OPOSIÇÃO À PENHORA
PESSOA COLETIVA DE UTILIDADE PÚBLICA
IMPENHORABILIDADE
BENS DE UTILIDADE PÚBLICA
Sumário

I - O incidente de oposição à penhora, previsto no art. 784º CPC, constitui o meio para o executado opor-se à penhora de bens que embora lhe pertencendo não podiam ser atingidos pela diligência.
II - Os bens de pessoas coletivas de utilidade pública estão isentos de penhora quando se encontrem especialmente afetados a fins de utilidade pública.
III - Releva para este efeito que os bens estejam especial e efetivamente afetados à (atual) realização de fins de utilidade pública impondo-se, apurar a efetiva utilização que é dada aos bens.
IV - Constitui um ónus do executado alegar e provar a afetação a fins de utilidade pública -, nos termos do art.342º/2CC.

Texto Integral

Exec-Oposição Penhora-1257/20.6T8MAI-B.P1

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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)


I. Relatório
Por apenso à execução ordinária para pagamento de quantia certa que AA, com domicílio na Rua ..., ... ..., intentou contra o Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Nacional de Pensões, com sede no Campo ..., ..., ... Lisboa, a qual, por seu turno, corre por apenso à execução de sentença para diversas finalidades, designadamente para pagamento de quantia certa que AA, havia intentado contra BB, com domicílio na Rua ..., ... Maia, veio o executado Instituto da Segurança Social, I.P./Centro Nacional de Pensões deduzir a presente oposição à penhora, pedindo a final que a oposição à penhora fosse julgada procedente e em consequência que a execução fosse suspensa por falta de fundamento da mesma, que a execução prosseguisse contra o devedor principal até serem excutidos todos os bens e requerendo o imediato “descongelamento” da conta bancária penhorada atenta a natureza jurídica de entidade pública do executado, face às consequências para o interesse público da penhora dos bens indicados pelo exequente.
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Na ação executiva de que os presentes embargos são apenso, o exequente pretende que sejam efetuadas as diligências necessárias à cobrança da quantia global de €7.125,00 (sete mil e cento e vinte e cinco euros) com base no facto de o ora executado oponente, notificado para a penhora da pensão do primitivo executado, não ter dado qualquer resposta a tal notificação nem ter depositado a prestação devida, nos termos do disposto no art. 777º, nº 3, do Código de Processo Civil.
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Na oposição, o executado invocou em primeiro lugar a falta de citação.
Invocou depois a falta de fundamento para a execução.
Alegou que o executado foi notificado pela Sr.ª Agente de Execução em 16 de Junho de 2021 para os efeitos do disposto no art. 773º, nº 4, do Código de Processo Civil, tendo respondido por correio electrónico datado de 6 de Agosto de 2021 que na pensão do beneficiário referido, no valor ilíquido mensal de €1.262,88 (mil e duzentos e sessenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos), já ocorreram duas penhoras, prevendo-se o final dos descontos para
Junho de 2023 e a outra, para Maio de 2033, ficando retido na fonte o valor de €174,00 (cento e setenta e quatro euros) relativo a IRS.
Alegou depois que o beneficiário executado, nos anos de 2020 e 2021, recebia uma pensão no valor mensal líquido de €1.088,88 (mil e oitenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos), sendo o valor atual da pensão €1.271,74 (mil e duzentos e setenta e um euros e setenta e quatro cêntimos), do qual fica retido na fonte o montante de €175,00 (cento e setenta e cinco euros).
Continuou alegando que o beneficiário executado, à data do pedido de penhora, auferia uma pensão líquida no valor de €1.088,88 (mil e oitenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos), sobre a qual recaíam duas penhoras mensais, uma no valor de €152,38 (cento e cinquenta e dois euros e trinta e oito cêntimos) desde Agosto de 2020 até perfazer o montante de €20.094,15 (vinte mil e noventa e quatro euros e quinze cêntimos) e outra no valor de €211,96 (duzentos e onze euros e noventa e seis cêntimos) até perfazer o montante de €7.463,46 (sete mil e quatrocentos e sessenta e três euros e quarenta e seis cêntimos).
Concluiu que o beneficiário BB, após os descontos efetuados, auferia o valor líquido de pensão no montante de €726,02 (setecentos e vinte e seis euros e dois cêntimos), o qual é impenhorável por corresponder aos 2/3 do seu rendimento e que por isso o ora executado oponente não procedeu à execução da penhora mandada executar pela Sr.ª Agente de Execução em 26 de Setembro de 2020, porque se o fizesse estaria em violação da lei quanto aos limites da impenhorabilidade previstos no art. 738º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil.
Alegou ainda que é certo que o ora executado oponente não respondeu à notificação de ordem de penhora efetuada em 26 de Setembro de 2020, mas que tal se deveu ao facto de haver um grande constrangimento com que os serviços se debatem, devido à falta de pessoal e ao facto de em 2020 ter tido início uma pandemia, que originou uma maior sobrecarga no funcionamento dos serviços.
Concluiu que a Sr.ª Agente de Execução e o exequente não podiam interpretar a falta de resposta do ora executado oponente à notificação de penhora como um reconhecimento da existência da obrigação.
O executado oponente invocou depois a subsidiariedade dos bens (direito) penhorados, alegando, para tal e em síntese, que na execução movida contra o devedor subsidiário não podem penhorar-se bens deste enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal, sendo que o devedor principal é titular de uma pensão de invalidez paga pelo executado oponente.
O executado oponente invocou finalmente que se verifica a incidência da penhora sobre bens (direito) que não respondem nos termos do direito substantivo, alegando, para tal e em síntese, que é alheio à relação jurídica de direito substantivo existente entre o exequente e o primitivo executado BB.
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Por despacho proferido no dia 6 de Julho de 2022 ( inserido a pagina 282 do processo eletrónico, sistema Citius), consignou-se que se iria proceder à apreciação nos autos principais (Execução ordinária do apenso A)), como incidente, da arguição da falta de citação para a ação executiva, invocada pela executada/oponente na petição inicial de oposição à penhora, em sede de “questão prévia”, ao abrigo do disposto no art. 851º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Determinou-se, ainda, que se extraísse cópia da petição inicial que deu entrada em juízo no dia 29 de Junho de 2022, com a Ref.ª 42719614, e respetivos documentos, e que a mesma fosse junta aos autos principais (Execução ordinária do apenso A)) e que após, nesse autos, se procedesse à notificação do exequente para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo sobre o incidente de arguição da falta da citação, deduzido pela executada/oponente.
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Por despacho proferido no dia 14 de Setembro de 2022, nos autos principais
(Execução ordinária do apenso A)), foi julgada improcedente a arguição da falta de citação,
requerida pelo executado, ora oponente.
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Por despacho proferido no dia 12 de Outubro de 2022, determinou-se a notificação do exequente para, no prazo de 10 dias, contestar a oposição à penhora, querendo, nos termos do disposto nos arts. 293º, nº 2 e 785º, nº 2, do Código de Processo Civil.
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Devidamente notificado veio o exequente apresentar contestação, respondendo às exceções e concluindo a final pela improcedência da oposição à penhora.
Para tal, alegou que a resposta enviada pelo executado em 6 de Agosto de 2021, passados quase dois meses da notificação efetuada em 16 de Junho de 2021, não obsta à notificação enviada pela Sr.ª Agente de Execução.
Alegou depois que em 26 de Setembro de 2020 a Sr.ª Agente de Execução notificou o executado para que penhorasse a pensão auferida pelo executado BB e para no prazo de 10 dias informar o montante da referida pensão e caso existissem outras penhoras em curso identificassem o número de processo judicial, montante a penhorar, valor já penhorado e descontado, data previsível do seu termino, tendo ainda a Sr.ª Agente de Execução advertido que caso nada dissessem entender-se-ia que reconheciam a existência da obrigação podendo a execução correr contra o notificado, ou seja, que não sendo contestada a obrigação, impendia sobre o ora executado o dever e obrigação de depósito da importância constante da presente notificação à ordem do Agente de Execução, podendo o exequente nos próprios autos de execução exigir a prestação servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição de crédito.
Alegou de seguida que a referida notificação foi recebida pelo ora executado, mostrando-se o respetivo aviso de receção devidamente carimbado e assinado e o executado ora oponente votou-se ao silêncio, não dando resposta à notificação efetuada pela Agente de Execução.
