TRADUÇÃO NA LÍNGUA MATERNA
ARGUIDO ESTRANGEIRO
NULIDADE RELATIVA
CASO JULGADO
Sumário

I–O não cumprimento do disposto no artigo 92.º, n.º 3, 5 e 6 do Código de Processo Penal, constitui uma nulidade sanável, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal.

II–No caso de falta de tradução do documento ou falta de intérprete, é o próprio conhecimento do teor do ato que está em causa, pelo que não pode impor-se ao arguido o ónus de arguir tal nulidade até ao ato estar terminado. Com efeito, o artigo 120.º, n.º 3, alínea a) do Código de Processo Penal pressupõe que o arguente tenha compreendido o ato em que participou e, por negligência a si imputado, não tenha arguido tal nulidade.

III–O caso julgado exige sempre que o arguido não conhecedor da língua portuguesa tenha tido conhecimento efetivo, na língua que compreende, de todos os documentos essenciais para o exercício do seu direito de defesa e dos atos essenciais do referido processo criminal e que, após tal conhecimento, não tenha recorrido nos termos e prazos legais.

IV–O conhecimento da língua portuguesa tem sempre de ser visto no caso em concreto, atendendo ao nível de complexidade do processo em si mesmo, e o nível de exposição que o arguido teve à língua portuguesa.

V–O conhecimento do teor dos documentos essenciais para o exercício do seu direito de defesa e seu alcance, não exige que o arguido compreenda a fundo todas as implicações jurídico-penais dos mesmos, mas apenas que compreenda o suficiente para, de uma forma informada, poder definir, designadamente em conjunto com o seu defensor, como e em que medida deve reagir aos mesmos.

(Sumário da responsabilidade do Relator)

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO


1.–DO DESPACHO RECORRIDO

Em 14/07/2023 foi proferido o seguinte despacho:
“Veio o arguido AA….. invocar a nulidade insanável de todo o processado após o TIR que prestou, com fundamento em não ter sido feita a tradução para a sua língua materna (moldavo) da acusação e da sentença condenatória, alegando desconhecer a língua portuguesa.

Cumpre apreciar:
Por se concordar na íntegra com a resposta apresentada pelo Ministério Público, na promoção que antecede, dá-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor, para onde se remete, por razões de economia processual.
Do ali exposto se extrai que não se verifica qualquer irregularidade, ou nulidade, uma vez que o arguido declarou nos autos ser conhecedor da língua portuguesa.
De todo o modo, ainda que assim não fosse e mesmo que se estivesse perante uma nulidade insanável, o que não é o caso, esta apenas poderia ter sido conhecida na pendência do procedimento – cfr. artigo 119.º do Código de Processo Penal (CPP).
Com efeito, conforme acórdão ali citado, do Supremo Tribunal de Justiça de 27/01/2022, no processo n.º 303/12.1JACBR.P1-B.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, as nulidades insanáveis não podem ser declaradas após a formação de caso julgado sobre a decisão final que, neste aspecto, actua como forma de sanação.
Tal é defendido quer na doutrina, quer na jurisprudência, referindo-se, a título meramente exemplificativo e a acrescentar ao já citado acórdão do STJ, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 10/7/2008, do Tribunal da Relação de Évora, de 30/09/2014, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 16/06/2015, todos disponíveis em www.dgsi.pt .
Também o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta questão, no seu acórdão n.º 146/2001, de 28 de Março de 2001, onde decidiu que o caso julgado é um valor constitucional iluminado pelo n.º 2 do artigo 32.º, pelos n.ºs 2 e 3 do artigo 205.º e pelo n.º 3 do artigo 282.º da Constituição da República Portuguesa e que o artigo 119.º do CPP não é inconstitucional, quando interpretado no sentido de que as nulidades, qualquer que seja a sua natureza, ficam sanadas logo que se forme caso julgado, não mais podendo ser arguidas ou conhecidas oficiosamente.
Ora, nos termos do disposto no artigo 628.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 4.º do CPP, a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação. A autoridade do caso julgado visa proteger a força e credibilidade da decisão judicial, tornando, pois, em princípio, imodificável a decisão.
A sentença proferida nestes autos já transitou em julgado em 30/09/2022, pelo que quaisquer irregularidades ou nulidades (ainda que insanáveis) que se tivessem verificado até então, se mostram sanadas, nada havendo a apreciar quanto a tal matéria.
Face ao exposto, sem necessidade de maiores considerandos, indefere-se o requerido, por falta de fundamento legal.
Notifique.”
*

