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CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
Sumário
Impugnação da matéria de facto – Resolução do contrato de trabalho pela trabalhadora – Contagem do prazo para comunicar ao empregador a resolução – Justa causa – Fixação da indemnização
(Sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
Sentença recorrida
1.–Por sentença de 27.4.2023 (referência citius 55066962), o Juízo do Trabalho de Ponta Delgada do Tribunal Judicial da Comarca AA, (doravante também Tribunal de primeira instância, Tribunal recorrido ou Tribunal a quo), proferiu a seguinte decisão: “(...)julga o Tribunal a acção parcialmente procedente, declarando a resolução com justa causa do contrato de trabalho celebrado entre a Autora, BB, e a Ré, Associação de Ténis AA, e condenando a Ré a pagar à Autora: a)-€ 20832,82, a título de indemnização por resolução do contrato com justa causa; b)-€ 2245,47, a título de retribuição do período de férias e respectivo subsídio vencidos no ano de 2022, assim como de retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao tempo de serviço prestado neste ano de cessação do contrato; c)-juros de mora devidos sobre as prestações acima fixadas, calculados à taxa legal, vencidos desde a data da citação até definitivo e integral pagamento. Custas a cargo da Autora e da Ré, na proporção do decaimento”.
Alegações da recorrente
2.–Inconformada com a sentença mencionada no parágrafo anterior, a recorrente (ré, empregadora), veio interpor o presente recurso (cf. referência citius 5215044 de 5.6.2023), pedindo o seguinte:
“(...) deve ser revogada a sentença recorrida e propalado douto acórdão que absolva a apelada do pedido de indemnização por resolução do contrato de trabalho. Sem conceder Ainda que se entenda que a resolução do CIT feita pela recorrente o foi com justa causa, a indemnização devida deve ser calculada com base na retribuição não superior a 20 dias por cada ano de antiguidade”. 3.–Nas suas alegações vertidas nas conclusões, a recorrente impugna a decisão de facto e de direito, defendendo, em síntese, meios que o Tribunal agrupa como se segue:
O facto provado 8 deve ser excluído dos factos provados e incluído nos factos não provados, com base na reapreciação dos depoimentos das testemunhas CC e DD que indicaram circunstâncias concretas que contrariam o que foi afirmado pelas testemunhas EE e FF;
Os factos provados anteriores ao dia 31.1.2023 (factos 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18) não são relevantes como fundamento da resolução do contrato de trabalho à luz do disposto no artigo 395.º do Código do Trabalho (CT), tendo em conta que a recorrente recebeu a comunicação da resolução do contrato de trabalho, enviada pela recorrida, em 2.3.2023;
O facto de a recorrente ter atribuído à recorrida a tarefa de digitalizar documentos, não é suficientemente grave para justificar a resolução do contrato pela recorrida;
Ainda que se entenda que houve justa causa para a resolução do contrato pela recorrida, a indemnização não deve ultrapassar a retribuição correspondente a 20 dias por cada ano de trabalho.
Contra-alegações da recorrida
4.–A recorrida contra-alegou (cf. referência citius 5276970 de 13.7.2023), pugnando pela improcedência do recurso, defendendo, em síntese:
O facto provado 8 deve manter-se no acervo dos factos provados pois, embora tenha sido negado por dois dirigentes da recorrida, foi confirmado por outras testemunhas que depuseram de maneira isenta e imparcial;
O valor indemnizatório deve manter-se, por se encontrar dentro dos parâmetros legais e ser adequado ao grau de censura da actuação da recorrente.
Parecer do Ministério Público
5.– O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal da Relação, emitiu parecer (cf. referência citius 204999023 de 30.9.2023), ao abrigo do disposto no artigo 87.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (CPT), pugnando pela improcedência do recurso. Defendeu, em síntese, que:
Deve manter-se o facto provado 8 por resultar dos meios de prova produzidos cuja apreciação não merece censura;
Ainda que assim não se entendesse, segundo as soluções plausíveis de direito, o facto provado 8 é irrelevante para a decisão de mérito;
O motivo da resolução do contrato pela recorrida (trabalhadora) não foi um facto instantâneo, mas uma conduta da recorrente (empregadora) reiterada no tempo, que se manteve de forma ininterrupta, pelo que, à data da resolução do contrato não se encontrava ultrapassado o prazo de 30 dias a que alude o artigo 395.º n.º 1 do CT;
O quantitativo da indemnização deve manter-se em 35 dias de remuneração base por cada ano de antiguidade.
6.– Foi observado o contraditório previsto no artigo 87.º n.º 3 do CPT, não tendo as partes respondido ao parecer mencionado no parágrafo que antecede.
7.– Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre decidir.
Delimitação do âmbito do recurso
8.–Têm relevância para a decisão do recurso as seguintes questões, vertidas nas conclusões: A.-Impugnação da matéria de facto B.-Erro de direito na apreciação dos motivos da resolução do contrato C.-Erro de direito na fixação do quantitativo da indemnização Factos
9.–Nota prévia: os factos provados e não provados serão a seguir agrupados, respectivamente, em dois parágrafos e elencados com a indicação, entre parêntesis, da numeração/alínea, constante da decisão recorrida, para facilitar a leitura e as remissões.
10.–Factos provados:
(1)- Associação de Ténis AA tem como objecto fomentar, regulamentar e dirigir a prática do ténis na Região Autónoma AA, procedendo à inscrição e classificação dos praticantes da modalidade, actualizando os dados estatísticos, promovendo, organizando e fiscalizando competições desportivas, elaborando e publicando calendários oficiais de provas, organizando reuniões, congressos, provas e acções de formação para treinadores e dirigentes da modalidade.
(2)- No tratamento dos aspectos administrativos desta actividade, a Ré dispõe, no local da sua sede, de uma secretaria, aberta ao público.
(3)- Com início em 1 de Setembro de 2002, BB foi admitida ao serviço da Ré para, no interesse e sob as ordens, direcção e fiscalização desta última, desempenhar as funções de ‘primeira escriturária’.
(4)- Mediante uma retribuição base mensal fixada, em Fevereiro de 2022, no valor de € 846,00, com acréscimo de diuturnidades no valor mensal de € 69,75.
