ARRENDAMENTO
SIGNIFICADO DA EXPRESSÃO: «O CONTRATO FICA SUBMETIDO AO NRAU»
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
INDICAÇÃO DA DATA DO TERMO DO CONTRATO: PERSPECTIVA SUBSTANCIAL E PROCESSUAL
FINALIDADE DO RECURSO
Sumário


I - Quando a Lei n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 31/2012, determina que, em função das circunstâncias ali previstas, «o contrato fica submetido ao NRAU», isso quer dizer duas coisas:
- em primeiro lugar e pela positiva, quer dizer que fica submetido ao conjunto de normas integrado pelos artigos art.ºs 1022 a 1113 do Código Civil;
- em segundo lugar e pela negativa, quer dizer que não lhes são mais aplicáveis, as normas transitórias constantes, concretamente, no que ao caso releva, do art.º 28º da Lei n.º 6/2006 e, em virtude do mesmo, o art.º 26º, n.º 3 da mesma Lei, as quais só se aplicam aos contratos não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro, que não transitaram para o NRAU, nomeadamente porque o senhorio não tomou a iniciativa nesse sentido.
II - Do ponto de vista substancial, a data do termo final do contrato e, assim, a data em que o locado deve ser restituído, integra o conteúdo imprescindível da comunicação de oposição à renovação.
III - No entanto, admite-se que operem as regras de interpretação e se possa discernir em tal comunicação uma intenção de oposição à renovação do contrato para a data do termo final da duração ou renovação que estiver em curso.
IV - Mas do ponto de vista processual, a interpretação da comunicação de oposição à renovação e a possibilidade de considerar extinto o contrato em outra data que não a indicada pelo senhorio, depende de nisso o mesmo manifestar interesse, por modo processualmente adequado e oportunamente contraditado.
V - No nosso sistema jurídico, os recursos destinam-se a permitir a reponderação da decisão recorrida, constituindo, assim, um instrumento para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que foram objecto de decisão e que se consideram mal decididas e não para conhecer de questões novas, não apreciadas e discutidas na instância recorrida.

Texto Integral


Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais e mudança de relator) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente na Rua ..., em Lisboa (aqui Recorrente), propôs uma acção sob a forma de processo comum, contra BB, residente na Avenida ..., em ..., ..., e Outros (aqui Recorridos), pedindo que

· fosse declarada válida e eficaz a oposição efectuada por si à renovação do contrato de arrendamento que, como senhoria, a liga aos Réus, arrendatários, sendo assim declarada a resolução do dito contrato;

· fossem os Réus condenados a proceder à desocupação do imóvel objecto do mesmo contrato, devendo aquele ser-lhe entregue, livre de pessoas e bens;

· fossem os Réus condenados no pagamento de uma indemnização mensal, no valor correspondente ao da renda até à efectiva entrega do locado.

Alegou para o efeito, e em síntese, que, tendo sido celebrado em 1966 um contrato de arrendamento urbano, onde os ora Réus (BB e Outros) figuram hoje como arrendatários, veio o dito contrato, em 01 de Janeiro de 2014, a transitar do regime vinculístico para o NRAU; e, por isso, passou a consubstanciar um novo contrato de arrendamento, com o prazo inicial de 5 anos.

Mais alegou que, tendo o dito prazo decorrido em 31 de Dezembro de 2018, e tendo-se o arrendamento renovado por um ano (isto é, até 31 de Dezembro 2019), opôs-se, por carta de 29 de Janeiro de 2019, a nova renovação, carta essa recebida pelos Réus (BB e Outros).

Por fim, alegou que, não obstante o referido, os Réus (BB e Outros) não lhe entregaram o local.

1.1.2. Regularmente citados, os Réus (BB e Outros) contestaram, pedindo que se julgasse a acção improcedente, sendo eles próprios absolvidos da instância, em virtude de excepções arguidas; e deduziram pedido reconvencional, pedindo que a Autora (AA) fosse condenada a pagar-lhes a quantia de € 75.000, a título de indemnização por benfeitorias, acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Alegaram para o efeito, quando à improcedência da acção, que o contrato de arrendamento que os liga à Autora (AA) foi celebrado em 1971, por escritura pública, para nele ser instalado o Museu ...  - e não em 1966, alegadamente para habitação -, sendo por isso a petição inicial inepta (por contradição entre o pedido e a causa de pedir).

Mais alegaram que, de qualquer modo, o contato de arrendamento invocado pela Autora (AA), de 1966 (além de falso, no que ao destino do arrendamento diria respeito), sempre seria nulo, por falta de forma.

Já no que ao pedido reconvencional diz respeito, os Réus (BB e Outros) alegaram terem sido feitas obras de vulto no edifício, que discriminaram, a expensas suas, precisamente para permitir a instalação do dito Museu ....

Mais alegaram que as ditas obras consubstanciariam benfeitorias necessárias e úteis, pelo que teriam direito a ser indemnizados pelo seu valor, invocando ainda um direito de retenção próprio, até ao pagamento da quantia reclamada a esse título.

1.1.3. A Autora (AA) replicou, pedindo que se julgasse a reconvenção improcedente e reiterando os seus pedidos iniciais.

Alegou para o efeito, em síntese, impugnar todas as obras invocadas pelos Réus (BB e Outros) a título de benfeitorias; e defendeu que, ainda que as ditas obras fossem reais, o direito à indemnização por benfeitorias estaria expressamente excluído em ambos e sucessivos contratos de arrendamento invocados nos autos (desse modo estando igualmente excluído qualquer direito de retenção sobre o imóvel).
 
1.1.4. Tendo a Autora (AA) sido convidada, em sede de audiência prévia, a pronunciar-se sobre as excepções (de ineptidão da petição inicial e de nulidade do contrato de arrendamento em causa) deduzidas pelos Réus (BB e Outros), veio fazê-lo, defendendo a sua improcedência.

Alegou para o efeito, em sínese, terem-se sucedido, entre as mesmas partes e sobre o mesmo prédio, dois contratos de arrendamento, um de 1966, destinado à habitação e que não carecia de escritura pública, e outro de 1971, destinado a fim não habitacional, que exigia a respectiva celebração por escritura pública, como de facto sucedeu. Logo, inexistiria qualquer nulidade do contrato de arrendamento agora vigente entre as partes.
Mais alegou ser a causa de pedir dos autos consubstanciada pela sua oposição à renovação do dito contrato de arrendamento; e o pedido neles formulado de condenação dos Réus a desocuparem o imóvel. Logo, inexistiria qualquer ineptidão da petição inicial, nomeadamente fundada na contradição entre o pedido e a causa de pedir.

1.1.5. Foi proferido despacho: admitindo o pedido reconvencional; fixando o valor da acção em € 78.525,00; saneador (certificando a validade e a regularidade da instância, nomeadamente julgando improcedente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial); identificando o objecto da lide e enunciando os temas da prova; apreciando os requerimentos probatórios das partes e designando dia para realização da audiência final.

1.1.6. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente e não conhecendo do pedido reconvencional (por prejudicado por aquela anterior decisão), lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
III. Decisão.
Pelo exposto:
Julga-se a acção totalmente improcedente e não provada, nos termos sobreditos, absolvendo-se os RR do pedido.
Não se aprecia o pedido reconvencional deduzido pelos Reconvintes, porque dependente do formulado pela A, nos termos do art. 266º nº 6 CPC.
Não se considera ter ocorrido litigância de má-fé, pelo que não se condena nenhuma das partes, a tal título.

*
Custas (acção e reconvenção) pela A. (arts. 527 nº 2 e 536º nº 3, CPC).
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformada com esta decisão, a Autora (AA) interpôs recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse provido, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se a mesma por decisão a julgar a acção procedente e o pedido reconvencional totalmente improcedente.
           
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

I. A presente ação de despejo foi intentada pela Autora, ora Recorrente, em virtude de ser proprietária de imóvel arrendado aos Réus, ora Recorridos, e de os mesmos se manterem a ocupar tal imóvel pese embora a oposição à renovação do arrendamento por si atempadamente comunicada.

II. Entendeu o Tribunal a quo que a oposição à renovação do arrendamento foi ineficaz e que, como tal, não se poderia considerar o contrato de arrendamento resolvido.

III. O presente recurso vem, assim, interposto da sentença que: i) julgou a ação totalmente improcedente e não provada e absolveu os Réus do pedido; ii) não apreciou o pedido reconvencional deduzido pelos Reconvintes, por dependente do formulado pela Autora e iii) considerou não ter ocorrido litigância de má-fé.

IV. Entende a Recorrente que a decisão de que se recorre fez incorreta aplicação do disposto nos artigos 236º e 1054º do Código Civil, bem como dos artigos 610º, 611º de 615º do Código de Processo Civil.

V. Ora, com a transição para o NRAU, o contrato de arrendamento objeto dos autos passou a ter a duração de 5 anos, sendo que na carta de transição para o NRAU, não foi proposto, previsto nem acordado o prazo para a sua renovação.

VI. O artigo 1054º do Código Civil estabelece, genericamente para a locação, que, findo o prazo do arrendamento, o contrato se renova por períodos sucessivos, se nenhuma das partes o tiver denunciado no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei, sendo o prazo da renovação igual ao do contrato, mas apenas de um ano se o prazo for mais longo.

VII. A Autora entendeu ser esse o preceito aplicável ao arrendamento sub-judice, considerando que, por um lado, a transição para o NRAU determinou a alteração da duração do contrato, mas não o prazo das suas renovações e, por outro lado, que tal prazo era o previsto nos contratos “anteriores” e aceite pelas partes.

VIII. Os Réus, ora Recorridos, aceitaram o fim do arrendamento não obstante invocassem um direito de retenção sobre o imóvel por força de benfeitorias alegadamente realizadas.

IX. Era, pois, inequivocamente, o entendimento das partes que o prazo de renovação era anual e que o tribunal a quo, no entanto, decidiu ultrapassar e desconsiderar, o que, de resto se entende configurar um excesso de pronúncia, nos termos do nº 1 do artigo 615º do CPC, nulidade que para todos os efeitos se invoca.

X. Mas mesmo que se considerasse que o prazo de renovação era de 3 anos e não de 1 ano e, portanto, que tal prazo terminava a 31.12.2021, sempre teria de se considerar que a oposição à renovação comunicada, porque realizada com a antecedência maior do que a lei exigia, era e é eficaz, ainda que com referência ao prazo de 31.12.2021 e não ao prazo indicado na carta de 31.12.2019.