Alegou ainda que foi devido à falta de resposta do executado oponente que a Sr.ª Agente de Execução notificou o executado através de notificação datada de 13 de Junho de 2021 nos termos e para os efeitos do art. 779º do CPC. O executado limitou-se a vir informar a Sr.ª Agente de Execução via correio eletrónico que a reforma do executado BB estava penhorada, ignorando mais uma vez o conteúdo da notificação efetuada pela Sr.ª Agente de Execução.
Alegou que a notificação de 13 de Junho de 2021 não era para informar sobre as penhoras do executado mas para que o executado depositasse o valor de €9.618,01 (nove mil e seiscentos e dezoito euros e um cêntimo) por não ter respondido à primitiva notificação.
Alegou de seguida que na presente execução movida contra o oponente não existe devedor principal e devedor executado, existindo apenas um devedor, o Instituto da Segurança Social, I. P.
Alegou finalmente que pese embora o ora oponente nada tenha a ver com a relação que existiu entre o exequente e o primitivo executado BB que deu origem ao processo principal de execução, o ora oponente é a entidade pagadora da pensão que o executado BB aufere, sendo demandado ao abrigo do disposto no art. 773º, do Código de Processo Civil.
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Por despacho proferido no dia 22 de Novembro de 2022 (inserido a páginas 193 do processo eletrónico sistema Citius), determinou-se que as partes, no prazo de 10 dias, se pronunciassem sobre a eventualidade de o Tribunal proferir decisão quanto à subsequente tramitação dos autos, seja no sentido de decisão final por inexistência de factos controvertidos relevantes, seja no sentido de prosseguimento para inquirição de testemunhas.
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Notificado, o exequente informou nada ter a opor a que o Tribunal proferisse decisão nos termos indicados.
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O executado oponente não se pronunciou.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Pelo exposto:
- Julgo improcedente a presente oposição à penhora e em consequência, absolvo o exequente dos pedidos contra si formulados.
Custas pelo executado, nos termos do disposto no art. 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Fixo à causa o valor de €9.618,01 (nove mil e seiscentos e dezoito euros e um cêntimo), nos termos do disposto nos arts. 304º, nº 1 e 306º, nº 2, do Código de Processo Civil”.
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O Instituto de Segurança Social, I.P./Centro Nacional de Pensões (adiante apenas designado por ISS,IP/CNP) veio interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões:
1.Por sentença ora recorrida, que correu termos pelo Juiz 1 do Juízo de Execução da Maia do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi julgada improcedente a oposição à penhora deduzida pelo ora Recorrente , ISS, IP/CNP.
2. Porém, não se podendo com ela conformar, o ora Recorrente veio interpor recurso jurisdicional, nos termos e para os efeitos dos artigos 644º, 645.º. e 647.º do CPC.
3. Considerou a meritíssima Juiz a quo julgar a presente ação procedente por entender, em suma:
4. “A oposição à penhora é um meio processual privativo do executado em que apenas podem ser invocados os fundamentos expressamente previstos no n.º 1 do art.º784.º do CPC, sendo inadmissível que o executado venha invocar na oposição à penhora fundamentos próprios da oposição à execução. (…)
5. Deste modo, na atual fase processual, está vedado ao executado oponente discutir o montante da dívida exequenda.(…)
6. (…) Deste modo, “1- No que respeita à penhora de bens de domínio público existe uma salvaguarda absoluta- impenhorabilidade total- assente, obviamente na presunção “jures et de jure” de que tais bens estão, pela sua própria natureza, afetos exclusivamente a fins de utilidade pública. 2- Já quanto aos bens de domínio privado do Estado e demais Pessoas Coletivas Públicas, só os que estiverem afetos a fins de utilidade pública beneficiarão da prerrogativa de impenhorabilidade.
3 – A natureza destes bens não permite concluir ou presumir a afetação exclusiva ou sequer predominante a fins de utilidade pública e daí que, se pretender obter o levantamento da penhora desses bens, incumba ao executado/embargante, beneficiarão da impenhorabilidade relativa, a alegação e prova (trata-se de matéria de exceção e como tal o ónus da prova cabe a quem aproveita- art. 342.º n.º 2 do CC) da afetação concreta dos bens de utilidade pública”. (…)
7. Deste modo, também não se mostra preenchida a previsão legal da alínea c), do n.º 1, do artigo 784.º, do Código de Processo Civil.
8. Efetivamente, o ora Recorrente não deduziu os competentes embargos de executado porquanto a citação enviada pela Sr.ª Agente de Execução para o Campo ..., ..., ... Lisboa, enviada a 07 de janeiro de 2021, não foi rececionada no ISS, IP, sito em Avenida ..., ..., ... Lisboa, assumindo-se como eventual extravio.
9. Sendo um facto de domínio público que todos os serviços desconcentrados do ISS, IP, em Lisboa, se encontram localizados no edifício da Avenida ..., desde fevereiro de 2019.
10. Sendo certo que o ISS, IP, apenas deu resposta à Se. Agente de Execução, no dia 6 de Agosto de 2021, em resposta à notificação de 16/06/2021, para os efeitos do disposto no n.º 4 do art.º 773 do CPC, tendo enviado comunicação eletrónica à Sr.ª Agente de Execução:
“Em resposta ao V/ ofício, cumpre informar V. Exa. de que, na pensão do beneficiário acima referido, no valor ilíquido mensal de € 1262,88, já decorrem duas penhoras, conforme extratos em anexo, prevendo-se o final dos descontos para 06/2023 e a outra para 05/2033.
Fica retido na fonte o valor de € 174,00, relativo a IRS.(…)
11. O primitivo executado BB, nos anos de 2020 e 2021, recebia uma pensão no valor mensal líquido de € 1.088,88 (mil e oitenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos), sendo o valor atual da pensão de € 1.271,74 (mil duzentos e setenta e um euros e setenta e quatro cêntimos, do qual fica retido na fonte o montante de € 175,00 (cento e setenta e cinco euros).
12. Em Julho de 2020, o primitivo executado BB auferia uma pensão líquida no valor de €1.088,88 (mil e oitenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos), sobre a qual recaíam duas penhoras mensais;
13. Sendo uma do processo executivo da DGCI-3514, no valor de €152,38 (cento e cinquenta e dois euros e trinta e oito cêntimos) desde Agosto de 2020 até perfazer o montante de €20.094,15 (vinte mil e noventa e quatro euros e quinze cêntimos) (cfr. cópia digitalizada de documento de fls. 7, deste apenso);
14. E outra do processo executivo da DGCI-1805, no valor de €211,96 (duzentos e onze euros e noventa e seis cêntimos) até perfazer o montante de €:7.463,46 (sete mil quatrocentos e sessenta e três euros e quarenta e seis cêntimos) (cfr. cópia digitalizada de documento de fls. 8, deste apenso);
15. Embora se possa censurar a falta de resposta atempada à Senhora Agente de Execução, não pode a mesma ser entendida como incúria ou negligência por parte do ISS, IP/CNP.
16. Não podemos olvidar o facto de haver um grande constrangimento com que os serviços se debatem, sobretudo devido à falta de pessoal.
17. Efetivamente, o CNP recebe, em média, todos os meses cerca de 3300 pedidos de penhora de pensão por parte dos tribunais e agentes de execução.
18. E como tal não dispõe de pessoal suficiente para dar resposta imediata a todas estas solicitações de penhora, opta por dar resposta em primeiro lugar os processos em que se verifica que o executado é titular de uma pensão;
19. E dentro destes, daqueles que têm a pensão livre de quaisquer encargos.
20. Ora à data do pedido de penhora, o beneficiário/executado auferia uma pensão liquida no valor de 1.088,88 (mil e oitenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos, sobre a qual recaíam duas penhoras mensais, uma no valor mensal de € 152,38 (cento e cinquenta e dois euros e trinta e oito cêntimos, e outra no valor de € 211,96 (duzentos e onze euros e noventa e seis cêntimos).
21. Conforme resulta, o ora Recorrente não podia proceder à execução da penhora mandada executar pela Senhora Agente de Execução, porque se o fizesse estaria em clara violação da lei no que respeita aos limites da impenhorabilidade estabelecidos no disposto nos n.º 1 e n.º 3 do artigo 738.º do CPC.
22. E contrariamente ao vertido na douta sentença o Centro Nacional não “é uma instituição de segurança social no domínio das prestações diferidas, dotada de personalidade e de autonomia administrativa financeira e patrimonial, conforme resulta do disposto no art.º 1.º do Decreto-Lei 6/98, de 13 de janeiro”.
23. Com efeito, o CNP e os centros regionais de segurança social foram extintos, sucedendo-lhes o ISSS, nos termos estabelecidos no n.º 6 do art.º 3. do Decreto-Lei n.º 45-A/2000, de 22 de Março, tendo sido o seu património transferido para o ISSS.
