizados, não determinando, contudo, que a quota assim adquirida passe a integrar a comunhão conjugal.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Apelação nº 2476/10.9TJCBR-AE.C1

Tribunal recorrido: Comarca de Coimbra - Coimbra - Juízo Comércio - Juiz 2

Relatora: Maria Catarina Gonçalves

1.º Adjunto: Helena Melo

2.º Adjunto: Arlindo Oliveira

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

AA, melhor identificada nos autos, veio, por apenso aos autos de insolvência de BB, intentar a presente ação especial para separação e restituição de bens contra a massa insolvente, os credores e o devedor, tendo em vista ver reconhecido o seu direito a separar da massa insolvente a sua meação nos seguintes prédios:

1) Prédio urbano composto de edifício de rés-do-chão e 7 andares, com lados direito e esquerdo, destinando-se o rés-do-chão a comércio e os restantes andares a habitação, sito na Avenida ..., ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... (...) com o n.º ...91, e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...67.º;

2) Prédio rústico composto de terra de cultura, pinhal, pastagem e pomar, com a área de 358,400 m2, sito na ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...50 e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...98.º;

3) Prédio rústico composto de pinhal e pastagem com lenha dispersa, com a área de 39,580 m2, sito em Pomar, freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...51 e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...32.º;

4) Prédio rústico composto de terra de sequeiro, pastagem e oliveiras, com a área de 834 m2, sito em Conselho, freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...71 e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...40.º.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em resumo:

- Que contraiu matrimónio com o co-Réu BB, em .../.../1981, sob o regime de comunhão de adquiridos;

- Que, em Dezembro de 2010, foi declarada a insolvência de BB, seu marido;

- Que, no âmbito dessa insolvência, os prédios acima descritos foram apreendidos para a Massa Insolvente;

- Que esses prédios foram adquiridos pela Autora e pelo 1.º Réu, na constância do casamento, integrando, por isso, o património comum do casal;

Que, com vista a tais aquisições, a Autora pagou, do seu bolso, vultuosas tornas aos restantes intervenientes;


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O Réu, BB, apresentou contestação, aceitando, na sua maioria, os factos alegados pela Autora e o seu direito à separação dos bens identificados, ressalvando apenas que o bem imóvel identificado sob o n.º 4 não foi apreendido na totalidade sendo certo que ele pertence em compropriedade ao Réu e à Autora por ter sido adquirido, por compra e venda, em partes iguais para cada um deles.

*

A Massa Insolvente de BB também apresentou contestação, invocando a caducidade do direito da Autora, impugnando os factos alegados e alegando que, com excepção da verba n.º 4 (em relação à qual apenas foi apreendida a meação), os bens em causa são bens próprios do Insolvente, uma vez que as verbas 2 e 3 foram adquiridas antes do casamento, sendo que, no que toca à verba n.º 1, ¼ dela foi adquirida pelo Insolvente antes do casamento e os restantes ¾ foram adquiridos por permuta com os seus irmãos de quotas que detinha noutros imóveis (próprios), provindo, portanto, de direitos próprios anteriores do insolvente e correspondendo, por isso, a bens sub-rogados no lugar de bens próprios, nos termos do art.º 1723.º do CC.

Alegou ainda que o passivo da presente insolvência é comum também à aqui Autora, em face do disposto nos artigos 1691.º, n.º 1, alínea d), do Código Civil e do artigo 15.º do Código Comercial, porquanto contraída em proveito comum do casal, razão pela qual não há lugar à separação da meação.

Invocou ainda a excepção do abuso de direito por parte da Autora na apresentação da presente ação judicial, tendo em conta que só decorridos 10 anos sobre a apreensão dos bens (apreensão de que teve logo conhecimento) é que veio requerer o reconhecimento do seu direito a separar da massa insolvente a sua meação nos mesmos.


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Foi realizada a audiência prévia, onde as partes tiveram a oportunidade de discutir as excepções invocadas, tendo então manifestado o seu acordo relativamente ao facto de, em relação ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...71 e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...40.º, se encontrar, desde já, apreendida a favor da Massa Insolvente apenas o direito à metade indivisa pertencente ao devedor insolvente e aqui co-Réu, Dr.º BB.