XI. Precisamente a este propósito se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 10 de Setembro de 2020, Processo nº 25874/18.5T8LSB.L1-2, decidindo, como não podia deixar de ser, que a data da cessação indicada na carta de oposição à renovação é acessória, sendo antes essencial a transmissão aos inquilinos de que a senhoria decidiu, legitimamente, pôr termo ao contrato no seu termo, direito que a lei lhe confere.

XII. A oposição à renovação comunicada não podia deixar de ser entendida e interpretada nos termos do artigo 236º do Código Civil, isto é, no sentido de que visava a oposição à renovação do contrato, independentemente da data em que tal ocorresse.

XIII. A declaração de oposição à renovação do contrato pelo senhorio não pode deixar de ser entendida por qualquer inquilino como o propósito do senhorio de pôr fim ao contrato no termo do prazo corrido em conformidade com a devida antecedência da comunicação (art. 236º, nº 1, do C.C.), independentemente da data expressamente indicada.

XIV. O mesmo é dizer que não é o período da renovação em curso que releva, mas antes aquele definido pela antecedência da comunicação, no caso inequivocamente respeitada.

XV. Deveria, pois, o Tribunal a quo ter decidido pela eficácia da oposição à renovação ainda que produzindo efeitos para data posterior à indicada na comunicação e, nessa sequência, ter condenado os Réus na entrega do imóvel uma vez que se encontrava ultrapassada a referida data.

XVI. Na verdade, não faz qualquer sentido, que o senhorio, comunicando ao inquilino, com a antecedência prevista na lei, a sua decisão de oposição à renovação, mas indicando data incorreta para entrega do imóvel, perca o “direito” a ver - no final do prazo correto, naturalmente - cessado o arrendamento.

XVII. Aceitar o contrário, constituiria uma inaceitável sobreposição do direito adjetivo, que é instrumental, sobre o direito substantivo.

XVIII. Por outro lado, e considerando que a sentença sob recurso deve ser revogada e substituída por decisão que, considerando eficaz a comunicação de oposição efetuada, condene os Réus na entrega do imóvel, não se desconhece que deverá então a decisão pronunciar-se também sobre o pedido reconvencional - pedido que se consubstancia na condenação da Autora no pagamento aos Réus de valor despendido em benfeitorias.

XIX. A este propósito sempre se dirá que, mesmo que os Réus tivessem logrado fazer prova do valor gasto (não por si sequer, mas pelo primitivo inquilino) em obras - que não fizeram, conforme resulta dos factos dados como não provados - a verdade é que, da prova documental, leia-se dos contratos de arrendamento que permitiram que tais obras acontecessem, resulta claro que as partes expressamente previram que quaisquer benfeitorias não dariam lugar nem a indemnização nem a qualquer direito de retenção.

XX. Pelo que nunca o pedido reconvencional poderia proceder - em ambos os contratos, as partes - senhoria e inquilino - previram expressamente que quaisquer obras realizadas pelo inquilino não conferiam ao arrendatário o direito a indemnização.

XXI. O mesmo é dizer que da prova documental decorre, necessariamente, a improcedência do pedido reconvencional.

XXII. Termos em que deve ser julgado procedente o recurso, sendo revogada a decisão recorrida e substituída por outra que declare eficaz a oposição à renovação efetuada e julgue improcedente o pedido reconvencional apresentado pelos Réus, Recorridos, assim se fazendo JUSTIÇA.
*
1.2.2. Contra-alegações
Os Réus (BB e Outros) apresentaram contra-alegações, pedindo que se julgasse o recurso improcedente.
           
Concluíram as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

a) Os Réus consideram que o que está posto em causa como elemento determinante da decisão é o prazo de renovação do contrato de arrendamento dos autos, sendo as demais questões suscitadas, subsidiárias desta.

b) Teremos assim que nos debruçar sobre o regime legal que regula esta matéria dos contratos com prazo certo e da sua renovação automática, que se encontrava em vigor na data de 01 de janeiro de 2019, a considerada ser a da renovação do contrato.

c) O artigo 1094º nº 1 do Cód. Civil consagra que o contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada - aplicável ao caso ex vi artigo 1110º nº 1 do Cod. Civil.

d) O contrato de arrendamento dos autos considera-se um contrato novo, celebrado com prazo certo, por força do regime de transição para o NRAU que lhe foi aplicado. - 33º nº 4 b) (aplicável por força do artigo 52º).

e) De acordo com o nº 2 do artigo 1110º do Cod Civil, previa-se para os contratos de arrendamento para fins não habitacionais, na falta de estipulação, o período de cinco anos.

f) A norma transitória do art. 26º do NRAU, com a versão dada pela Lei nº 79/2014 de 19.12 determina no seu nº 3 que os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente pelo período de três anos, quando se trate de arrendamento não habitacional.

g) Temos assim que o contrato de arrendamento com prazo certo celebrado entre as partes com efeitos a 01.01.2014, renovou-se em 01.01.2019 pelo prazo de 3 anos, passando a ter o seu termo em 31.12.2021.

h) Concluindo como na douta sentença, que o prazo de renovação é obrigatoriamente de 3 anos, a oposição à renovação emitida pela Autora em 29.01.2019 para produzir os seus efeitos em 31.12.2019, não poderia ser eficaz, uma vez que o contrato tinha o seu fim previsto para 31.12.2021.

i) A Autora deu entrada da ação em juízo em 03.03.2020, pedindo que fosse declarada válida e eficaz a declaração de oposição à renovação invocando a resolução do contrato de arrendamento ocorrida em 31.12.2019, para sustentar o pedido de desocupação e entrega do imóvel locado.
           
j) Não pode assim deixar de se considerar que o primeiro pedido formulado pela Autora de que fosse declarada válida e eficaz a oposição à renovação do contrato de arrendamento, não está em linha com a verificação da caducidade do contrato de arrendamento por efeito da mesma oposição à renovação por parte da Autora, uma vez que esta ainda não podia ter produzido os seus efeitos à data em que o mesmo pedido foi formulado.

k) Temos que analisar o regime jurídico que estava em vigor na data em que a oposição à renovação deveria produzir os seus efeitos: 31.12.2021, pois que entretanto em vigor a Lei 13/2019 de 12.02. que aditou os números 3 e 4 ao artigo 1110º do Cod. Civil, que ampliam para cinco anos o prazo de renovação automática dos contratos como o dos autos.

l) De acordo com este preceito legal, tendo o prazo inicial de duração do contrato de cinco anos terminado em 31.12.2018, este renovou-se automaticamente por mais cinco anos, por força do referido nº 3 do artigo 1110º do Cod. Civil, pelo que apenas termina em 31.12.2023, tendo em conta o novo regime legal imediatamente aplicável.

m) O Tribunal não estava impedido de decidir como decidiu não se verificando-se um excesso de pronúncia, como suscita a Autora, uma vez que a reforma que ocorreu na lei processual civil foi marcada por uma preocupação de prevalência da decisão de mérito sobre a decisão de forma, o que se evidencia por um claro reforço do princípio do inquisitório, dos poderes de direção do processo pelo juiz.

n) Que, ocorrendo frequentemente o efeito jurídico corresponder à estatuição de diversas disposições substantivas, e sendo o Tribunal livre na indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, conforme determina o artigo 664º do Cod Proc Civil,

o) Não se verifica violação do princípio do dispositivo se o juiz, atendo-se aos factos alegados, decide com base na consideração de que o contrato de arrendamento se renovou pelo prazo de três anos e não de um ano, como as partes teriam considerado, tanto mais que estamos em presença de direitos indisponíveis e interesses de ordem pública.

p) Temos que concluir que a declaração de oposição à renovação emitida pela Autora em 29.01.2019 foi ineficaz, mantendo-se, assim, em vigor o contrato de arrendamento, sendo, por isso, legítima a ocupação do locado pelos Réus, enquanto aquele não se extinguir por forma válida.

q) No momento em que a ação entra em juízo a Autora não era titular do direito de que se arrogou, pois a oposição à renovação do contrato não tinha produzido os seus efeitos, pelo que, como bem se refere na douta sentença, ninguém pode mover uma ação, esperando que os factos constitutivos do seu direito se venham a verificar no decurso da ação.

r) O disposto no artigo 611º do Cod Proc Civil não pretende que o Tribunal venha a alterar a causa de pedir, sustentando a decisão numa concreta diversa data daquela que figura na petição inicial como aquela em que nasceu o direito que sustenta o pedido.

s) Acrescendo o artigo 621º do Cod Proc Civil que prevê, como fundamento da absolvição do pedido, a situação em que o facto condicionante do direito não está verificado, declarando-a impeditiva da constituição de caso julgado que obste à renovação do pedido quando a condição se verifique.

t) De qualquer modo, o contrato de arrendamento só termina em 31.12.2023 pelo que jamais poderia a ação proceder, mesmo na tese defendida pela Autora que não se aceita.

u) Concordamos que a declaração emitida pela Autora é uma declaração de vontade correspondente ao exercício de um direito potestativo que implica a caducidade do contrato, e que, por força dessa declaração, o contrato extingue-se no final do prazo ou renovação, não operando a sua renovação automática.

v) Só em 31.12.2023 a declaração pode produzir os seus efeitos, o que faz com que o contrato de arrendamento se mantenha plenamente em vigor até a sua extinção no final do prazo ou renovação, dado o regime que entrou em vigor da Lei nº 13/2019 de 12.02, que estendeu o prazo de renovação do contrato para cinco anos.

w) A declaração emitida pela Autora tinha que ser correta e exata quanto ao momento em que deveria terminar o contrato de modo a vincular os inquilinos ora Réus, o que de facto não aconteceu, ao referir-se na carta como data de produção de efeitos da oposição 31.12.2019, quando deveria ser 31.12.2021, - no entender da douta sentença - o que torna a declaração ineficaz.

x) Uma vez decidida a improcedência da ação, o Tribunal a quo não tomou posição sobre o pedido reconvencional, pelo que não pode o mesmo vir a ser apreciado na presente apelação, ao contrário do que pretende a Autora.

y) Não merece assim censura a douta sentença recorrida, embora entendam os Réus que o contrato de arrendamento dos autos se renovou por mais cinco anos, terminando o prazo certo em 31.12.2023.
*
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [1].

