EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
PRESUNÇÃO DE ACEITAÇÃO DO DESPEDIMENTO
COMPENSAÇÃO
VALOR DA COMPENSAÇÃO
Sumário

Uma vez que, nos termos do art. 366.º, n.º 4 do Código do Trabalho, apenas se presume que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação estabelecida legalmente, tal presunção não opera se ficou em falta a quantia de 900,13 €, ficando, consequentemente prejudicado que a trabalhadora a ilidisse nos termos do n.º 5 da mesma disposição legal.

(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:


1.–Relatório


AA intentou acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra Etigrafe – Artes Gráficas, Lda., juntando carta que esta lhe dirigiu a comunicar o seu despedimento por extinção do posto de trabalho.

A Ré apresentou articulado em que alegou os fundamentos da decisão de despedimento e ainda que foi pago por aquela à Autora o valor de € 9.427,15, correspondente a € 705,00 de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo, a título de compensação pelo despedimento, para além de férias e subsídios de férias e de Natal proporcionais, valor aquele que a Autora recebeu e não devolveu ou colocou à disposição da Ré, demonstrando que aceitou o despedimento.

A Autora apresentou contestação, impugnando parte da factualidade alegada pela Ré e sustentando que improcede a excepção de aceitação do despedimento, na medida em que o valor pago pela Ré é inferior ao da totalidade da compensação a que tem direito, nunca tendo a Ré explicado como chegou ao valor de € 9.427,15, apesar dos pedidos de esclarecimento da Autora. A Autora tinha direito ao pagamento de diuturnidades previstas na Portaria n.º 182/2018, de 22 de Junho, que regulamenta as condições mínimas para os trabalhadores administrativos, de 3 em 3 anos, as quais não chegou a receber. Tais diuturnidades deviam ter sido atendidas para efeitos de cálculo da compensação pelo despedimento, o que também não foi feito. Assim, a compensação devida ascende a € 10.919,59, acrescida das referidas diuturnidades, sendo certo que sempre deixou claro perante a Ré que não aceitava o despedimento, conforme carta que lhe remeteu. Mais defendeu que não se verificam os requisitos do despedimento por extinção do posto de trabalho e que este surgiu na sequência de quatro anos de condutas da Ré tendentes a conseguir a cessação da relação laboral e que lhe causaram danos não patrimoniais, designadamente a nível da saúde.

Conclui, pedindo que se julgue improcedente a excepção peremptória invocada pela Ré, que se declare a ilicitude do despedimento e que se condene a Ré:
a) Na reintegração da Autora ou, em sua substituição, caso assim opte a Autora até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, a pagar uma indemnização fixada em 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atento o elevado grau de ilicitude do despedimento, devendo atender-se também ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, no montante de 26.357,40 €, devendo ser deduzido o valor já recebido a título de compensação, perfazendo o valor total de 16.870,04 €;
b) A pagar à Autora as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, deduzindo-se as importâncias que a trabalhadora recebeu com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;
c) A pagar à Autora a quantia de 25.000,00 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
d) A pagar à Autora juros de mora sobre as quantias referidas.

A Ré apresentou resposta à contestação, onde, além do mais, sustenta que a compensação paga foi a exigida por lei e as diuturnidades estão aí incluídas, sendo que foram calculadas de acordo com o vencimento de cada ano da Autora e por isso se alcançou o valor de 9.427,15 €, correspondente à soma do valor base de 8.460,00 € com o valor de 967,15 € a título de diuturnidades.

Oportunamente, procedeu-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença a absolver a Ré dos pedidos.