As partes foram ainda advertidas da possibilidade de o Tribunal poder vir a conhecer do mérito da causa logo após a junção dos documentos que a Autora foi convidada a apresentar.


*

Na sequência dos demais trâmites legais e após junção dos documentos que se consideraram necessários, foi proferida decisão – em 19/06/2023 – que, considerando possível o conhecimento imediato do mérito da causa em face dos elementos já constantes dos autos, sem necessidade de produção de mais provas, decidiu julgar a acção improcedente e absolver os Réus dos pedidos.

*

Inconformada com essa decisão, a Autora veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

- O Tribunal omitiu factos essenciais que tinham sido aduzidos pela A., na p. i.

- O Tribunal omitiu estes factos essenciais que, aliás, foram formalmente, confessados pelo R. marido.

- Tais factos constam da p. i. (pontos 8º e 11º).

- Tais factos constam da Contestação (pontos 17º, 19º, 20º).

- A aproximação entre A. e R., no que respeita ao teor destes factos levou-nos a concluir que se consumou uma confissão, neste particular, à luz do disposto no artigo 355º nº 3 e 356º nº 1 do C. P. Civil.

- Factos aduzidos e factos confessados, estes factos não poderão ser ignorados.

- Todavia, o que fez o Tribunal? Emitiu a sentença sem que tenha sequer agendado a adequada audiência de discussão e julgamento, omitindo toda a factualidade subjacente.

- E que factualidade é esta?

- Trata-se das centenas de milhares de euros que a A. pagou do seu bolso, a título de tornas para que a escritura de permuta e o acordo na acção judicial de divisão de coisa comum pudessem ter sido concretizados.

- Caso estas tornas não tivessem sido assumidas e pagas pela A., quer a escritura de permuta quer o acordo na acção judicial de divisão de coisa comum não teriam acontecido.

- Estas tornas no valor de centenas de milhares de euros foram pagas pela A., ao longo de cerca de dez anos.

- O casamento da A. com o R. marido aconteceu em 19 de Abril de 1981.

- A primeira escritura de permuta de bens ocorreu em 26 de Setembro de 1986. CINCO anos depois.

- As sentenças homologatórias foram proferidas em 6 de Abril de 1990 (processos de divisão de coisa comum nºs 74/88 e 316/89 do Tribunal de Círculo ...) e em 19 de Abril de 1991 (processos de divisão de coisa comum nºs 74/88 e 316/89 do Tribunal de Círculo ...). NOVE e DEZ anos após o casamento.

- Aquando de uma e da outra ocorrência, a A. assumiu como compromisso proceder ao pagamento das tornas que decorriam com normalidade das divergências entre os valores dos bens, em causa; o que aconteceu durante cerca de dez anos e que atingiu valores de largas centenas de milhares de euros.

- Esta factualidade assumida pela A. repercutiu-se quer nas suas responsabilidades perante o cônjuge marido, quer nos seus direitos garantisticos sobre os imóveis em causa (seja aqueles que constam da escritura de permuta, seja aqueles outros que se incluem nos acordos da acção judicial de divisão de coisa comum).

- Esta factualidade conferiu à A. direitos sobre os bens imóveis em causa. Direitos estes que a A. quer ver garantidos, tal como consta da p. i.

- Vejam-se os artigos 1693º a 1697º do Código Civil.

- Ora, o Tribunal – ao ignorar toda esta factualidade assente e confessada – violou grosseiramente o disposto no artigo 640º nº 1 do C. P. Civil.

- Deve, assim, a sentença proferida ser revogada e deve ser agendada audiência de discussão e julgamento.

- É o que se requer.

A Massa Insolvente de BB respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões:

(…).


/////

II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se os factos alegados nos pontos 8 e 11 da petição inicial eram (ou não) essenciais ou relevantes para efeitos de decisão da questão que se suscitava nos autos e que consiste em saber se os imóveis acima identificados são (ou não) bens comuns do casal.

Caso se conclua pela relevância desses factos, importará saber se eles devem considerar-se provados por efeito da alegada confissão do Réu ou se o processo deverá seguir os trâmites posteriores com vista à realização de audiência de julgamento.


/////

III.