(5)- A Autora exercia as suas funções na secretaria da Ré, sendo, até 13 de Outubro de 2020, quem tratava de todo o expediente da actividade administrativa da Ré, com referência ao descrito em 1) e 2).
(6)- Sendo ela, de forma diária, a atender o público e a ser a interlocutora entre praticantes, treinadores, atletas e membros da direcção.
(7)- E tendo em seu poder as chaves de acesso à secretaria e os códigos de alarme das instalações, com os quais abria e encerrava ao público, assim como os códigos de acesso informático.
(8)- Após a tomada de posse de uma nova direcção da Ré, ocorrida em Agosto de 2020, foi referido em reuniões desta direcção, pelos seus membros, em datas e número de vezes não concretamente determinados, que a mesma pretendia que a Autora ‘não continuasse a exercer funções’ ao serviço da Ré.
(9)- Entre 13 de Outubro de 2020 e 28 de Novembro de 2021, a Autora esteve de baixa médica.
(10)- Apresentando diagnóstico de quadro depressivo.
(11)- Em 29 de Novembro de 2021, a Autora, terminada a baixa médica, apresentou-se ao serviço.
(12)- Na altura, o presidente da direcção da Ré encontrava-se fora da Região AA.
(13)- Apresentando-se a Autora ao serviço, a funcionária / estagiária da Ré, GG, então também em funções na secretaria, comunicou-lhe, por determinação do presidente da direcção, que aguardasse o regresso deste último para receber instruções.
(14)- E indicou-lhe, nas mesmas condições, a mesa onde devia ficar.
(15)- Essa mesa estava vazia (sem papel, sem equipamento informático, sem telefone).
(16)- E estava disposta ‘de costas’ para o atendimento ao público.
17.- Na altura, duas outras mesas existentes nesta secretaria estavam a ser utilizadas pelas duas outras funcionárias então ao serviço da Ré neste local, GG e HH.
(18)- A Autora manteve-se sem que lhe fosse atribuída qualquer tarefa, pelo menos nas condições descritas em 14) e 15), até 13 de Dezembro de 2021.
(19)- Nesta última data, os serviços da Inspecção Regional do Trabalho realizaram uma acção de fiscalização às instalações da secretaria da Ré.
(20)- Após esta visita inspectiva, o presidente da direcção da Ré atribuiu à Autora, fazendo referência a um ‘projecto de criação de um centro interpretativo do ténis’, apenas a tarefa de digitalizar fotografias e outros documentos.
(21)- Na execução deste projecto havia que recolher informações com vista a divulgação do conhecimento da prática desta modalidade desportiva.
(22)- Com invocação do descrito em 11) a 18), em 15 de Dezembro de 2021, BB (aqui Autora) requereu contra Associação de Ténis AA (aqui Ré), neste Juízo do Trabalho, procedimento cautelar comum que foi tramitado sob o nº 2766/21.5T8PDL.
(23)- Neste procedimento cautelar comum, em 7 de Janeiro de 2022, as partes celebraram uma transacção, homologada pelo Tribunal na mesma data, com o seguinte teor:
“1.–A requerida reconhece o direito da requerente ao exercício efectivo do conteúdo funcional que sempre exerceu e ocupou, ou seja, as operações administrativas respeitantes à actividade especificada no art. 2º do requerimento inicial, ainda que a requerente tenha de partilhar o mesmo conteúdo funcional com outras colaboradoras. 2.–Em e para concretização do disposto no número anterior, a requerida disponibilizará à requerente os meios necessários, designadamente equipamento informático, chaves de acesso às instalações, código de alarme e passwords informáticas. 3.–Custas a cargo de ambas as partes, em partes iguais, renunciando ambas às custas de parte; no entanto, a requerida aceita proceder à devolução à requerente da importância de € 306,00, reportada a encargo com a taxa de justiça paga”.
(24)- Na sequência do descrito no número anterior, os serviços da Ré entregaram à Autora um computador para utilização no exercício das suas funções.
(25)- E entregaram-lhe, ainda, para que a mesma assinasse e devolvesse, um escrito com o seguinte teor:
“Eu, BB, confirmo que recebi o computador da Associação de Ténis AA com marca Dynabook e uma pasta Targus para o guardar. Confirmo que o computador está a funcionar em condições. Responsabilizo-me pela sua boa utilização e estima do mesmo. Os mesmos terão de ser guardados ao final de cada dia no armário atrás da secretária onde se encontra sentada a funcionária GG. Confirmo que o computador e a pasta nunca sairão da Associação, bem como nunca irei alterar a password do computador e do email que irei utilizar (……gmail.com). Comprometo-me a dar a conhecer à Direcção (Eng. JJ, Eng. KK, Prof. DD e Prof. CC) todos os emails que irei receber bem como a enviar todos os emails com cópia para a Direcção e email da AA (………gmail.com)”.
(26)- Às funcionárias GG e HH também lhes é ordenado pela Ré o envio aos membros da direcção de cópia dos emails enviados e recebidos.
(27)- A partir de 7 de Janeiro de 2023, a única actividade que a Ré atribuiu à Autora no exercício das suas funções foi a de digitalização de documentos, nos termos definidos em 20).
(28)- Não lhe atribuindo qualquer outra tarefa
(29)- E, também a partir de 7 de Janeiro de 2022, a Ré não facultou à Autora as chaves acesso às instalações onde esta exercia as suas funções.
(30)- Assim como o código do alarme no acesso a essas instalações.
(31)- Na mesma altura, as outras duas funcionárias da Ré ao serviço na secretaria, HH e GG, tinham chaves e código do alarme de acesso a estas instalações.
(32)- Tendo como referência os factos descritos em 11) a 18), 20), 23), 25), 27), 28), 29), 30) e 31), a Autora enviou à Ré, mediante carta registada, uma comunicação escrita, datada de 23 de Fevereiro de 2023, com o seguinte teor:
“…comunica nos termos e para os efeitos do disposto no art. 394º, nº 1 e 2, alíneas a), b) e f), do Código do Trabalho, que resolve a partir da data de recepção desta o contrato que a vincula a esta Associação”.