A Autora interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«A. O presente Recurso de Apelação vem interposto da Douta Decisão proferida pelo Juiz do Juízo do Trabalho de Sintra que julgou totalmente improcedente a ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento intentada pela Autora, declarando a licitude do despedimento efetuado pela Ré e absolvendo a mesma do pedido formulado pela Autora, aqui Recorrente;
B. Tendo baseado a sua decisão, na verificação da presunção contida no art. 366.º, n.º 4 ex vi art. 372.º do Código do Trabalho, considerando que a Autora aceitou o despedimento por extinção do posto de trabalho por não ter colocado à disposição da Ré o valor da compensação recebida.
C. Inconformada com a sentença, vem a Autora interpor o presente Recurso e vem apresentar à consideração de V. Ex.ªs as suas razões. O recurso tem por objeto a impugnação da decisão de direito e de facto.
D. Importa desde já realçar, que o tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que deveria forçosamente pronunciar-se,
E. As questões a resolver no caso sub judice resumiam-se aos seguintes temas de prova:
F. Saber se o despedimento da Trabalhadora foi ou não ilícito, nomeadamente se procedem as justificações que determinaram a extinção do seu posto de trabalho;
G. Saber se a Trabalhadora aceitou ou não tal despedimento;
H. Aferir da existência/inexistência de coação moral sobre a Trabalhadora e suas consequências;
I. A existência de créditos laborais.
J. A Autora alegou que o despedimento por extinção do posto de trabalho foi uma manobra para encapotar uma medida individual, persecutória, maliciosa e fraudulenta para despedir a ora aqui Recorrente.
K. A tribunal a quo, na sentença, inclusive reconhece que existe um conflito familiar subjacente, apreciando que para o caso concreto, não poderia valorar os depoimentos quer da Ré quer da Autora,
L. Ainda assim, sendo ostensivo e reconhecido na sentença, devia sob a égide da livre apreciação do julgador, que este conflito seria idóneo para desequilibrar a relação da entidade patronal e da trabalhadora, aumentando o Ius imperium que já existe numa relação laboral, utilizando como veículo para “livrar-se da trabalhadora”.
M. Deu o tribunal a quo como provado que:
N. A A. sempre deixou claro perante a Ré que não aceitava o despedimento.
O. A Autora tinha categoria profissional de telefonista, tendo exercido essa função até 2013.
P. Provado apenas que em 2013, o gerente e dono da empresa àquela data, BB, decidiu colocar a funcionária, ora aqui Autora, em simultâneo e ocasionalmente, no departamento de encadernação.
Q. No final do ano de 2017, a Autora ficou limitada ao atendimento de chamadas telefónicas.
R. A Autora ficou isolada dos restantes colegas de trabalho.
S. A partir desse momento, a Autora deixou de ter praticamente funções.
T. No ano de 2018, todos os colegas receberam um prémio anual, menos a Autora.
U. Provado apenas que em 2019, a empresa contratou um trabalhador, entre outras, para a área da encadernação, funções que estavam a ser desempenhadas anteriormente também pela Autora.
V. A Gerente EE obrigava a Autora a colocar o volume do telefone no máximo, justificando que também queria ouvir o som na sala dela,
W. Deixando os avisos em cima da secretária da Autora. DD. A Autora decidiu apresentar queixa na Autoridade para as Condições do Trabalho.
X. Tendo a empresa sido alvo de duas inspeções.
Y. Após a comunicação da decisão de extinção do posto de trabalho, a Autora foi informada de que deveria entrar de férias e que no aviso prévio a Autora não mais precisava de regressar à empresa.
Z. Ao longo destes 4 anos, a Autora sentiu que a sua saúde se foi agravando, tendo necessidade de acompanhamento médico.
AA. Foi-lhe diagnosticado episódios sugestivos de ansiedade generalizada, neurastenia e reação aguda ao stress, depressão reativa.
BB. Começou a sentir com frequência quadros de cefaleia e síncope, dores abdominais difusas, tonturas, naúseas e vómitos, palpitações, tonturas e zumbidos.
CC. Tudo isto provocado pelo quadro de depressão que a Autora foi sujeita em contexto laboral.
DD. Com toda a descrita situação, a Autora sofreu incómodos, tristezas, aborrecimentos, angústias, o que se veio a refletir indelevelmente na sua saúde física e psíquica.
EE. Ora, atenta a alegação da Autora/Recorrente e os factos dados como provados, fica patente a atuação ilícita e culposa da Ré, pois demonstra que o processo de extinção do posto de trabalho mais não foi do que uma maneira arquitetada para dispensar a trabalhadora.
FF. Ora, deveria o tribunal a quo ter-se pronunciado sobre estas questões, nomeadamente, verificar a ilicitude do processo de extinção do posto de trabalho, uma vez que perante os factos dados como provados, outros como não provados indevidamente, deveria ser fundamentada a convicção pela qual decidiu sobre a licitude da mesma.
GG. A douta sentença recorrida faz tábua rasa de todo o alegado pela ora Recorrente, não se pronunciando sobre as pretensões da Recorrente;
HH. Caso o tribunal a quo se tivesse pronunciado sobre as questões que deveria ter conhecido e valorado a prova produzida em audiência de julgamento e a prova documental, teria seguramente sentença no sentido inverso àquela que proferiu.
II. Todos estes factos provocados pela Ré à Autora/Recorrente devem merecer a tutela do direito,
JJ. Dispõe o art. 615.º, n.º 1, al.d) do CPC “É nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”
KK. Ou seja, deveria ter apreciado todo o comportamento da Ré, que até deu como provado, e apesar disso, na sua decisão não valorou esses mesmos factos, inquinando e tornando nula a sentença, por omissão de pronúncia, ainda que não seja nula, é passível de ser revogada em apreciação do tribunal superior.
LL. Ficou provado que a Autora/Recorrente estava a exercer as suas funções na área da encadernação desde 2013, cumulando com as funções de telefonista.
MM. A Autora, após o falecimento do anterior gerente da empresa, no final de 2017, ficou confinada, sem fazer nada, na sala da receção, passando o dia inteiro sozinha, sem poder falar com os colegas, isolada, sendo obrigada a manter o volume do telefone no máximo.
NN. Em 2019, a Ré contrata um trabalhador para exercer as funções que estavam a ser desempenhadas anteriormente pela Autora,
OO. Se a Recorrente já exercia estas funções antes, tendo experiência naquela função, por que motivo a Ré optou por contratar um novo funcionário em vez de aproveitar a A./Recorrente?
PP. A Ré tinha um único propósito, o qual era levar a Autora a tomar a decisão de denunciar o seu contrato de trabalho.
QQ. Porém, como não conseguiu alcançar o seu propósito, a Ré, após a visita dos inspetores do ACT, decidiu, como represália, esvaziar ainda mais, quase na totalidade, as funções que constavam como categoria profissional.
RR. Acresce que, um dos fundamentos invocados no processo de extinção do posto de trabalho, foi o facto da trabalhadora se ausentar por longos períodos e por causa de faltas injustificadas,
SS. Também por aqui não andou bem a sentença proferida pelo tribunal a quo, pois um dos requisitos para que o procedimento seja válido, é não poder ser invocada conduta culposa do trabalhador, nos termos do art. 368.º, n.º 1, al.a) do Código do Trabalho,
TT. Tal facto, dado como um dos fundamentos para a extinção do contrato de trabalho, torna inválido aquele procedimento.
UU. Ora, o tribunal a quo não se pronunciou quanto a esta questão, facto este que não poderia ignorar,
VV. Também, não se pronunciou quanto à validade do processo de extinção do posto de trabalho, apenas referindo que teve em consideração o teor do processo.
WW. Não verificando a legalidade do mesmo e a da sua fundamentação, porque caso o fizesse, decisão diversa se impunha, uma vez que no elencar dos fundamentos vem expressamente mencionar o absentismo da trabalhadora.
XX. Mas mais, a aqui Apelante entende que o tribunal a quo julgou incorretamente os factos não provados 13, 15 e 19,
YY. O facto não provado n.º 13, deveria apenas ser dado como não provado a parte da câmara de vigilância por cima da sua cabeça, dirigida a si,
ZZ. A parte em que o tribunal a quo dá como não provada “A Autora esteve isolada numa sala durante mais de 4 anos”, não avaliou a prova corretamente, pois várias foram as testemunhas que confirmaram que a Apelante no fim do ano de 2017 voltou para a receção e não mais de lá saiu.
AAA. Testemunhas estas que mereceram a credibilidade do tribunal a quo relativamente aos seus depoimentos, por esse motivo, deve ser considerado dado como provado a parte em que a Autora esteve isolada numa sala durante mais de 4 anos, apenas sentada, sem qualquer tipo de função, apenas olhava para as paredes.
BBB. Em consequência, e atendendo-se às declarações das testemunhas, o facto n.º 19 deve igualmente ser dado como provado, ou seja, a Autora, depois de 2017 nunca mais voltou à zona da encadernação, fosse esporádica ou constantemente, enquanto outros trabalhadores, inclusive um motorista, era solicitado a exercer funções na zona da encadernação, algo que aliás é até referido na sentença de que se recorre.
CCC. Quando seria expectável que fosse um trabalhador já familiarizado com o posto a ser chamado, principalmente, quem nada tinha para fazer.
DDD. Este mesmo motorista, de nome Paulo Balcão, testemunha que aos costumes e razão de ciência, declarou nada o impedir de falar com a verdade, tendo prestado juramento legal,
EEE. Na sequência disso, a mandatária da Autora requereu que fosse extraída certidão para procedimento criminal por falsas declarações, por esta testemunha ter apresentado uma queixa-crime datada de 13-01-2022 contra a Apelante,
FFF. Disso, fez prova através de certidão, tendo o tribunal a quo deferido a junção e diferido a decisão para a fase decisão final, tal como consta da ata de julgamento datada de dia 01-03-2022.
GGG. Mas, a sentença nem sobre tal requerimento se pronunciou ou decidiu devendo fazê-lo e sendo apreciado como falsas declarações, não valorar o depoimento desta testemunha.
HHH. Por fim, o tribunal a quo entendeu que a exceção invocada pela Ré, respetivamente, a presunção contida no art. 366.º n.º 4 do Código do Trabalho, é procedente, porquanto, a Apelante não devolveu e nem colocou à disposição da Ré a compensação recebida.
III. Salvo o devido respeito, que é muito, a Autora/Recorrente não se conforma que o processo contenha os elementos necessários que permita ao tribunal para concluir dessa forma.
JJJ. O art. 366.º, n.º 4 do C.T. diz-nos que: “4 - Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo.”
KKK. Ora, o tribunal a quo não considerou que o valor pago pela Ré à Autora correspondesse à totalidade do valor,
LLL. A própria Ré alega em resposta à contestação da Autora/Recorrente que o cálculo efetuado para pagamento da compensação foi realizado com base nas retribuições que a Recorrente auferia em cada ano,
MMM. Tendo o tribunal a quo pronunciado sobre esta matéria da seguinte maneira: “Por sua vez, o Tribunal não considerou como demonstrado que o valor pago pela Ré correspondesse à totalidade do valor devido a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho uma vez que, e muito embora nenhuma das partes tenha, de facto, concretizado qual o método de cálculo de que se socorreu para alcançar os valores que considera como devidos, sempre a Ré referiu, na sua resposta à contestação, que calculou o valor de tal indemnização através da soma do valor correspondente ao salário que a Autora auferia em cada ano de serviço em concreto.
Ora, resulta evidente que as previsões normativas contidas no art. 366.º do Código do Trabalho ex vi art. 372.º n.º 4 do mesmo diploma estipulam, muito embora de modo não expresso, que a indemnização pela cessação do contrato de trabalho seja calculada tendo como premissa a retribuição auferida aquando daquela cessação e não a retribuição equivalente a cada um dos anos em que a Autora trabalhou para a Ré. Ou seja, a interpretação do normativo em apreço impõe que o número de anos de serviço seja apenas um referencial para a multiplicação do valor referente à retribuição aquando da cessação do contrato de trabalho e não como referencial para cada uma das parcelas que deve ser somada para se alcançar o valor da indemnização.”
NNN. Muito mal andou o tribunal a quo porque independentemente deste artigo, não referir-se ao método de cálculo, veja-se artigos de indemnização da compensação, ao referir que mediante os anos de antiguidade, transversalmente, será apurado essa mesma compensação a 30, a 20, e atualmente 12 dias por cada ano de trabalho.
OOO. Pelo que, por aqui demonstra que a compensação paga à trabalhadora/Recorrente não foi efetivamente a totalidade, pelo que, por aqui a Ré nunca poderia beneficiar da aludida presunção legal, não competindo à Autora ilidi-la.
PPP. Acresce que a própria Recorrida, assim entendeu o conteúdo da sentença, uma vez que veio dirigir uma missiva à Autora, no sentido de pagar os restantes créditos, documento esse, que por ser superveniente, agora se junta como doc. 1.
QQQ. Foi dado como facto assente a data de admissão e o valor da retribuição da Autora/Recorrente, pelo que, dispunha o tribunal a quo de todos os elementos para saber com rigor qual o valor correto da compensação devida àquela.
RRR. O que não sucedeu.
SSS. É certo que a Recorrente não entregou o valor que recebeu a título de compensação, tendo questionado o montante recebido por não concordar com ele.
TTT. O tribunal a quo andou mal ao ignorar o alegado pela Recorrente na parte respeitante à impugnação do despedimento, fazendo inclusivamente letra morta das disposições imperativas do Código do Trabalho, não se inibindo de as citar e simultaneamente aplicar o seu contrário.
UUU. Resulta do art. 384.º al.d) do Código do Trabalho, que o despedimento por extinção do posto de trabalho é ilícito se o empregador não tiver posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do aviso prévio, a compensação por ele devida a que se refere o artigo 366.º, por remissão do artigo 372.º, e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho.
VVV. Decidindo neste sentido, o tribunal a quo violou de forma ostensiva a disposição imperativa da Lei.
WWW. Mas mais, o recibo junto com a contestação da Recorrente como doc. 1, nem sequer menciona que a indemnização é pelo despedimento por extinção do posto de trabalho, sendo relevante a sua inclusão no recibo de vencimento, donde não poderá considerar-se suficiente aquele descritivo para poder-se presumir que se trata da compensação prevista no art. 366.º, n.º 1 do CT
XXX. Por tudo o exposto, não pode o tribunal de recurso deixar de revogar a decisão de 1.ª instância e em sua substituição reconhecer a ilicitude da extinção do posto de trabalho, avaliando a prova de forma diversa da apreciação do tribunal a quo conforme exposto nas alegações.»