2.–O RECURSO
Inconformado, o arguido AA….. recorreu do referido despacho, apresentando a sua motivação, extraindo as seguintes conclusões:
1.–Decisão recorrida: Despacho proferido no passado dia 14 de julho de 2023 através do qual foram julgadas improcedentes TODAS as nulidades arguidas;
2.–o arguido não foi submetido a qualquer teste ou prova sobre a sua aptidão escrita ou oral de língua portuguesa.
3.–Com excepção do TIR de fls. 186, o arguido não foi notificado de qualquer outro documento do processo na sua língua materna – incluindo a acusação pública e a sentença proferida pelo tribunal recorrido.
4.–Mais resulta que o arguido foi julgado na ausência e que não esteve presente na leitura de sentença, tendo sido sempre representado por defensor oficioso com quem nunca teve qualquer contacto.
5.– Verificamos também que tal como aconteceu com a acusação, a sentença proferida nos presentes autos não foi notificada ao recorrente na sua língua materna, mas escrita na língua portuguesa, sem ter sido na presença de qualquer intérprete nulidade prevista no art. 120º, nº 2 alínea c) do CPP.
6.–Para além disso, a não notificação da acusação escrita na língua materna do arguido preenche a nulidade insanável, bem como a notificação da sentença escrita na língua portuguesa – língua desconhecida do arguido, e não na sua língua materna acarreta necessariamente a nulidade insanável de todo o processado – não se extraindo qualquer efeito do envio da acusação para a morada do TIR do arguido por não se encontrar escrita na língua materna do arguido, o que seria imprescindível para que o arguido pudesse exercer o seu direito a requerer contra-prova e os meios para o fazer.
7.–De igual forma é nula e de nenhum efeito se retira da comunicação da sentença em língua portuguesa feita ao arguido no passado dia 9/08/2022, sem que o mesmo estivesse representado por intérprete e sem que lhe tivesse sido notificada tal sentença escrita na sua língua materna.
8.–Tudo em conformidade com o disposto nos artigos 64.º n.º 1 al. d) e 120º, nº 2, alínea c) do CPP e, ainda, das Diretivas n.ºs 2010/64/EU e n.º 2012/13/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, concretamente as normas constantes dos artigos 1º a 3º da Diretiva n.º 2010/64/EU e 3º da Diretiva n.º 2012/13/EU, as quais têm efeito direto vertical em Portugal, pelo que poderão ser aplicadas nos presentes autos, impondo-se e prevalecendo sobre o direito interno.
9.–Deste modo veio o arguido de nacionalidade Moldava e desconhecedor da língua portuguesa invocar a nulidade do processado, por não ter sido assistido durante o mesmo, por intérprete, nem lhe terem sido facultados, na sua língua, os documentos relevantes para poder preparar a sua defesa e poder recorrer das decisões que lhe são prejudiciais – acusação e sentença.
10.–Assim veio o arguido recorrente arguir a nulidade de todo o processado desde da dedução da acusação pública, por esta não ter sido notificada ao arguido na sua língua materna, incluindo o julgamento e a sentença não entregue na língua materna do Arguido e não se encontrando o mesmo, em momento algum representado por intérprete, nomeadamente na comunicação da sentença por parte do OPC – sendo todo o processado nulo e de nenhum efeito nos termos das disposições supra indicadas e respectivas Directivas
11.–veio o arguido recorrente arguir perante o Tribunal da condenação a nulidade insanável supra e, em sequência, ser declarado nulo todo o processado desde do TIR de fls. 186, devendo a acusação deduzida ser notificada ao arguido na sua língua materna com todas as consequências legais, nomeadamente, com a libertação imediata do arguido – o que se requer.
12.–A decisão recorrida julgou indeferir as nulidades arguidas, com dois  fundamentos: primeiro porque o arguido declarou nos autos ser conhecedor da língua portuguesa e, ainda, que assim não se entendesse e estivéssemos perante uma nulidade insanável, como defendido pelo recorrente, a mesma só poderia ter sido conhecida antes do transito em julgado da decisão final.
13.–Não pode o recorrente concordar com tal entendimento e daí o presente recurso.
14.–Quanto ao primeiro dos fundamentos, o tal de que o arguido era conhecedor da língua portuguesa tendo-o declarado nos autos, importa dizer o seguinte:
15.–no auto de interrogatório do arguido perante a PJ de fls. 18 do dia 16/02/2012, consta que o arguido terá referido “que é conhecedor da língua portuguesa, tanto ao nível falado como escrito, percebendo perfeitamente o que lhe é perguntado, na medida em que se encontra em território português há cerca de 5 anos a esta parte”, a verdade é que uma coisa é ser conhecedor da língua portuguesa para poder e estar a residir num determinado pais e aí poder desenvolver a  sua vida de todos os dias, outra coisa completamente diferente é perceber a língua portuguesa em termos jurídicos e perceber o alcance das notificações e decisões judiciais e suas consequências legais bem como os meios legais que tem à sua disposição para contra elas reagir, que têm como sabemos termos muito próprios e específicos, com uma linguagem muito técnica, que muitas vezes – senão a maioria das vezes - até os nativos e residentes desde sempre em Portugal não compreendem o seu conteúdo nem alcance.
16.–Por outro lado, note-se que apesar de o arguido aparentemente ter declarado que era conhecedor da língua portuguesa, a PJ sentiu a necessidade de nomear intérprete da língua materna do recorrente que o assistiu em todo o interrogatório realizado na PJ – auto de interrogatório de fls. 18.
17.–Assim, parece-nos salvo o devido respeito que não se encontra comprovado nos autos que o arguido fosse conhecedor da língua portuguesa que lhe permitisse conhecer na totalidade e ter consciência do teor e principalmente  das consequências legais de uma acusação e ou de uma decisão condenatória e dos meios que a lei lhe confere para poder reagir judicialmente quanto a tais documentos, pelo que se impunha que a acusação e todas as notificações e decisões proferidas nos presentes autos deveriam ter sido notificadas ao arguido recorrente na sua língua materna, sob pena de nulidade insanável.
18.–Em face do exposto, considera-se ser de repetir todos os actos posteriores à dedução da acusação por a mesma e todos os actos posteriores a ela não terem sido notificadas ao arguido na sua língua materna, nomeadamente, a sentença proferida nos autos, por se considerar que só assim será garantido o direito de defesa ao arguido, por só assim o mesmo adquirir o conhecimento absoluto do teor da acusação e demais notificações posteriores, das suas consequências e dos meios legais que tem a seu dispor para reagir judicialmente quanto a elas.