(33)- Tendo a Ré recebido esta comunicação em 2 de Março seguinte.
(34)- Em 2 de Março de 2023, a Ré entregou à Autora a quantia de € 306,00, por conta da prestação mencionada em 23).
11.–Factos não provados:
(a)-dois meses após a sua tomada de posse, o presidente da direcção da Ré comunicasse à Autora, ‘com frequência’, a necessidade de fazer reuniões em período ‘pós-laboral’ que, depois, acabavam por não se realizar;
(b)-até Outubro de 2020, o presidente da direcção da Ré, também ‘com frequência’, deixasse mensagens telefónicas a comunicar à Autora a necessidade de [lhe] o contactar e, depois, respondesse que ‘já não era nada’ ou que ‘se esquecera do que queria’;
(c)-na mesma altura, o presidente da direcção da Ré falasse com a Autora com ‘rudeza’ e rispidez na voz;
(d)-a Autora se encontrasse com um diagnóstico de quadro depressivo, nas circunstâncias descritas em 10), em resultado da acção de algum membro da direcção da Ré;
(e)-o presidente da direcção da Ré, em 29 de Novembro de 2021, não soubesse que a Autora iria apresentar-se ao serviço nessa data;
(f)-o presidente da direcção da Ré tenha determinado que a Autora aguardasse pela sua chegada para lhe destinar serviço, nas circunstâncias descritas em 13), por o computador de serviço estar avariado;
(g)-a Autora, nas circunstâncias descritas em 16), apenas tenha ficado ‘de costas’ para o atendimento ao público na data da acção de fiscalização dos serviços da IRT e no dia em que o seu sogro, acompanhado de uma outra pessoa, ‘apareceu’ nestas instalações,
(h)-a partir de 7 de Janeiro de 2022, o presidente da Ré não mais tenha voltado a falar com a Autora;
(i)-a Ré tenha entregue à Autora qualquer quantia por conta de retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;
j)-quaisquer outros factos com relevância na decisão da presente causa.
Quadro legal relevante 12.–Tem relevo para a apreciação do recurso o quadro legal seguinte:
Código do Trabalho ou CT
Artigo 15.º
Integridade física e moral
O empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respectiva integridade física e moral.
Artigo 29.º
Assédio
1-É proibida a prática de assédio.
2-Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
3-Constitui assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referido no número anterior.
4-A prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização, aplicando-se o disposto no artigo anterior.
5-A prática de assédio constitui contraordenação muito grave, sem prejuízo da eventual responsabilidade penal prevista nos termos da lei.
6-O denunciante e as testemunhas por si indicadas não podem ser sancionados disciplinarmente, a menos que atuem com dolo, com base em declarações ou factos constantes dos autos de processo, judicial ou contraordenacional, desencadeado por assédio até decisão final, transitada em julgado, sem prejuízo do exercício do direito ao contraditório.
Artigo 127.º
Deveres do empregador
1-O empregador deve, nomeadamente:
a) Respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade, afastando quaisquer atos que possam afetar a dignidade do trabalhador, que sejam discriminatórios, lesivos, intimidatórios, hostis ou humilhantes para o trabalhador, nomeadamente assédio;
b) Pagar pontualmente a retribuição, que deve ser justa e adequada ao trabalho;
c) Proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral;
d) Contribuir para a elevação da produtividade e empregabilidade do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional adequada a desenvolver a sua qualificação;
e) Respeitar a autonomia técnica do trabalhador que exerça actividade cuja regulamentação ou deontologia profissional a exija;
f) Possibilitar o exercício de cargos em estruturas representativas dos trabalhadores;
g) Prevenir riscos e doenças profissionais, tendo em conta a protecção da segurança e saúde do trabalhador, devendo indemnizá-lo dos prejuízos resultantes de acidentes de trabalho;
h) Adoptar, no que se refere a segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;
i) Fornecer ao trabalhador a informação e a formação adequadas à prevenção de riscos de acidente ou doença;
j) Manter actualizado, em cada estabelecimento, o registo dos trabalhadores com indicação de nome, datas de nascimento e admissão, modalidade de contrato, categoria, promoções, retribuições, datas de início e termo das férias e faltas que impliquem perda da retribuição ou diminuição de dias de férias.
k) Adotar códigos de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio no trabalho, sempre que a empresa tenha sete ou mais trabalhadores;
l) Instaurar procedimento disciplinar sempre que tiver conhecimento de alegadas situações de assédio no trabalho.
2-Na organização da actividade, o empregador deve observar o princípio geral da adaptação do trabalho à pessoa, com vista nomeadamente a atenuar o trabalho monótono ou cadenciado em função do tipo de actividade, e as exigências em matéria de segurança e saúde, designadamente no que se refere a pausas durante o tempo de trabalho.
3-O empregador deve proporcionar ao trabalhador condições de trabalho que favoreçam a conciliação da actividade profissional com a vida familiar e pessoal.
4-O empregador deve afixar nas instalações da empresa toda a informação sobre a legislação referente ao direito de parentalidade ou, se for elaborado regulamento interno a que alude o artigo 99.º, consagrar no mesmo toda essa legislação.
5-(Revogado.)
6-(Revogado.)
7-Constitui contraordenação grave a violação do disposto nas alíneas k) e l) do n.º 1 e contraordenação leve a violação do disposto na alínea j) do n.º 1 e no n.º 4.
Artigo 129.º
Garantias do trabalhador
1-É proibido ao empregador:
a) Opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como despedi-lo, aplicar-lhe outra sanção, ou tratá-lo desfavoravelmente por causa desse exercício;
b) Obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho;
c) Exercer pressão sobre o trabalhador para que actue no sentido de influir desfavoravelmente nas condições de trabalho dele ou dos companheiros;
d) Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;
e) Mudar o trabalhador para categoria inferior, salvo nos casos previstos neste Código;
f) Transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, ou ainda quando haja acordo;
g) Ceder trabalhador para utilização de terceiro, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;
h) Obrigar o trabalhador a adquirir bens ou serviços a ele próprio ou a pessoa por ele indicada;
i) Explorar, com fim lucrativo, cantina, refeitório, economato ou outro estabelecimento directamente relacionado com o trabalho, para fornecimento de bens ou prestação de serviços aos seus trabalhadores;
j) Fazer cessar o contrato e readmitir o trabalhador, mesmo com o seu acordo, com o propósito de o prejudicar em direito ou garantia decorrente da antiguidade.
k) Obstar a que o trabalhador exerça outra atividade profissional, salvo com base em fundamentos objetivos, designadamente segurança e saúde ou sigilo profissional, ou tratá-lo desfavoravelmente por causa desse exercício.