Com base nos elementos documentais constantes deste apenso processual, dos autos principais de insolvência e dos demais apensos, a 1.ª instância considerou assentes os seguintes factos:

1) Na Conservatória do Registo Predial ... (Freguesia ...), sob o n.º 2791/...06, encontra-se descrito o prédio urbano, composto de edifício de rés-do-chão e 7 andares, com lados direito e esquerdo, destinando-se o rés-do-chão a comércio e os restantes andares a habitação, sito na Avenida ..., ..., concelho ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...67.º, conforme resulta da caderneta predial de fls. 11 v.º a 17 e da certidão da conservatória do registo de fls. 42 v.º a 45 destes autos, e ainda de fls. 19 a 24 do apenso C, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;

2) Na Conservatória do Registo Predial ... (freguesia ...), sob o n.º 150/...28, encontra-se descrito o prédio rústico, composto de terra de cultura, pinhal, pastagem e pomar, com a área de 358,400 m2, sito na ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ...98.º, conforme resulta da caderneta predial de fls. 18 e da certidão da conservatória do registo de fls. 48 a 50 v.º destes autos, e ainda de fls. 25 a 29 do apenso C, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;

3) Na Conservatória do Registo Predial ... (freguesia ...), sob o n.º 151/...28, encontra-se descrito o prédio rústico, composto de pinhal e pastagem com lenha dispersa, com a área de 39,580 m2, sito em Pomar, freguesia ..., concelho ..., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ...32.º, conforme resulta da caderneta predial de fls. 18 v.º e da certidão da conservatória do registo de fls. 54 a 56 v.º destes autos, e ainda de fls. 30 a 35 do apenso C, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;

4) Na Conservatória do Registo Predial ... (freguesia ...), sob o n.º 1171/...16, encontra-se descrito o prédio rústico, composto de terra de sequeiro, pastagem e oliveiras, com a área de 834 m2, sito em Conselho, freguesia ..., concelho ..., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ...32.º, conforme resulta da caderneta predial de fls. 19 e da certidão da conservatória do registo de fls. 36 a 38 do apenso C, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;

5) Por sentença datada de 20.12.2010, transitada em julgado em 02.11.2018, proferida no processo principal de insolvência de que estes autos são apenso, foi declarada a insolvência de BB, casado, advogado, nascido no dia .../.../1954, natural da freguesia ..., concelho ..., filho de CC e de DD, e residente, à data, na Rua ..., em ...;

6) No âmbito do processo insolvencial de BB, foram apreendidos, entre o mais, os seguintes bens/direitos:

a) O prédio urbano melhor descrito em 1), conforme decorre do auto de apreensão de fls. 14 a 16 do apenso C, cujo teor se dá aqui por reproduzido;

b) O prédio rústico melhor descrito em 2), conforme decorre do auto de apreensão de fls. 6 do apenso C, cujo teor se dá aqui por reproduzido;

c) O prédio rústico melhor descrito em 3), conforme decorre do auto de apreensão de fls. 6 do apenso C, cujo teor se dá aqui por reproduzido; e

d) O direito sobre a metade indivisa do prédio rústico melhor descrito em 4), conforme decorre do auto de apreensão de fls. 11 do apenso C, cujo teor se dá aqui por reproduzido;

7) A aqui Autora e o co-Réu BB contraíram matrimónio entre si, no dia .../.../1981, conforme resulta da certidão de assento de casamento de fls. 5, que aqui se dá por reproduzida;

8) Por escritura pública lavrada em 28.06.1965, EE e esposa, FF, declararam, entre o mais, que vendiam, livre de encargos, a «mera ou nua propriedade» do prédio identificado em 1), a GG, a HH, a BB (ora insolvente e aqui co-Réu) e a II, ali representados pelo pai destes, CC, pelo preço de 2.255.000$00, conforme resulta do documento junto a fls. 194 v.º a 196 v.º (bem como a fls. 214 a 216), cuja transcrição se mostra junta com a ref.ª 7059752, de 15.02.2022, e que aqui se dá por integralmente reproduzido;

9) Pela Ap. ... de 1965.07.05, foi registada a aquisição do prédio identificado em 1), por «Compra», a favor de GG, a HH, a BB (ora insolvente e aqui co-Réu) e a II, conforme resulta da certidão da conservatória do registo de fls. 42 v.º a 45 destes autos, e ainda de fls. 19 a 24 do apenso C, cujos teores se dão por reproduzidos;