19.–Em suma, o tribunal recorrido deveria ter concluído que nos autos não se encontra demonstrado que o arguido tivesse conhecimento bastante da língua portuguesa falada ou escrita que dispensasse a tradução da acusação e de todas as notificações e decisões a si respeitantes na sua língua materna para assim sim ter conhecimento absoluto das mesmas e, em consequência, deveria o tribunal recorrido julgar procedente a nulidade insanável arguida, com a consequente repetição de todos os actos posteriores à dedução da acusação, incluindo a notificação da mesma ao arguido escrita na sua língua materna e todos os actos, notificações e notificações posteriores, por se considerar que a enfermidade de tal acto prejudicou o direito de defesa do arguido.
20.–Assim sendo deveria o tribunal recorrido considerar também que foi violado o disposto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa ao ter sido negado a possibilidade de defesa ao arguido, mormente o seu primordial direito ao contraditório e apresentar as provas que no seu entender impunha-se para demonstrar a sua versão dos factos.
21.–É inconstitucional as normas previstas no artigos 1º a 3º da Diretiva n.º 2010/64/EU e 3º da Diretiva n.º2012/13/EU quando interpretadas no sentido de que em processo de arguido estrangeiro que declare ser conhecedor da língua portuguesa, apesar de lhe ser nomeado interprete da sua língua materna e ter prestado TIR na sua língua materna, todos os atos processuais levados a efeito nas fases preliminares do processo penal com intuito eminentemente informativo e concretizador das garantias de defesa dos arguidos, como a notificação da acusação e sentença condenatória, não têm de ser objeto de tradução para língua dominada pelos seus destinatários, sob pena de total esvaziamento dos referidos atos, que, praticados no processo sem tradução, mais não assegurariam do que o cumprimento estritamente formal de normas processuais, sem qualquer correspondência material no que diz respeito aos fins que visam prosseguir.
22.–Entre os referidos atos contam-se, indubitavelmente, pela sua importância ao nível das garantias de defesa dos arguidos, decorrente das informações processuais que aportam, a prestação de Termo de Identidade e Residência realizada nos termos 196º do CPP, a notificação do arguido da acusação, da sentença condenatória, atos que deverão ser qualificados como «documentos essenciais» na aceção do artigo 3. °, n.ºs 1 e 2, da Diretiva 2010/64.
23.–Quanto ao segundo argumento da decisão recorrida de que a nulidade insanável em causa teria que ter arguida antes do transito em julgado da decisão condenatória, dizemos o seguinte:
24.–Antes de mais, a imperatividade resultante da aplicação das normas das Diretivas e da Jurisprudência do TJ, atendendo ao princípio do primado do Direito da União reconhecido pelo artigo 8º, nº 4 da CRP, implica a desaplicação de todas as normas do direito nacional que se revelem contrárias ao consagrado nos referidos atos da União, o que, no que à economia do caso dos autos diz respeito, determina a desaplicação do regime da sanação das nulidades estabelecido pelo artigo 120º, nº 3 do CPP aplicado na decisão recorrida, em virtude de o mesmo se não revelar compatível com os direitos fundamentais a um processo equitativo e com o respeito pelos direitos de defesa decorrentes dos artigos 47.° e 48.°, n.° 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como do artigo 6.° da CEDH, à luz dos quais deverão ser interpretados os artigos 2.°, n.° 1, e 3.°, n.° 1 da Diretiva 2010/64, bem como o artigo 3.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2012/13.
25.–De facto, o acórdão do TJUE, no processo C–242/22 PPU, publicado no dia 01–08–2022, que teve por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Tribunal da Relação de Évora (Portugal), por Decisão de 8 de março de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de abril de 2022, no processo penal contra TL, sendo interveniente Ministério Público, decidiu, declarando que “O artigo 2.°, n.° 1, e o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2010/64/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal, bem como o artigo 3.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativa ao direito à informação em processo penal, lidos à luz do artigo 47.° e do artigo 48.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do princípio da efetividade, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual a violação dos direitos previstos nas referidas disposições destas diretivas deve ser arguida pelo beneficiário desses direitos num determinado prazo, sob pena de sanação, quando esse prazo começa a correr ainda antes de a pessoa em causa ter sido informada, numa língua que fale ou compreenda, por um lado, da existência e do alcance do seu direito à interpretação e à tradução e, por outro, da existência e do conteúdo do documento essencial em questão, bem como dos efeitos a ele associados.”
26.–Em cumprimento desse acórdão do TJUE, que vincula os órgãos jurisdicionais a que seja submetido problema idêntico e, no quadro do direito da UE, enquanto direito que produz efeitos na ordem jurídica interna, como nos parece ser o caso, nada mais resta senão sustentar que desde o TIR de fls. 186, o processo é nulo, nulidade essa insanável, de conhecimento oficioso e que, como tal deve ser declarada, invalidando–se todo o processado subsequente.
27.–Mas mesmo que assim não fosse, nos presentes autos não há qualquer caso  julgado da decisão que condenou o arguido a 4 anos e 3 meses de cadeia, na medida em que o arguido não foi notificado de tal decisão na sua língua materna e o prazo de recurso apenas se começa a contar da sua notificação respeitados que sejam todas as exigências de tal notificação – desde logo estar traduzida a sentença condenatória na sua língua materna – o que ainda não se verificou.
28.–Preenche fundamento para diferente início de contagem de prazo de recurso apenas a partir da entrega ao arguido estrangeiro de tradução integral da decisão condenatória para o seu idioma, quando este não esteve presente em julgamento nem na leitura de tal decisão, e não da sua notificação na língua portuguesa por não ter o arguido estrangeiro, mesmo que conhecedor da língua portuguesa para fazer face as suas necessidades correntes de todos os dias, conhecimento da língua portuguesa bastante para perceber e tomar consciência das razões da sua condenação e dos seus fundamentos e quais os meios legais que tem ao seus dispor para reagir contra uma decisão condenatória, senão quando tal notificação e decisão condenatória lhe é notificada e traduzida na sua língua materna.