2-O disposto na alínea k) do número anterior não isenta o trabalhador do dever de lealdade previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo anterior nem do disposto em legislação especial quanto a impedimentos e incompatibilidades.
3-Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.
Artigo 351.º
Noção de justa causa de despedimento
1-Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
2-Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a)Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;
b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;
c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa;
d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto;
e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;
f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas;
g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;
h) Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho;
i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes;
j) Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior;
l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa;
m) Reduções anormais de produtividade.
3-Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Artigo 394.º
Justa causa de resolução
1-Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2-Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante.
3-Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;
b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador;
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
d) Transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho, em consequência da transmissão da empresa, nos termos dos n.os 1 ou 2 do artigo 285.º, com o fundamento previsto no n.º 1 do artigo 286.º-A.
4-A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.
5-Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
Artigo 395.º
Procedimento para resolução de contrato pelo trabalhador
1-O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.
2-No caso a que se refere o n.º 5 do artigo anterior, o prazo para resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador.
3-Se o fundamento da resolução for o referido na alínea a) do n.º 3 do artigo anterior, a comunicação deve ser feita logo que possível.
4-O empregador pode exigir que a assinatura do trabalhador constante da declaração de resolução tenha reconhecimento notarial presencial, devendo, neste caso, mediar um período não superior a 60 dias entre a data do reconhecimento e a da cessação do contrato.
Código Civil
Artigo 396.º
(Força probatória)
A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal.
Doutrina e jurisprudência que o Tribunal leva em conta 13.–O Tribunal leva em conta os seguintes elementos mencionados ao longo da fundamentação:
Doutrina
António Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, II, Almedina
António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.º Edição, Almedina
Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do trabalho, Parte II, 9.ª edição, Almedina
Jurisprudência
Acórdão do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 579/11.1TTCSC.L1.S1
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 3191/20.0T8MTS-A.P1
Apreciação do recurso
A.–Impugnação da matéria de facto 14.–A recorrente defende que o facto provado 8 deve ser incluído entre os factos não provados. Para fundamentar esta pretensão alega que o Tribunal deveria ter conferido maior credibilidade aos depoimentos das testemunhas CCe DD, pelo facto de estes referirem reuniões concretas em que estiveram presentes ao passo que, na óptica da recorrente, os depoimentos das testemunhas EE e FF, nos quais o Tribunal a quo fundou a sua convicção quanto à realidade do facto provado 8, não merecem credibilidade.
15.–Trata-se de saber se está provado ou não que “Após a tomada de posse de uma nova direcção da Ré, ocorrida em Agosto de 2020, foi referido em reuniões desta direcção, pelos seus membros, em datas e número de vezes não concretamente determinados, que a mesma pretendia que a Autora ‘não continuasse a exercer funções’ ao serviço da Ré. 16.–O Tribunal a quo fundamentou assim a sua convicção:
“O facto 8), embora negado pelo presidente da direcção da Ré nas suas declarações de parte, assim como pelo director técnico e pelo vogal desta direcção, respectivamente DD e CC, foi confirmado por EE, membro do conselho técnico da Ré entre Agosto de 2020 e Março de 2021, e, em certa medida, por FF, associado da Ré (e presente em assembleias gerais da mesma). Com efeito, e apreciando todos estes depoimentos, o Tribunal, neste ponto da matéria, privilegiou o de EE, por reunir, actualmente, mais condições para prestar um depoimento isento e objectivo (ao que se afigura, não fez parte da anterior direcção da Ré, também não pertence ou pertenceu à actual, tendo pertencido, sim, ao seu conselho técnico, já durante o mandato desta actual direcção, mas também já tendo saído em Março de 2021), resultando do seu testemunho, pese embora algumas dificuldades na sua audição, pelo menos esta realidade descrita em 8).”
17.–Para resolver a controvérsia, este Tribunal procedeu à audição da prova pessoal gravada nas sessões de 27.3.2023 e 14.4.2023, em particular dos depoimentos mencionados no parágrafo 14 que confrontou com a prova documental junta (cf. sete documentos juntos à petição inicial com referência citius 4954137 de 27.12.2022; não foram juntos documentos à contestação com a referência citius 5032870 de 13.2.2023).
18.–Nesse contexto, importa começar por sublinhar que o depoimento das testemunhas acima indicadas no parágrafo 14 cuja apreciação a recorrente impugna, está sujeito à livre apreciação do Tribunal (cf. artigo 396.º do CC). Das declarações de parte do presidente da direcção da ré, mencionadas no parágrafo 16, resulta que o mesmo não confessou o facto provado 8 (cf. artigos 352.º do CC e 466.º n.º 3 parte final do CPC). À luz dessas regras de direito material probatório, depois de reapreciados tais depoimentos, afigura-se que os mesmos não determinam solução diversa, nem a fundamentação transcrita supra, no parágrafo 16, carece de reponderação com base nos documentos juntos. Na verdade, na apreciação de tais depoimentos não foi violada nenhuma regra vinculativa de direito material probatório que importe rectificar. O Tribunal recorrido explicou por que motivo atribuiu credibilidade ao depoimento da testemunha EE. Ouvido esse depoimento, o Tribunal da Relação julga que o mesmo merece credibilidade pelo facto de essa testemunha ter deposto com isenção, de forma serena, desinteressada e por ter presenciado os factos que narrou. O depoimento da testemunha FF veio confirmar a plausibilidade do depoimento da testemunha EE. Já os depoimentos das testemunhas CCe DD, foram vagos, evasivos, no que diz respeito ao tratamento dado à recorrida pelos órgãos de direcção da recorrente; nessa parte, não obstante as testemunhas indicarem reuniões onde estiveram presentes, o certo é que, quanto ao facto 8, hesitaram, evitaram responder directamente ou responderam com base em suposições sobre o comportamento dos órgãos de direcção da ré, através de afirmações genéricas, conclusivas e parciais. Pelo que, no seu juízo autónomo, o Tribunal da Relação mantém a mesma convicção já expressa pelo Tribunal de primeira instância, quanto à realidade do facto provado 8.