24. O ISS prossegue atribuições do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, sob superintendência e tutela do respetivo ministro.
25. O ISS, IP é uma pessoa coletiva de direito público dotado de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, com a natureza de Instituto Público, e note-se que lhe estão acometidas as funções de gestão das prestações do sistema solidariedade e segurança social, conforme resulta dos seus Estatutos, publicados em anexo ao Decreto-lei n.º 316-A/2000, de 07 de dezembro, designadamente:
- Gerir as prestações do sistema de solidariedade e segurança social e os seus subsistemas de proteção social e cidadania, e de proteção à família e de previdência;
- Garantir a realização dos direitos e promover o cumprimento das obrigações dos beneficiários do sistema de solidariedade e segurança social e, ainda, dos contribuintes que não sejam atribuição de outra instituição.
23. Ora, é incontestável que todo o acervo patrimonial do ISS, IP, se destina ao cumprimento e à prossecução de fins públicos;
24. E bem assim o entende o Acórdão proferido em 02 de janeiro de 2023, pelo Juiz 2 do Juízo Local Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa:
“Relativamente à impenhorabilidade dos bens do Executado e Embargante, à luz do disposto no artigo 737, n.º1 do C.P.Civil entende o Tribunal que ao mesmo assiste razão. Pelo que o invocado pela Exequente CC, de que o referido normativo considera impenhoráveis apenas os bens que se encontrem especialmente (e não genericamente) afetados à realização de fins de utilidade pública, é um argumento, que, com todo o respeito por entendimento diferente do nosso, temos dificuldade em perceber, nomeadamente, como poderia ser feita essa destrinça, e que prova poderia o Embargante, nesse domínio fazer. E por aqui poderíamos ficar, concluindo que os bens do Instituto de Segurança Social IP/ Centro Nacional de Pensões (CNP), Embargante e ora Executado, são insuscetíveis de penhora, como concluímos.”
25. O ISS, IP é um basilar do estado social, sendo através dele que se asseguram direitos básicos dos cidadãos e a igualdade de oportunidade, promovendo o bem estar e a coesão social para todos os cidadãos portugueses ou estrangeiros que exercem atividade profissional ou residam no território.
26. Vejam-se os objetivos do sistema de proteção social de cidadania que se encontram contemplados na Lei de Bases da Segurança Social- Lei 4/2007 de 16 de janeiro:
“Artigo 26.º
1 - O sistema de proteção social de cidadania tem por objetivos garantir direitos básicos dos cidadãos e a igualdade de oportunidades, bem como promover o bem estar e a coesão sociais.
2 - Para concretização dos objetivos mencionados no número anterior, compete ao sistema de proteção social de cidadania:
a)A efetivação do direito a mínimos vitais dos cidadãos em situação de carência económica;
b) A prevenção e a erradicação de situações de pobreza e de exclusão;
c) A compensação por encargos familiares;
d) A compensação por encargos nos domínios da deficiência e da dependência.”
26. Vejam-se os objetivos preconizados pelo Subsistema de solidariedade:
“ Artigo 36.º
1 - O subsistema de solidariedade destina-se a assegurar, com base na solidariedade de toda a comunidade, direitos essenciais por forma a prevenir e a erradicar situações de pobreza e de exclusão, bem como a garantir prestações em situações de comprovada necessidade pessoal ou familiar, não incluídas no sistema previdencial.
2- O subsistema de solidariedade pode abranger também, nos termos a definir por lei, situações de compensação social ou económica em virtude de insuficiências contributivas ou prestacionais do sistema previdencial.”
27. De facto, compete ao ISS, IP assegurar prestações do maior relevo e de extrema importância ao nível da estabilidade social e económica, como sejam, o pagamento, de prestações por doença, prestações por desemprego, rendimento social de inserção, prestações por morte, pensões por velhice de invalidez e demais prestações de apoios social:
Assim, como se poderia fazer destrinça dos bens do Instituto no que respeita àqueles que se encontram genericamente ou especialmente afetos a fins de utilidade pública? Se todos os bens do ISS, IP se encontram adstritos ao desenvolvimento das suas competências de utilidade pública, e que como se viu, são muitas e de extrema importância.
29. É insustentável que as contas do ISS, IP possam ser objeto de penhoras e que à conta do erário público se paguem as dívidas de particulares.
30. Tanto mais que a penhora mandada executar pela Senhora Agente de Execução era inexequível atento os limites da impenhorabilidade estabelecidos no disposto nos n.º 1 e n.º 3 do artigo 738.º do CPC, tendo em conta que sobre a pensão do executado originário já se encontravam a decorrer duas penhoras.
31. E que conforme se comprova a Senhora Agente de Execução procedeu à citação do ora Recorrente para a morada no Campo ..., ..., quando o CNP já havia mudado as suas instalações há cerca de dois anos na Avenida ....
32. Assim, por eventual extravio não foi rececionada a referida citação aos serviços competentes, atempadamente, para que o mesmo pudesse deduzir os competentes embargos de executado.
30. E mal vai o nosso país quando um particular, para fazer valer os seus interesses, procura tirar vantagem desses males, conjunturais e estruturais, de que padece a nossa administração pública, em detrimento de uma cooperação que muito beneficiaria a prossecução dos interesses coletivos que constituem, ao fim e ao cabo, a missão e a razão de ser de qualquer instituição de direito público.
31. Salvo o devido respeito, entendemos que todo o acervo patrimonial do Instituto da Segurança Social, I.P, atenta a sua natureza e as atribuições que lhe estão acometidas se encontra afeto à finalidade de utilidade pública, e por isso tratam-se de bens que são insuscetíveis de penhora, nos termos do artigo 737.º n.º 1 do CPC.
28. Ao decidir como decidiu, a douta sentença violou o disposto no n.º 1 do artigo 737.º do CPC, por entender que os bens do Instituto da Segurança Social, IP, podem ser penhorados.
Termina por pedir a revogação da sentença.
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A exequente veio apresentar resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões:
1- O tribunal a Quo julgou totalmente improcedente a oposição à penhora apresentada pela Recorrente e esta não se conformando com a decisão proferida apresentou recurso da mesma.
2- A recorrente não apresentou embargos de executado alegando agora que não o fez porque a citação enviada pela Senhora Agente de Execução foi enviada para a morada do campo ... em Lisboa, quando a Recorrente já à dois anos tem os serviços localizados na Avenida ... em Lisboa.
3- O facto ora alegado pela Recorrente de que a citação não foi recebida por talvez se ter extraviado uma vez que a morada da Recorrente já não é a mesma, é uma alegação nova que não foi sequer referenciada na oposição à penhora, pelo que tratando-se de um facto novo não deverá sequer ser apreciado.
3- Ainda que assim não se entenda, o que só por mera hipótese se coloca, a verdade é que todas as notificações e citações enviadas no âmbito do processo foram rececionadas pela Recorrente, mostrando-se os avisos de receção devidamente assinados, não podendo o exequente ora Recorrido ser responsabilizado ou prejudicado por a correspondência se ter extraviado dentro do serviço ou simplesmente ter sido ignorada.
4-Veja-se que todas as citações foram enviadas para a mesma morada e pelo menos a uma delas houve resposta, fora do prazo claro, mas existiu resposta, o que faz com que não se compreenda a nova alegação de alteração de morada e extravio de cartas – ou recebiam todas ou nenhuma.
5- A Recorrente respondeu à notificação da Senhora agente de execução de 16/06/2021 em 06/08/2021, ou seja cerca de dois meses depois, não respondendo ao conteúdo da notificação (que notificava a ora Recorrente para depositar a quantia de 9618,01€) mas informando que a reforma do executado primitivo já se encontrava penhorada – tardou a referida resposta, foi feita fora do prazo e do contexto uma vez que a referida resposta deveria ter sido dada aquando da notificação de 26-09-2020.
6- Desconhecendo o exequente em 16-06-2021 o montante da reforma do devedor por a referida informação não lhe ter sido prestada quando solicitado pela Recorrente, desconhecendo que sobre a referida reforma recaiam penhoras, é de considerar satisfeito o dever de identificação do crédito penhorado mediante a identificação do credor seguida do montante máximo da execução, definido pelo valor da quantia exequenda.