29.–As disposições da Directiva 2010/64/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20-10-2010, relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal não foram de todo cumpridas nos presentes autos, nomeadamente o disposto no art. 3, n.os 1 e 7, ao disporem que: “1.- Os Estados-Membros asseguram que aos suspeitos ou acusados que não compreendem a língua do processo penal em causa seja facultada, num lapso de tempo razoável, uma tradução escrita de todos os documentos essenciais à salvaguarda da possibilidade de exercerem o seu direito de defesa e à garantia da equidade do processo. (…) Como excepção às regras gerais estabelecidas nos n.os 1, 2, 3 e 6, podem ser facultados uma tradução oral ou um resumo oral dos documentos essenciais em vez de uma tradução escrita, na condição de essa tradução oral ou esse resumo oral não prejudicarem a equidade do processo.(…)”
30.–Das disposições da referida Directiva resulta a nosso ver, em casos como o caso dos presentes autos, uma obrigatoriedade de prorrogação do prazo de recurso nos termos supra expostos, pelo que não temos qualquer transito em julgado da sentença que condenou o arguido a pena de prisão efetiva.
31.–Assim é inconstitucional a norma do art. 119º do CP, por violar o artigo 32.º n.º 1 da Constituição na interpretação de que as nulidades, qualquer que seja a sua natureza - mesmo quando esteja em causa a nulidade da própria notificação ao arguido da sentença condenatória final - ficam sanadas logo que forme caso julgado, não mais podendo ser arguidas ou conhecidas oficiosamente – caso que se deve entender não haver, ainda, caso julgado.
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O Ministério Público em 1.ª instância respondeu ao recurso, apresentando a sua motivação, extraindo as seguintes conclusões:
1.–Por sentença transitada em julgado a 30.09.2022, foi o arguido AA….. condenado pela prática, em coautoria e na forma consumada, de um crime de rapto, de um crime de extorsão e de um crime de roubo, na pena única de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão efetiva.
2.–Por requerimento apresentado em 09.07.2023, veio o arguido a nulidade insanável de todo o processado após o TIR que prestou, com fundamento em não ter sido feita a tradução para a sua língua materna (moldavo) da acusação e da sentença condenatória, alegando desconhecer a língua portuguesa.
3.–Com o recurso interposto, vem o recorrente arguir novamente a nulidade prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo Penal, alegando ser desconhecedor da língua portuguesa. Invoca ainda a nulidade de todo o processado, por não ter sido assistido durante o mesmo, por intérprete, nem lhe terem sido facultados, na sua língua, os documentos relevantes para poder preparar a sua defesa e poder recorrer das decisões que lhe são prejudiciais – acusação e sentença.
4.–Contudo, aquando do interrogatório do arguido em 16.02.2012, onde esteve assistido por defensor oficioso, o ora recorrente referiu expressamente “ser conhecedor da língua portuguesa, tanto a nível falado como escrito, percebendo perfeitamente o que lhe é perguntado, na medida em que se encontra em território português há cerca de 5 anos a esta parte”,pelo que inexistia qualquer obrigatoriedade de nomeação de intérprete para aquele ou para qualquer outro ato processual subsequente, nem necessidade de tradução das peças processuais notificadas ao arguido.
5.–A sentença condenatória foi proferida em 14.05.2015 (e naquela data notificada ao Il. Defensor), tendo o ora recorrente sido pessoalmente notificado da mesma em 09.08.2022. Após ter conhecimento pessoal da sentença condenatória e do teor da notificação pessoal, o arguido assinou o ato de notificação, demonstrando ter ficado ciente do conteúdo do ato em língua portuguesa.
6.–O ora recorrente prestou novo TIR nos autos e foi notificado dos direitos de detido aquando da detenção para cumprimento da pena e, em todos os momentos, declarou ter ficado ciente de todo o conteúdo das notificações. É, assim, inequívoco que não se mostrou minimamente questionável a capacidade declarada pelo próprio de compreensão e domínio da língua portuguesa falada e escrita.
7.–Sendo o ora recorrente conhecedor e dominando a língua portuguesa, falada e escrita, não se verifica qualquer nulidade pela falta de nomeação de intérprete para o auxiliar nos atos em que tivesse de ser ouvido, bem como na não entrega ao mesmo dos documentos relevantes do processo traduzidos para a sua língua materna (artigo 92.º, n.º 2, CPP; e artigos 2.º e 3.º da Diretiva 2010/64/EU de 20/10, a contrario)
8.–Tem sido entendimento uniforme que a falta de nomeação de intérprete (ou a omissão de tradução de atos processuais a arguido estrangeiro que não entende a língua portuguesa) constitui uma nulidade relativa ou dependente de arguição, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea c), do CPP.
9.–A arguição de tal nulidade deve ser feita no prazo perentório previsto no n.º 3 do artigo 120.º do CPP, sob pena de sanação da nulidade.
10.–Ainda que se verificasse qualquer nulidade eventualmente insanável – o que in casu não sucede –, sempre se mostraria sanada qualquer nulidade ou irregularidade desde o trânsito em julgado da sentença, porque as “nulidades insanáveis devem ser oficiosamente declarada sem qualquer fase do procedimento”–artigo 119.º do CPP.
11.–Qualquer nulidade insanável só pode ser declarada até ao trânsito em julgado da decisão final, ficando sanada com o termo do procedimento e, consequentemente, consolidam-se na ordem jurídica os efeitos jurídicos produzidos, os quais, em obediência à autoridade de caso julgado, jamais poderão ser alterados.
12.–A interpretação do artigo 119.º do CPP, no sentido de que o caso julgado se sobrepõe ao conhecimento das nulidades insanáveis, está conforme com as garantias de defesa do arguido e não viola o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
13.–O ora recorrente teve plena oportunidade de arguir tempestivamente qualquer eventual nulidade ou irregularidade. Todavia, não fez até ao termo do prazo previsto no n.º 1 do artigo 411.º do CPP, pelo que tal direito precludiu com o trânsito em julgado da sentença.
14.–É extemporâneo o requerimento apresentado pelo ora recorrente no sentido de serem declaradas as nulidades invocadas.
15.–Não foram violados quaisquer preceitos legais ou princípios de direito.
16.–Pelo que deverá o recurso improceder na sua totalidade, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
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Admitido o recurso nos termos legais, neste Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador Geral Adjunto emitiu o seu parecer, defendendo a total improcedência do recurso, nos termos propostos na resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente não reagiu.

Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência para decisão do recurso, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do Código do Processo Penal.
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II–FUNDAMENTAÇÃO

QUESTÕES A DECIDIR:

Dos poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso
Conforme jurisprudência fixada, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ de 19/10/1995, in D.R., série I-A, de 28/12/1995).
Atentas as conclusões de recurso, a questão a decidir reside em saber:
1.–se todo o processado após a prestação de TIR por parte do arguido é nulo por falta de notificação do mesmo de todos as peças processuais essenciais na sua língua materna;
2.–Em caso afirmativo, qual a natureza de tal nulidade;
3.–Sendo uma nulidade insanável, se a mesma é invocável após o trânsito em julgado da decisão condenatória, e, não o sendo, se o disposto no artigo 119.º do Código de Processo Penal é inconstitucional quando interpretado no sentido que as nulidades, qualquer que seja a sua natureza, ficam sanadas logo que se forme caso julgado, não mais podendo ser arguidas ou conhecidas oficiosamente.
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FACTOS ASSENTES

Compulsados os autos têm-se por assentes, com relevância para o presente recurso, os seguintes factos:
1.–Em 16 de Fevereiro de 2012, AA….., prestou e assinou TIR, redigido em português e moldavo, tendo indicado os seus elementos de identificação e como morada “Rua ……, Lourinhã”, sendo que do mesmo consta a declaração que “Declarou ficar ciente, recebeu cópia e assina”
2.–Em 16 de Fevereiro de 2012, AA……. foi sujeito a interrogatório pela Polícia Judiciária, tendo sido assistido pela Defensora Oficiosa, Dr.ª VF..... . No início do interrogatório, o mesmo declarou “que é conhecedor da língua portuguesa, tanto a nível falado como escrito, percebendo perfeitamente o que lhe é perguntado, na medida em que se encontra em território português há cerca de 5 anos a esta parte”. Para a diligência, foi nomeado tradutor que assistiu o arguido neste ato processual.
3.–Em 6 de Abril de 2014 foi requerida em processo sumaríssimo a aplicação de sanção contra AA…... Em 19 de Novembro de 2014, foram os autos remetidos para a forma de processo comum, tendo a acusação sido notificada ao arguido em 05.12.2014, com cópia na língua portuguesa.
4.–Por sentença datada de 14.05.2015, foi o arguido condenado, pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de crime de rapto, p. e p. pelo art. 161.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, de um crime de extorsão, p. e p. pelo art. 223.º, n.º 1, do Código Penal, e, em autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, nas penas parcelares de três anos, dois anos e um ano e oito meses de prisão, respectivamente, e, operado o competente cúmulo jurídico, na pena de quatro anos e dois meses de prisão.
5.–Em 09 de Agosto de 2022, AA….. foi notificado pessoalmente, através de autoridade policial competente, da sentença contra si proferida em 14.05.2015, sendo que da mesma consta que “O presente documento foi integralmente lido e revisto pelos seus signatários que declaram ter ficado cientes de todo o seu conteúdo e recebido cópia no acto”, tendo o mesmo assinado tal notificação;
6.–Em 09 de Agosto de 2022, AA….., prestou e assinou novo TIR, redigido apenas em português, tendo dado os seus elementos de identificação e uma nova morada (“Rua ……., Lourinhã”), sendo que do mesmo consta a declaração que “O presente documento foi integralmente lido e revisto pelos seus signatários que declaram ter ficado cientes de todo o seu conteúdo, tendo o(a) Arguido(a) recebido cópia no ato, e vai assinar”
7.–Em 14 de Outubro de 2022, após trânsito em julgado da sentença condenatória, foram emitidos os competentes mandados de detenção, os quais foram cumpridos no dia 22.03.2023, tendo o arguido dado entrada no EPR das Caldas da Rainha, nesse mesmo dia.
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III –APRECIAÇÃO DO RECURSO
No presente recurso, a questão nuclear colocada, incidindo sobre as consequências da não tradução dos documentos essenciais e atos processuais na língua materna do arguido estrangeiro, exige que se faça um prévio enquadramento jurídico dos direitos do arguido não conhecedor da língua portuguesa no processo penal, designadamente quanto à notificação e tradução dos documentos essenciais e atos processuais que lhe dizem respeito.
Nesta matéria, o primeiro elemento a ter em consideração é que o regime regra das notificações dos atos processuais ao arguido em processo crime, designadamente, o resultante do disposto nos artigos 61.º, n.º 1, al. c) e 113.º, n.º 10 ambos do Código de Processo Penal, baseia-se no principio que o arguido entende a língua portuguesa, na qual estão redigidos todos os atos processuais, como decorre do disposto no artigo 92.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
Nas situações em que o arguido não conhece ou não domina a língua portuguesa, dispõe o artigo 92.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, em vigor à data dos factos e até 28 de Agosto de 2023, que ao mesmo é nomeado intérprete, sendo que a falta de tal nomeação constitui uma nulidade sanável, dependente de arguição, nos termos do disposto nos artigos 120.º, n.º 2, al. c) e 121.º ambos do Código de Processo Penal.
Até à entrada em vigor do regime introduzido pela Lei n.º 52/2023, de 28 de Agosto, o Código de Processo Penal era omisso quanto ao direito que o arguido tinha de ter acesso ao conteúdo dos atos processuais que lhe dizem respeito em língua que compreenda, isto é, direito à respetiva tradução.
Não obstante esta omissão legal, a verdade é que tal obrigatoriedade de tradução dos documentos essenciais do processo ao arguido – designadamente, auto de constituição de arguido, Termo de Identidade e Residência, notificações para atos processuais a que o mesmo tem o direito de estar presente, acusação e sentença e, em geral, qualquer despacho donde resulte a privação da liberdade do arguido - resultava da aplicação no nosso ordenamento das normas constantes dos artigos 1º a 3º da Diretiva n.º 2010/64/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20/10/2010[1] (no caso do cumprimento dos Mandados de Detenção Europeu) e artigo 3.º da Diretiva n.º 2012/13/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22/05/2012[2]. Com efeito, quanto à primeira Diretiva, tendo a mesma sido publicada no Jornal Oficial da União Europeia a 26/10/2010, entrando em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação (artigo 11.º), dispunha o seu artigo 9.º a obrigatoriedade da sua transposição para o direito interno de cada Estado-Membro até ao dia 27/10/2013. Por sua vez, a Diretiva n.º 2012/13/EU, foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia a 01706/2012, entrando em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação (artigo 13.º), dispondo o seu artigo 11.º a obrigatoriedade da sua transposição para o direito interno de cada Estado-Membro até ao dia 02/06/2014.
Mesmo sem tal transposição, o Estado Português, e, designadamente os Tribunais Portugueses, estavam obrigados a aplicar o regime instituído em tais Diretivas, por efeito do chamado efeito direto vertical de uma Diretiva no ordenamento jurídico de um Estado-Membro[3], como corolário do princípio do primado do direito da EU.[4]
No que diz respeito ao direito à nomeação de intérprete e à disponibilização de tradução dos atos processuais aos arguidos estrangeiros, que não compreendam a língua, estabelece a Diretiva n.º 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22/05/2012, relativa ao direito à informação em processo penal, prevê no seu artigo 3.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, o direito à interpretação e tradução, oral ou por escrito, em linguagem simples e acessível, tendo em conta as necessidades específicas dos suspeitos ou acusados vulneráveis. Este direito já resulta do estatuído no artigo 6.º, n.º 3, al. a) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Quanto aos documentos que devem ser traduzidos, resulta do disposto nos artigos 6.º e 7.º, n.º 1 da referida Diretiva que devem ser todos aqueles «essenciais para impugnar eficazmente, nos termos do direito nacional, a legalidade da detenção ou prisão».[5]