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

2.2.1. Identificação das questões
Mercê do exposto, e do recurso interposto pela Autora (AA), quatro questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem (sendo que o sentido da resposta dada a cada uma das precedentes poderá prejudicar o conhecimento das subsequentes):

1.ª - É a decisão recorrida nula, por ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento (subsumindo-se desse modo ao disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d), II parte, do CPC) ?

2.ª - (Respondendo-se negativamente à 1.ª questão) Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente ao ter considerado ser de três anos o prazo de prorrogação do contrato de arrendamento dos autos (e não de um ano) ?

3.ª - (Respondendo-se negativamente à 2.ª questão) Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente ao ter considerado que não podia diferir para o termo da concreta prorrogação contratual em curso que considerou (de três anos) a manifestação de vontade da Autora em não lhe suceder qualquer outra (vinculando-a ao pedido de que não ocorresse a concreta renovação que situou no final do decurso do primeiro - que tinha como único - ano da antecedente) ?

4.ª - (Respondendo-se afirmativamente à 3.ª questão) Deverá o pedido reconvencional ser julgado totalmente improcedente (por não se terem provados os factos que consubstanciavam a realização e o valor das obras invocadas, como por se encontrar expressamente excluído do contrato de arrendamento em causa o direito a indemnização por quaisquer benfeitorias e o respectivo direito de retenção) ?
*
2.2.2. Ordem do seu conhecimento
Lê-se no art.º 663.º, n.º 2, do CPC, que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º».

Mais se lê, no art.º 608.º, n.º 2, do CPC, que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

Ora, tendo sido invocada pela Recorrente (AA) a nulidade da decisão proferida pelo Tribunal a quo (vício que, a verificar-se, obsta à sua validade), deverá a mesma ser conhecida de imediato, e de forma prévia às restantes questões objecto aqui de sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento das demais [3].
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III - QUESTÃO PRÉVIA

3.1. Nulidades da decisão judicial versus Erro de julgamento
As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou à sua validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art.º 615.º, do CPC [4].
  
Ora, não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar [5], desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades».

Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 132 e 133).
*
3.2. Nulidades da sentença
3.2.1. Excesso de pronúncia
Lê-se no art.º 615.º, n.º 1, al. d), II parte, do CPC, e no que ora nos interessa, que «é nula a sentença quando»:

. excesso de pronúncia - «O juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

Em coerência, e de forma prévia, lê-se no art.º 608.º, n.º 2, do CPC, que o juiz não «pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

«Questões», para este efeito, são «todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes» (Antunes Varela, RLJ, Ano 122.º, pág. 112); e não podem confundir-se «as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão» (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 143) [6].

Logo, «questões» são aqui os pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções, e não também as «razões» ou os «argumentos» invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287, com bold apócrifo).

Compreende-se, por isso, que se afirme que «as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, e o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa» (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1979, pág. 220).
           
Esta nulidade colhe o seu fundamento quer no princípio do dispositivo (que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual), quer no princípio do contraditório, com isso significando que - em sede de processo civil, onde se discutem e dirimem conflitos de natureza privada, e não pública - o tribunal não pode resolver o conflito de interesses sem que a resolução lhe seja pedido por uma das partes, e sem que a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.

Compreende-se, por isso, que se lesse no art.º 264.º, n.º 2, do anterior CPC, que «o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514.º e 665.º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa»; e no art.º 664.º do mesmo diploma que «o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264.º».

Contudo, com a última reforma do CPC, mantendo-se o respeito pelo princípio do dispositivo, deu-se mais um passo no sentido da busca de uma justiça cada vez mais substancial/material e menos formal, lendo-se agora no art.º 5.º, n.º 1 e n.º 2 do actual CPC que, cabendo às partes «alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas», serão ainda considerados pelo juiz os «factos instrumentais que resultem da instrução da causa», os «factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar», e - tal como outrora - os «factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções»; e mantendo-se no n.º 3 da mesma disposição que «o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito».
*
3.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, veio a Autora (AA) recorrente arguir a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, por alegada violação do art.º 615.º, n.º 1, al. d), II parte, do CPC.

Com efeito, e segundo ela, nunca tendo os Réus (BB e Outros) «invocado, nem na resposta» à «comunicação» (carta) que ela própria lhes endereçou, «nem nesta ação judicial a ineficácia da oposição à renovação», «reconhecendo que o contrato de arrendamento em que foram inquilinos terminou, ainda que invocassem um direito de retenção sobre o imóvel por força de benfeitorias alegadamente realizadas», sendo «inequivocamente (…) entendimento das partes quanto aos termos do contrato em vigor e ao prazo da sua renovação» que este último era de um ano, não poderia depois o tribunal a quo decidir «ultrapassar e desconsiderar», defendendo que afinal aquele prazo era de três anos, por isso «configurar um excesso de pronúncia, nos termos do nº 1 do artigo 615º do CPC» [7].
 Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não lhe assiste razão.

Com efeito, foi a própria Autora (AA) quem, no final da sua petição inicial, enunciou como primeiro pedido que seja «declarada válida e eficaz a oposição à renovação efectuada pela Autora e, assim, ser declarada a resolução do contrato de arrendamento» (bold apócrifo).

Ora, sendo esta uma das questões indiscutivelmente submetidas à apreciação do Tribunal a quo, não poderia o mesmo deixar de a conhecer e decidir, de acordo com a que fosse a sua interpretação da lei aplicável, não estando para o efeito vinculado à interpretação que dela fosse feita pelas partes, conforme art.º 5.º, n.º 3, do CPC [8].

Dir-se-á ainda que a posição antes assumida pelos Réus (BB e Outros) terá radicado num erro sobre o Direito aplicável, e não sobre qualquer renúncia  a direito de que fossem titulares, que sempre pressuporia o prévio conhecimento de que o mesmo lhes assistia, o que nada nos autos permite afirmar [9].
Dir-se-á, por fim, que o entendimento do Tribunal a quo, se desconforme com a correcta interpretação e aplicação do Direito aos factos, consubstanciará um erro de julgamento, e não um excesso de pronúncia.

Com efeito, poderá, e muito legitimamente, a Autora (AA) discordar do julgamento de facto e de Direito realizados e, consequentemente, da decisão neles apoiada; mas a eventual razão que lhe possa assistir não comina de nulidade a sentença recorrida (nomeadamente, por excesso de pronúncia), justificando antes um pedido de reponderação do assim ajuizado (igualmente impetrado pela Recorrente).

Improcede, assim, o único fundamento da arguição de nulidade que alegadamente afectaria a sentença recorrida (por excesso de pronúncia).
*
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

4.1. Factos provados
Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, resultaram provados os seguintes factos (sendo aqui apenas completados nos termos do art.º 607.º, n.º 4, do CPC - nomeadamente, com base nos documentos neles já referidos -, reordenados - lógica e cronologicamente, conforme a realidade histórica que é suposto retratarem [10] -, e reidentificados):

1 - AA (aqui Autora) é a actual proprietária do imóvel sito na Rua ..., na união das freguesias dos ... e CC, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...76 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...08 da referida união das freguesias dos ... e ....
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1)

2 - BB e Outros (aqui Réus) são os actuais inquilinos do referido imóvel por sucessão hereditária de BB, e este por ser único filho de DD, sendo que os quatro últimos Réus já pelo decesso da filha de BB, EE.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2)

3 - O gozo do imóvel em causa havia sido, originalmente, cedido, pelo prazo de «um ano e seguintes», por AA (falecida tia da Autora) a DD (falecido), em .../.../1966, através de acordo reduzido a escrito, denominado «Contrato de Arrendamento», registado no serviço de Finanças em 24 de Agosto de 1966, constando que se destinava à «habitação do arrendatário» e que «a renda mensal é [era] de cem escudos» (documento junto aos autos com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 3)

4 - Do acordo reduzido a escrito, referido no facto provado anterior, constava, ainda, que ao «inquilino não é permitido fazer obras a não ser as de conservação, limpeza ou benfeitorias, sem autorização do senhorio por escrito e devidamente reconhecida, ficando estipulado que as que fizer ficam pertencendo ao prédio, não podendo o inquilino alegar retenção ou pedir por elas qualquer indemnização».
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 6)

5 - Com o consentimento de AA, DD deu início às obras de recuperação, adaptação e construção (acrescento) do imóvel, para aí ser instalado um Museu ..., pois até então o imóvel, que era destinado a arrumos, apresentava sinais de grande degradação, com uma parte em ruína.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 4)

6 - DD realizou as obras no imóvel, a expensas suas e todas com a anuência de AA.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 18)

7 - Tais obras consistiram, no imóvel referido em 1):
· Demolição da parede em alvenaria de xisto do alçado principal ao nível do 1.º piso e reconstrução da mesma em alvenaria de granito com face à vista pelo exterior;
· Acabamento interior da mesma parede com argamassa de cimento e areia e pintura interior;
· Substituição do telhado existente em todo o edifício por nova estrutura de madeira e vigas, barrotes, forro e ripas, revestido igualmente a telha cerâmica;
· Substituição do soalho do 1.º piso por soalho em madeira de castanho com tábuas macheadas;
· Acabamentos interiores das restantes paredes em argamassa de cimento e areia posteriormente pintado;
· Execução de acabamento do piso térreo e logradouro exterior frontal em cimento;
· Instalação de cinco 5 janelas e de 3 portas, com montagem;
· Construção de muro de vedação exterior frontal em alvenaria de pedra de xisto e granito;
· Instalação de um portão de 2 folhas nesse muro;
· Instalação eléctrica completa.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 19)

8 - Com vista acomodar veículos clássicos e charretes, com o consentimento de AA, DD procedeu à ampliação do imóvel, construindo uma nova ala, no alçado lateral esquerdo do imóvel pré-existente, com cerca de 130 m2, aproveitando a existência de um terreno contíguo.
Tal ampliação foi feita em construção tradicional, incluindo paredes envolventes e divisórias com acabamento e pintura, estrutura de telhado em madeira e revestimento a telha cerâmica (telha luso), pavimento em cimento no piso inferior e no piso superior em soalho com tábuas macheadas de madeira de castanho, e abertura de vãos de ligação em alvenaria de pedra e xisto na ligação entre os dois edifícios e instalação eléctrica.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 20)

9 - Tais obras foram realizadas antes de 18 de Maio de 1971.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 21)

10 - Aquando da inauguração do Museu ..., AA esteve presente.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 22)

11 - Por escritura pública de 18 de Maio de 1971, denominada de «Arrendamento», AA declarou ceder o gozo do imóvel em causa, mediante contrapartida pecuniária mensal, a DD, que declarou aceitar, constando que se destinava «a nele ser instalado um Museu ..., que aliás ali se encontra em funcionamento» e que «é feito pelo prazo de um ano, prorrogável por iguais períodos de tempo e tem o seu início em 1 de Junho próximo» (documento junto aos autos com a contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 5)

12 - Do acordo reduzido a escritura pública, referido no facto provado anterior, consta, ainda, que «por quaisquer benfeitorias efectuadas pelo arrendatário este não terá direito a indemnização e todas elas ficam fazendo parte integrante do prédio».
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 7)

13 - A 23 de Setembro de 2013 foi enviada pela Autora (AA) ao 1.º Réu (BB), que a recebeu, carta com proposta de transição de contrato para o NRAU (documento junto aos autos com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido), passando o contrato a ser de prazo certo, com a duração de 3 anos, e a renda mensal de € 136,00, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Na qualidade de proprietária e senhoria da loja sita na Rua ..., de que V. Exa. é arrendatário, venho comunicar e propor o seguinte:

1. De acordo com a Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto os contratos de arrendamento ainda não sujeitos ao Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU) devem transitar para este regime em conformidade com as regras estabelecidas na Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, alterada pela referida Lei n.º 31/2012.