7- Refere a Recorrente que a falta de resposta à Senhora agente de execução não se deve a incúria mas à falta de pessoal e a constrangimentos provocados pela pandemia e que é dada
sempre preferência na resposta nos processos em que as pensões podem ser penhoradas – salvo o devido respeito não se aceita tal alegação, é um facto que a Recorrente antes, durante e depois da Pandemia demora meses a responder às notificações e citações, existam ou não reformas suscetíveis de penhora, numa clara demonstração de despreocupação e diligencia para com os particulares ou empresas que se vêm obrigados a recorrer a tribunal e a fazer penhora de valores que lhe são devidos, muitas das vezes para com esse dinheiro poderem pagar as suas rendas, escolas dos filhos e alimentação, pelo que não se venha aqui falar de cooperação e interesse publico.
8- A Recorrente não apresentou oposição à execução mediante embargos, Os embargos de executado, são um meio de oposição ou defesa, no processo executivo sendo ao embargante que cumpre alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente, conformando-se desse modo com a fixação da quantia exequenda peticionada pelo exequente nesse requerimento executivo.
9 - Precludido o direito de deduzir oposição à execução por meio de embargos de executado, não pode o executado deduzir oposição à execução com fundamento em excesso quantitativo da penhora, pretendendo assim discutir o montante da quantia exequenda.
10 - A oposição à penhora é um meio processual privativo do executado em que apenas podem ser invocados os fundamentos expressamente previstos no n.º 1 do art.º 784.º do CPC,
sendo inadmissível que o executado venha invocar na oposição à penhora fundamentos próprios da oposição à execução
11- No âmbito da oposição à penhora e ultrapassado o prazo de oposição à execução, está vedado ao executado oponente discutir o montante da dívida exequenda.
12- Pelo que decidiu bem o Meritissimo Juiz a quo pela improcedência da oposição deduzida quanto à falta de fundamentos para a execução e quanto à falta de citação da Recorrente, decisão essa já proferida em 14 de setembro de 2022.
13- Refere a Recorrente no seu recurso que é uma pessoa coletiva de direito publico e que todo o ser acervo patrimonial se destina ao cumprimento e à prossecução de fins públicos sendo insustentável que as suas contas possam ser objeto de penhora.
14- A questão da impenhorabilidade de bens e da natureza jurídica da ora recorrente parece que passou despercebida à própria executada aquando da oposição à penhora.
15- A executada ora Recorrente no seu requerimento de oposição à penhora apenas faz referência no que a este assunto diz respeito no seu pedido e com a seguinte frase: “Sem prejuízo
da decisão sobre a presente oposição requer-se o imediato levantamento e descongelamento da conta bancaria ora penhorada, atenta a natureza jurídica da entidade publica do executado, face às consequências para o interesse publico da penhora dos bens indicados pela exequente”.
16- Em momento algum da sua oposição à penhora a Executada ora Recorrente sequer alegou a natureza jurídica de entidade pública ou as consequências para o interesse público da penhora dos bens indicados pela exequente.
17- A Recorrente na sua oposição à penhora nem sequer se deu ao trabalho de alegar em que é que a penhora da conta bancaria afetaria o interesse público ou as funções da executada.
18- A regra é que os bens da executada enquanto pessoa coletiva de direito público são penhoráveis apenas deixando de o ser se estiverem afetos à realização do fim de utilidade pública, o qual tem de resultar do uso que seja dado ao próprio bem.
19-A executada não alegou que o saldo bancário estava adstrito à realização de um fim de utilidade pública, nem alegou qualquer outra coisa, não podendo agora em fase de recurso vir alegar factos novos, que não foram sequer alegados na oposição à penhora.
20-O saldo bancário penhorado poderia estar afeto a um fim de utilidade publica como poderia não estar, poderia destinar-se a pagar despesas administrativas ou outras e não destinar-se a ser utilizado num fim de utilidade publica, Como a Recorrente em altura própria não alegou o que quer que fosse relativamente a esta questão, não foi sequer a questão discutida ou sujeita a prova, não pode agora em fase de recursos alegar-se factos novos para impedir a penhora do referido saldo bancário.
21- A Recorrente deveria em tempo oportuno ter alegado e demonstrado tal matéria, facultando a discussão, não o tendo feito a sua atual pretensão não pode proceder por falta de matéria factual apta ao respetivo suporte.
22- Decidiu e bem o Meritíssimo Juiz a quo ao invocar o Acórdão da Relação de Évora de 12 de Janeiro de 2006, proferido no processo nº 1845/05-2, in http://www.dgsi.pt/jtre.nsf) : “A natureza destes bens não permite concluir ou presumir a afetação exclusiva ou sequer predominante a fins de utilidade pública e daí que, se pretender obter o levantamento da penhora desses bens, incumba ao executado/embargante, beneficiário da impenhorabilidade relativa, a alegação e prova (trata-se de matéria de exceção e como tal o ónus da prova cabe a quem aproveita – art.º 342º n.º 2 do CC) da afetação concreta dos bens a fins de utilidade pública.”
Decidindo que:
“Sucede que o executado oponente nem sequer alegou que o saldo penhorado se encontre especialmente afetado à realização de quaisquer fins de utilidade pública.
Deste modo, também não se mostra preenchida a previsão legal da alínea c), do nº 1, do art. 784º, do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, sem necessidade de outros considerandos, deverá julgar-se improcedente a presente oposição à penhora”.
23- O Recurso Serve para reponderar e destina-se a reapreciar a decisão recorrida quanto às questões que lhe foram endereçadas e não à reformulação da decisão perante novos factos e questões.
24- O âmbito do recurso encontra-se objetivamente limitado pelas questões colocadas ao tribunal recorrido pelo que não é possível solicitar ao tribunal que se pronuncie sobre questões que não se integram no objeto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.
25- Pelo que deverá ser mantida na integra a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
Termina por considerar que a decisão proferida pelo juiz do tribunal “a quo” deve ser mantida.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- se a falta de fundamento para a execução constitui fundamento de oposição à penhora; e
- se a conta bancária objeto de penhora é insuscetível de penhora nos termos do art. 737º/1 CPC.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
a) Os presentes autos correm os seus termos por apenso ao processo de execução de sentença para pagamento de quantia certa que o exequente intentou contra o primitivo executado BB, solicitando a realização das diligências necessárias ao pagamento da quantia exequenda no valor de €7.125,00 (sete mil e cento e vinte e cinco euros) com base em sentença transitada em julgado no dia 3 de Fevereiro de 2020 (cfr. 8 a 15, dos autos de execução de sentença);
b) Nesses autos, a Sr.ª Agente de Execução enviou notificação ao ora executado oponente para proceder à penhora da pensão do primitivo executado BB, através da carta registada com aviso de receção datada de 26 de Setembro de 2020, para a sede do executado oponente, sita no Campo ..., ..., ... Lisboa, tendo o respetivo aviso de receção sido assinado e devolvido à Sr.ª Agente de Execução (cfr. fls. 42 a 45, dos autos de execução de sentença);
c) O ora oponente não se pronunciou sobre a referida notificação para penhora;
d) A Sr.ª Agente de Execução procedeu ao envio de notificação ao ora executado oponente, através da carta registada datada de 13 de Junho de 2021, para a sede do executado oponente, sita no Campo ..., ..., ... Lisboa, tendo o respetivo aviso de receção sido assinado e devolvido à Sr.ª Agente de Execução, da qual consta o seguinte:
“Não tendo V.Exª(s) respondido, na qualidade de entidade pagadora, à notificação para penhora da pensão de velhice ou outros rendimentos periódicos devidos/pagos ao executado abaixo identificado (no caso concreto, pensão de invalidez, no montante de €1.262,88), nos termos do art. 779º, do C.P.C., efetuada em 26/09/2020 (de que se junta cópia), ficam pela presente notificados, nos termos e para efeitos do disposto no nº 4, do artigo 773º, do Código de Processo Civil, para procederem ao pagamento do valor global de 9.618,01 euros, utilizando para o efeito as referências de pagamento constantes do documento junto. (…)
Advertências
O devedor que não a haja contestado a obrigação é obrigado a depositar a respetiva importância em instituição de crédito, à ordem do agente de execução (…). Mais se adverte nos termos do nº 3 do artigo 777º do Código de Processo Civil, “não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos da execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito.”
(cfr. fls. 46 a 49, dos autos de execução de sentença);
e) O ora executado oponente, no dia 6 de Agosto de 2021, enviou comunicação eletrónica à Sr.ª Agente de Execução, da qual consta o seguinte:
“Em resposta ao v/ofício, cumpre informar V. Exa. de que, na pensão do beneficiário acima referido, no valor ilíquido mensal de € 1.262,88, já decorrem dias penhoras, conforme extratos em anexo, prevendo-se o final dos descontos para 06/2023 e a outra para 05/2033.