A Ré apresentou resposta ao recurso da Autora, pugnando pela sua improcedência.

Observou-se o disposto no art. 87.º, n.º 3 do CPT, tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido da procedência do recurso.

Cumprido o previsto no art. 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.

2.–Questões a resolver

Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, as questões que se colocam a este Tribunal são as seguintes:
- nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
- alteração da decisão sobre a matéria de facto;
- aceitação do despedimento por não devolução da compensação;
- ilicitude do despedimento e pedidos daí decorrentes.

3.–Fundamentação

3.1.- Os factos considerados provados são os seguintes:
Por acordo e por documentos:
1. A Ré dedica-se à indústria das artes gráficas relacionadas com a impressão e actividades dos serviços relacionados com impressão, compreendendo a impressão de livros, cartões de visita, folhetos, álbuns, agendas e produtos afins.
2. A Autora foi admitida para trabalhar sob a autoridade e direcção da Ré, com a categoria profissional de Telefonista, no dia 01 de Fevereiro de 2004, por contrato verbal.
3. À data da cessação, a Autora auferia a retribuição ilíquida correspondente a € 705,00 (setecentos e cinco euros).
4. No dia 13 de Dezembro de 2021, foi comunicada à Autora a intenção de a Ré extinguir o seu posto de trabalho, e por sua vez proceder ao seu despedimento.

Da prova produzida em audiência de julgamento:
A. No dia 10 de Janeiro de 2022, a Autora remeteu o seu parecer à Ré, demonstrando a sua discordância com tal intenção, conforme carta que se encontra anexa ao procedimento disciplinar.
B. A Ré proferiu decisão final no sentido de proceder ao despedimento.
C. Na sequência da decisão de despedimento foi pago pela Ré à Autora o valor de € 9.427,15 (nove mil quatrocentos e vinte e sete euros e quinze cêntimos), acrescido dos proporcionais da cessação do contrato de trabalho. (alterado nos termos do ponto 3.4. infra)
D. A Autora recebeu o valor em apreço e não o devolveu.
E. Nem tão pouco colocou esse valor à disposição da Ré.
F. O valor em apreço foi recebido no dia 26 de Janeiro de 2022.
G. E foi feita a comunicação à Autora do valor da transferência.
H. A Autora ainda questionou o valor recebido, referindo-se ao “montante do euromilhões”, confirmando assim a recepção da quantia mencionada.
I. Sendo que levantou outras questões, tendo as mesmas sido respondidas.
J. A. Autora deu entrada com a acção a 23 de Abril de 2022.
K. E nada devolveu ou fez menção, sequer, de que o valor estaria à disposição da Ré.
L. O contrato da Autora cessou no dia 11 de Abril de 2022 em função do aviso prévio que legalmente teria que ser concedido.
M. A Autora chegou a estar em regime de Lay-off.
N. A Ré, desde 2018, tem sofrido um acentuado decréscimo das suas receitas, tendo este decréscimo vindo acentuar-se desde o início da pandemia até à data de hoje.
*
O. Foi pela Autora solicitado o esclarecimento dos valores que lhe estavam a pagar.
P. A trabalhadora foi admitida ao serviço em 01 de Fevereiro de 2004.
Q. Acresce ainda que sempre deixou claro perante a Ré que não aceitava o despedimento.
R. A Autora tinha a categoria profissional de telefonista, tendo exercido essa função até 2013.
S. Provado apenas que, em 2013, o gerente e dono da empresa àquela data, BB, decidiu colocar a funcionária, ora aqui Autora, em simultâneo e ocasionalmente, no departamento de encadernação.
T. Em 2017, o dono e gerente da empresa veio a falecer, vítima de doença prolongada.
U. Tendo-lhe sucedido na gerência da empresa a sua filha, EE.
V. A Autora foi durante muitos anos companheira de BB, tendo tido 2 filhos fruto dessa relação, o CC, o DD, os quais são irmãos de EE.
W. No final do ano de 2017, a Autora ficou limitada ao atendimento de chamadas telefónicas, na recepção, nunca mais voltando à zona da encadernação. (alterado nos termos do ponto 3.4. infra)
X. A Autora ficou isolada dos restantes colegas de trabalho.
Y. A partir desse momento, a Autora deixou praticamente de ter funções.
Z. No ano de 2018, todos os colegas receberam um prémio anual, menos a Autora.
AA. Provado apenas que, em 2019, a empresa contratou um trabalhador, entre outras, para a área da encadernação, funções que estavam a ser desempenhadas anteriormente também pela Autora.
BB. A Gerente EE obrigava a Autora a colocar o volume do telefone no máximo, justificando que também queria ouvir o som na sala dela.
CC. Deixando os avisos em cima da secretária da Autora.
DD. A Autora decidiu apresentar queixa na Autoridade para as Condições do Trabalho.
EE. Tendo a empresa sido alvo de duas inspecções.
FF. Após a comunicação da decisão de extinção do posto de trabalho, a Autora foi informada de que deveria entrar de férias e que no aviso prévio a Autora não mais precisava de regressar à empresa.
GG. Ao longo destes 4 anos, a Autora sentiu que a sua saúde se foi agravando, tendo necessidade de acompanhamento médico.
HH. Foram-lhe diagnosticados episódios sugestivos de ansiedade generalizada, neurastenia e reacção aguda ao stress e depressão reactiva.
II. Começou a sentir com frequência quadros de cefaleia e síncope, dores abdominais difusas, tonturas, naúseas e vómitos, palpitações, tonturas e zumbidos.
JJ. Tudo isto provocado pelo quadro de depressão a que a Autora foi sujeita em contexto laboral.
KK. Com toda a descrita situação, a Autora sofreu incómodos, tristezas, aborrecimentos, angústias, o que se veio a reflectir indelevelmente na sua saúde física e psíquica.
*
LL. Aconteceu, pontualmente, como tantos outros funcionários, a Autora ir ajudar na encadernação quando não tinha serviço no seu posto.
MM. A sócia-gerente actual da Ré entrou na empresa em Junho de 2016 e nessa altura a Autora não estava na encadernação, mas sim no seu posto de trabalho de telefonista.
NN. A 10 de Julho de 2017, a Autora sofreu um acidente de trabalho, sendo que estava na área da encadernação.
OO. Foi feita participação ao seguro.
PP. Pelo que foi transmitido à Ré (por parte da Autora), o seguro não assumiu qualquer responsabilidade pelo facto de a Autora não estar no seu posto de trabalho.
QQ. As câmaras nem sequer funcionam e tal facto foi transmitido aquando da inspecção da ACT.