2. Assim sendo, ao abrigo do artigo 50.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, propõe-se que o referido contrato de arrendamento transite para o regime do NRAU e passe a ser de prazo certo, com a duração de 3 anos, passando a renda mensal a ser no montante de € 136 (Cento e trinta e seis euros).

3. O valor do locado, avaliado nos termos do artigo 38.º e seguintes do Código do Imposto Municipal de imóveis, constante da respectiva caderneta predial, que se junta, é de € 21 190 euros.

4. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 51.º da Lei n.º 6/2006, o arrendatário tem o prazo de 30 dias para responder. A falta de resposta da V./parte vale como aceitação da renda, bem como do tipo e duração do contrato propostos, ficando o contrato submetido ao NRAU a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao do termo do prazo de 30 dias cima referido.
(…)»
 (facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 8)

14 - O 1.º Réu (BB) respondeu à Autora (AA) por carta de 16 de Outubro de 2013 (documento junto aos autos com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido), informando que não aceitava a proposta, propondo uma renda de € 117,75 e que o contrato, passando a ser de prazo certo, tivesse a duração mínima de 5 anos, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Em resposta à carta datada de 23 de Setembro, na qualidade de inquilino da loja (Museu ...) sita na Rua ... no lugar do ..., venho declarar para os fins do disposto no art.º 51 da Lei N.º 31/2012 de 14 de Agosto que não aceito o valor da renda proposta por V. Exa. Nem concordo com a alteração do tipo e duração do contrato igualmente propostos na mesma carta.

Antes, seguindo o regime previsto no referido diploma, proponho que a renda seja de € 117.75 (cento e dezassete euros e setenta e cinco centavos) nos termos do disposto no art.º 35, n.º 2, a) e que o contrato a ter que ser por prazo certo, passe a ter a duração mínima de 5 anos.
(…)»
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 9)

15 - A Autora (AA) não respondeu, nem no prazo de 30 dias, nem noutro.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 10)

16 - A 29 de Janeiro de 2019, a Autora (AA) enviou aos Réus (BB e Outros), em conjunto, uma carta registada com aviso de recepção (documento junto aos autos com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido), e na qual lhes comunicava que se opunha à próxima renovação do contrato de arrendamento, lendo-se nomeadamente na mesma:
 «(…)
Na qualidade de senhoria do prédio sito na Rua ... no lugar do ..., faço referência ao contrato de arrendamento com prazo certo celebrado em 1971 com BB.

Venho, ao abrigo do disposto nos artigos 1054º nº 2, 1110 nº 1 e 1097º, todos do Código Civil, comunicar formalmente a V. Exas a minha oposição à renovação do contrato de arrendamento, que tem por objecto o prédio afecto ao Museu ....

Com efeito, decorrido o prazo de duração inicial do contrato de 5 anos, a que V. Exas. expressamente aludem na v/ carta datada de 13.03.2014, e estando em curso renovação que termina no final deste ano, comunico, desde já, a minha oposição, permitindo, assim que V.Exas., com a devida antecedência, desocupem e entreguem o imóvel até ao dia 31 de Dezembro de 2019.
(…)»
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 11)

17 - Durante o ano de 2019, os Réus (BB e Outros) fizeram saber à Autora (AA) que estavam interessados na aquisição do imóvel supra referido.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 12)

18 - Em Novembro de 2019, os Réus (BB e Outros), em conjunto, através de notificação judicial avulsa (documento junto aos autos com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido), recebida pela Autora (AA) em 04 de Dezembro de 2019, concluem designadamente serem titulares de um crédito de «75.000€» correspondente «ao conjunto das benfeitorias» realizadas no prédio, e que aí descrevem, concluindo que «enquanto não forem pagos da referida quantia de benfeitorias manterão o prédio em seu poder», no exercício «do seu direito de retenção», lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
3. Os Requerentes foram surpreendidos em 04.02.2019 por uma carta que lhes foi dirigida pela Notificanda dando conta que se opunha à renovação do contrato de arrendamento, que tinha sido celebrado em 18 de maio de 1971 com o inquilino DD, que tem por objeto o prédio afeto ao “Museu ...” – o identificado em 1 acima.
4. Pretendendo a Notificanda que a declarada oposição à renovação produza efeitos em 31 de dezembro de 2019, data em que solicita a entrega d mesmo prédio desocupado.
5. Sucede que, quer especialmente antes da entrada em vigor do contrato de arrendamento, quer mesmo durante a sua vigência, o inquilino DD realizou no prédio inúmeras obras de reparação e recuperação integral do mesmo, de modo a que pudesse vir a servir o fim a que se destinou e que se previa de longuíssima duração como é timbre de um museu e foi vontade expressa pelos então outorgantes antecessores da proprietária e dos inquilinos.
(…)
13. O conjunto de benfeitorias descritas no ponto 7 anterior, que licitamente foram realizadas por DD no prédio, antes do início da vigência do contrato de arrendamento, sempre foram conhecidas, reconhecidas e autorizadas pela antecessora da Notificanda.
 14. Atendendo ao tempo decorrido desde a execução dessas obras, o valor devido neste momento para efeitos de indemnização pelas benfeitorias feitas, deverá ser não inferior a 75.000,00 €, montante este por que o prédio tem, pelo menos, o seu valor hoje devidamente incrementado.
(…)
17. Razão pela qual, enquanto não forem pagos da referida quantia de benfeitorias manterão o prédio em seu poder como lhes confere, designadamente o disposto nos artigos 754º, 759º do C Civil.
(…)»
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 15)

19 - Por carta com aviso de recepção, datada de 04 de Dezembro de 2019, remetida a todos os interessados em conjunto (documento junto aos autos com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido), a Autora (AA) recusou a venda, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Agradeço o vosso interesse na aquisição do prédio sito na Rua ... no lugar do ... de que sou senhoria. Não é, no entanto, de momento, nossa intenção vender o referido prédio.

Mais chamo a atenção para a necessidade de desocupar o imóvel até à data de 31 de Dezembro e a entrega da chave nessa data, de acordo com a minha carta de oposição à renovação do contrato de arrendamento de Janeiro último.
(…)».
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 13)

20 - A Autora (AA) declarou «a cessação do arrendamento» à Autoridade Tributária, com data de 31 de Dezembro de 2019 (conforme documento junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 17)

21 - Até à presente data, os Réus (BB e Outros) não entregaram o imóvel.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 14)

22 - Os Réus (BB e Outros) continuam a realizar, mensalmente, transferências para a Autora, (AA) no valor da respectiva contrapartida pecuniária.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 16)

23 - O imóvel, actualmente, necessita de diversas intervenções, nomeadamente ao nível de uma das paredes exteriores, que apresenta uma fissura estrutural, dos pisos, tectos e coberturas, mas também dos pavimentos interiores e respectivos rebocos de acabamento (com várias fissuras), dos vãos de portas e janelas e do sistema eléctrico.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 23)

24 - Por deliberação de 05 de Novembro de 2020, a Câmara Municipal ... atribuiu o reconhecimento e protecção do Museu ..., sito no ..., como entidade de interesse histórico e cultural ou social local.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 24)
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4.2. Factos não provados
O Tribunal de 1.ª Instância considerou que não «se provaram quaisquer outros factos, com relevo para decisão e tendo em conta o ónus da prova», e designadamente, que:

a) AA tenha emprestado o imóvel a DD, e no ano de 1965;

b) com as obras, o imóvel viu o seu valor incrementado em € 75.000;

c) nas obras, foram utilizados materiais grosseiros e desadequados, que provocaram deslocamentos e desnivelamentos da cobertura e das paredes;

d) o Museu ... é actualmente pouco mais do que o objectivo do elogio da família dos Réus (BB e Outros).
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V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

5.1. Contrato de arrendamento para fins não habitacionais - Transição para o NRAU
5.1.1. Contrato de arrendamento para fim não habitacional - Previsão legal

Lia-se no art.º 36.º, da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, que o «contrato de arrendamento de prédios urbanos não carece de ser reduzido a escrito (1.)»; e, na «falta de título, entender-se-á que o prédio é arrendado para habitação e pelo prazo de seis meses» (2.).

Mais se lia, no art.º 37.º, do mesmo diploma, que «devem constar de escritura pública» os «arrendamento para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal» (1. al. b)); e a «falta de escritura», «no caso da alínea b)», fará com que o contrato seja «absolutamente nulo e não poderá ser admitido em juízo nem invocado perante qualquer autoridade ou repartição pública».

Posteriormente, 01 de Junho de 1967, entrou em vigor o CC de 1966, lendo-se no art.º 3.º, do Decreto-Lei n.º 47.344, de 25 de Novembro de 1966 que, «desde que principie a vigorar o novo Código Civil, fica revogada toda a legislação civil relativa às matérias que esse diploma abrange, com ressalva da legislação especial a que se faça expressa referência»; e no art.º 4º do mesmo diploma esclareceu-se que «todas as remissões feitas em diplomas legislativos para o Código Civil de 1967 consideram-se feitas para as disposições correspondentes ao novo código».