19.–Em consequência, improcede este segmento da argumentação da recorrente. B.–Erro de direito na apreciação dos motivos de resolução do contrato
20.–A recorrente defende que os factos provados (11), (12), (13), (14), (15), (16), (17) e (18) não são relevantes como fundamento da resolução do contrato de trabalho, à luz do disposto no artigo 395.º do CT, uma vez que são anteriores ao dia 31.1.2023 e a recorrente recebeu a comunicação da resolução do contrato de trabalho que lhe foi enviada pela recorrida, em 2.3.2023. Acresce que, na óptica da recorrente, o facto de esta ter atribuído à recorrida a tarefa de digitalizar documentos, não é suficientemente grave para justificar a resolução do contrato pela recorrida.
21.–A esse propósito, é a seguinte a fundamentação da sentença recorrida, posta em crise pela argumentação da recorrente:
“Conjugando todos estes factos, o Tribunal também não tem qualquer dúvida que este comportamento assumido pela Ré, pelo menos a partir do momento em que a Autora regressou de baixa médica, em 29 de Novembro de 2021, é ofensivo, desajustado e atentatório da integridade desta trabalhadora, violando, de forma culposa, os seus direitos e garantias, desde logo o de prestação efectiva de trabalho, sem qualquer obstáculo injustificado, para além do direito de lhe ser dispensado um tratamento digno, respeitador e sem qualquer tipo de hostilidade (cfr. arts. 15º, 127º, nº 1, alínea a), e 129º, nº 1, alínea b), do Código do Trabalho). Um comportamento que, importa reiterar, culminou com a absoluta e manifesta violação do acordo a que as partes haviam chegado num outro processo judicial, processo no qual, do ponto de vista material, e por impulso (necessidade) de BB, já era este o objecto em discussão. O que, no entendimento do Tribunal, também faz preencher (se antes já não acontecia) o requisito causal, no sentido de que tal comportamento, pela sua gravidade e consequências, torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, com apelo, embora de forma mitigada, ao disposto no art. 351º, nº 3, do Código do Trabalho (ex vi art. 394º, nº 4). Assim, ao agir a Ré como agiu neste período compreendido entre 29 de Novembro de 2021 e 23 de Fevereiro de 2022, mais a mais junto de uma trabalhadora então com quase vinte anos de antiguidade, regressada de um período de baixa médica por razões ligadas à sua saúde psicológica (e nem interessa saber qual a origem dessas razões), considera-se que, para um “trabalhador médio”, colocado nesta situação concreta em que a Autora se encontrava, era imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral. O que equivale dizer que BB, ao resolver o seu contrato de trabalho com os fundamentos (de facto e de direito) que invocou, fê-lo com justa causa, com fundamento para o efeito, nos termos do art. 394º, nº 1, 2, alíneas b) e f), do Código do Trabalho.”
22.–Para resolver a controvérsia o Tribunal começa por clarificar a noção de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador, que aqui está em causa.
23.–A noção de resolução traduz a cessação de um contrato por decisão unilateral de uma das partes, neste caso a trabalhadora, quando justificada em certos factos previstos e desde que permitida pela lei e/ou pelo contrato. Em termos técnicos, a resolução é, assim, um direito potestativo que assiste ao trabalhador de, perante um incumprimento, uma impossibilidade ou uma alteração das circunstâncias, invocar o sucedido e manifestar a vontade de pôr fim ao contrato. É nesse contexto que, nos termos do artigo 394.º n.º 1 do CT, ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho. A esse propósito, o artigo 394.º do CT distingue entre as justas causas que correspondem a inadimplementos culposos e, portanto, ilícitos, do empregador (cf. artigo 394.º n.º 2 do CT) e as justas causas assentes em factos objectivos (cf. artigo 394.º n.º 3 do CT) – cf. António Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, II, Almedina, páginas 915, 924 e 1024.
24.–Feito este enquadramento, no caso em análise, o Tribunal a quo julgou tratar-se de uma resolução do contrato de trabalho pela trabalhadora com base nas justas causas previstas no artigo 394.º n.º 2 – b) e f) do CT, ou seja, trata-se de uma situação de justa causa subjectiva de resolução do contrato pela trabalhadora.
25.–Para que exista justa causa subjectiva de resolução do contrato, é necessário que se verifiquem três requisitos (cf. Maria do Rosário Palma ramalho, tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª edição, Almedina, páginas 1139 a 1140):
Um requisito objectivo, que é o comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador, neste caso a violação das garantias legais previstas nos artigos 15.º do CT (direito à integridade física e moral), 127.º n.º 1 – a) do CT (proibição de o empregador praticar actos que afectem a dignidade do trabalhador, que sejam discriminatórios, lesivos, intimidatórios, hostis ou humilhantes para o trabalhador, nomeadamente assédio) e 129.º n.º 1 – b) do CT (proibição de o empregador obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho);
O requisito subjectivo, que é a atribuição desse comportamento ao empregador a título de culpa, sendo de presumir a culpa, nos termos do artigo 799.º do Código Civil (CC); daí resultando uma inversão do ónus da prova, cabia à recorrente (empregadora) demonstrar que a justa causa acima enunciada não procedeu de culpa sua, o que a recorrente não logrou provar;
Um terceiro requisito, que se reconduz à ideia de inexigibilidade da manutenção do vínculo pelo trabalhador, que se retira, nomeadamente, da exigência legal feita pelo artigo 395.º n.º 1 do CT, de que a resolução do contrato seja promovida num lapso de tempo de 30 dias sobre o conhecimento dos factos pelo trabalhador.
26.–Através da sua argumentação, sintetizada no parágrafo 20, afigura-se que a recorrente impugna a verificação do terceiro requisito acima enunciado no parágrafo 25.