Fica retido na fonte o valor de €174,00, relativo a IRS. (…)” (cfr. cópia digitalizada de documento de fls. 6, v.º, deste apenso)
f) O primitivo executado BB, nos anos de 2020 e 2021, recebia uma pensão no valor mensal líquido de €1.088,88 (mil e oitenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos), sendo o valor atual da pensão €1.271,74 (mil e duzentos e setenta e um euros e setenta e quatro cêntimos), do qual fica retido na fonte o montante de €175,00 (cento e setenta e cinco euros) (cfr. cópia digitalizada de documento de fls. 9, deste apenso).
g) Em Julho de 2020, primitivo executado BB auferia uma pensão líquida no valor de €1.088,88 (mil e oitenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos), sobre a qual recaíam duas penhoras mensais;
h) Sendo uma do processo executivo da DGCI-3514, no valor de €152,38 (cento e cinquenta e dois euros e trinta e oito cêntimos) desde Agosto de 2020 até perfazer o montante de €20.094,15 (vinte mil e noventa e quatro euros e quinze cêntimos) (cfr. cópia digitalizada de documento de fls. 7, deste apenso);
i) E outra do processo executivo da DGCI-1805, no valor de € 211,96 (duzentos e onze euros e noventa e seis cêntimos) até perfazer o montante de €7.463,46 (sete mil e quatrocentos e sessenta e três euros e quarenta e seis cêntimos) (cfr. cópia digitalizada de documento de fls. 8, deste apenso);
j) O exequente intentou ação executiva contra o Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Nacional de Pensões, ora oponente, ao abrigo do disposto no art. 773º, nº 2, do Código de Processo Civil, através do requerimento executivo que deu entrada em juízo no dia 16 de Dezembro de 2021, com a ref.ª 40682015 (cfr. requerimento executivo de a fls. 2 e segs., deste autos);
l) A Sr.ª Agente de Execução enviou ao executado ora oponente a carta registada datada de 7 de Janeiro de 2021, endereçada para a sua sede, sita no Campo ..., ..., ... Lisboa, citando-o para, no prazo de vinte dias, pagar ou deduzir oposição à execução através de embargos de executado (cfr. ofício de fls. 11, destes autos);
m) A carta para citação foi recebida no dia 10 de Janeiro de 2022, tendo o respetivo aviso de receção sido devolvido à Sr.ª Agente de Execução (cfr. aviso de receção de fls. 13, destes autos);
n) E a Sr.ª Agente de Execução, através do ofício datado de 18 de Janeiro de 2022, procedeu à junção aos autos da cópia digitalizada do referido aviso de receção (cfr. fls. 12, destes autos);
o) O executado Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Nacional de Pensões, não deduziu oposição à execução mediante embargos de executado;
p) Nesses autos de execução, foi penhorado o depósito bancário no valor de €9.818,01 (nove mil e oitocentos e dezoito euros e um cêntimos), titulado pelo executado Centro Nacional de Pensões, junto do Banco 1..., descrito no auto de penhora datado de 16 de Junho de 2022 (cfr. cópia digitalizada de auto de penhora de fls. 15);
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3. O direito
Do enunciado dos factos provados, que não foram objeto de impugnação, decorre que a decisão recorrida foi proferida no âmbito do incidente de oposição à penhora, que corre os seus termos por apenso a execução instaurada ao abrigo do disposto no art. 777º/3 CPC.
No processo de execução original (Proc. 1257/20.6TBMAI) procedeu-se à penhora da pensão do executado. O Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Nacional de Pensões não procedeu ao depósito das quantias objeto de penhora e o exequente promoveu a execução contra aquela instituição.
O executado Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Nacional de Pensões formalmente não deduziu embargos à execução, como resulta dos factos apurados, mas oposição à penhora, incidente em que foi proferida a decisão recorrida.
Depois desta breve resenha, cumpre apreciar as questões colocadas na apelação.
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- Fundamentos de oposição à penhora -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 21, 29 a 32, 30[2] insurge-se a apelante contra o segmento da sentença que considerou que apenas em sede de oposição à execução, pela via dos embargos à execução, poderia o apelante opor-se aos fundamentos da execução impugnando a constituição da obrigação exequenda.
Considera o apelante que não foi citado para os termos da execução e por esse motivo não deduziu embargos à execução.
A questão suscitada a respeito da falta de citação para a execução foi decidida no âmbito do processo de execução, por despacho proferido em 14 de setembro de 2022, que não cumpre nesta sede reapreciar, motivo pelo qual não procedem nesta parte as conclusões de recurso.
Numa segunda ordem de argumentos, defende o apelante que estava impedido de proceder à penhora da pensão do executado, porque sobre a pensão já incidiam duas penhoras anteriores. Se executasse nova penhora estava a violar o disposto no art. 738º/1/3 CPC. Mais alegou que deu conhecimento ao Agente de Execução, ainda que não o tenha feito de forma atempada.
Na sentença considerando tais argumentos, entendeu-se que os mesmos apenas poderiam ser suscitados em sede de embargos à execução, com os fundamentos que se passam a transcrever:
“Conforme resulta dos autos, a Sr.ª Agente de Execução notificou o ora executado oponente para proceder à penhora da pensão do primitivo executado BB, através da carta registada com aviso de receção datada de 26 de Setembro de 2020, para a sede do executado oponente, sita no Campo ..., ..., ... Lisboa, tendo o respetivo aviso de receção sido assinado e devolvido à Sr.ª Agente de Execução.
O ora oponente não se pronunciou sobre a referida notificação para penhora.
E a Sr.ª Agente de Execução procedeu ao envio de notificação ao ora executado oponente, através da carta registada datada de 13 de Junho de 2021, para a sede do executado oponente, sita no Campo ..., ..., ... Lisboa, tendo o respetivo aviso de receção sido assinado e devolvido à Sr.ª Agente de Execução, da qual consta o seguinte: “Não tendo V.Exª(s) respondido, na qualidade de entidade pagadora, à notificação para penhora da pensão de velhice ou outros rendimentos periódicos devidos/pagos ao executado abaixo identificado (no caso concreto, pensão de invalidez, no montante de € 1.262,88), nos termos do art. 779º, do C.P.C., efetuada em 26/09/2020 (de que se junta cópia), ficam pela presente notificados, nos termos e para efeitos do disposto no nº 4, do artigo 773º, do Código de Processo Civil, para procederem ao pagamento do valor global de 9.618,01 euros, utilizando para o efeito as referências de pagamento constantes do documento junto. (…) Advertências O devedor que não a haja contestado a obrigação é obrigado a depositar a respetiva importância em instituição de crédito, à ordem do agente de execução (…). Mais se adverte nos termos do nº 3 do artigo 777º do Código de Processo Civil, “não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos da execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito.”
Mais se verifica que o ora executado oponente, no dia 6 de Agosto de 2021, enviou comunicação eletrónica à Sr.ª Agente de Execução, da qual consta o seguinte: Em resposta ao v/ofício, cumpre informar V. Exa. de que, na pensão do beneficiário acima referido, no valor ilíquido mensal de € 1.262,88, já decorrem dias penhoras, conforme extratos em anexo, prevendo-se o final dos descontos para 06/2023 e a outra para 05/2033. Fica retido na fonte o valor de € 174,00, relativo a IRS. (…)”
Poderá então o ora executado oponente invocar a falta de fundamentação para a execução, de modo a não ser responsabilizado pela totalidade da quantia exequenda em dívida, referente aos autos principais daquele primitivo executado, face ao disposto no art. 777º, nºs 1, a) e b) e 3, do Código de Processo Civil?
Entendemos que nesta fase processual e através deste meio já não pode.
Vejamos porquê.
Em princípio, o ora executado oponente não poderia ser responsabilizado pela totalidade da dívida exequenda daquele primitivo executado, mas apenas pelas quantias correspondentes aos descontos do vencimento que eventualmente não viessem a ser efetuados na qualidade de entidade processadora da pensão auferida por daquele.