No artigo 3.º, n.º 2 da Diretiva n.º 2010/64/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20/10/2010, consideram-se documentos essenciais, «as decisões que imponham uma medida privativa de liberdade, a acusação ou a pronúncia, e as sentenças», sem prejuízo das «autoridades competentes devem decidir, em cada caso, se qualquer outro documento é essencial.» (cf. artigo 3.º, n.º 3)
Nesse sentido, aquando da sentença condenatória, caso o arguido não entenda a língua portuguesa, teráa a mesma que ser traduzida e entregue uma cópia traduzida ao arguido para que o mesmo a possa compreender e fazer valer os seus direitos em conformidade.
Este regime não só é de aplicação no ordenamento português por efeito das referidas Diretivas, após as datas supra mencionadas, como o mesmo foi consagrado na revisão do Código de Processo Penal, operada pela entrada em vigor da Lei n.º 52/2023, de 28/08. Com este diploma, consagrou-se o direito do arguido, que não conhece ou domina a língua portuguesa, de ver traduzido os documentos essenciais para o exercício do seu direito de defesa, que lhe são comunicados e de ter um intérprete (artigo 61.º, n.º 1, alínea j) do Código de Processo Penal) e, em concreto, de ver traduzido na sua língua o auto de constituição de arguido (artigo 58.º, n.º 6 do Código de Processo Penal), o Termo de Identidade e Residência (cf. artigo 336.º, n.º 2 do Código de Processo Penal), e de todos os documentos referidos no artigo 113.º, n.º 10 do Código de Processo Penal (cf. artigo 92.º, n.º 3 do Código de Processo Penal), para além do arguido poder apresentar pedido fundamentado de tradução de documentos do processo que considere essenciais para o exercício do direito de defesa (cf. artigo 92.º, n.º 6 do Código de Processo Penal).
Aqui chegados, coloca-se a questão de saber se, no caso de um arguido que não entende a língua portuguesa, e não tendo sido entregues cópias traduzidas das referidas peças processuais essenciais do processo, qual a consequência processual de tal omissão.
No plano das Diretivas supramencionadas, as mesmas são totalmente omissas quanto às consequências da violação das normas supra indicadas, devendo o julgador obter tais respostas no ordenamento jurídico-penal nacional.
No nosso regime processual penal, rege o princípio da legalidade, que tem como um dos corolários mais estruturantes, a inadmissibilidade da prática de atos que a lei não permita, isto é, que não estejam consagrados na lei. Por outro lado, deste princípio decorre que os atos legalmente previstos têm de respeitar os pressupostos, as condições, o prazo, a forma e os termos previstos na lei, sendo que as consequências da sua violação são aquelas previstas na lei, como nulidades – insanáveis ou sanáveis – ou, na falta de previsão como nulidade, de mera irregularidade (cf. artigo 118.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal).[6][7]
As nulidades insanáveis são apenas aquelas que a lei comina como tal, nos termos do disposto no artigo 1119.º do Código de Processo Penal. Como refere o Conselheiro António Henriques Gaspar, “As violações que constituem nulidades insanáveis são nulidades que prejudicam a realização integral da justiça. (…) As nulidades insanáveis sobrepõem-se à vontade ou disponibilidade dos sujeitos processuais, devendo ser declaradas independentemente de pedido ou de arguido - «oficiosamente» e em «qualquer fase do procedimento»”[8]. O único limite ao seu conhecimento e declaração é o caso julgado da decisão final (neste sentido, vide Acórdão do STJ de 16/01/2014, relatado pelo Conselheiro Eduardo Loureiro, ECLI:PT:STJ:2022:303.12.1JACBR.P1.B.P1..72).[9]Compreende-se que assim seja, uma vez que o caso julgado é peça essencial para a estabilização das situações julgadas, pilar de qualquer Estado de Direito Democrático.
Este regime das nulidades insanáveis está sujeito à regra da tipicidade, pelo que é insuscetível de aplicação analógica.[10]
No que diz respeito às nulidades sanáveis, bem como as irregularidades, as mesmas ficam sanadas se não forem arguidas nos prazos legais impostos pelo disposto nos artigos 120.º e 123.º do Código de Processo Penal, sendo as nulidades sanáveis suscetíveis de sanação, nos termos do disposto no artigo 121.º do Código de Processo Penal.
No caso de não tradução dos documentos essenciais para o exercício do direito de defesa na língua compreendida pelo arguido que desconhece a língua portuguesa, a lei processual penal é omissa quanto à sanção, ainda que no artigo 120.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal comine a falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considerar obrigatória, como uma nulidade sanável. Estando em causa a mesma razão subjacente – garantir ao arguido não conhecedor da língua portuguesa o efetivo conhecimento dos elementos essenciais do processo, seja pela forma oral – com auxílio do intérprete-, seja pela forma escrita – através da tradução dos documentos essenciais para o exercício do direito de defesa – não pode deixar de concluir-se que o não cumprimento do disposto no artigo 92.º, n.º 3, 5 e 6 do Código de Processo Penal, constitui uma nulidade sanável, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal. (neste sentido, Acórdão do STJ de 07/04/2016, Processo n.º 1532/15.1YRLSB.SI, 5.ª secção).[11][12]
Resta apenas indagar dos prazos para a sua arguição e as formas de sanação das mesmas.
Nesta matéria, é relevante o referido no citado Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 01.08.2022 (Processo C-242/22 PPU), que expressamente dispõe que “Em conformidade com jurisprudência constante, na falta de regulamentação específica na matéria, as modalidades de exercício dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União são as previstas na ordem jurídica interna dos Estados-Membros, em virtude do princípio da autonomia processual destes. Todavia, essas modalidades não devem ser menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) nem ser concebidas de modo a, na prática, tornarem impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C-776/19 a C-782/19, EU:C:2021:470, n.° 27 e jurisprudência referida). Quanto ao princípio da equivalência, sob reserva das verificações a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio, nada nos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça mostra que a aplicação do artigo 120.° do CPP às eventuais violações dos direitos decorrentes das Diretivas 2010/64 e 2012/13 infrinja tal princípio. Com efeito, este artigo regula as condições de arguição das nulidades, independentemente de a nulidade resultar da violação de uma regra que tenha por base disposições do direito nacional ou disposições do direito da União.”
Todavia, como salienta o referido Acórdão no caso de falta de tradução do documento ou falta de intérprete, é o próprio conhecimento do teor do ato que está em causa, pelo que não pode impor-se ao arguido o ónus de arguir tal nulidade até ao ato estar terminado. Com efeito, o artigo 120.º, n.º 3, alínea a) do Código de Processo Penal pressupõe que o arguente tenha compreendido o ato em que participou e, por negligência a si imputado, não tenha arguido tal nulidade. Como expressivamente conclui o referido Acórdão do TJUE, “na falta dessa informação, a referida pessoa não pode ter conhecimento de que o seu direito à informação foi violado, ficando impossibilitada de arguir essa violação. (…) é ainda necessário (…) que ela tenha conhecimento da existência e do conteúdo do documento essencial em questão, bem como dos efeitos que lhe estão associados, para que possa arguir a violação do seu direito à tradução desse documento ou do seu direito à interpretação aquando da respetiva elaboração, garantidos pelo artigo 2.°, n.° 1, e pelo artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2010/64, e, assim, beneficiar de um processo equitativo no respeito pelos seus direitos de defesa, como exigem o artigo 47.° e artigo 48.°, n.° 2, da Carta.”