10) Em 26.09.1986, por escritura pública denominada de «PERMUTA», GG e esposa (1.ºs outorgantes), HH (2.º outorgante), BB (3.º outorgante, ora insolvente e aqui co-Réu, com autorização da ora Autora, sua esposa) e II (4.ª outorgante), declararam ser «donos e legítimos possuidores dos seguintes prédios urbanos, na proporção de um quarto para os primeiros outorgantes e um quarto para cada um dos segundo, terceiro e quarta outorgantes»:

Um) Prédio urbano sito em ..., na Avenida ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...70 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...90º;

Dois) Prédio urbano sito em ..., na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...12 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...31º;

Três) Prédio urbano melhor descrito em 1);

Quatro) Prédio urbano sito em ..., na Avenida ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...36 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...80º,

tudo conforme resulta do documento junto a fls. 202 a 206 (bem como a fls. 216 v.º a 220), que aqui se dá por integralmente reproduzido;

11) Os outorgantes da escritura pública imediatamente acima referida, mais ali declararam, entre o mais (e apenas no que ora interessa), que:

- «Os primeiros outorgantes dão ao terceiro, um quarto do prédio urbano identificado na verba Três (…)» e «O terceiro outorgante dá aos primeiros um quarto do prédio urbano identificado na verba Um (…)»;

- «O segundo outorgante dá ao terceiro um quarto do prédio identificado na verba Três (…)» e «O terceiro outorgante dá ao segundo um quarto do prédio urbano identificado na verba Dois (…)»;

- «O terceiro outorgante dá à quarta um quarto do prédio urbano identificado na verba Quatro (…)» e «A quarta outorgante dá ao terceiro um quarto do prédio identificado na verba Três (…)», conforme resulta do documento junto a fls. 202 a 206 (bem como a fls. 216 v.º a 220), que aqui se dá por integralmente reproduzido;

12) Pela Ap. ... de 1994.11.23, foi registada a aquisição de ¾ do prédio identificado em 1), por «Permuta», a favor de BB (ora insolvente e aqui co-Réu), conforme resulta da certidão da conservatória do registo de fls. 42 v.º a 45 destes autos, e ainda de fls. 19 a 24 do apenso C, cujos teores se dão por reproduzidos;

13) Por escritura pública lavrada em 24.10.1963, JJ declarou vender a CC (pai do ora insolvente e aqui co-Réu), que ali representado por procurador declarou comprar, seis prédios ali melhor identificados, entre os quais o prédio identificado em 2), então descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...34 e inscrito nos artigos matriciais ...64... e ...68.º, conforme resulta do documento junto a fls. 232 a 234 v.º, conjugado com os documentos juntos a fls. 221 v.º e 223 (estabelecendo a correspondência com as anteriores identificações prediais e matriciais), que aqui se dão por reproduzidos;

14) Por escritura pública lavrada em 12.11.1963, KK declarou vender a CC (pai do ora insolvente e aqui co-Réu), que ali representado por procurador declarou comprar, o prédio identificado em 3), então descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...76 e inscrito no artigo matricial ...76.º, conforme resulta do documento junto a fls. 235 a 236 v.º, que aqui se dá por reproduzido, conjugado com os documentos juntos a fls. 226 e 228 (estabelecendo a correspondência com as anteriores identificações prediais e matriciais), que aqui se dão por reproduzidos;

15) Pela Ap. ... de 280587, foi registada a aquisição do prédio identificado em 2), por «Doação de CC e esposa DD», a favor de GG, a HH, a BB (ora insolvente e aqui co-Réu) e II, conforme resulta da certidão da conservatória do registo junta com o requerimento de 05.04.2022, com a ref.ª 7186140;

16) Pela Ap. ... de 280587, foi registada a aquisição do prédio identificado em 3), por «Doação de CC e esposa DD», a favor de GG, a HH, a BB (ora insolvente e aqui co-Réu) e II, conforme resulta da certidão da conservatória do registo junta com o requerimento de 05.04.2022, com a ref.ª 7186140;