3.2. Os factos considerados não provados são os seguintes:
1. O despedimento em apreço foi precedido de processo disciplinar.
2. (eliminado nos termos do ponto 3.4. infra)
3. A Ré concedeu a possibilidade de a Autora não vir mais trabalhar depois de gozadas as férias.
4. O que acabou por acontecer.
*
5. A Autora não recebeu diuturnidades. (alterado nos termos do ponto 3.4. infra)
6. Sempre que teve necessidade de faltar por assistência aos seus filhos, apresentava a respectiva justificação à sua entidade patronal.
7. Após o falecimento do gerente da empresa, foi proposto pela Ré, através da nova gerente, EE, que a Autora se demitisse, pois não fazia sentido aquela continuar na empresa.
8. Proposta que foi recusada pela Autora.
9. Com a recusa, no final do ano de 2017, a Autora foi novamente transferida para a área da recepção.
10. Numa determinada altura em que a Autora se encontrava sozinha com a gerente EE, esta chegou ao ponto de agarrar a Autora pelos braços e gritar-lhe para que se fosse embora.
11. Com frequência, a luz da recepção, sala onde se encontrava a Autora, era apagada, deixando esta às escuras.
12. A trabalhadora era também acusada de deixar o ar condicionado ligado.
13. A Autora tinha uma câmara de vigilância por cima da sua cabeça, dirigida a si. (alterado nos termos do ponto 3.4. infra)
14. Era frequente a Autora chegar à sua sala e ter um pacote de rebuçados com formato de cara de riso, vazio, no seu caixote do lixo.
15. Após a primeira inspecção, que ocorreu em 2021, não se conseguindo precisar o mês, a Autora sofreu ainda mais represálias, tendo passado a ficar trancada dentro da sua sala.
16. Sendo severamente repreendida por ter dito a um cliente que se encontrava trancada e que não tinha possibilidade de abrir a porta por não ter chave.
17. Todas as faltas de assistência à família foram justificadas.
*
18. Até o motorista da empresa, quando não tem serviços de entregas para fazer, é chamado a ajudar na encadernação quando é necessário.
19. (eliminado nos termos do ponto 3.4. infra)
20. A permanência da trabalhadora na secção de encadernação não excedeu o período de um ano sequer e foi de forma esporádica e pontual.

3.3. A Apelante vem arguir a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, na medida em que não se conheceu das questões suscitadas pela Autora na sua contestação, nomeadamente da falta de requisitos legais para a licitude do despedimento, com base na factualidade que se provou.
Vejamos.
Estabelece o n.º 1 do art. 615.º do CPC que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia, prevista na alínea d), está relacionada com o estabelecido no art. 608.º, n.º 2 do mesmo diploma, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Ora, tendo o tribunal recorrido julgado procedente a excepção peremptória de aceitação do despedimento pela Autora, por não devolução da compensação que recebeu da Ré, e sendo tal aceitação impeditiva do exercício do direito de impugnar a licitude e regularidade do despedimento, ficou prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos, nomeadamente os fundamentos de ilicitude do despedimento e respectivas consequências peticionadas pela trabalhadora.
Cabe, sim, verificar se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento na prolação da mencionada decisão, o que se fará no lugar próprio.
Improcede, pois, a nulidade suscitada pela Recorrente.

3.4. Cumpre apreciar, então, a impugnação que a Apelante faz da decisão sobre a matéria de facto.
Estabelece o art. 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Antes de mais, importa sublinhar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto pressupõe que esta decisão do tribunal tenha efectivamente recaído sobre factos.
Na verdade, dispunha o n.º 4 do art. 646.º do Código de Processo Civil de 1961 que se têm por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito.
Por outro lado, embora não se contemplassem directamente as respostas sobre a matéria de facto vagas, genéricas e conclusivas, foi-se consolidando na jurisprudência o entendimento de que aquela disposição era de aplicar analogicamente a tais situações, sempre que a matéria em causa se integrasse no thema decidendum, por se reconduzirem à formulação de juízos de valor que se devem extrair de factos concretos, objecto de alegação e prova.
Ora, não obstante a eliminação do preceito mencionado no Código de Processo Civil de 2013, é de considerar que se deve manter aquele entendimento, interpretando, a contrario sensu, o actual n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados.
Isto é, o que o tribunal pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida são os factos e não os conceitos ou efeitos jurídicos ou as conclusões ou juízos de valor a extrair dos factos à luz das normas jurídicas aplicáveis[1].

Posto isto, e atendendo a que os presentes autos incluem como thema decidendum primordial o de saber se a Ré pagou à Autora a totalidade da compensação a que legalmente tinha direito pelo despedimento por extinção do posto de trabalho, quer para efeitos de operar ou não a presunção legal de aceitação do despedimento, quer para efeitos de se verificar ou não o requisito legal de licitude do despedimento atinente a tal matéria, entende-se que o tribunal recorrido não podia ter considerado como provados ou não provados os seguintes enunciados, por traduzirem meras conclusões de direito ou de facto a extrair de factos concretos em sentido próprio que se provassem ou tenham provado:
C. (…) correspondente a € 705,00 (setecentos e cinco euros) de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo (…)
2. O valor que a Autora recebeu corresponde à totalidade da compensação pela cessação do contrato de trabalho.
5. A Autora tinha direito ao pagamento de diuturnidades.
Com efeito, tais enunciados, mais do que conclusivos, contêm em si mesmos a solução jurídica de questões, o que extravasa a função da produção da prova, na medida em que não cabe, designadamente, às partes ou testemunhas, nos respectivos depoimentos, pronunciarem-se sobre se o valor recebido pela Autora a título de compensação corresponde ou não aos critérios legais e se a Autora tinha ou não direito ao pagamento de diuturnidades. A solução jurídica dessas questões deve resultar da aplicação e interpretação do direito – pelo tribunal – aos factos concretos que as partes aleguem e provem.
Em face do exposto, procede-se à eliminação de tais enunciados do elenco dos factos provados e não provados, respectivamente.
Posto isto, constata-se que a Apelante impugna a decisão proferida quanto aos factos não provados sob os n.ºs 13, 15 e 19.
Relativamente aos n.ºs 13 e 19, a Recorrente sustenta que deveria ser dado como provado que “A Autora esteve isolada numa sala durante mais de 4 anos” e “Depois de 2017 a Autora nunca mais voltou à zona da encadernação”, uma vez que várias testemunhas confirmaram que a Apelante no fim do ano de 2017 voltou para a recepção e não mais de lá saiu.