Neste sentido, sufragamos integralmente o entendimento plasmado no citado Acórdão do TJUE que, “há violação do princípio da efetividade se o prazo a que uma disposição processual nacional sujeita a possibilidade de arguir a violação dos direitos conferidos pelo artigo 2.°, n.° 1, e pelo artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2010/64, bem como pelo artigo 3.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2012/13, começar a correr ainda antes de a pessoa em causa ser informada, numa língua que fale ou compreenda, por um lado, da existência e do alcance do seu direito à interpretação e à tradução e, por outro, da existência e do conteúdo do documento essencial em questão, bem como dos efeitos a ele associados (v., por analogia, Acórdão de 15 de outubro de 2015, Covaci, C-216/14, EU:C:2015:686, n.os 66 e 67).
A aplicação do regime previsto no artigo 120.º, n.º 3 do Código de Processo Penal à arguição de nulidades, por arguido que não compreenda a língua portuguesa, pressupõe sempre que previamente este tenha tido efetivo conhecimento, na língua que conhece, do teor de todos os documentos essenciais para o exercício da sua defesa e dos atos a que tal norma se refere para a contagem do prazo para a sua arguição.
Enquanto tal conhecimento efetivo não se verifique não pode iniciar-se o prazo para arguição de tais nulidades, sendo que tendo sido ultrapassados os limites temporais aí previstos, sem que tenha ocorrido tal conhecimento, é de aplicar o regime previsto no artigo 122.º do Código de Processo Penal. Salvaguarda-se, todavia, a hipótese de, não obstante não ter havido tradução do documento em fase anterior, o arguido em ato posterior demonstrar inequivocamente ter compreendido o seu teor e a sua atuação processual pressupor de forma inequívoca tal conhecimento efetivo, uma vez que em tal situação estaremos perante um ato concludente de sanação de tal invalidade, nos termos do disposto no artigo 121.º do Código de Processo Penal.
Em nosso entendimento, é esta a única interpretação compatível com o direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
Por seu lado, é à luz deste entendimento que se tem de enquadrar o princípio enunciado na decisão recorrida que “as nulidades insanáveis não podem ser declaradas após a formação de caso julgado sobre a decisão final que, neste aspecto, actua como forma de sanação”.
Com efeito, no caso de arguido não conhecedor da língua portuguesa, o caso julgado exige sempre que o mesmo tenha tido conhecimento efetivo, na língua que compreende, de todos os documentos essenciais para o exercício do seu direito de defesa e dos atos essenciais do referido processo criminal e que, após tal conhecimento, não tenha recorrido nos termos e prazos legais. A compatibilização do efeito do caso julgado e do direito do arguido não conhecedor da língua portuguesa de ter efetivo conhecimento do teor dos documentos essenciais para o exercício do seu direito de defesa que lhe dizem respeito, faz-se no plano da definição dos requisitos para a formação do caso julgado. Enquanto não houver tal conhecimento efetivo na língua que o arguido conhece e compreende, todos os atos que dependem desse conhecimento – com especial enfoque na sentença – não podem transitar em julgado.
Tendo presente este enquadramento, a primeira questão que tem de se colocar no caso ora em apreciação, é o de saber se estamos perante um arguido não conhecedor da língua portuguesa, uma vez que encontra-se assente que ao mesmo não foram traduzidos quaisquer outros documentos essenciais para o exercício do seu direito de defesa para além do inicial Termo de Identidade e Residência, sendo que no interrogatório realizado pela Polícia Judiciária o mesmo foi assistido por intérprete.
Ora, ainda que o arguido seja Moldavo, a verdade é que o mesmo expressamente referiu na diligência do dia 16 de Fevereiro de 2012 que “é conhecedor da língua portuguesa, tanto a nível falado como escrito, percebendo perfeitamente o que lhe é perguntado, na medida em que se encontra em território português há cerca de 5 anos a esta parte”.
O teor desta declaração consubstancia, em nosso entender, a renuncia à tradução de documentos essenciais para o exercício da sua defesa, a que alude o artigo 3.º, n.º 8 da Diretiva n.º 2010/64/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20/10/2010, tanto mais que nesse ato ele estava assistido por um intérprete e pela sua defensora oficiosa, estando em condições mais que suficientes para compreender o sentido e alcance da sua declaração.
Esta declaração é reforçada pelo teor da notificação pessoal da sentença de 09.08.2022, onde se pode a seguinte declaração: “O presente documento foi integralmente lido e revisto pelos seus signatários que declaram ter ficado cientes de todo o seu conteúdo e recebido cópia no acto”, tendo o mesmo assinado tal notificação. Aliás, em 09 de Agosto de 2022, AA….., prestou e assinou novo TIR, redigido apenas em português, tendo dado os seus elementos de identificação e uma nova morada (“Rua ……, Lourinhã”), sendo que do mesmo consta a declaração que “O presente documento foi integralmente lido e revisto pelos seus signatários que declaram ter ficado cientes de todo o seu conteúdo, tendo o(a) Arguido(a) recebido cópia no ato, e vai assinar”. Deste novo Termo de Identidade e Residência resulta evidente que o mesmo entendeu as questões que lhe foram colocadas em português e respondeu em conformidade dando a sua morada atualizada.
A conjugação de todos estes elementos, levam este Tribunal a concluir que o arguido efetivamente conhece a língua portuguesa por forma a compreender o teor dos documentos essenciais para o exercício do seu direito de defesa.
Aliás, este conhecimento tem sempre de ser visto no caso em concreto, atendendo ao nível de complexidade do processo em si mesmo e o nível de exposição que o arguido teve à língua portuguesa. Ora, no caso em apreciação, compulsados os autos é manifesto estarmos perante um processo cuja factualidade é facilmente apreendida pelo conhecedor médio da língua portuguesa (tanto mais que esta havia sido explicada ao arguido no interrogatório ocorrido na Polícia Judiciária, no qual o mesmo foi assistido por intérprete). Compulsados os autos, constata-se estarmos perante uma acusação com cinco páginas e dezoito artigos e uma sentença com dezanove páginas. Nem a extensão das referidas peças processuais, nem a matéria em apreciação são de tal modo complexas que leve à conclusão que o arguido, “conhecedor da língua portuguesa, tanto a nível falado como escrito, percebendo perfeitamente o que lhe é perguntado, na medida em que se encontra em território português há cerca de 5 anos a esta parte”, não tivesse as condições necessárias para compreender o seu conteúdo, podendo, exercer o seu direito constitucional de defesa, recorrendo, para o efeito, ao aconselhamento técnico-jurídico especializado da sua defensora nomeada. Estamos perante uma pessoa que vivia em Portugal, aquando do início do processo, há cerca de 5 anos, tempo mais que suficiente para compreender os factos que lhe eram imputados no presente processo. Quanto às consequências jurídico-penais de tais factos, os termos básicos das mesmas eram facilmente apreendidos pelo arguido, sabendo este que tinha uma defensora oficiosa nomeada, com a qual poderia facilmente conferenciar sempre que tivesse qualquer dúvida. Se é certo que o seu conhecimento da língua permitia facilmente compreender que contra si pendia um processo, com a factualidade que lhe havia sido comunicada, e contra si foi proferida uma sentença que implicava o cumprimento de uma pena de prisão, e que dela podia recorrer no prazo fixado na notificação, tal era o bastante para se dirigir à sua defensora nomeada e com ela concertar a melhor estratégia processual para o exercício do seu direito de defesa, facto que não fez.