Ora, neste novo diploma previa-se igualmente a existência de arrendamentos para fins não habitacionais, lendo-se expressamente no seu art.º 1086.º, n.º 1, que o «arrendamento pode ter por fim a habitação, a actividade comercial ou industrial, o exercício de profissão liberal ou outra aplicação lícita do prédio».

Em 15 de Novembro de 1990, viria a entrar em vigor um novo Regime do Arrendamento Urbano [11], lendo-se no Diploma Preambular que «é revogado o direito anterior relativo às matérias reguladas no Regime do Arrendamento Urbano, designadamente: a) Os artigos 1083º a 1120º do Código Civil» (art.º 3.º); e que se  consideram «as remissões feitas para os preceitos revogados» como «efectuadas para as correspondentes normas do Regime do Arrendamento urbano» (art.º 4.º).

De novo se previa a existência de arrendamentos para fins não habitacionais, lendo-se expressamente no seu art.º 3.º que o «arrendamento urbano pode ter como fim a habitação, a actividade comercial ou industrial, o exercício de profissão liberal ou outra aplicação lícita do prédio».

Precisa-se, porém, que enquanto os arrendamentos para comércio ou indústria celebrados antes do RAU tinham todos duração indeterminada (por força do regime vinculístico, que sucessivas alterações legislativas foram consagrando e mantendo), com a publicação do RAU veio permitir-se que as partes pudessem doravante, nos novos contratos a celebrar, «convencionar um prazo para a duração efectiva» destes arrendamentos, «desde que a respectiva cláusula seja inequivocamente prevista no texto do contrato, assinados pelas partes», e desde que o prazo em causa não fosse inferior a cinco anos, renovando-se os ditos contratos «automaticamente no fim do prazo, por igual período, se outro não estiver expressamente estipulado, quando não sejam denunciados por qualquer das partes» (art.ºs 117.º, 98.º, n.º 2 e 118.º, n.º 1, com bold apócrifo).

Em 28 de Junho de 2006 entrou em vigor o Novo Regime do Arrendamento Urbano [12], lendo-se no seu art.º 60.º, n.º 1 e n.º 2 que «é revogado o RAU, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, com todas as alterações subsequentes, salvo as matérias a que se referem os artigos 26.º e 28.º da presente lei», pelo que «as remissões legais e contratuais para o RAU consideram-se feitas para os lugares equivalentes do NRAU, com as adaptações necessárias».

Manteve-se, agora novamente no CC, a previsão da existência de arrendamentos não habitacionais, lendo-se expressamente no seu art.º 1067.º que «o arrendamento urbano pode ter fim habitacional ou não habitacional» (n.º 1), sendo que, «quando nada se estipule, o local arrendado pode ser gozado no âmbito das suas aptidões, tal como resulta da licença de utilização» (n.º 2); e, na falta desta, «o arrendamento vale como habitacional se o local for habitável ou como não habitacional se o não for, salvo se outro destino lhe tiver vindo a ser dado» (n.º 3).

Também o NRAU prosseguiu e acentuou a atenuação do anterior regime vinculístico, afirmando-se - mas de novo apenas quanto aos novos contratos a celebrar - que as «regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes» (art.º 1110.º, n.º 1); e, na «falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de 10 anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano» (art.º 1110.º, n.º 1 e n.º 2, do CC, na redacção inicial que lhe foi dada pelo NRAU, tendo depois o referido prazo de 10 anos sido reduzido para 05 anos, pelo art.º 2.º da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto).

O regime do arrendamento urbano viria ainda a ser alvo de profundas alterações, nomeadamente pela Lei n.º 31/2012, de 12 de Agosto [13], a qual procedeu à revisão do seu regime jurídico, alterando nomeadamente o CC, o CPC e o NRAU.

5.1.2. Transição (do contrato vinculístico) para o NRAU
No art.º 1º, al. b), da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, assume-se expressamente a intenção de alterar «o regime transitório dos contratos de arrendamento celebrados antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, reforçando a negociação entre as partes e facilitando a transição dos referidos contratos para o novo regime, num curto espaço e tempo» [14].
Estabelece-se, porém, para o efeito um procedimento extraordinário, sendo a negociação do novo contrato integrado num verdadeiro processo negocial obrigatório[15].

Lê-se, então, no art.º 50.º do NRAU (com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, única considerada nesta parte do acórdão), aplicável aos arrendamentos para fim não habitacional, que a «transição para o NRAU e a actualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando: o valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos (alínea a); o valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI constante da caderneta predial urbana (alínea b); cópia da caderneta predial urbana (alínea c)».

Face, então, àquela comunicação do senhorio (de pretensão de transição do contrato para o NRAU e de actualização extraordinária de renda), o arrendatário deverá responder-lhe no prazo de 30 dias, a contar da sua recepção, aceitando o novo valor de renda, opondo-se a ela, pronunciando-se quanto ao tipo e duração do contrato propostos pelo senhorio, ou denunciando o contrato (art.º 51.º, n.º 1 e n.º 3, do NRAU, sempre na redacção dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto de 2012). Opondo-se ao valor de renda proposto, terá então ele próprio de propor novo valor (art.ºs 51.º, n.º 3, al. b), 52.º e 33.º, n.º 1, todos do NRAU).
           
Caberá, depois, ao senhorio, caso não aceite o valor proposto pelo arrendatário, «actualizar a renda de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º, considerando-se o contrato celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos a contar da referida comunicação» (art.º 33.º, n.º 5, al. b), do NRAU).
Nada dizendo, porém, o senhorio, a sua «falta de resposta» «vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo arrendatário»; e o mesmo «fica submetido ao NRAU a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da receção, pelo arrendatário, da comunicação prevista no n.º 1 ou do termo do prazo aí previsto (art.º 33.º, n.º 4, aplicável ex vi do art.º 52.º, I parte, do NRAU).

Logo, esta actualização de renda «tem, acrescidamente, uma dimensão específica: a de transformação ex lege do contrato vinculístico», que passa a ser de duração limitada (Fernando Gravato de Morais, «As Novas Regras Transitórias na Reforma do NRAU (Lei 31/2012», Julgar, n.º 19, Janeiro/Abril 2013, Coimbra Editora, págs. 13 a 36).

Compreende-se, por isso, que se afirme que «estas alterações legislativas não visam apenas as correcções das rendas mas também a modificação do regime contratual, com a transição dos contratos anteriores a 1990 para o regime do NRAU - art.º 30.º da L.6/2006, na redacção dada pela L.31/2012.

Consigna-se que tudo quanto foi dito até agora (e ainda alguns outros parágrafos mais adiante), constava do projecto inicial apresentado pela Relatora (vencida) Exma. Senhora Desembargadora Dra. Maria João Matos e que obteve a integral adesão do colectivo.

Impõe-se determo-nos na expressão utilizada pelo art.º 33º n.º 4 da Lei n.º 6/2006, de 27/02 – «o contrato fica submetido ao NRAU» – mas que, com formulações mais ou menos idênticas, aparece em outras disposições legais, como seja o art.º 26º, n.º 1 da mesma Lei – «passam a estar submetidos ao NRAU».

O acrónimo «NRAU» significa, como está expresso no art.º 1º da Lei n.º 6/2006, «Novo Regime do Arrendamento Urbano»
Em virtude desta Lei, este «regime» passou a ser constituído pelas normas do Código Civil que o diploma alterou – art.º 2º -, pelas normas que o diploma aditou ao Código Civil – art.º 3º - e por todo um outro conjunto de normas de outros instrumentos legislativos que o diploma alterou ou aditou.
E por isso Jorge Pinto Furtado, in Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 4ª edição revista e actualizada, 2022, pág. 68, refere, de forma impressiva:
“Em suma, aquilo que se denomina de Novo Regime do Arrendamento Urbano não é uno, mas um vasto e vário complexo de normas que formam, por, assim dizer, permita-se-nos a metáfora, uma galáxia jurídica.”

E a seguir refere (ainda pág. 68) e acompanhamos:
“Podemos, pois, salientar que, neste vasto complexo, avultam dois importantes sub-sistemas: o constituído pelas normas que se realojaram no Código Civil, formando os seus arts. 1022 a 1113 impostos pelos arts. 2º e 3º NRAU, e o constante dos art.ºs 28º a 58º, subordinado à epigrafe Normas transitórias.”
           
E termina concluindo, pág. 69, conclusão que acompanhamos:
“Transitar ou submeter-se ao NRAU quererá, portanto, dizer, se bem nos parece, que passa a reger-se pelo subsistema constante do CC.”

Assim, quando a Lei n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 31/2012, determina que, em função das circunstâncias ali previstas, «o contrato fica submetido ao NRAU», isso quer dizer duas coisas:
- em primeiro lugar e pela positiva, quer dizer que fica submetido ao conjunto de normas integrado pelos artigos art.ºs 1022 a 1113 do CC;
- em segundo lugar e pela negativa, quer dizer que não lhes são mais aplicável, logicamente, as normas transitórias constantes, concretamente, no que ao caso releva, do art.º 28º da Lei n.º 6/2006 e, em virtude do mesmo, o art.º 26º, n.º 3 da mesma Lei, as quais só se aplicam aos contratos não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro, que não transitaram para o NRAU, nomeadamente porque o senhorio não tomou a iniciativa nesse sentido.

E diz-se logicamente porque não faria sentido o legislador ter implementado um mecanismo negocial “acelerado” de transição dos contratos mais antigos para o NRAU e, portanto, para o regime constante do Código Civil, com as alterações introduzidas, nomeadamente, pela Lei n.º 6/2006 e depois, manter, quanto a eles, a aplicabilidade de normas de direito transitório material, que “estabelecem uma regulamentação própria, não coincidente nem com a LA nem com a LN, para certas situações que se encontram na fronteira entre as duas leis. " (cfr. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, pág. 230).

Os contratos que “transitaram” para o NRAU não estão na fronteira entre a lei antiga (LA) e a lei nova (LN); passaram definitivamente para o âmbito de aplicação da lei nova (LN).

Transitando o contrato para o novo regime do arrendamento urbano, passa, para todos os efeitos e como expressivamente se refere no Ac. do STJ, de 18.09.2018, Fernanda Isabel Pereira, Processo n.º 8346/15.7T8LSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, a ser um contrato novo.

Esta sujeição ao novo regime tem a sua maior inovação na transformação daqueles contratos em “contratos com prazo certo” findo o qual o senhorio pode opor-se a sua renovação sem necessitar de qualquer justificação. Enquanto no regime anterior, por força de imposição vinculística, estava vedado ao senhorio opor-se a essa renovação, o que, na prática, transformava esses contratos, embora com prazo formalmente fixado, em contrato “sem prazo” para o senhorio» (Ac. da RL, de 26.02.2015, Teresa Soares, Processo n.º 713/14.5YLPRT.L1-6).