Com efeito, conforme decisão proferida em situação análogas, mas referente a uma entidade patronal, aplicável às entidades processadoras de pensões “I – Na penhora de vencimentos, não depositando a entidade patronal do executado a quantia a que está obrigada, incumpre a respetiva obrigação, que nasceu por força da notificação que lhe foi feita para o efeito. II – É face a esse incumprimento que ao exequente é lícito exigir a prestação – a prestação em que a entidade patronal é faltosa e só essa – não se confundindo a mesma com a prestação em dívida pelo executado e objeto da execução.” (Acórdão da Relação do Porto de 27 de Maio de 2008, proferido no processo nº 0821601, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf)
Assim “I - Numa execução instaurada ao abrigo do artigo 860.º, nº 3, do Código de Processo Civil, na versão anterior a 01-09-2013 (atual art. 777º, nº 3), ao exequente só é lícito exigir a prestação em que a entidade patronal é faltosa, e só esta, não se confundindo a mesma com a prestação em dívida pelo executado e objeto da execução; II - Todavia, desconhecendo o exequente o montante do salário do devedor, é de considerar satisfeito o dever de identificação do crédito penhorado mediante a identificação do credor seguida do montante máximo da execução, definido pelo valor da quantia exequenda, pelo que se, nessas circunstâncias, devidamente notificada, a entidade patronal nada esclarece a respeito do penhorado crédito e não procede, subsequentemente, ao depósito da quantia correspondente à indicada na penhora, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 860.º do Código de Processo Civil, na versão anterior a 01-09-2013, presume-se que o seu débito corresponde ao valor indicado na notificação que para o efeito lhe foi efetuada; III - Tal não preclude, porém, o direito de o devedor (entidade patronal) discutir ulteriormente, no âmbito de oposição à execução instaurada ao abrigo do citado artigo 860.º, nº 3, o montante do crédito, apresentando então todos os factos relativos ao dito crédito que possam afetar a preliminar indicação feita pelo exequente quanto à quantia exequenda; IV - No caso de execução contra a entidade patronal do devedor que foi executada por referência ao montante da execução que corre contra o dito devedor e em que a aludida entidade nada alegou para efeito da correção da quantia exequenda, mantém-se a supra referida presunção, nada justificando que a oposição à execução por aquela deduzida prossiga para liquidação e fixação da prestação da executada. (Acórdão da Relação de Guimarães, de 11 de Janeiro de 2018, proferido no processo nº 3060/14.3T8VNF-B.G1, in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf).
Por outro lado, de acordo com o disposto no art. 777º, nº 4, do Código de Processo Civil, “Verificando-se, em oposição à execução, no caso do n.º 4 do artigo 773.º, que o crédito não existia, o devedor responde pelos danos causados, nos termos gerais, liquidando-se a sua responsabilidade na própria oposição, quando o exequente faça valer na contestação o direito à indemnização.”
Na verdade, conforme resulta dos autos, o primitivo executado BB, nos anos de 2020 e 2021, recebia uma pensão no valor mensal líquido de € 1.088,88 (mil e oitenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos), sendo o valor atual da pensão € 1.271,74 (mil e duzentos e setenta e um euros e setenta e quatro cêntimos), do qual fica retido na fonte o montante de € 175,00 (cento e setenta e cinco euros).
Em Julho de 2020, primitivo executado BB auferia uma pensão líquida no valor de € 1.088,88 (mil e oitenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos), sobre a qual recaíam duas penhoras mensais, sendo uma do processo executivo da DGCI-3514, no valor de € 152,38 (cento e cinquenta e dois euros e trinta e oito cêntimos) desde Agosto de 2020 até perfazer o montante de € 20.094,15 (vinte mil e noventa e quatro euros e quinze cêntimos) e outra do processo executivo da DGCI-1805, no valor de € 211,96
(duzentos e onze euros e noventa e seis cêntimos) até perfazer o montante de € 7.463,46 (sete mil e quatrocentos e sessenta e três euros e quarenta e seis cêntimos).
Sucede que, face à falta de resposta por parte do ora executado oponente à notificação para penhora datada de 26 de Setembro de 2020 e à resposta à notificação datada de 13 de Junho de 2021, o exequente intentou ação executiva contra o Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Nacional de Pensões, ora oponente, ao abrigo do disposto no art. 773º, nº 2, do Código de Processo Civil, através do requerimento executivo que deu entrada em juízo no dia 16 de Dezembro de 2021, com a Ref.ª 40682015. E a Sr.ª Agente de Execução enviou ao executado ora oponente a carta registada datada de 7 de Janeiro de 2021, endereçada para a sua sede, sita no Campo ..., ..., ... Lisboa, citando-o para, no prazo de vinte dias, pagar ou deduzir oposição à execução através de embargos de executado.
A carta para citação foi recebida no dia 10 de Janeiro de 2022, tendo o respetivo aviso de receção sido devolvido à Sr.ª Agente de Execução. E o executado Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Nacional de Pensões, não deduziu oposição à execução mediante embargos de executado, conformando-se desse modo com a fixação da quantia exequenda peticionada pelo exequente nesse requerimento executivo.
Sucede que, apesar de não ter oportunamente deduzido embargos de executado, o executado oponente pretende agora, através da presente oposição à penhora, invocar meios de defesa que deveria ter invocado em sede de oposição à execução mediante embargos de executado.
Com efeito, a invocação, pelo executado oponente, da falta de fundamentação para a execução, nos termos em que foi efetuada, constituindo um facto impeditivo do direito do exequente, deveria ter sido efetuada em sede de oposição à execução mediante embargos de executado, sendo que os mesmos nunca foram deduzidos.
Desde modo, não tendo o executado oponente invocado tal factualidade em sede própria, ou seja, mediante a dedução dos competentes embargos de executado, não pode vir agora, extemporaneamente, de modo encapotado, discutir a existência da dívida exequenda ou o respetivo montante na oposição à penhora do saldo bancário, entretanto efetuada.
Com efeito, “I - Em processo executivo, o executado pode defender-se por dois meios: opondo-se à execução, atacando o direito que o exequente pretende efetivar, através do incidente de oposição à execução; ou opondo-se à penhora, por considerar que os bens atingidos por esta diligência não o devem ser ou porque a extensão da mesma, vai além do permitido pelo princípio da proporcionalidade, consagrado no art.º 735º, n.º 3, do CPC. II – A defesa mediante oposição à execução está prevista e definida nos artigos 728º a 734º do CPC e «visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da atual inexistência do direito exequendo, ou da falta de um pressuposto, específico ou geral, da ação executiva» - cfr. Lebre de Freitas, A Acão Executiva, 4ª ed. p.171. III – A defesa mediante oposição à penhora, está consagrada nos artigos 735º e 736º do CPC e respeita apenas a casos de impenhorabilidade objetiva. IV - O princípio da concentração da defesa na oposição à execução tem um efeito preclusivo, obstando a que o executado venha alegar, decorrido o prazo de oposição, factos e exceções dilatórias sanáveis (ilegitimidade das partes, etc.) que não alegou e que poderia ter alegado nesse instrumento de defesa. (…)” (Acórdão da Relação de Lisboa de 10 de Maio de 2018, proferido no processo nº 341/13.7TCFUN-L.L1-6, in in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf).
Na verdade, “I - Precludido o direito de deduzir oposição à execução por meio de embargos de executado, não pode o executado deduzir oposição à execução com fundamento em excesso quantitativo da penhora, pretendendo assim discutir o montante da quantia exequenda. (…)” (Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Setembro de 2022, proferido no processo nº569/07.9TBMTA-B.L1-7, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf).
Assim, “I - A oposição à penhora é um meio processual privativo do executado em que apenas podem ser invocados os fundamentos expressamente previstos no n.º 1 do art.º784.º do CPC, sendo inadmissível que o executado venha invocar na oposição à penhora fundamentos próprios da oposição à execução. (…)” (Acórdão da Relação de Lisboa de 27 de Outubro de 2022, proferido no processo nº 28190/21.1T8LSB-F.L1-2 , in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf).
Deste modo, na atual fase processual, está vedado ao executado oponente discutir o montante da dívida exequenda.
Improcede por isso, sem necessidade de mais considerandos, a alegação do oponente nesta parte”.
A decisão não merece censura, por respeitar o critério legal, tendo presente o 784º e 728º a 731º CPC.
A penhora consiste no ato de apreensão judicial de bens do executado.
Como refere o Professor LEBRE DE FREITAS:”[…]perante uma situação de incumprimento, o tribunal priva o executado do pleno exercício dos seus poderes sobre um bem que, sem deixar ainda de pertencer ao executado, fica a partir de então especificamente sujeito à finalidade última de satisfação do crédito do exequente”[3].
Nos termos do art. 735º/1 CPC estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.
Contudo, nem todos os bens do executado respondem pela divida exequenda, prevendo a lei situações de impenhorabilidade absoluta, relativa e parcial, tendo em consideração interesses gerais, interesses vitais do executado ou de terceiro que o sistema jurídico entende que se sobrepõem aos do credor exequente e que se encontram previstas nos art. 736º a 738º CPC.