17) Por sentença datada de 06.04.1990, proferida no âmbito da acção de divisão de coisa comum n.º 74/88, que correu termos pelo extinto Tribunal Judicial ... (tendo adquirido o n.º 316/89, aquando da criação do - também já extinto - Tribunal de Círculo ...), os prédios identificados em 2) e 3) (ali descritos nas alíneas d) e e) do 1.º e único facto dado por provado), entre outros, foram declarados pertencer em comum e partes iguais a GG, a HH, a BB (ora insolvente e aqui co-Réu) e II, e respectivos cônjuges, conforme resulta da certidão junta em 14.07.2022 e 15.07.2022 (ref.ªs 7412994 e 7412999, respetivamente), bem como de fls. 252 a 261 v.º, que aqui se dão por reproduzidos;

18) Por sentença datada de 19.04.1991, também proferida no âmbito da acima identificada acção de divisão de coisa comum, foi homologada a transacção celebrada em 20.03.1991, por GG (e esposa), HH (e esposa), BB (e esposa) e II (e marido), nos termos da qual, e entre o mais, os prédios identificados em 2) e 3) [ali descritos nas alíneas d) e e) do 1.º e único facto dado por provado na sentença referida em 17)] foram adjudicados a BB, conforme resulta da certidão junta em 15.07.2022 (ref.ª 7413000), bem como de fls. 252 a 261 v.º, que aqui se dão por reproduzidos;

19) Tal como resulta de despacho judicial proferido no âmbito da aludida acção de divisão de coisa comum, datado de 10.12.1993, «nesta ação judicial intervieram os respetivos cônjuges, a fim de assegurarem a legitimidade ativa e passiva de Autores e Réus, por força do preceituado nas disposições conjugadas dos artigos 1.682º-A, n.º 1, alínea a), do Código Civil e 18º, nº 1, 19º e 26º, nºs 1 e 2, do Código de Processe Civil», conforme consta da certidão junta em 15.07.2022, com a ref.ª 7413000;

20) Pela Ap. ... de 1997/10/16, foi registada a aquisição do prédio identificado em 2), por «Transação em Acção de Divisão de Coisa Comum», a favor de BB (ora insolvente e aqui co-Réu), conforme resulta da caderneta predial de fls. 18 e da certidão da conservatória do registo de fls. 48 a 50 v.º destes autos, e ainda de fls. 25 a 29 do apenso C, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;

21) Pela Ap. ... de 1997/10/16, foi registada a aquisição do prédio identificado em 3), por «Transação em Ação de Divisão de Coisa Comum», a favor de BB (ora insolvente e aqui co-Réu), conforme resulta da caderneta predial de fls. 18 v.º e da certidão da conservatória do registo de fls. 54 a 56 v.º destes autos, e ainda de fls. 30 a 35 do apenso C, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos.


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IV.

Conforme se referiu, o presente recurso vem interposto da decisão que julgou improcedente a pretensão que a Autora havia formulado e que visava a separação da massa insolvente da sua meação nos bens acima identificados (quatro imóveis) que, segundo alegava, eram bens comuns do casal constituído por ela e pelo Insolvente.

Comecemos então por recordar os fundamentos dessa decisão.

Em relação ao prédio identificado no ponto 4, considerou-se que a presente acção se mostrava “esvaziada de propósito”, uma vez que a natureza comum desse imóvel já estava reconhecida nos autos e por isso apenas havia sido apreendido o direito do Insolvente a metade indivisa desse prédio.

Em relação aos demais prédios, considerou-se que estavam em causa bens próprios do devedor, na medida em que ou haviam sido adquiridos pelo Insolvente antes do casamento, (o que sucedeu com ¼ do prédio identificado no ponto 1) ou haviam sido adquiridos na constância do matrimónio, mas por doação (o que sucedeu com ¼ dos prédios identificados nos pontos 2 e 3) ou mediante sub-rogação no lugar de bens próprios (como aconteceu com os restantes ¾ dos aludidos prédios que foram adquiridos pelo Insolvente, mediante permuta com o direito que detinha sobre outros imóveis próprios ou mediante adjudicação no âmbito de acção de divisão de coisa comum). Em qualquer caso – considerou-se na decisão – estavam em causa bens próprios por força do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 1722.º e alínea a) do art.º 1723.º do CC.