Ora, deram-se como provados os seguintes factos:
R. A Autora tinha a categoria profissional de telefonista, tendo exercido essa função até 2013.
S. Provado apenas que, em 2013, o gerente e dono da empresa àquela data,  BB, decidiu colocar a funcionária, ora aqui Autora, em simultâneo e ocasionalmente, no departamento de encadernação.
W. No final do ano de 2017, a Autora ficou limitada ao atendimento de chamadas telefónicas.
X. A Autora ficou isolada dos restantes colegas de trabalho.
Y. A partir desse momento, a Autora deixou praticamente de ter funções.
Acresce que, na motivação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal a quo afirma que «[d]e qualquer das formas, é notório do depoimento das restantes testemunhas inquiridas nos autos, a saber, FF, GG e HH, que a Autora se encontrava no seu local de trabalho, ou seja, na recepção, sem praticamente nada para fazer (…)».
Assim, quanto ao facto não provado sob o n.º 13, julga-se que se justifica o aditamento à factualidade provada da menção à recepção, uma vez que resulta da prova indicada pela Apelante (depoimentos das testemunhas FF e HH), concatenada com a aludida factualidade assente. Com os mesmos fundamentos, entende-se que se justifica o aditamento aos factos provados do facto considerado não provado sob o n.º 19.
Deste modo, elimina-se a mencionada factualidade enquanto dada como não provada e altera-se o teor do ponto W., que passa a ter a seguinte redacção: «No final do ano de 2017, a Autora ficou limitada ao atendimento de chamadas telefónicas, na recepção, nunca mais voltando à zona da encadernação.»
Quanto ao facto não provado sob o n.º 15, a Apelante invoca o depoimento da testemunha GG mas esta apenas refere o fecho da porta de acesso do público à recepção a partir da rua, o que não implica que a Autora estivesse trancada do ponto de vista do acesso às demais divisões e eventuais portas para a rua.
Assim, considera-se que apenas este depoimento e com tal teor não é suficiente para impor decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido quanto ao ponto em referência.

3.5. Cabe, então, decidir se ocorre a excepção peremptória da aceitação do despedimento pela Autora por não ter devolvido a compensação que a Ré lhe pagou.
No seu articulado de motivação do despedimento, a Ré invocou que, tendo pago à Autora o valor de € 9.427,15, correspondente a € 705,00 de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo, a título de compensação, valor aquele que a Autora recebeu e não devolveu ou colocou à disposição da Ré, se deve considerar que a trabalhadora aceitou o despedimento.
A Autora apresentou contestação, sustentando que improcede tal excepção peremptória, na medida em que o valor pago pela Ré é inferior ao da totalidade da compensação a que tem direito, nunca tendo a Ré explicado como chegou ao valor de € 9.427,15, apesar dos pedidos de esclarecimento da Autora. Acrescentou que tinha direito ao pagamento de diuturnidades previstas na Portaria n.º 182/2018, de 22 de Junho, de 3 em 3 anos, que deviam ter sido atendidas para efeitos de cálculo da compensação pelo despedimento. Conclui que a compensação devida ascende a € 10.919,59, acrescida das referidas diuturnidades, sendo certo que sempre deixou claro perante a Ré que não aceitava o despedimento, conforme carta que lhe remeteu.
A Ré apresentou resposta à contestação, onde, além do mais, sustenta que a compensação paga foi a exigida por lei e as diuturnidades estão aí incluídas, sendo que foram calculadas de acordo com o vencimento de cada ano da Autora e por isso se alcançou o valor de 9.427,15 €, correspondente à soma do valor base de 8.460,00 € com o valor de 967,15 € a título de diuturnidades.
Vejamos.
Estabelece o art. 366.º do Código do Trabalho, aplicável ao despedimento por extinção do posto de trabalho por força do seu art. 372.º:
(…)
4- Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo.
5- A presunção referida no número anterior pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último.
(…)

Relativamente ao valor da compensação em causa, há que ter em atenção o disposto no art. 5.º da Lei n.º 69/2013, de 30 de Agosto, que alterou o Código do Trabalho, em vigor na data da cessação do contrato de trabalho dos autos, com a seguinte redacção:
Regime transitório em caso de cessação de contrato de trabalho sem termo
1- Em caso de cessação de contrato de trabalho celebrado antes de 1 de Novembro de 2011, a compensação prevista no n.º 1 do artigo 366.º do Código do Trabalho, na redacção conferida pela presente lei, é calculada do seguinte modo:
a) Em relação ao período de duração do contrato até 31 de Outubro de 2012, o montante da compensação corresponde a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou é calculado proporcionalmente em caso de fracção de ano;
b) Em relação ao período de duração do contrato a partir de 1 de Novembro de 2012 inclusive e até 30 de Setembro de 2013, o montante da compensação corresponde a 20 dias de retribuição base e diuturnidades calculado proporcionalmente ao período efectivo de trabalho prestado;
c) Em relação ao período de duração do contrato a partir de 1 de Outubro de 2013 inclusive, o montante da compensação corresponde à soma dos seguintes montantes:
i) A 18 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, no que respeita aos três primeiros anos de duração do contrato;
ii) A 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, nos anos subsequentes;
iii) O disposto na subalínea i) aplica-se apenas nos casos em que o contrato de trabalho, a 1 de Outubro de 2013, ainda não tenha atingido a duração de três anos.
2- O montante total da compensação calculado nos termos do número anterior não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
(…)
4- Para efeitos de cálculo da parte da compensação a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 e as alíneas a) e b) do n.º 3:
a) O valor da retribuição base e diuturnidades do trabalhador a considerar não pode ser superior a 20 vezes a retribuição mínima mensal garantida;
b) O valor diário de retribuição base e diuturnidades é o resultante da divisão por 30 da retribuição base mensal e diuturnidades;
c) Em caso de fracção de ano, o montante da compensação é calculado proporcionalmente.
5- Quando da aplicação do disposto na alínea a) dos n.ºs 1 e 3 resulte um montante de compensação que seja:
a) Igual ou superior a 12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador ou a 240 vezes a retribuição mínima mensal garantida, não é aplicável o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 e b) do n.º 3;
b) Inferior a 12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador ou a 240 vezes a retribuição mínima mensal garantida, o montante global da compensação não pode ser superior a estes valores.
6- Quando da soma dos valores previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 resulte um montante de compensação que seja:
a) Igual ou superior a 12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador ou a 240 vezes a retribuição mínima mensal garantida, não é aplicável o disposto na alínea c) do n.º 1;
b) Inferior a 12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador ou a 240 vezes a retribuição mínima mensal garantida, o montante global da compensação não pode ser superior a estes valores.
A Autora trabalhou para a Ré desde 1/02/2004 até 11/04/2022 e, à data do despedimento, auferia mensalmente a retribuição base de 705,00 €, correspondente à retribuição mínima legal garantida, tendo ainda direito à quantia de 103,50 € a título de cinco diuturnidades no valor de 20,70 € cada uma, nos termos do disposto no art. 12.º, n.ºs 1, 4 e 5 e Anexo II da  Portaria de condições de trabalho para trabalhadores administrativos n.º 182/2018, de 22 de Junho, actualizada nos termos da Portaria n.º 292/2021, de 13 de Dezembro.