O sistema jurídico prevê como meios de reagir contra a penhora ilegal: por oposição por simples requerimento, incidente de oposição à penhora, embargos de terceiro e ação de reivindicação, constituindo o incidente de oposição à penhora o meio próprio para o executado reagir contra a penhora[4].
Na doutrina o Professor LEBRE DE FREITAS distingue impenhorabilidade objetiva e subjetiva.
Na impenhorabilidade objetiva, a ilegalidade da penhora pode assentar no facto de se terem ultrapassado os limites objetivos da penhorabilidade, o que ocorre quando se penhoram bens que não deviam ser penhorados naquelas circunstâncias, ou sem exceção de todos os outros, ou para aquela dívida[5].
Quando se penhoram bens que não são do executado estamos perante o que se considera impenhorabilidade subjetiva.
O art. 784º/1 CPC sob a epígrafe ”Fundamento da Oposição “ (à penhora), prevê:
“1. Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora, com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.”
O incidente em causa constitui o único meio ao alcance do executado para fazer valer a impenhorabilidade objetiva de bens que, embora lhe pertencendo, não podiam ser atingidos pela diligência, desse modo obtendo o levantamento da penhora.
Os restantes meios de oposição – simples requerimento, embargos de terceiro e ação de reivindicação - devem ser usados para fazer valer a impenhorabilidade subjetiva[6].
No caso presente veio o executado suscitar a inexistência da obrigação de proceder aos descontos na pensão, porque sobre a mesma já incidiam outras penhoras, admitindo contudo que foi notificado para proceder à penhora do crédito e não respondeu atempadamente ao agente de execução dando-lhe conhecimento da situação do crédito.
O executado não se insurge contra a penhora que recaiu sobre a conta bancária, por si titulada, mas tão só põe em causa que exista o crédito.
Os argumentos invocados não se enquadram em qualquer dos fundamentos de oposição ao ato de penhora e apenas pela via da oposição à execução, atacando os próprios fundamentos da obrigação exequenda, poderia o executado/apelante fazer valer o seu direito. Não o tendo feito no prazo perentório previsto para tal, extinguiu-se o direito (art. 139º/3 CPC). A oposição à execução não constitui o meio próprio para reagir aos fundamentos da execução.
Desta forma, os argumentos apresentados não justificam a sustação da penhora, por não se enquadrarem na previsão do art. 784º/1 a), b), c) CPC.
Improcedem as conclusões de recurso, sob os pontos sob os pontos 1 a 21, 30 a 32, 30.
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- Da impenhorabilidade da conta bancária -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 22 a 29 e 31 e 28, o apelante sustenta que o depósito bancário é impenhorável porque todo o acervo patrimonial do Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Nacional de Pensões atenta a sua natureza e atribuições que lhe são acometidas, se encontra afeto à finalidade de utilidade pública e por isso, trata-se de bens insuscetíveis de penhora nos termos do art. 737º/1 CPC.
Considera a apelada que tal via de argumentação foi suscitada pelo apelante apenas em sede de recurso e não se destinando o recurso a conhecer de novos fundamentos de defesa não pode ser atendida tal argumentação.
Na sentença apreciando um dos argumentos apresentados pelo apelante teceram-se as seguintes considerações:
“O executado oponente invocou finalmente que se verifica a incidência da penhora sobre bens (direito) que não respondem nos termos do direito substantivo Para tal, alegou que é alheio à relação jurídica de direito substantivo existente entre o exequente e o primitivo executado BB.
O exequente pugnou pela improcedência do requerido, alegando para o efeito que pese embora o ora oponente nada tenha a ver com a relação que existiu entre o exequente e o primitivo executado BB que deu origem ao processo principal de execução, o ora oponente é a entidade pagadora da pensão que o executado BB aufere, sendo demandado ao abrigo do disposto no art. 773º, do Código de Processo Civil.
Vejamos.
O Instituto da Segurança Social, I. P. (ISS), é um instituto público de regime especial, nos termos da lei, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, conforme resulta do disposto no art. 1º, nº 1, do Dec.-Lei nº 83/2012, de 30 de Março, na redação operada pelo Dec. Lei nº 167/2013, de 30 de Dezembro.
E o Centro Nacional de Pensões, é a instituição de segurança social de âmbito nacional responsável pela gestão dos regimes de segurança social no domínio das prestações diferidas, dotada de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, conforme resulta do disposto no art. 1º, do Dec. Lei nº 6/98, de 13 de Janeiro.
Sob a epígrafe “Bens absoluta ou totalmente impenhoráveis” preceitua o art. 736º, do Código de Processo Civil, que “São absolutamente impenhoráveis, além dos bens isentos de penhora por disposição especial: (…) b) Os bens do domínio público do Estado e das restantes pessoas coletivas públicas;”
Sob a epígrafe “Bens relativamente impenhoráveis”, preceitua depois o art. 737º, nº 1, do mesmo Código (que corresponde ao anterior art. 823º), que “Estão isentos de penhora, salvo tratando-se de execução para pagamento de dívida com garantia real, os bens do Estado e das restantes pessoas coletivas públicas, de entidades concessionárias de obras ou serviços públicos ou de pessoas coletivas de utilidade pública, que se encontrem especialmente afetados à realização de fins de utilidade pública.”
Ora, “Os bens da Caixa Nacional de Aposentações, enquanto pessoa coletiva de direito público, são penhoráveis, apenas deixando de o ser se estiverem afetos à realização de um fim de utilidade pública, a qual tem de resultar do uso que esteja a ser dado ao próprio bem.” (Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Maio de 2004, proferido no processo nº 2849/2004-7, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf)
Com efeito, “I - Só são impenhoráveis, à luz do disposto no nº 1 do art. 823º CPC, os bens que se encontrem especialmente afetos à realização de fins de utilidade pública e não os apenas genericamente afetos a tais fins, pois, e de uma maneira geral, todos os bens do Estado se encontram afetos a esses fins, o que tornaria inútil a norma em causa. (…)” (Acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Novembro de 2013, proferido no processo nº 464/12.0TCFUN.L1-2, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf)
Assim, “1. A impenhorabilidade relativa dos bens do Estado e das restantes pessoas coletivas públicas, de entidades concessionárias de obras ou serviços públicos ou de pessoas coletivas de utilidade públicas, que se encontrem especialmente afetos à realização de fins de utilidade pública, destina-se a evitar que esses bens sejam desviados de tais fins, a que se encontram destinados. 2. Estão afetos à realização aos fins de utilidade pública, os bens que se mostrem necessários ao funcionamento da entidade, isto é, aqueles sem os quais a mesma fica impossibilitada de prosseguir o seu escopo.” (Acórdão da Relação de Lisboa de 28 de Maio de 2013, proferido no processo nº 164183/11.7YIPRT-B.L1-7, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf)
Deste modo, “1- No que respeita à penhora de bens do domínio público existe uma salvaguarda absoluta – impenhorabilidade total - assente, obviamente na presunção “juris et de jure” de que tais bens estão, pela sua própria natureza, afetos exclusivamente a fins de utilidade pública. 2- Já quanto aos bens do domínio privado do Estado e demais Pessoas Coletivas Públicas, só os que estiverem afetos a fins de utilidade pública beneficiarão da prerrogativa da impenhorabilidade. 3- A natureza destes bens não permite concluir ou presumir a afetação exclusiva ou sequer predominante a fins de utilidade pública e daí que, se pretender obter o levantamento da penhora desses bens, incumba ao executado/embargante, beneficiário da impenhorabilidade relativa, a alegação e prova (trata-se de matéria de exceção e como tal o ónus da prova cabe a quem aproveita – art.º 342º n.º 2 do CC) da afetação concreta dos bens a fins de utilidade pública.” (Acórdão da Relação de Évora de 12 de Janeiro de 2006, proferido no processo nº 1845/05-2, in http://www.dgsi.pt/jtre.nsf).
Sucede que o executado oponente nem sequer alegou que o saldo penhorado se encontre especialmente afetado à realização de quaisquer fins de utilidade pública.
Deste modo, também não se mostra preenchida a previsão legal da alínea c), do nº 1, do art. 784º, do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, sem necessidade de outros considerandos, deverá julgar-se improcedente a presente oposição à penhora”.
Cumpre pois apreciar se a questão deve ser entendida como uma questão nova e a não ser assim, se ocorre fundamento para ordenar o levantamento da penhora, nos termos do art. 784º/1 a) CPC, por inadmissibilidade da penhora do saldo da conta bancária titulada pelo executado.