A discordância da Apelante em relação à decisão recorrida centra-se – pelo que podemos perceber – numa única circunstância: a circunstância de a decisão ter desconsiderado/ignorado os factos que haviam sido alegados nos pontos 8 e 11 da petição inicial e que, na sua perspectiva, eram essenciais para a decisão da causa, na medida em que se reportam às “centenas de milhares de euros que a A. pagou do seu bolso, a título de tornas para que a escritura de permuta e o acordo na acção judicial de divisão de coisa comum pudessem ter sido concretizados” e na medida em que, segundo sustenta, essa factualidade lhe conferiu direitos sobre os bens imóveis em causa (aludindo a propósito aos artigos 1693.º e 1697.º do CC).

Segundo a Apelante, aqueles factos permitiriam, portanto, concluir que os imóveis em causa eram bens comuns do casal (conforme alegou na petição inicial).

Salvo o devido respeito, pensamos não ser assim.

Nos citados pontos da petição inicial, a Autora alegou o seguinte:

· No ponto 8 e na sequência da alegação feita no ponto 7 onde se dizia que os imóveis haviam sido adquiridos na constância do matrimónio, a Autora alegou o seguinte:

“No âmbito e contexto destas aquisições, a A. pagou, do seu bolso, vultuosas tornas, aos restantes intervenientes, nestas propriedades imobiliárias, cujos valores se provarão, em sede própria”;

· No ponto 11 e na sequência da alegação feita no ponto 10 onde se dizia que a massa insolvente se prepara para proceder à liquidação desse acervo imobiliário, na sua totalidade, a Autora alegou o seguinte:

“Ignorando esta compropriedade, da A., bem como os valores de tornas por si, efectivamente, pagas”.

Ora, não vislumbramos de que forma essa alegação – vaga e genérica – poderia permitir a conclusão de que os imóveis em causa haviam ingressado na comunhão conjugal, quando é certo que a Autora nem sequer alegou qual o concreto valor das “vultuosas tornas” que pagou; a quem foram pagas; em que momento; em que circunstâncias; se elas se destinaram à aquisição de todos os imóveis ou de apenas alguns e qual o valor pago em relação a cada um dos imóveis.

Em primeiro lugar, cabe assinalar que em relação a ¼ de cada um dos imóveis aqui em causa (referidos nos pontos 1, 2 e 3 da matéria de facto), nunca poderia ter havido lugar ao pagamento de quaisquer tornas, tendo em conta que ¼ do imóvel referido em 1 foi adquirido pelo Insolvente mediante compra e venda realizada em data anterior ao casamento e ¼ de cada um dos outros dois imóveis adveio ao Insolvente por doação, sendo indiscutível que esses direitos (¼ sobre esses imóveis) correspondem a bens próprios do Insolvente por força do disposto no art.º 1722.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CC.

É certo, portanto, que, em relação a essa quota parte dos imóveis nunca a Autora poderia ter adquirido qualquer comunhão por força de pagamento de quaisquer tornas.

O eventual pagamento de tornas – nos termos alegados pela Autora – apenas poderia, portanto, ser equacionado em relação aos restantes ¾ de cada um dos referidos imóveis que foram adquiridos já na constância do casamento por permuta (em relação ao imóvel constante do ponto 1) e por força de transacção e adjudicação efectuada no âmbito de acção de divisão de coisa comum (em relação aos imóveis constantes dos pontos 2 e 3).

Mas, ainda assim, seria evidente que qualquer comunhão da Autora por força do pagamento de tornas nunca poderia incidir sobre a totalidade desses ¾, uma vez que pelo menos uma parte deles (a maior parte certamente) foi adquirida à custa de outros bens próprios do Insolvente que também estiveram envolvidos na permuta e na acção de divisão de coisa comum e, portanto, conservavam a qualidade de bens próprios à luz do disposto no art.º 1723.º, alínea a), do CC. Tal comunhão apenas poderia, portanto, ser equacionada em relação à parte desses imóveis que excedesse a quota parte do Insolvente no conjunto dos bens permutados e divididos na acção de divisão coisa comum e que corresponderia, portanto, ao valor das tornas alegadamente pagas, sendo certo, no entanto, que a  Autora nem sequer alegou qual foi esse valor e tão pouco alegou quais foram os concretos imóveis a que se destinaram.