Assim, nos termos da norma acima transcrita, a Autora tinha direito a receber da Ré a seguinte compensação:
a) Em relação ao período de duração do contrato até 31 de Outubro de 2012, o montante da compensação corresponde a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade até 31/01/2012 (808,50 € x 8 anos = 6.468,00 €) e é calculado proporcionalmente quanto à fracção de ano decorrente de 1/02/2012 a 31/10/2012 (808,50 € : 12 meses x 9 meses = 606,40 €), o que totaliza 7.074,40 €;
b) Em relação ao período de duração do contrato a partir de 1 de Novembro de 2012 inclusive e até 30 de Setembro de 2013, o montante da compensação corresponde a 20 dias de retribuição base e diuturnidades calculado proporcionalmente ao período efectivo de trabalho prestado (808,50 € : 30 dias x 20 dias : 12 meses x 11 meses), o que ascende a 494,08 €;
c) Em relação ao período de duração do contrato a partir de 1 de Outubro de 2013 inclusive, o montante da compensação corresponde a 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade até 30/09/2021 (808,50 € : 30 dias x 12 dias x 8 anos = 2.587,20 €) e é calculado proporcionalmente quanto à fracção de ano decorrente de 1/10/2021 até 11/04/2022{(808,50 € : 30 dias x 12 dias : 12 meses x 6 meses = 161,70 €) + (808,50 € : 30 dias x 12 dias : 12 meses : 30 dias x 11 dias = 9,90 €)}, o que totaliza 2.758,80 €.
Em face do exposto, conclui-se que a Autora tinha a receber da Ré a quantia global de 10.327,28 € a título de compensação pelo despedimento.
Assim, a quantia de 9.427,15 € que a Ré pagou à Autora não corresponde à totalidade da compensação que lhe era devida legalmente, tendo ficado em falta o valor de 900,13 €.
Acresce que, como resulta da factualidade provada sob os pontos H., I., J., L., O. e Q., a Autora, ainda antes da data do despedimento, comunicou que não o aceitava e questionou a correcção do montante que lhe foi pago em 26/01/2022, pedindo esclarecimentos sobre o modo como a Ré procedeu ao seu cálculo, tendo esta se limitado a transmitir-lhe o teor do art. 5.º da Lei n.º 69/2013, de 30 de Agosto, sem nada informar sobre os valores de retribuição base e diuturnidades que tinha tido em conta e sem se dispor a proceder a qualquer rectificação que fosse ao encontro das reservas manifestadas pela trabalhadora, o que potenciou que, chegada aquela data (11/04/2022), quase três meses depois, o valor pago se mantivesse inalterado.
Ademais, a Autora intentou a presente acção de impugnação do despedimento apenas 12 dias depois da data do mesmo (23/04/2022) e, no articulado de motivação do despedimento, a Ré sustentou que a quantia paga correspondia a 705,00 € de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de serviço e na resposta à contestação da Autora manteve que a compensação paga foi a exigida por lei e as diuturnidades estavam aí incluídas, calculadas de acordo com o vencimento de cada ano da Autora e por isso se alcançando o valor de 9.427,15 €, correspondente à soma do valor base de 8.460,00 € com o valor de 967,15 € a título de diuturnidades – continuando sem esclarecer, ao menos, quais os valores de diuturnidades e quais os anos que tomou como base de cálculo.
Por conseguinte, ao contrário do que se afirma na sentença recorrida, é manifesto que, em juízo, a Ré não invocou nem, muito menos, reconheceu qualquer erro de cálculo ou interpretação da lei, bem como, anteriormente, não facultou à Autora quaisquer esclarecimentos que a pudessem razoavelmente convencer que estava perante um mero erro desculpável da empregadora, sendo certo que, ainda assim, foi alertada pela Autora e teve quase três meses, entre a data em que efectuou o pagamento e o termo do prazo que tinha para o efeito, para se aconselhar do ponto de vista contabilístico e jurídico e evitar a consumação do pretenso erro.
Em face do exposto, a sentença não é consistente na parte em que, depois de dar como seguro que «(… é de considerar que, tal como aliás exposto no art. 366.º n.º 4 do Código do Trabalho, se deva fazer operar a presunção nele contida apenas se for transmitido a totalidade do valor devido a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho, o que não sucedeu no caso concreto, uma vez que há determinados valores que não podem ser regateados, nomeadamente em circunstâncias como esta», conclui sem base factual para tanto que «(…) resulta dos autos que o erro de cálculo da indemnização paga pela Ré à Autora se deveu à convicção da mesma de que o valor correspondente à retribuição mensal mais diuturnidades por cada ano de serviço deve ser calculado de forma a que se some o valor de uma retribuição efectivamente auferida pela Autora em cada um desses anos de serviço e não somando o valor da retribuição auferida aquando da cessação do contrato pelo número de anos de serviço», e considerou que operou a presunção de aceitação do despedimento pela Autora pelo facto de esta não ter devolvido à Ré a compensação parcial que recebeu da mesma, sem ao menos ponderar, de modo similar, a relevância de convicção que a Autora tivesse sobre a desnecessidade de fazê-lo naquelas circunstâncias contrárias à letra da lei.
Note-se, aliás, que a norma em apreço dispunha anteriormente que “presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação prevista neste artigo” e a supra mencionada  Lei n.º 69/2013 veio alterar a redacção para “presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo”, o que não pode deixar de considerar-se determinante na busca e fixação do seu sentido.

Subscreve-se, pois, o douto e exaustivo Parecer do Ministério Público constante dos autos, que aqui se relembra:
«Ora, tal como corretamente reconhece o tribunal “a quo”, “(…) o efeito presuntivo previsto no n.º 4 só se produz se for disponibilizada ao trabalhador a totalidade da compensação devida (…)”, como refere Milena Rouxinol - In “Nótula em Torno do Regime do art. 366.º, n.º 4 e 5, do Código do Trabalho (O Afastamento da Presunção, em Especial)”, Prontuário de Direito do Trabalho, 2017-II pág. 82.
Também a jurisprudência tem decidido nesse mesmo sentido.
Veja-se, assim, o que a esse propósito se se escreve no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23-09-2021 (p. 104/21.6T8SNS.E1):
“A questão da existência de uma presunção constitui um antecedente lógico da elisão dessa presunção.
Primeiro discute-se se a presunção existe, se ocorre o facto-base que permite afirmar o facto desconhecido. Depois, discute-se a natureza dessa presunção, legal ou judicial, e se a mesma permite a sua elisão. E só por último se coloca a questão de saber se a presunção foi ilidida (nos casos em que tal é admissível).
No que concerne à presunção de aceitação do despedimento por extinção do posto de trabalho, a letra do art. 366.º n.º 4 do Código do Trabalho – ex vi o art. 372.º – é claramente impressiva: a presunção ocorre quando o trabalhador recebe do empregador “a totalidade da compensação” prevista nesse artigo.
Claramente, não é qualquer valor pago a título de compensação que faz funcionar a presunção, tanto mais que constitui requisito de legalidade do despedimento por extinção do posto de trabalho a colocação à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, da compensação devida a que se refere o art. 366.º, por remissão do art. 372.º, e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho – art. 384.º al. d) do Código do Trabalho.
Estando em causa uma cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, o art. 371.º n.º 2 al. d) do Código do Trabalho prevê que na decisão de despedimento este informe o trabalhador do “Montante, forma, momento e lugar do pagamento da compensação e dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho”.
Sendo obrigação do empregador informar o trabalhador do montante da compensação e dos demais créditos vencidos e exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho, ao trabalhador não pode ser negado o direito de impugnar o valor da compensação e dos demais créditos, inclusive fazendo discutir judicialmente esta questão, no âmbito do seu direito à tutela jurisdicional efectiva, garantido pelo art. 20.º n.º 5 da Constituição.”
E bem assim o que se explana no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-12-2019 (p. 3817/16.0T8BRR.L2-4):
“Sucede, porém, que o presente caso se reporta a situação diversa e que consiste, em nosso entender, na não verificação da base da presunção (o facto conhecido).
Não se deve olvidar que “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido” (art.º 349.º do Código Civil).
“Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz” (art.º 350.º n.º1 do Código Civil).
Com efeito, como acima se deixou expresso, o legislador determina que se presume a aceitação do despedimento quando o trabalhador recebe a totalidade da compensação, correspondente, actualmente, “a 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade”, nos termos do n.º 1 do citado art.º 366.º, na redacção dada pela Lei 69/2013, de 30 de Agosto.
E compreende-se que assim seja, pois, não somente a compensação é o elemento central no regime da cessação do contrato de trabalho, como é o recebimento por banda do trabalhador da compensação (total e devida) pelo despedimento por extinção do posto de trabalho que permite à dita figura alcançar a sua dupla função que é a de ressarcir e “reparar a perda do posto de trabalho pelo trabalhador e de servir de contrapartida pelo facto de o trabalhador não impugnar o despedimento”, assim se obtendo a “paz jurídica” (Cfr. Lobo Xavier, Ob. Cit. pág. 78).
O legislador determina, por isso, efectividade da compensação, fulminando, com a ilicitude, o despedimento em que a mesma não ocorra.
Nesta linha, o empregador deve entregar ao trabalhador a integralidade da compensação devida.”
Ora, no caso dos autos, na fundamentação da decisão, o tribunal começando por reconhecer que a presunção de aceitação do despedimento só se verifica se for paga ao trabalhador a totalidade da compensação, considera, depois, que a ré não procedeu ao seu pagamento integral por “erro de cálculo” que se “deveu à convicção da mesma de que o valor correspondente à retribuição mensal mais diuturnidades por cada ano de serviço deve ser calculado de forma a que se some o valor de uma retribuição efectivamente auferida pela Autora em cada um desses anos de serviço e não somando o valor da retribuição auferida aquando da cessação do contrato pelo número de anos de serviço.”
Ora, não se alcança com base em que factos considera o tribunal “a quo “ que a ré calculou erradamente a compensação devido a uma suposta “convicção” de que estaria a proceder a uma correta interpretação da lei.
Além de que, como é bem sabido, “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.”, como disciplina o art.º 6.º do Código Civil.
Assim, não se pode considerar nos autos que tenha operado a presunção de aceitação do despedimento pela trabalhadora autora.»