O apelante veio deduzir oposição à penhora alegando, em síntese, que não se procedeu à sua citação para os termos da execução, que faltava fundamento para a execução, o caráter subsidiário dos bens penhorados e a incidência da penhora sobre bens que não respondem nos termos do direito substantivo, por ser alheio à relação de direito substantivo que existe entre o exequente e o primitivo executado.
O recurso consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer[7]. O recurso ordinário (que nos importa analisar para a situação presente) não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventualmente) daquela em que a decisão foi proferida.
O recurso é uma mera fase do mesmo processo e reporta-se à mesma relação jurídica processual ou instância[8]. Dentro desta orientação tem a nossa jurisprudência[9] repetidamente afirmado que os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova.
O tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida.
No caso concreto, o apelante não alegou em sua defesa, com enunciação de factos concretos, que a conta bancária objeto de penhora estava especialmente afeta à realização dos fins da apelante, fins de utilidade pública.
Porém, na decisão recorrida não deixou de se abordar tal matéria, como se extrai do extrato da sentença que se transcreveu.
Assiste, ao apelante, a faculdade de impugnar tais fundamentos, por não se tratar de uma questão nova, pois foi aflorada na sentença, com argumentos suportados na lei e na jurisprudência e a decisão não merece censura.
Prevê o art. 737º/1 CPC:
1. Estão isentos de penhora, salvo tratando-se de execução para pagamento de divida com garantia real, os bens do Estado e das restantes pessoas coletivas públicas, de entidades concessionárias de obras ou serviços públicos ou de pessoas coletivas de utilidade pública, que se encontrem especialmente afetados à realização de fins de utilidade pública.
Da análise do preceito resulta que os bens de pessoas coletivas de utilidade pública estão isentos de penhora quando se encontrem especialmente afetados a fins de utilidade pública.
Trata-se de bens relativamente impenhoráveis, que só em certas circunstâncias podem ser objeto de penhora.
Releva para este efeito que os bens estejam especial e efetivamente afetados à (atual) realização de fins de utilidade pública impondo-se, assim, apurar a efetiva utilização que é dada aos bens[10].
Importa saber qual é a atividade que se desenvolve com os bens para se saber se ocorre ou não a sua afetação a fim de utilidade pública. O que releva é a afetação direta do bem, porque indiretamente atenta a natureza da pessoa coletiva em causa, todos os bens estão afetos a fins de utilidade pública.
Constitui, por isso, um ónus do executado alegar e provar tal circunstância – a afetação a fins de utilidade pública -, nos termos do art.342º/2CC, para desta forma demonstrar a impenhorabilidade do concreto bem.
Refere-se a este respeito no Ac. STJ 20 de janeiro de 2010, Proc. 642/04.5TBSXL-B.L1.S1 (acessível em www.dsgi.pt): “[…]porque a regra é a da penhorabilidade e a exceção a da impenhorabilidade que ocorre, designadamente em caso de efetiva afetação aos fins prosseguidos de utilidade pública pela pessoa coletiva, cumpre ao executado alegar e provar que o bem penhorado está especialmente afetado à realização de fins de utilidade pública, constituindo seu ónus probatório ( artigo 342.º/2 do Código Civil)”.
A jurisprudência tem entendido que não basta que se prove a qualidade da pessoa coletiva a quem pertencem os bens penhorados.
Nesse sentido refere-se no Ac. Rel. Évora 14 de junho de 2018, Proc. 115/12.2TTBJA-C.E1 (acessível em www.dgsi.pt):”[é] certo que se poderá sustentar que sendo uma pessoa coletiva de utilidade pública todos os bens que lhe pertencem estão afetos, lato sensu, à realização desses fins de utilidade pública.
Contudo, manifestamente não é essa a interpretação que decorre do referido artigo 737.º do Código de Processo Civil, pois tal conduziria à impenhorabilidade, ipso facto, de todos os bens pertencentes a uma pessoa coletiva de utilidade pública: como estatui o preceito em causa é necessário que os bens «se encontrem especialmente afetados à realização de fins de utilidade pública», o que vale por dizer que terá que ser alegado, e consequentemente provado, o concreto fim a que se destina o bem penhorado”.
No caso presente a mera qualidade da apelante não constitui fundamento suficiente para sustar a penhora sobre a conta bancária e como se observa na sentença, o apelante/executado não alegou os factos que configuram a afetação específica desta conta bancária a fins de utilidade pública. Essa afetação não constitui um facto notório ou do conhecimento geral[11].
A apelante cita, em abono da sua posição, acórdão proferido em processo pendente no tribunal de 1ª instância, sem indicar se tal decisão transitou em julgado, nem o local de publicação oficial, o que impede o confronto dos argumentos e sua análise.
Acresce que no sentido aqui expresso, se pronunciou o Ac. Rel. Lisboa 11 de maio de 2004, Proc. 2849/2004-7 (acessível em www.dgsi.pt) quando refere:”[o]s bens da Caixa Nacional de Aposentações, enquanto pessoa coletiva de direito público, são penhoráveis, apenas deixando de o ser se estiverem afetos à realização de um fim de utilidade pública, a qual tem de resultar do uso que esteja a ser dado ao próprio bem”.
No desenvolvimento de tais considerações, observa-se: “[a] verdade é que a utilidade pública do bem deverá decorrer do uso direto que dele se fizer. Tal qualificação deverá resultar do uso que o próprio bem tiver. É que este requisito não se refere à pessoa coletiva proprietária dos bens, mas antes aos próprios bens, à aplicação que lhes esteja a ser dada. Se os bens não estão afetados diretamente a fins de utilidade pública podem ser penhorados. Caso contrário não podem ser penhorados.
“A utilidade pública tem que resultar do uso do próprio bem. Não basta que os bens sejam instrumentais de aplicação de outros bens à utilidade pública”[2]. Poderá mesmo suceder que um mesmo bem possa ser penhorado nuns casos e impenhorável noutros.
Quer isto dizer que compete à executada alegar e provar que os seus bens estão afetos à realização de um fim de utilidade pública, a qual tem de resultar do uso dos próprios bens.
Consequentemente poderão ser penhorados os bens referidos”.
Considerando a penhorabilidade do saldo de conta bancária titulado por pessoa coletiva de utilidade pública, refere-se no Ac. Rel. Lisboa 12 de abril de 2018, Proc. 2933/14.8YYLSB-A.L1-8 (acessível em www.dgsi.pt): ”[é] à executada que incumbe a alegação e prova de que diversas verbas compreendidas em tais saldos bancários estão adstritos ao pagamento de dívidas indispensáveis para assegurar a prossecução de serviços de utilidade pública, concretamente indicados.
IV. Não bastando para tal que a executada alegue que as contas bancárias visam o pagamento de salários, pagamentos aos fornecedores – sendo, de resto, o exequente um desses fornecedores – e em geral a sua atividade de utilidade pública”.
Conclui-se que não alegando o apelante factos suscetíveis de configurar a impenhorabilidade da referida conta bancária, sobre quem recaía o respetivo ónus, não se justificava ordenar o levantamento da penhora.
Desta forma, não merece censura a decisão que indeferiu o requerido levantamento da penhora.
Improcedem, também nesta parte, as conclusões de recurso.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelo apelante.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
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Custas a cargo do apelante.
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Porto, 23 de outubro de 2023
(processei, revi e inseri no processo eletrónico – art. 131º e 132º CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
___________________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990. [2] Na numeração das conclusões repete-se duas vezes o número 30 e o 31, passando do 32 para o 30, sequência que se manteve por facilidade de exposição na análise das questões.
[4] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Executiva- À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, Coimbra Editora, fevereiro 2014, pag. 232
[5] Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Executiva- À luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pag. 311-312
[5] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Executiva- À luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pag. 312
[6] Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Executiva- À luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pag. 312
[7] CASTRO MENDES Direito Processual Civil – Recursos, ed. AAFDL, 1980, pag. 5.
[8] JOÃO DE CASTRO MENDES, ob. cit., pag. 24-25 e ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil, vol V, pag. 382, 383.
[9] Cfr. os Ac. STJ 07.07.2009, Ac. STJ 20.05.2009, Ac. STJ 28.05.2009, Ac. STJ 11.11.2003 Ac. Rel. Porto 20.10.2005, Proc. 0534077 Ac. Rel. Lisboa de 14 de maio de 2009, Proc. 795/05.1TBALM.L1-6; Ac. STJ 15.09.2010, Proc. 322/05.4TAEVR.E1.S1( http://www.dgsi.pt )
[10] CARLOS FRANCISCO DE OLIVEIRA LOPES DO REGO Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 1999, pag. 547.
[11] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, Coimbra 2020, pag. 102