Sendo certo e evidente que, ao contrário do que pretende a Apelante, o alegado pagamento daquelas tornas nunca permitiria concluir que os imóveis em causa tivessem ingressado, na sua totalidade, no património comum, a verdade é que a alegação – vaga e genérica – da Autora também não nos permitiria concluir qual o imóvel – ou imóveis – a cuja aquisição se teria destinado o pagamento de tornas (refira-se que apenas a escritura de permuta faz referência a valores que teriam sido pagos pelo Insolvente, o mesmo não acontecendo com a transação celebrada na acção de divisão de coisa comum) nem permitiria concluir qual a quota parte do imóvel ou imóveis que se poderia considerar adquirida por força do pagamento daquelas tornas.

De qualquer forma e além de tudo o que foi dito, importa ainda convocar o disposto no art.º 1727.º do CC do qual resulta – de forma inequívoca, pensamos nós – que, ainda que a Apelante tivesse pagado tornas com vista à aquisição de parte daqueles imóveis (sendo certo que, como se referiu, uma parte deles já pertencia ao Insolvente), isso não implicaria que tais bens passassem a integrar o património comum.

Dispõe a norma citada que “A parte adquirida em bens indivisos pelo cônjuge que deles for comproprietário fora da comunhão reverte igualmente para o seu património próprio, sem prejuízo da compensação devida ao património comum pelas somas prestadas para a respectiva aquisição”.

Significa isso, portanto, que, se um dos cônjuges for comproprietário de certa coisa indivisa fora da comunhão conjugal (ou seja, se a quota detida, em compropriedade, sobre determinada coisa indivisa corresponder a bem próprio de um dos cônjuges), qualquer outra quota do mesmo bem que esse cônjuge/comproprietário venha a adquirir (além da que já lhe pertencia) será sempre um bem próprio independentemente da natureza dos valores que sejam usados para tal aquisição. A circunstância de essa aquisição ser efectuada com dinheiro comum do casal (ou, eventualmente, com bens próprios do outro cônjuge) não determina, portanto, que a quota assim adquirida passe a integrar a comunhão conjugal (essa quota será sempre bem próprio do cônjuge que já era comproprietário), determinando apenas a compensação ao património comum (ou, eventualmente, ao outro cônjuge) pelos valores utilizados nessa aquisição.

Ora, era essa precisamente a situação dos autos. Na verdade, o Insolvente já era, indiscutivelmente, titular de ¼ dos imóveis em causa e esse direito era um bem próprio dele (não integrado na comunhão), uma vez que, no que toca ao imóvel referido em 1, essa quota havia sido adquirida antes do casamento (cfr. art.º 1722.º, n.º 1, alínea a), do CC) e, no que toca aos imóveis referidos em 2 e 3, havia sido adquirida por doação (cfr. art.º 1722.º, n.º 1, alínea b), do CC) e, portanto, a quota correspondente aos restantes ¾ de cada um desses imóveis que veio a adquirir posteriormente (por permuta e acção de divisão de comum) seria sempre um bem próprio, por força do disposto no citado art.º 1727.º do CC, ainda que essa aquisição tivesse sido efectuada com utilização de valores integrados na comunhão conjugal ou próprios do outro cônjuge.

 Nessas circunstâncias, ainda que a Autora tivesse pago (do seu bolso, como diz) quaisquer tornas para aquisição dos referidos ¾ dos imóveis em causa – conforme alega nos referidos pontos 8 e 11 da petição inicial – isso não implicaria, ao contrário do que sustenta, que esses imóveis – ou algum deles ou qualquer quota parte deles – tivessem ingressado na comunhão conjugal e que, como tal, correspondessem a bens comuns do casal; esse pagamento apenas determinaria, conforme se disse, a correspondente compensação ao património comum (caso tivessem sido utilizados valores comuns) ou, eventualmente, à Autora (caso os valores em questão correspondessem a bens próprios dela).

Significa isso, portanto, que o alegado nos referidos pontos 8 e 11 da petição inicial não tinha qualquer relevância para a decisão, uma vez que essa matéria (ainda que resultasse provada) não permitiria concluir que estavam em causa bens comuns e que, como tal, assistisse à Autora o direito – que reclama na presente acção – a separar da massa insolvente a sua meação nos referidos prédios.