27.–Para apreciar essa divergência, o Tribunal recorda, antes de mais, que não está sujeito à alegação das partes no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – cf. artigo 5.º n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 1.º n.º 2- a) do Código de Processo do Trabalho (CPT).
28.–Dito isto, a recorrente invoca dois motivos para impugnar a verificação do terceiro requisito acima enunciado no parágrafo 25, que o Tribunal apreciará à luz dos preceitos legais a seguir indicados. Em primeiro lugar, a recorrente defende que o Tribunal não pode levar em conta os factos provados (11) a (18) como motivo de resolução do contrato, devido ao decurso do prazo. O Tribunal qualifica este argumento como defesa por excepção (cf. artigo 342.º do CC), que será apreciado à luz do regime da caducidade do direito de resolver o contrato com base nos factos (11) a (18), a fim de saber se, relativamente a tais factos, decorreu o prazo de 30 dias previsto no artigo 395.º n.º 1 do CT. Em segundo lugar, a recorrente alega que a justa causa subjectiva é insuficiente pois, verificando-se a caducidade do direito de invocar as restantes causas, a trabalhadora só pode invocar como justa causa da resolução, o facto de lhe ter sido atribuída a tarefa de digitalização de documentos, o que é insuficiente para tornar inexigível a manutenção do contrato de trabalho. O Tribunal apreciará este argumento à luz do disposto no artigo 394.º n.º 4, que remete para o artigo 351.º n.º 3, do CT, a fim de saber se as justas causas apuradas são suficientes para que a trabalhadora ponha termo ao contrato.
29.–Para resolver o primeiro motivo de discordância com a sentença recorrida, enunciado no parágrafo 28, o Tribunal leva em conta que a actuação da recorrente (empregadora) resultante dos factos provados (11) a (32), ocorreu no período compreendido entre 29 de Novembro de 2021 e 23 de Fevereiro de 2022. Importa assim saber se as violações contratuais cometidas foram continuadas, se foram instantâneas com efeitos permanentes ou se, ainda que tenham sido instantâneas, com ou sem efeitos permanentes, foi a sua repetição que tornou grave o comportamento da recorrente a ponto de não ser exigível para a recorrida manter o vínculo laboral. Para isso, é necessário analisar as justas causas de resolução que aqui estão em jogo.
30.–Em síntese, a sentença recorrida julgou terem sido violados os artigos 15.º, 127.º n.º 1 – a) e 129.º n.º 1 – b) do CT e que, as justas causas de resolução foram duas, previstas, respecticvamente, nas alíneas b) e f) do n.º 2 do artigo 394.º do CT, a saber:
(i)-A empregadora obstou injustificadamente à prestação de trabalho (cf. artigo 129.º n.º 1 – b) do CT);
(ii)-A empregadora teve um comportamento hostil, humilhante, ofensivo para a dignidade da trabalhadora, o que constitui assédio e uma violação da integridade moral da trabalhadora (cf. artigos 15.º e 127.º n.º 1- a) do CT).
31.–Começando por analisar a primeira justa causa de resolução enunciada no parágrafo anterior, o que se apurou foi que a recorrente não atribuiu tarefas à recorrida, colocou-a numa mesa virada para a parede, de costas para o atendimento público, atribuiu-lhe passado algum tempo (após a visita da inspecção do trabalho), apenas a tarefa de digitalizar documentos/fotografias, retirou-lhe as chaves de acesso à secretaria, os códigos de acesso às instalações e ao sistema informático. Desta forma a recorrente obstou, injustificadamente, à prestação efectiva de trabalho que, nos termos contratados, resultantes dos factos provados (3) a (7), consistia, para a recorrida, em executar tarefas de primeira escriturária, nomeadamente, tratar do expediente administrativo, atender o público, ser interlocutora entre os praticantes, os atletas, os treinadores e a direcção. As sucessivas violações acabadas de descrever, foram praticadas de forma repetida, num período de tempo de cerca de três meses e, ainda que instantâneas, tiveram todas elas por efeito obstar, de modo continuado, à prestação efectiva de trabalho da autora.
32.–Com efeito, não se apuraram exigências de serviço que justifiquem o comportamento da recorrente descrito no parágrafo anterior. Embora o Tribunal reconheça que a recorrente goza de um amplo poder de direcção da sua empresa/associação, há que considerar que dos factos provados (19) a (21) não resulta que o projecto de criação de um centro interpretativo do ténis implicasse apenas a execução de tarefas de digitalização e não de outras tarefas correspondentes à categoria profissional da recorrida, que era primeira escriturária. O Tribunal constata também que, dos factos provados não resulta em que medida o interesse do serviço ou razões de organização da empresa, justificaram que a recorrida passasse a estar sentada numa mesa de costas para o público (quando fazia parte das suas funções atender o público) e lhe fossem retiradas as chaves e códigos de acesso acima referidos. O que resulta dos factos provados (8), (19) e (21), é que recorrente não pretendia manter a recorrida nos seus quadros de pessoal e a tarefa de digitalização foi atribuída pela recorrente à recorrida após a visita da inspecção do trabalho. Pelo que, de acordo com as regras da experiência, o Tribunal presume de tais factos (cf. artigos 349.º e 351.º do CC) que a recorrente, ao atribuir a tarefa de digitalização à recorrida procurou contornar as consequências negativas que para si poderiam resultar da constatação, pelos serviços da inspecção de trabalho, que a proibição constante do artigo 129.º n.º 1 – b) do CT não estava a ser observada pela empregadora, sem contudo atribuir à recorrida as funções de escriturária que esta desempenhara até então e que correspondiam à sua categoria profissional. Nessa medida, não merece censura a sentença recorrida na parte em que julgou que a recorrente infringiu o disposto no artigo 129.º n.º 1 – b) do CT por obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho pela recorrida.