Relativamente à forma destas comunicações, nomeadamente a de transição do contrato para o NRAU e de actualização da renda, deverá a mesma ser realizada «mediante escrito assinado pelo declarante» e «remetido por carta registada com aviso de recepção» para «o local arrendado», ou «entregue em mão» (art.º 9.º, n.º 1,n.º 2 e n.º 6, do NRAU, na redacção já referida supra).
No caso de haver «pluralidade de arrendatários», «a comunicação do senhorio é dirigida (…) a todos os arrendatários», excepto se «a posição do destinatário estiver integrada em herança indivisa», devendo então a comunicação ser «dirigida ao cabeça-de-casal, salvo indicação de outro representante» (art.º 11.º, n.ºs 4 e 5, do NRAU, sempre na mesma redacção considerada).

O não cumprimento das regras relativas à forma e destinatário da comunicação tem como consequência a ineficácia da comunicação, tudo se passando como se ela não tivesse tido lugar [16].
*
5.1.3. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, tendo sido celebrado pelos antecessores das partes, em 18 de Maio de 1971, por escritura pública, um contrato de arrendamento não habitacional (nomeadamente, tendo por objecto um espaço destinado à instalação de um museu), o mesmo ficou submetido ao regime vinculístico, isto é, teve-se por celebrado por tempo indeterminado, e sem que o respectivo senhorio (hoje, a aqui Autora) lhe pudesse por fim, excepto por violação das obrigações que dele decorriam para o arrendatário (hoje, aqui Réus).
           
Mais se verifica que, tendo entrado em vigor a redacção que foi dada ao NRAU pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, a Autora (AA), na sua qualidade de senhoria, por  meio de carta dirigida ao 1.º Réu (BB), em 23 de Setembro de 2013, propôs-lhe que o contrato de arrendamento em causa transitasse para o novo regime, passando a ter um prazo certo de 3 anos e uma renda mensal de € 136,00; e que o 1.º Réu (BB), por carta de 16 de Outubro de 2013, não o aceitou, contrapropondo que o prazo do contrato passasse a ter como duração mínima 5 anos e que a renda mensal fosse de € 117,75.
           
Verifica-se ainda que a Autora (AA) nada respondeu, nem nos 30 dias seguintes, nem posteriormente, comportando-se doravante todas as partes em conformidade com a posição de resposta assumida pelo 1.º Réu (BB).
           
Logo, tendo a carta da Autora (AA) sido enviada a 23 de Setembro de 2013, tendo  a resposta do 1.º Réu (BB) sido remetida a 16 de Outubro de 2013, tendo a Autora 30 dias para lhe responder (isto é, até 16 de Novembro de 2013), e ficando o contrato  submetido ao NRAU (com o sentido já acima expresso, ou seja, ficou submetido às regras do Código Civil) a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao do termo da resposta possível do senhorio, o dos autos ficou submetido àquele novo regime legal a partir de 01 de Janeiro de 2014 [17].

5.2. Oposição à renovação do contrato com prazo certo
5.2.1. Prazo da renovação
Lia-se no art.º 1110.º, n.º 1, do CC (integrado na Subsecção VII, de disposições especiais aplicáveis ao arrendamento para fins não habitacionais), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, que as «regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação».

No entanto, o n.º 2 estabelecia: «Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.»

Ou seja: numa deficiente técnica legislativa, na falta de estipulação quanto à duração do contrato, o n.º 1 do art.º 1110º mandava aplicar o disposto quanto ao arrendamento para habitação, olvidando que o n.º 2 dispunha, precisamente, sobre a duração do contrato, na falta de estipulação.

Quanto à oposição à renovação, na falta de estipulação pelas partes (uma vez que ainda nos encontramos, nesta matéria, no domínio da autonomia privada) [18], era-se devolvido ao art.º 1096.º, n.º 1, do CC (integrado na Subsecção VII, de disposições especiais aplicáveis aos arrendamentos para habitação), onde se lia, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º  31/2012, de 14 de Agosto que, salvo «estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração».

Tendo em consideração o já referido no ponto 5.1.2. - a transição para o NRAU significa a transição para o sistema de normas que se encontram no Código Civil -, não se acompanha a sentença recorrida quando recusou a aplicação do art.º 1096º do CC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, tendo antes aplicado o art.º 26º n.º 3 da Lei n.º 6/2006, na redacção da Lei n.º 79/2014, de 19/12.

Ficava, por isso, afastado, quer para os arrendamentos habitacionais (de forma directa), quer para os arrendamentos não habitacionais (por remissão), o regime geral aplicável à locação, previsto no art.º 1054.º, n.º 2, do CC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º  31/2012, de 14 de Agosto, onde se lê que, findo  «o prazo do arrendamento, o contrato renova-se por períodos sucessivos se nenhuma das partes se tiver oposto à renovação no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei» (n.º 1); e o «prazo da renovação é igual ao do contrato», sendo porém, «apenas de um ano, se o prazo do contrato for mais longo» (n.º 2).

Logo, não assiste razão à Recorrente (AA), quando defende nos autos, que o prazo de prorrogação automática do dito contrato era de um ano e que se opôs eficazmente à que, de outro modo, teria lugar no dia 01 de Janeiro de 2020.

5.2.2. Manifestação de vontade de oposição à renovação -
O art.º 1097.º, n.º 1, al. b), do CC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, passou a dispor que “O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte: (…) b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos”, acrescentando o n.º 2 que “A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.”

Prevê-se, assim, uma forma própria de extinção do contrato de arrendamento urbano com prazo certo (art.ºs 1095.º e seguintes, do CC) - por oposição à sua renovação automática -, distinta da denúncia, aplicável aos contratos de arrendamento urbano  com duração indeterminada (art.ºs 1099.º e seguintes, do CC) [19] , havendo, ainda assim, quem entenda que se trata de uma «denúncia indirecta» [20].

Precisando-se, está-se perante uma declaração de vontade livre/discricionária (sem necessidade de invocar qualquer motivo), unilateral e recepctícia (art.º 224.º, n.º 1, do CC), que tem por finalidade fazer cessar um vínculo contatual, correspondendo a um direito potestativo, ainda que a sua eficácia dependa de ter sido cumprida a antecedência exigida relativamente ao fim do prazo em curso. 
É, pois, um meio mediato ou indirecto de extinção do contrato, na medida em que actua impedindo a sua renovação/prorrogação automática (findo o prazo inicial, ou de prévia renovação) (e que Jorge Pinto Furtado, in Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 4ª edição, revista e actualizada, 2022, pág. 445, considera ser distinta da caducidade).

A lei exige, para a eficácia de declaração do senhorio, que seja dada a conhecer ao inquilino a sua vontade de oposição à renovação contratual automática (isto é, de que a mesma não se dê), e que essa declaração seja emitida com a antecedência legalmente exigida face à data em que a extinção ocorrerá (por forma a que o mesmo possa oportunamente diligenciar pela obtenção de um novo local onde exercer a actividade que desenvolvia, ou prosseguir o fim que aí assegurava). Precisa-se, porém, que o que seja a «antecedência legalmente exigida» afere-se à data em que deverá ser exercida [21].

Compreende-se, por isso, que se afirme que a «oposição à renovação é um poder (potestativo), livre (discricionário) e unilateral, dependente apenas da manifestação de vontade do senhorio e sua comunicação, nos termos e condições legalmente definidos, ao inquilino (declaração receptícia), enquanto meio de impedir que, por via da renovação automática tácita, a vigência do contrato se perpetue» (Ac. da RL, de 24.05.2022, Micaela Sousa, Processo n.º 7855/20.0T8LRS.L1-7).

A lei não contem quaisquer exigências quanto ao conteúdo da comunicação.

Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano - Novo Regime Anotado e legislação Complementar, 3ª edição, Lisboa, Quid Juris, 2009,págs. 459-460 referem que, em «princípio, a comunicação do senhorio para se opor à renovação deverá ser efectuada por carta na qual identifique o locado, a renda, a data do início do contrato e o respectivo prazo, contendo uma manifestação inequívoca de que pretende opor-se à renovação. Para que não se levantem dúvidas a este respeito, é aconselhável referir precisamente que “se vem opor à renovação”, indicando a data da cessação do contrato».

Mas a jurisprudência tem sido mais exigente.

Assim o Ac. desta RG de 31/01/2019, processo 103/18.5T8AMR.G1, in www.dgsipt/jtrg, em cujo sumário consta:
“Operando a oposição à renovação por comunicação à contraparte, nos termos previstos no artigo 1097.º, n.º 1, do CC é manifesto que tal declaração deve ser inequívoca no sentido da oposição à renovação, reportada ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação”

E levando mais longe tal exigência, o Ac. desta RG, de 21.05.2022, proc. 1426/19.1T8VCT.G1, in www.dgsipt/jtrg refere:
“ (…) a oposição à renovação/denúncia é um poder (potestativo), livre (discricionário) e unilateral, dependente apenas da manifestação de vontade do senhorio e sua comunicação, nos termos e condições legalmente definidos, ao inquilino (declaração receptícia), enquanto meio de impedir que, por via da renovação automática tácita, a vigência do contrato se perpetue.
Prevalece na respectiva decisão o interesse do oponente/denunciante e menospreza-se o da contraparte, irrelevando a sua vontade, não sendo sequer necessária a declaração de aceitação.
A vontade daquele e a sua expressão formal carecem, porém, de ser certas, inequívocas, seguras, de modo a vincular ao consequente efeito querido/produzido o inquilino e a poder ser-lhe exigível o respectivo acatamento (entrega) e a sanção respectiva (indemnização pelos prejuízos decorrentes da eventual recusa).
Tal deve suceder quanto ao momento tido em vista para a produção de efeitos, especialmente quando este (…) é atreito a divergências interpretativas do regime legal….”