O conhecimento do teor dos documentos essenciais para o exercício do seu direito de defesa e seu alcance, não exige que o mesmo compreenda a fundo todas as implicações jurídico-penais dos mesmos, mas apenas que compreenda o suficiente para, de uma forma informada, poder definir, designadamente em conjunto com a sua defensora, como e em que medida deve reagir aos mesmos. É nesta clara distinção entre o conhecimento básico que se exige que o arguido tenha do teor dos documentos essenciais que lhe dizem respeito para poder decidir sobre o modo como se irá defender das imputações, e o profundo conhecimento técnico-jurídico das mesmas que tem o seu defensor, que reside a exigência legal que todos os arguidos em processo penal sejam assistidos por advogado, constituído ou nomeado oficiosamente. Neste compromisso[13] reside a garantia constitucional de um efetivo direito de defesa do arguido, que no caso em apreço, foi plenamente assegurado, não existindo qualquer inconstitucionalidade que careça de ser declarada por este Tribunal.

Temos assim por certo que o arguido AA….. sempre teve efetivo conhecimento do teor de todos os documentos essenciais para o exercício do seu direito de defesa, não obstante ser Moldavo, pelo que não é aplicável o regime supra exposto relativo a quem não compreende a língua portuguesa.

Em conclusão, não assiste razão ao recorrente nas invocadas nulidades e inconstitucionalidades, uma vez que as mesmas, a existir, pressupõem uma realidade não existente no caso ora em apreciação, a saber: estarmos perante um arguido que não conhece e compreende a língua portuguesa.

Nestes termos, improcede totalmente o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida pelas razões supra expostas.
*

IV–DISPOSITIVO

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação:
1.–Negar provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido.
Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs [artigos 513.º, n.o 1, do CPP e 8.º, n.º 9 do RCP e Tabela III anexa.



Lisboa, 14.11.2023



(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP -, com assinaturas eletrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do art.º 19.º da Portaria n.º280/2013, de 26-08 revista pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09)


João António Filipe Ferreira
(Juiz Desembargador Relator)
Maria José Machado
(Juíza Desembargadora Adjunta)
Mafalda Sequinho dos Santos
(Juiz Desembargadora Adjunta)



[1]Acessível em https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2010:280:0001:0007:pt:PDF
[2]Acessível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32012L0013 
[3]Para que ocorra tal efeito, conforme Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, designadamente nos Acórdãos Van Gen & Loos contra a Administração Fiscal Neelandesa e Van Duyn contra Home Office, é necessário que se encontrem preenchidos cumulativamente quatro pressupostos: 1) Que não tenha sido efetuada a sua transposição para a legislação nacional ou que a mesma tenha sido objeto de transposição incorreta; 2) Que as disposições da Diretiva sejam incondicionais e suficientemente claras e precisas; 3) Que as disposições da Diretiva confiram direitos a particulares; 4) Que esteja esgotado o prazo de transposição (ver em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61962CJ0026; https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61974CJ0041)
[4]Quanto a este princípio, várias são as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia que o têm afirmado, destacando-se o Acórdão Flaminio Costa contra ENEL (acessível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61964CJ0006) e o Acórdão Marleasing, S.A. contra La Comercial internacional de Alimentación SA (caessível em https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:384f064c-f467-4dda-a3cb-a44d930a6e25.0009.02/DOC_2&format=PDF). Nesta matéria, o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 01.08.2022 (Processo C-242/22 PPU), expressamente refere que “cabe recordar que, em todos os casos em que, do ponto de vista do seu conteúdo, as disposições de uma diretiva se afigurem incondicionais e suficientemente precisas, os particulares podem invocá-las perante o juiz nacional contra o Estado-Membro em causa, quer quando este não tenha transposto a diretiva para o direito nacional nos prazos previstos quer quando tenha feito uma transposição incorreta da mesma” (acessível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62022CJ0242)
[5]Em sentido idêntico, relativamente aos Mandados de Detenção Europeu, vide o artigo 3.º da Diretiva n.º 2010/64/EU.
[6]Cf. Gaspar, António Henriques (2022). “Código de Processo Penal comentado”. Almedina. 4.ª edição, p. 333.
[7]Não nos referimos ao vício de inexistência, uma vez nestes casos, não estamos perante os requisitos ou a natureza do ato, mas é o próprio ato que não existe
[8]Cf. Gaspar, António Henriques (2022). “Código de Processo Penal comentado”. Almedina. 4.ª edição, p. 334 e 337.
[9]Acessível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2022:303.12.1JACBR.P1.B.P1..72/
[10]Cf. Acórdão do STJ de 23/11/2011, Processo n.º 550/09.3GPMS.C1.S1, disponível em www.dgis.pt.
[11]Citado em Gaspar, António Henriques (2022). “Código de Processo Penal comentado”. Almedina. 4.ª edição, p. 350.
[12]Nesta matéria, entende Tiago Caiado Milheiro que o conceito de intérprete abrange quer o intérprete em sentido restrito – para atos orais – quer o tradutor – para atos escritos (cf. Gama, António (2019). “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”. Edições Almedina. Tomo I, p. 999
[13]Na escrita assertiva do Professor Alberto dos Reis, “por mais que se ilumine a estrutura processual, por maior que seja a clareza e a simplicidade dos actos e formas do processo, as partes terão sempre necessidade, pelo menos nas causas mais graves e difíceis, do patrocínio de profissionais do foro.(…) o processo há-de conservar sempre, em maior ou menor grau, o carácter de instrumento técnico, cuja utilização racional e proveitosa demanda perícia e educação profssional” (cf. Reis, Alberto (1982). “Código de Processo Civil anotado”. Coimbra Editora. Vol. I, 3.ª ed., p. 104).