33.–Tal como já foi explicado supra no parágrafo 31, essa violação contratual por parte da recorrente teve natureza continuada. A esse propósito o Tribunal sublinha que, durante a execução do contrato e de forma permanente, é exigível ao empregador que respeite a proibição constante do artigo 129.º n.º 1 – b) do CT, o que equivale a garantir de forma continuada o direito à ocupação efectiva da trabalhadora. Assim sendo, afigura-se que o comportamento ilícito da recorrente (empregadora) ao não garantir o direito à ocupação efectiva da trabalhadora de forma injustificada, como acima foi explicado, constituiu uma violação continuada. Pelo que, o prazo de caducidade só se iniciou quando foi praticado o último acto de violação do contrato, ou seja o conhecimento da situação ilícita renovou-se enquanto ela se manteve (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 579/11.1TTCSC.L1.S1 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 3191/20.0T8MTS-A.P1, ponto 4). 34.–No que diz respeito à segunda justa causa de resolução acima mencionada no parágrafo 30, importa considerar que dos factos provados (3) a (8) e (11) a (32), resulta, adicionalmente, que o comportamento da recorrente (sintetizado no parágrafo 31, a que acresce a obrigação imposta pela recorrente à recorrida de guardar o computador e a respectiva pasta num armário, ao final do dia, sem que se tenham apurado razões de serviço/organizativas, que o justificassem), foi hostil, humilhante e ofensivo para a dignidade da trabalhadora; ora isso integra a prática assédio, proibida pelo artigo 29.º do CT, além de constituir uma infracção aos deveres do empregador, previstos no artigo 127.º n.º 1- a) do CT e uma violação do direito à integridade moral da trabalhadora, consagrado no artigo 15.º do CT.
35.–Convém clarificar que, da redacção do artigo 394.º n.º 2-b) e f) do CT resulta que, o assédio praticado pelo empregador ou seu representante está previsto como justa causa de resolução do contrato em ambas as alíneas desse preceito, acima mencionadas; com a diferença de que, a alínea f) contém a formulação, ”incluindo a prática de assédio que tenha sido denunciada ao serviço com competência inspectiva na área laboral”, ao passo que a alínea b) não faz referência à denuncia à inspecção do trabalho. Porém, essa formulação do artigo 394.º n.º 2 – f) do CT não afasta a aplicação do artigo 29.º n.º 1 do CT, que proíbe o assédio; de onde resulta que, a prova do assédio não depende da respectiva denúncia às autoridades para constituir justa causa de resolução do contrato de trabalho (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª Edição, Almedina, páginas 1141 a 1142). 36.–Feita esta clarificação, para saber se o assedio corresponde a uma conduta instantânea ou prolongada no tempo, há que levar em conta o artigo 29.º n.º 2 do CT que define o assédio, na modalidade que aqui releva, como “(...) o comportamento indesejado, nomeadamente baseado no factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidatório, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.
37.–Os requisitos que têm de verificar-se para que exista assédio numa das modalidades cobertas pelo artigo 29.º n.º 2 do CT são: (i)- a existência de um comportamento voluntário (embora não intencional); (ii)- indesejado (nomeadamente, mas não obrigatoriamente, discriminatório); (iii)- praticado no trabalho/emprego/acesso ao emprego/formação profissional; (iv)- que tem por objectivo (intenção) ou efeito constranger ou criar um ambiente hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador para o trabalhador.
38.–No caso em análise, o comportamento da recorrente foi voluntário, indesejado pela recorrida, praticado no trabalho, teve por efeito a criação de um ambiente hostil, humilhante e desestabilizador, como resulta dos factos provados (11) a (32). Pelo que, como defende o digno magistrado do Ministério Público no seu parecer, isso já basta para que estejam preenchidos os requisitos do assédio moral exigidos pelo artigo 29.º n.º 2 do CT e, portanto, se verifique a justa causa de resolução prevista no artigo 394.º n.º 2 – b) e f) do CT, independentemente do facto provado (8).
39.–Adicionalmente, porém, resulta do facto provado (8) que o comportamento da recorrente teve por objectivo afastar a recorrida da empresa (mobbing). Ora, essa modalidade de assédio moral (não discriminatório) exige que os actos praticados ocorram durante um determinado período de tempo, de modo repetitivo ou sistemático. É o que se extrai da seguinte doutrina que o Tribunal acompanha (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª Edição, Almedina, página 231): (...) esta modalidade de assédio tem estruturalmente implícita a exigência de um comportamento reiterado e prolongado no tempo (...)”. 40.–Assim, ainda que os factos praticados pela recorrente pudessem ser considerados instantâneos (como parece pretender a recorrente), o certo é que foi a sucessão desses factos que conferiu gravidade à situação e fez com que, a partir de certa altura – com base no assédio moral na modalidade de mobbing – se tornasse inexigível, para a trabalhadora, a manutenção do contrato.
41.–Em consequência, tendo-se apurado que a modalidade de assédio moral aqui em causa teve por objectivo afastar a trabalhadora da empresa (mobbing) e sendo implícito a essa modalidade um comportamento prolongado, reiterado no tempo, afigura-se que o prazo de caducidade em relação a todos os actos que violam a proibição de assédio, só começou a correr a partir da prática do último acto do qual decorre, para a trabalhadora, a percepção de que a situação não é temporária e se tornou de tal modo grave, que não lhe é exigível que mantenha o contrato (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 3191/20.0T8MTS-A.P1, ponto 4 e demais jurisprudência ai citada).
42.–Motivos pelos quais, improcede a excepção de caducidade do direito de resolução do contrato com base nos factos provados (11) a (18).
43.–Para resolver o segundo motivo de discordância da sentença recorrida, enunciado no parágrafo 28 – a insuficiência de justa causa subjectiva – convém levar em conta que, tal como foi explicado supra, contrariamente ao que defende a recorrente, a resolução do contrato, pela trabalhadora, teve por base as causas subjectivas previstas no artigo 394.º n.º 2 – b) e f) do CT e não apenas a atribuição à trabalhadora da tarefa de digitalização. Pelo que importa aferir se tais causas são suficientes para resolver o contrato.