E mais adiante afirma:
“Sendo, pois, a data da renovação a considerar um “elemento necessário”, parece também que ele não deixa de ser “essencial” para garantir a salvaguarda dos direitos do inquilino habitacional de maneira a estabelecer, com clareza e certeza, a sua obrigação e não deixar esta e o respectivo cumprimento ou as consequências da recusa dependentes de qualquer factor de aleatoriedade, emane ele da comunicação emitida, da interpretação do receptor ou das obscuridades do sistema legal.
A inequivocidade e certeza da vontade do senhorio em impedir a renovação do contrato parece que deverá, pois, exigir-se também quanto à data da mesma e, (…) sobretudo numa situação (…) em que o regime legal nada tem de cristalino para o comum dos cidadãos (…), não poderá justamente pressupor-se que o inquilino, por sua parte, confrontado com uma data insusceptível de relevar (…), teria o dever de, não obstante, esperar e contar com uma próxima data futura, assumir nela como certa a desvinculação, e exigir-lhe que, em razão de tal vaticínio, adequasse a sua conduta.”

O entendimento do Acórdão agora citado foi seguido no Ac. da RL de 24/05/2022, proc. 7855/20.0T8LRS.L1-7, consultável in www.dgsi.pt/jtrl e no Ac. desta RG de 23/03/2023, proc. 1824/22.3T8VCT.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg.

Entende-se que a indicação precisa da data do termo do contrato e, assim, a data em que o locado deve ser restituído, é um elemento imprescindível do conteúdo da comunicação, para que o inquilino possa aferir da validade da data de termo do contrato indicada face ao regime aplicável e, assim, se for o caso, abrir a discussão quanto a tal aspecto, primeiro entre as partes e, depois, se se chegar a esse ponto, mediante o acionamento judicial adequado e, não discutindo a data, ficar constituído em mora e no dever de indemnizar, caso incumpra a obrigação de restituir na data designada.

Mas impõe-se perguntar se, tendo o senhorio indicado como data do termo do contrato, uma data que não é a “legal”, seja porque em virtude do prazo inicial acordado, seja porque em virtude de uma renovação automática, na data por aquele indicada o contrato ainda está em vigor, sendo o seu termo final uma data posterior, ainda assim a referida comunicação pode ser considerada eficaz para esta data.

Estando em causa um arrendamento rural, a RC, em Acórdão de 20/06/2012, proc.123/08.8TBIDN.C1, consultável in www.dgsi.t/jtrc, considerou
III - Se o senhorio, na sua declaração de denúncia, não respeitar os ditos prazos, a consequência é a de que a declaração de denúncia não deixa de ser eficaz, só que produzirá os seus efeitos em data posterior, sendo a data concreta em que opera o efeito da denúncia um efeito necessário dela.
IV – A inobservância do prazo de denúncia não acarreta a ineficácia da mesma, a indicação da data constitui apenas um elemento necessário dessa denúncia, nada tem a ver com a essência do pedido.

E em texto explicita-se:
Ora, da alusão feita da denúncia efectuada e da indicação da data constante da mesma, até à qual as Rés pretendiam a devolução dos prédios, resulta com clareza que o que as Rés pretendiam era o termo do contrato por efeito de esgotamento do prazo para que vigorava, sem se proceder a nova renovação, como o Autor o entendeu, da mesma forma que o entenderia qualquer declaratário normal….

O já referido Ac. desta RG, de 21.05.2022, proc. 1426/19.1T8VCT.G1, in www.dgsipt/jtrg parece admitir a referida tese, citando o Acórdão da RC referido por último, considerando:
Apesar disso, não custaria admitir que a vontade última da locadora sempre fosse a de extinguir a relação contratual e que, apesar de a não ter firmado e comunicado regularmente sempre a aceitaria e quereria na data posterior mais próxima possível e, portanto, que não podendo ela operar em 2018, poderia operar em 2019.

Mas considerou afastada a ponderação de tal possibilidade porque não havia nos autos, nem no recurso, a menor alusão, sequer mera conformação, com tal hipótese e, assim, não se colocava a questão de interpretar a declaração à luz do disposto no art.º 236º e segs. do CC e além disso ponderou:
“De resto, não sendo a extinção em tal data objecto do pedido e da causa de pedir formulados mas apenas pressuposto de que foi a partir dela que se tornou alegadamente ilícita e danosa a ocupação e, portanto, critério de determinação da indemnização pretendida, dificilmente se compatibilizaria com os princípios dispositivo e do pedido considerar, para o efeito, como extinto o contrato na ulterior data de renovação de 2019 e, consequentemente, calculável a partir desta o prejuízo, sem que a autora com isso se conforme e nisso manifeste ser o seu interesse, por modo processualmente adequado (e oportunamente contraditado).”

O Ac. da RL de 10/09/2020, proc. 25874/18.5T8LSB.L1-2, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, considerou:
“A declaração de oposição à renovação do contrato constitui uma declaração unilateral recetícia, um negócio jurídico unilateral (art.º 295.º do CC), que tem por finalidade fazer cessar um vínculo contratual.
(…)
Com efeito, por força dessa declaração, o contrato, decorrido o prazo inicial ou o da sua renovação, extingue-se, não operando a sua renovação automática. Assim sendo, o essencial, para a eficácia da declaração emitida pelo senhorio, é que seja dada a conhecer ao inquilino a vontade de não renovação do contrato, e que essa declaração seja emitida com a antecedência legalmente exigida face à data em que a extinção ocorrerá.
(…)
Face a uma declaração destas ficaria bem patente, perante qualquer declaratário normal, colocado na posição da arrendatária, o propósito de se pôr fim ao contrato, mediante a sua não renovação no termo do prazo então em curso (art.º 236.º n.º 1 do CC).
Assente este propósito e o respetivo efeito, eventual controvérsia quanto à data em que terminava o prazo em curso apenas relevaria (cumprido que fosse o prazo legal de pré-aviso) para a concretização do momento da produção de efeitos da cessação, com a consequente fixação das prestações devidas.
Cremos, pois, que tendo a senhoria manifestado a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, e terminando o prazo então em curso no dia 30 de setembro de 2019, nessa data o contrato cessaria, independentemente de a senhoria ter indicado como data da cessação o dia 30 de setembro de 2018.
É certo que os AA., sucessores da primitiva senhoria, propuseram a ação em 21 de novembro de 2018, ou seja, em data em que não tinham ainda o direito à restituição do locado.
Porém, esse direito venceu-se na pendência da ação, o que autorizava o tribunal a condenar a R. no seu cumprimento, nos termos previstos no art.º 610.º do CPC. Assim se harmonizando a sentença com o que decorre do direito substantivo.”

No entanto este Acórdão tem um voto de vencido que defende, em síntese que:
- os pressupostos de um direito têm de estar preenchidos na data da propositura da acção e, concretamente defende que “o contrato que, por força de várias leis, tinha sido renovado até 30/09/2015 e depois até 30/09/2017, estava sujeito a renovações por período de 2 anos, pelo que se renovaria a 30/09/2019 e não, como pretendiam os autores, a 30/09/2018. Quer isto dizer que o direito de oposição à renovação foi mal exercido pelos autores e, por isso, por erro dos autores, a oposição deduzida por eles em 20/03/2017 não produziu os efeitos que visava. Utilizando os próprios termos da sentença recorrida: “[…] à data de entrada da presente acção, os autores não [eram] ainda titulares do direito que se arrogam […]”. // Pelo que a acção, que tinha por objecto o reconhecimento do direito dos autores à restituição do prédio devido à caducidade do contrato de arrendamento, em 30/09/2018, tinha necessariamente de improceder por essa caducidade não se ter verificado.”
- o objecto do processo, ou seja, o pedido, era a “caducidade” numa determinada data e não noutra.

O entendimento que fez vencimento no Acórdão acabado de citar, foi seguido no Ac. da RL 08/02/2022, proc. 966/21.7YLPRT.L1-7, consultável in www.dgsi.pt/jtrl.

Aparentemente não foi o seguido no Ac. da RL de 24/05/2022, proc. 7855/20.0T8LRS.L1-7, consultável no mesmo sitio do anterior, porquanto, muito embora se cite o Ac. 10/09/2020, afirma-se no texto “uma tendencial concordância com os argumentos em sentido contrário”, ou seja, como resulta da nota 7, com os argumentos expendidos no voto de vencido do Acórdão de 10/09/2020, afirmando-se: “Pois que não se pode deixar de ter presente que o direito que a parte pretende ver reconhecido em tribunal deve ter os seus pressupostos preenchidos na data da propositura da acção e se o autor afirma que a caducidade do contrato ocorreu numa data em que a oposição à renovação não podia produzir os seus efeitos, a acção que tem por objecto o reconhecimento do seu direito à restituição do prédio, nessa data, tem necessariamente de improceder por a caducidade não se ter verificado.”

Além disso e ainda no texto, refere-se:
“Ademais, consistindo a data da extinção do contrato pressuposto do momento a partir do qual se torna ilícita e danosa a ocupação do locado, logo, critério de determinação da indemnização visada, a consideração da extinção do contrato na ulterior data de renovação (Maio de 2021) implicaria, ao arrepio dos princípios do dispositivo e do pedido, que sem que com isso se tivesse conformado a autora, se houvesse de calcular o seu prejuízo a partir desse momento posterior.”

E do Ac. desta RG de 23/03/2023, proc. 1824/22.3T8VCT.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, parece poder extrair-se que tudo depende do senhorio/A. manifestar a intenção, pelo modo processualmente adequado, de se opor à renovação do contrato em outra data que não a indicada na comunicação endereçada ao arrendatário

A questão é complexa, tendo, cremos, um ponto de vista substancial e um ponto de vista processual.

Do ponto de vista substancial, como já ficou referido, a data do termo final do contrato e, assim, a data em que o locado deve ser restituído, integra o conteúdo imprescindível da comunicação de oposição à renovação.
No entanto e ainda do ponto de vista substancial, admite-se que operem as regras de interpretação e se possa discernir em tal comunicação uma intenção de oposição à renovação do contrato para a data do termo final da duração ou renovação que estiver em curso.

Mas do ponto de vista processual, a interpretação da comunicação de oposição à renovação e a possibilidade de considerar extinto o contrato em outra data que não a indicada pelo senhorio, depende de nisso o mesmo manifestar interesse, por modo processualmente adequado e oportunamente contraditado (para utilizar a formulação do Ac. desta RG, de 21.05.2022, proc. 1426/19.1T8VCT.G1).
*
5.2.3. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Em primeiro lugar impõe-se verificar que, como ficou referido no ponto 5.1.2., a A. propôs que o contrato de arrendamento em causa transitasse para o novo regime, passando a ter um prazo certo de 3 anos.
O 1.º Réu não o aceitou, contrapropondo que o prazo do contrato passasse a ter como duração mínima 5 anos.
A A. nada respondeu, nem nos 30 dias seguintes, nem posteriormente.
O art.º 218º do CC dispõe que o silêncio vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei. É o que sucede no caso -– cfr. art.º 33º, n.º 4 da Lei n.º 6/2006, com a redacção da Lei n.º 31/2012..
Destarte impõe-se considerar que as partes estipularam que o contrato passava a ser pelo prazo certo de cinco anos, cujo termo inicial era o dia 1 de Janeiro de 2014 e o termo final era 31 de Dezembro de 2018.