Em suma: uma vez que, nos termos do art. 366.º, n.º 4 do Código do Trabalho, apenas se presume que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação estabelecida legalmente, tal presunção não operou no caso em apreço e, consequentemente, ficou prejudicado que a Autora a ilidisse nos termos do n.º 5 da mesma disposição legal.
Procede, pois, o recurso nesta parte, julgando-se improcedente a excepção peremptória invocada pela Ré no seu articulado de motivação do despedimento.
3.6. Finalmente, cabe conhecer da ilicitude do despedimento e dos pedidos daí decorrentes, nos termos formulados pela Apelante.
Nos termos do art. 367.º do Código do Trabalho, considera-se despedimento por extinção de posto de trabalho a cessação de contrato de trabalho promovida pelo empregador e fundamentada nessa extinção, quando esta seja devida a motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa, nos termos previstos para o despedimento colectivo, ou seja, nomeadamente (art. 359.º, n.º 2):
a) Motivos de mercado - redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado;
b) Motivos estruturais - desequilíbrio económico-financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes;
c) Motivos tecnológicos - alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.
Acrescenta o art. 368.º:
Requisitos de despedimento por extinção de posto de trabalho
1- O despedimento por extinção de posto de trabalho só pode ter lugar desde que se verifiquem os seguintes requisitos:
a) Os motivos indicados não sejam devidos a conduta culposa do empregador ou do trabalhador;
b) Seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
c) Não existam, na empresa, contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto;
d) Não seja aplicável o despedimento colectivo.
2- Havendo na secção ou estrutura equivalente uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, para determinação do posto de trabalho a extinguir, a decisão do empregador deve observar, por referência aos respetivos titulares, a seguinte ordem de critérios relevantes e não discriminatórios:
a) Pior avaliação de desempenho, com parâmetros previamente conhecidos pelo trabalhador;
b) Menores habilitações académicas e profissionais;
c) Maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa;
d) Menor experiência na função;
e) Menor antiguidade na empresa.
3- O trabalhador que, nos três meses anteriores ao início do procedimento para despedimento, tenha sido transferido para posto de trabalho que venha a ser extinto, tem direito a ser reafectado ao posto de trabalho anterior caso ainda exista, com a mesma retribuição base.
4- Para efeito da alínea b) do n.º 1, uma vez extinto o posto de trabalho, considera-se que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando o empregador não disponha de outro compatível com a categoria profissional do trabalhador.
5- O despedimento por extinção do posto de trabalho só pode ter lugar desde que, até ao termo do prazo de aviso prévio, seja posta à disposição do trabalhador a compensação devida, bem como os créditos vencidos e os exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho.
(…)
Por seu turno, estabelece o art. 369.º:
Comunicações em caso de despedimento por extinção de posto de trabalho
1- No caso de despedimento por extinção de posto de trabalho, o empregador comunica, por escrito, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou comissão sindical, ao trabalhador envolvido e ainda, caso este seja representante sindical, à associação sindical respectiva:
a) A necessidade de extinguir o posto de trabalho, indicando os motivos justificativos e a secção ou unidade equivalente a que respeita;
b) A necessidade de despedir o trabalhador afecto ao posto de trabalho a extinguir e a sua categoria profissional.
c) Os critérios para selecção dos trabalhadores a despedir.
(…)
Em conformidade, preceitua o art. 381.º:
Fundamentos gerais de ilicitude de despedimento
Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação específica, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito:
a) Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso;
b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente;
c) Se não for precedido do respectivo procedimento;
d) Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
E acrescenta o art. 384.º:
Ilicitude de despedimento por extinção de posto de trabalho
O despedimento por extinção de posto de trabalho é ainda ilícito se o empregador:
a) Não cumprir os requisitos do n.º 1 do artigo 368.º;
b) Não observar o disposto no n.º 2 do artigo 368.º;
c) Não tiver feito as comunicações previstas no artigo 369.º;
d) Não tiver posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação por ele devida a que se refere o artigo 366.º, por remissão do artigo 372.º, e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho.

Perante este quadro legal, temos como seguro que o despedimento só se mostra justificado quando o motivo invocado pelo empregador, para além de verdadeiro e atendível legalmente, acarreta automaticamente a queda do posto de trabalho do trabalhador visado, de acordo com os critérios legais de selecção, não dispondo o empregador de outro compatível com a sua categoria profissional, sendo certo que, como conclui Pedro Furtado Martins, “o conceito de posto de trabalho aqui relevante coincide com a função ou o conjunto de tarefas localizado organizacionalmente – isto é, numa concreta organização produtiva, que é fruto do modo como o respectivo titular decide organizar e dividir o trabalho necessário ao funcionamento da mesma –, de cuja execução é encarregue um trabalhador.”[2]

Está em causa um despedimento individual e por causas objectivas, determinado pela queda imediata e automática do posto de trabalho por efeito do motivo económico legalmente relevante que foi invocado, pelo que, para obstar a que o mesmo seja desvirtuado por manobras fraudulentas que ofendam o princípio da segurança no emprego, se prescinde da intervenção do empregador na determinação do trabalhador a despedir, excepto se naquelas circunstâncias existirem mais postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico do que aqueles que é necessário extinguir, e, ainda assim, a selecção tem de observar os critérios que estão legalmente definidos com essa mesma finalidade.  
 
Por seu turno, a jurisprudência tem sido constante no sentido da sindicabilidade do nexo de causalidade entre a motivação invocada para o despedimento e a efectiva extinção do posto de trabalho do trabalhador despedido, como se sintetiza no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Abril de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 822/08.4TTSNT.L1.S2, ao afirmar que, “[n]ão demonstrado o nexo causal entre os motivos económicos invocados pela entidade empregadora para a reorganização da estrutura da empresa e a extinção de um concreto posto de trabalho, carece de licitude o despedimento levado a efeito sob tal declarado propósito.”[3]

Também no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Abril de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 1950/14.2TTLSB.L1, se refere:
1.- Os requisitos estabelecidos no artigo 368º, n.º 1, do CT/2009, para a extinção do posto de trabalho, são cumulativos e os ónus de os alegar e de os provar incumbem ao empregador.2. Na ação de apreciação da regularidade e licitude do despedimento por extinção do posto de trabalho incumbe ao tribunal o controlo da veracidade dos motivos invocados para o despedimento e a verificação da existência de nexo de causalidade entre os motivos invocados pelo empregador e o despedimento, de modo a que se possa concluir, segundo juízos de razoabilidade, que tais motivos são adequados a justificar a decisão de redução de pessoal.3. O cumprimento dos critérios legais exigidos para a extinção do posto de trabalho não é suficiente para garantir a licitude do despedimento, sendo, também, necessário que o empregador prove a impossibilidade da manutenção do vínculo laboral, através do dever que impende sobre ele, por ser seu ónus, de demonstrar a inexistência de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional do trabalhador.(…)”[4].