Em face de tudo o exposto, resta apenas dizer que os artigos 1693.º a 1697.º do CC – citados pela Apelante – nada dispõem que possa contrariar aquilo que foi referido. Nem se percebe, aliás, a alusão feita a tais disposições legais, uma vez que elas apenas regulam as dívidas dos cônjuges e nada dispõem a propósito da natureza (comum ou própria) dos bens.

Vejamos o que diz a Apelante para justificar a alusão a essas disposições.

Em relação ao art.º 1693.º (onde se regula a responsabilidade pelas dívidas que oneram doações, heranças ou legados), diz a Apelante que dele resulta que “...se por força do regime de bens adoptado, os bens doados ingressarem no património comum – que foi o caso – a responsabilidade das dívidas passa a ser comum”. Mas – perguntamos nós – o que tem isso a ver com a questão que se suscita nos autos, quando é certo que aquilo que aqui se discute não é a responsabilidade por quaisquer dívidas e muito menos por dívidas que onerem doações, heranças ou legados? O que aqui se discute é se os bens em causa são (ou não) comuns e o preceito legal em questão não dá resposta a essa questão; essa questão é regulada por outras normas legais e o que delas resulta, nos termos acima mencionados, é que os bens em causa são bem próprios do Insolvente.

Em relação ao art.º 1694.º (onde se regula a responsabilidade por dívidas que oneram bens certos e determinados), diz a Apelante que dele resulta que “...as dívidas que onerem bens próprios de um dos cônjuges são sempre da responsabilidade comum dos cônjuges”. Mas, mais uma vez, o que tem isso a ver com a questão que se discute nos autos, se não está aqui em causa a responsabilidade por qualquer dívida?

Em relação aos artigos 1695.º e 1696.º (onde se determina quais os bens que respondem pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges e quais os bens que respondem pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges), diz a Apelante que deles resulta que “...são os bens comuns do casal que respondem pelas dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges” e que “...respondem pelas dívidas de um dos cônjuges os bens próprios do cônjuge devedor, bem como, subsidiariamente, a meação nos bens comuns do casal. Assim como respondem pelas dívidas os bens próprios do cônjuge devedor, os bens por este levados para o casamento ou mesmo os bens adquiridos a título gratuito”. Mais uma vez, a matéria aqui regulada nada tem a ver com a questão que se discute nos autos; a citada norma apenas determina quais os bens que respondem pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges e pelas dívidas da responsabilidade exclusiva de um deles e nada dispõe a propósito da questão de saber quais são os bens comuns do casal e quais são os bens próprios de cada um dos cônjuges (a resposta a esta questão – conforme dissemos – resulta de outras normas legais e, em função do que elas dispõem, os bens aqui em causa são bens próprios do Insolvente).

Em relação ao art.º 1697.º (onde se regulam as compensações devidas pelo pagamento de dívidas do casal), diz a Apelante que dele resulta que “...quando só um dos cônjuges tenha assumido as dívidas comuns, este cônjuge torna-se credor do outro. Além do que quando os bens comuns responderam por dívidas de um deles, o ressarcimento far-se-á aquando da partilha final”. Continuamos sem perceber qual a conclusão que a Apelante daí pretende retirar para o efeito de concluir que os bens em causa nos autos são bens comuns do casal quando é certo que esta matéria não é regulada nesta disposição legal e quando é certo resultar já do que se disse supra que o eventual pagamento de tornas pela Autora (nos termos que alegou) será objecto da devida compensação ao património comum (se elas foram pagas com valores comuns) ou à Autora (se elas foram pagas com dinheiro próprio desta), não interferindo, contudo, com a natureza dos bens adquiridos que, conforme supra mencionado, reverteram para o património próprio do Insolvente.

Assim e em face de tudo o exposto, improcede o recurso e confirma-se a decisão recorrida.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

(…).


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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante sem prejuízo do apoio judiciário que lhe seja concedido.
Notifique.

                              Coimbra, (...)

                                             (Maria Catarina Gonçalves)

                                                     (Helena Melo) 

                                                   (Arlindo Oliveira)