44.–A esse propósito, o artigo 394.º n.º 1 do CT não define o conceito de justa causa, embora contenha uma enumeração (não taxativa) das justas causas. Assim, para aferir concretamente se a justa causa é suficiente para resolver o contrato há que atender ao disposto no artigo 394.º n.º 4 do CT, que remete para os critérios de apreciação da justa causa disciplinar, previstos no artigo 351.º n.º 3 do CT, aqui aplicáveis com as necessárias adaptações. Ou seja, tais critérios não devem ser aplicados à resolução do contrato pelo trabalhador em moldes tão estritos e exigentes como no caso da justa causa disciplinar. Isto porque, na situação em que é o trabalhador a resolver o contrato, por um lado, não há que salvaguardar a segurança no emprego e, por outro lado, o trabalhador não tem alternativa face a situações graves de incumprimento, contrariamente ao empregador, que dispõe de uma escala de sanções disciplinares.
45.–Assim, para avaliar a suficiência das justas causas, o Tribunal acompanha a seguinte doutrina (cf. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.º Edição, Almedina, página 675):
“A inexigibilidade do prosseguimento da relação de trabalho ao trabalhador coloca-se, pois, aquém daquilo que poderia considerar-se “impossibilidade prática”: aqui avulta sobretudo a tutela da liberdade pessoal do trabalhador face a uma situação que lhe causa perturbações graves na vida pessoal; não e preciso que ele caia na mendicidade, ou passe fome, ou entre em depressão profunda.” 46.–Interpretando o disposto no artigo 394.º n.º 4 do CT à luz do critério enunciado no parágrafo anterior, é forçoso constatar que resulta dos factos provados (11) a (32), nomeadamente da duração e da natureza das violações contratuais já acima analisadas, que o comportamento da recorrente causou perturbações graves na vida pessoal da recorrida – eg. tendo dado lugar à instauração de uma providência cautelar, como consta do facto provado (1) – sem ser preciso provar que, em virtude de tais violações, a recorrida caiu em depressão. Nesse contexto, em que avulta a tutela da liberdade pessoal da trabalhadora, afigura-se que existe justa causa para a resolução do contrato de trabalho pela recorrida, não merecendo censura, nessa parte, a sentença recorrida.
47.–Motivos pelos quais, improcede totalmente este segmento da argumentação da recorrente.
C.–Erro de direito na fixação do quantitativo da indemnização
48.–Subsidiariamente, a recorrente defende que a indemnização fixada em 35 dias de retribuição-base e diuturnidades por cada ano de trabalho deve ser reduzida de modo a não ultrapassar os 20 dias de retribuição-base e diuturnidades.
49.–O artigo 396.º do CT estabelece a obrigação da empregadora indemnizar a trabalhadora quando procede uma justa causa subjectiva de resolução do contrato de trabalho.
50.–Essa indemnização é fixada entre os 15 e os 45 dias de retribuição-base e diuturnidades por cada ano de serviço; no caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente – cf. artigo 396.º n.ºs 1 e 2 do CT. Na fixação da indemnização, o Tribunal deve atender ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento da empregadora, não podendo a indemnização total ser inferior a três meses de retribuição-base e diuturnidades.
51.–No caso em análise, a retribuição base-mensal da recorrida era no valor de € 846,00 e as diuturnidades no valor mensal de € 69,75 – cf. facto provado (4). O grau de ilicitude do comportamento da recorrente é elevado, atendendo ao número e à natureza das violações cometidas (cf. artigo 394.º n.º 2 – b) e f) do CT), à sua duração, à persistência do comportamento ilícito da recorrente que se manteve mesmo após a visita da inspecção do trabalho, e aos incómodos causados à recorrida, nomeadamente com a instauração de uma providência cautelar – cf. factos provados (11) a (32). Pelo que, afigura-se que a fixação da indemnização devida pela recorrente à recorrida, no valor correspondente a 35 dias de retribuição-base e diuturnidades por cada ano completo de serviço e sua fracção (proporcionalmente), é adequada aos critérios previstos no artigo 396.º n. ºs 1 e 2 do CT, não merecendo censura a sentença recorrida nessa parte.
52.–Motivos pelos quais improcede este segmento da argumentação da recorrente
Em síntese 53.–Improcede a impugnação da matéria de facto uma vez que, não tendo sido violada pelo Tribunal a quo nenhuma regra de direito probatório material no que respeita à apreciação dos meios de prova sobre o facto (8), no seu juízo autónomo, o Tribunal da Relação mantém a mesma convicção já expressa pelo Tribunal de primeira instância, quanto à realidade do facto provado (8), assente na livre apreciação da prova testemunhal acima indicada (cf. artigo 396.º do CC).
54.–Improcede a excepção de caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho com base nos factos provados (11) a (18) uma vez que as violações contratuais apuradas, num caso, são de natureza continuada (violação da proibição de obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho, constante do artigo 129.º n.º 1 – b) do CT) e, no outro caso, implicam a prática de um comportamento reiterado e prolongado no tempo (assédio moral com a intenção de afastar a trabalhadora da empresa, proibido pelo artigo 29.º n.ºs 1 e 2 do CT). Pelo que, o decurso do prazo de 30 dias previsto no artigo 395.º n.º 1 do CT só começa a contar, relativamente a tais violações, a partir da prática do último facto.
55.–Para aferir a existência de justas causas de resolução, neste caso as previstas no artigo 394.º n.ºs 2 - b) e f) do CT, há que interpretar com as necessárias adaptações, o critério previsto no artigo 351.º n.º 3 do CT, para o qual remete o artigo 394.º n.º 4 do CT. Nessa interpretação, avulta sobretudo a tutela da liberdade pessoal da trabalhadora face a uma situação, como a que se apurou nos presentes autos, que lhe causou perturbações graves na vida pessoal. Em conformidade, existe justa causa de resolução do contrato pela trabalhadora.
56.–À luz do disposto no artigo 396.º n.ºs 1 e 2 do CT, o valor da indemnização fixado pelo Tribunal a quo em 35 dias de retribuição-base e diuturnidades por cada ano de trabalho ou sua fracção, afigura-se adequado ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento da empregadora, apurados nos autos.
57.–Motivos pelos quais improcede totalmente o recurso, devendo ser confirmada a decisão recorrida
Decisão
Acordam os Juízes desta secção em:
I.–Julgar totalmente improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
II.–Condenar a recorrente nas custas do recurso – artigo 527.º n.º 1 do CPC aplicável ex vi artigo 87.º n.º 1 do CPT.