Retornando à situação em apreço, constata-se que, na decisão de despedimento da Autora, foi invocada a progressiva redução de receitas desde 2018 e a necessidade daí decorrente de extinguir o posto de trabalho de telefonista ocupado por aquela e considerado redundante perante a predominância das comunicações por emails e a referência nestes aos números de telefone directos dos destinatários em caso de necessidade.

Ora, provou-se efectivamente que a Ré, desde 2018, tem sofrido um acentuado decréscimo das suas receitas, tendo este decréscimo vindo acentuar-se desde o início da pandemia até à data de hoje. Não obstante, também se provou que a Autora tinha a categoria profissional de telefonista, tendo exercido essa função até 2013, e, neste ano, foi pelo gerente colocada, em simultâneo e ocasionalmente, no departamento de encadernação. No final do ano de 2017, a Autora ficou limitada ao atendimento de chamadas telefónicas, na recepção, nunca mais voltando à zona da encadernação. Ficou isolada dos restantes colegas de trabalho e a partir desse momento deixou praticamente de ter funções. Em 2019, a empresa contratou um trabalhador, entre outras, para a área da encadernação, funções que estavam a ser desempenhadas anteriormente também pela Autora. E foi na sequência da descrita actuação da Ré e com fundamento no respectivo resultado que a mesma decidiu despedir a Autora.

Em face do exposto, afigura-se que não se verifica o requisito previsto no art. 368.º, n.º 1, al. a) do Código do Trabalho, na medida em que a Ré não logrou provar, conforme lhe competia, que os motivos indicados não resultaram de conduta culposa sua.
Também não se verifica o requisito previsto no art. 368.º, n.º 1, al. b) e n.º 4 do mesmo diploma, na medida em que a Ré não logrou provar, conforme lhe competia, que era praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, já que nada se apurou sobre a inexistência de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional da trabalhadora.

Consequentemente, não se descortina nexo de causalidade entre a alegada e provada redução de receitas e a extinção do posto de trabalho da Autora.

Finalmente, como resulta da apreciação feita no ponto 3.5., não foi colocada à disposição da Autora, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação legalmente devida, pois ficou em falta a tal título a quantia de 900,13 €.
Em face do exposto, o despedimento da Autora é ilícito pelos fundamentos previstos nos arts. 381.º, al. b) e 384.º, als. a) e d) do Código do Trabalho.
Deste modo, nos termos do art. 389.º, n.º 1, als. a) e b) do diploma em referência, deve a Ré ser condenada a indemnizar a Autora por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais, e na reintegração da Autora no mesmo estabelecimento, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, atenta a sua não opção pela indemnização de antiguidade até ao termo da discussão em audiência final de julgamento.
Por outro lado, atento o disposto no art. 390.º do Código do Trabalho, a Autora tem direito a receber as retribuições (atendendo-se a retribuição base e diuturnidades) que deixou de auferir desde o despedimento em 11/04/2022 até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, deduzidas do subsídio de desemprego que lhe tenha sido atribuído no mesmo período, devendo a Ré entregar essa quantia à segurança social, e ainda da quantia de 9.427,15 € que a Ré lhe pagou a título de compensação.
A Autora peticionou ainda a condenação da Ré no pagamento da quantia de 25.000,00 € a título de danos não patrimoniais, abrangendo também os causados anteriormente ao despedimento.
Ora, como se acabou de ver, provou-se que a Autora tinha a categoria profissional de telefonista, tendo exercido essa função até 2013, e, neste ano, foi pelo gerente colocada, em simultâneo e ocasionalmente, no departamento de encadernação. No final do ano de 2017, a Autora ficou limitada ao atendimento de chamadas telefónicas, na recepção, nunca mais voltando à zona da encadernação. Ficou isolada dos restantes colegas de trabalho e a partir desse momento deixou praticamente de ter funções. Em 2019, a empresa contratou um trabalhador, entre outras, para a área da encadernação, funções que estavam a ser desempenhadas anteriormente também pela Autora. E foi na sequência da descrita actuação da Ré e com fundamento no respectivo resultado que a mesma decidiu despedir a Autora. Acresce que, no ano de 2018, todos os colegas receberam um prémio anual, menos a Autora. A Gerente EE obrigava a Autora a colocar o volume do telefone no máximo, justificando que também queria ouvir o som na sala dela, deixando os avisos em cima da secretária da Autora. Ao longo daqueles 4 anos, a Autora sentiu que a sua saúde se foi agravando, tendo necessidade de acompanhamento médico. Foram-lhe diagnosticados episódios sugestivos de ansiedade generalizada, neurastenia e reacção aguda ao stress e depressão reactiva. Começou a sentir com frequência quadros de cefaleia e síncope, dores abdominais difusas, tonturas, naúseas e vómitos, palpitações, tonturas e zumbidos, tudo isto provocado pelo quadro de depressão a que a Autora foi sujeita em contexto laboral. Com toda a descrita situação, a Autora sofreu incómodos, tristezas, aborrecimentos, angústias, o que se veio a reflectir na sua saúde física e psíquica.
Diz o art. 496.º, n.º 1 do Código Civil que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Não relevam, pois, para este efeito, os meros incómodos, transtornos ou aborrecimentos. Esclarece o n.º 4 que o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º, isto é, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Não obstante, por um lado, a reconstituição da relação laboral através da reintegração no estabelecimento da Ré e do pagamento das retribuições deixadas de auferir desde o despedimento constitua também uma forma de reparação moral, por outro lado não pode olvidar-se que os danos em apreço são particularmente graves pelos reflexos que tiveram no bem primordial que é a saúde física e psíquica da trabalhadora, com a agravante de que resultaram de actuação deliberada e persistente ao longo de 4 anos.
Por todo o exposto, julga-se que é equitativo fixar a indemnização pelos aludidos danos não patrimoniais em 20.000,00 €.
Às quantias fixadas acrescem juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento, desde os respectivos vencimentos quanto às retribuições intercalares e desde a presente data quanto à indemnização por danos não patrimoniais.

4.–Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, declara-se a ilicitude do despedimento da Autora pela Ré e condena-se esta:
- na reintegração da Autora no mesmo estabelecimento, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
- no pagamento à Autora das retribuições (atendendo-se a retribuição base e diuturnidades) que deixou de auferir desde o despedimento em 11/04/2022 até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, deduzidas do subsídio de desemprego que lhe tenha sido atribuído no mesmo período, devendo a Ré entregar essa quantia à segurança social, e ainda da quantia de 9.427,15 € que a Ré lhe pagou a título de compensação, e acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde os respectivos vencimentos até integral pagamento, tudo a liquidar no incidente próprio, se necessário;
- no pagamento à Autora da quantia de 20.000,00 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a presente data até integral pagamento.
Custas pelas partes na proporção do decaimento.


Lisboa, 8 de Novembro de 2023


Alda Martins
Celina Nóbrega- (revendo posição anterior)
Francisca Mendes- (revendo posição anterior)



[1]Neste sentido, entre muitos outros, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2015, proferido no processo n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1 (disponível em www.dgsi.pt).
[2]Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 2012, p. 251.
[3]Disponível em www.dgsi.pt.
[4]Disponível em www.dgsi.pt.