Em segundo lugar, não se mostra que as partes tenham estabelecido quaisquer regras relativas à oposição à renovação, pelo que tem aplicação o art.º 1096º n.º 1 do CC, na redação da Lei n.º 31/2012, já referida, ou seja, não havendo oposição, nos termos do art.º 1097º, o contrato renovava-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração.

A senhoria não formulou qualquer oposição à renovação com a antecedência mínima de 120 dias relativamente à data do termo do contrato.

Destarte, o contrato, renovou-se automaticamente a 01/01/2019 por mais cinco anos, o período igual ao da duração.

Impõe-se aqui considerar que já após a referida renovação foi publicada a Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, com o assumido propósito de adopção de medidas «destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade»; e que a mesma entrou em vigor no dia imediato (conforme art.º 16.º respectivo).
Atento o seu teor, a  Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, é aplicável aos contratos em curso, conforme decorre da regra geral do art.º 12.º, n.º 2, do CC [22].

Veio a mesma, nomeadamente, a dar nova redacção ao art.º 1110.º, do CC, aditando-lhe dois novos números, a saber: n.º 3, onde se lê que, salvo «estipulação em contrário, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1096.º»; e n.º 4, onde se lê que, nos «cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação».
            Ora, e de acordo com o art.º 297º, n.º 2, do CC, a «lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial».

Defendem, por isso, os Réus (BB e Outros) nas suas contra-alegações de recurso que, tendo o prazo inicial de duração do contrato de arrendamento em causa (de 5 anos) terminado em 31 de Dezembro de 2018, tendo-se o mesmo renovado então por mais três anos (até 31 de Dezembro de 2021) e tendo em 13 de Fevereiro de 2019 entrado em vigor a nova redacção do art.º 1110.º, do CC, nomeadamente o seu n.º 3 (que alongou a anterior prorrogação automática de 3 para 5 anos), o dito contrato de arrendamento urbano para fim não habitacional apenas cessaria, por caducidade, em 31 de Dezembro de 2023.
           
Se têm razão na conclusão, não têm nas suas premissas.

Assim o contrato renovou-se a 01/01/2019 por cinco anos em virtude da aplicação do art.º 1096º n.º 1 do CC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, ex vi o art.º 1110º, n.º 1, na redacção da mesma Lei e não por três anos como afirmam os RR.

A nova redacção do art.º 1110º n.º 3 do CC não vem alterar a situação, ou seja, não altera o prazo de renovação em curso na data da entrada em vigor da lei n.º 13/2019, porquanto o mesmo dispõe em sentido idêntico ao que dispunha o art.º 1096º, n.º 1 do CC – o contrato renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração e que no caso era de 5 anos, não tendo, assim, aplicação a parte final do normativo que determina que essa renovação seja sempre de 5 anos nos casos em que o período de duração seja inferior a esse período.

Destarte, o contrato apenas terá o seu termo a 31/12/2023.

Em face de tudo o exposto, a resposta à segunda questão objecto do recurso não pode deixar de ser afirmativa: o tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação da lei, ao ter considerado ser de três anos o prazo de prorrogação do contrato dos autos.

No entanto, a Autora (AA) comunicou aos Réus (BB e Outros), por carta de 29 de Janeiro de 2019, que se opunha à próxima renovação do contrato, lendo-se expressamente, em parágrafo próprio e autónomo, que vinha, «ao abrigo do disposto nos artigos 1054º nº 2, 110 nº 1 e 1097º, todos do Código Civil, comunicar formalmente a V. Exas a minha oposição à renovação do contrato de arrendamento, que tem por objecto o prédio afecto o Museu ...».

Mais se verifica que a Autora (AA) enganou-se no termo final da renovação em curso, por entender que a mesma seria apenas de 1 ano (e não de 5, como legalmente o era), intimando por isso os Réus (BB e Outros) a entregarem-lhe o prédio a 31 de Dezembro de 2019 (e não a 31 de Dezembro de 2023).

E em função desta factualidade, era objecto do recurso uma 3ª questão, que substancialmente está sintetizada na conclusão X da recorrente: “mesmo que se considerasse que o prazo de renovação era de 3 anos e não de 1 ano e, portanto, que tal prazo terminava a 31.12.2021, sempre teria de se considerar que a oposição à renovação comunicada, porque realizada com a antecedência maior do que a lei exigia, era e é eficaz, ainda que com referência ao prazo de 31.12.2021 e não ao prazo indicado na carta de 31.12.2019.”

Tendo-se considerado que o contrato dos autos tem o seu termo a 31/12/2023, a referida questão - saber se o tribunal podia considerar a oposição eficaz para 31/12/2021 – perdeu a sua razão de ser.

Mas tendo esta Relação considerado que a data do termo final do contrato é 31/12/2023, pode a mesma apreciar e decidir que a oposição à renovação veiculada pela carta de 29/01/2019 é eficaz para aquela data?

No nosso sistema jurídico, os recursos destinam-se a permitir a reponderação da decisão recorrida, constituindo, assim, um instrumento para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que foram objecto de decisão e que se consideram mal decididas e não para conhecer de questões novas, não apreciadas e discutidas na instância recorrida.

Os recursos não visam criar decisões sobre questões novas, isto é, questões não suscitadas e apreciadas no tribunal recorrido, sendo o seu âmbito delimitado pelo acto recorrido, ou, como refere Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, I, AAFDL, pág. 205, “o tribunal de recurso conhece do mesmo objecto que foi decidido pelo tribunal recorrido (…) e não mais do que isso”, “o juiz do recurso está limitado pelo objecto da decisão recorrida” e mais adiante, pág. 357, “a decisão de recurso deve corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão na primeira instância.”

Ou, como consta do sumário do Ac. da RC de 08/11/2011, proc. 39/10.8TBMDA.C1, cujo texto integral é consultável in www.dgsi.pt/jtrc (sublinhado nosso):
V  - Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.

Ensina Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., LEX, Lisboa 1997, pág. 395, que no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o tribunal não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas.

E Abrantes Geraldes, in Recursos em processo civil, 6ª edição, pág. 139, refere também que “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina uma importante limitação ao seu objecto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a apreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando (…) estas sejam de conhecimento oficioso, e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis.”

Por outro lado, cremos, é jurisprudência unânime do STJ (para uma recensão da mesma, Abrantes Geraldes, ob cit. notas 226 a 230, pág. 136-138) que os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu. Por conseguinte, os recursos são meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não constituem instrumentos processuais para obter decisões novas e daí não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido (a titulo exemplificativo o Ac. do STJ de 25 de Março de 2010, processo 5521/03.0TBALM.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj)

O recurso ordinário consubstancia-se, pois, num pedido de reapreciação de uma decisão, não transitada em julgado, dirigido tribunal hierarquicamente superior e com fundamento na ilegalidade da decisão, visando revogá-la ou substituí-la por outra mais favorável ao recorrente. Desta forma, os recursos ordinários incidem ou têm por objecto o juízo ou julgamento realizado pelo tribunal recorrido.

Vejamos

A sentença recorrida apreciou a questão de saber se, considerando como data do termo final do contrato 31.12.2021, se teria de considerar que a oposição à renovação comunicada, porque realizada com a antecedência maior do que a lei exigia, era eficaz para a referida data.

Não apreciou a questão de saber se a oposição à renovação veiculada pela carta de 29/01/2019 era eficaz para 31/12/2023, pois considerou que a data do termo final do contrato era 31/12/2021.

Uma vez que os recursos visam reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que foram objecto de decisão e que se consideram mal decididas e não conhecer de questões novas, não apreciadas e discutidas na instância recorrida, não tendo a questão de saber se a oposição à renovação veiculada pela carta de 29/01/2019 era eficaz para 31/12/2023, não pode a mesma ser aqui apreciada.

É que, salvo melhor opinião, saber se a oposição à renovação veiculada pela carta de 29/01/2019 é eficaz para 31/12/2023, é uma questão diferente daquela, já que tem um elemento radicalmente diferente - a data – e tem diferentes implicações no pedido formulado.

Como decorre do supra exposto, a data do termo final do contrato não é um elemento de somenos ou indiferente nesta questão (como, aliás, o comprovam os presentes autos e a jurisprudência a que se fez referência supra), pois, como se afirma no Ac. desta RG de 23/03/2023, proc. 1824/22.3T8VCT.G1, “é um elemento essencial para garantir a salvaguarda dos direitos deste, de maneira a estabelecer, com segurança, a sua obrigação de restituir o locado, não podendo esta ficar, bem como o respetivo cumprimento ou as consequências da recusa, dependente de qualquer facto de aleatoriedade, emane ele da comunicação emitida, da interpretação do recetor ou das divergências interpretativas  do sistema legal.”

Sempre se dirá que a A./recorrente nunca formulou, nem formula no recurso, a pretensão de que se considere a oposição à renovação veiculada pela carta de 29/01/2019 eficaz para 31/12/2023.
O que a mesma pretende é que se considere eficaz tal comunicação para 31/12/2021.

É certo que os RR. assumem, nas suas contra-alegações e concretamente na conclusão t), que o contrato de arrendamento só termina em 31.12.2023 e na conclusão v), que “Só em 31.12.2023 a declaração pode produzir os seus efeitos…”.
 Porém, não formularam, com base em tal, qualquer pretensão e, concretamente, não formularam qualquer pretensão com implicação no desfecho da acção.
E também a A. /recorrente, nada disse ou fez.
E, como refere Rui Pinto, in ob. cit. pág. 363, “não pode ser revogada uma decisão judicial sem que as partes o peçam e na medida do que elas peçam: tantum devolutum quanto apelattum (…).”

Destarte, conclui-se, este tribunal não pode conhecer da questão de saber se a oposição à renovação veiculada pela carta de 29/01/2019 é eficaz para 31/12/2023.

Em face de tudo o exposto, ainda que por fundamentos não coincidentes, a decisão recorrida, ao julgar a acção improcedente e considerar prejudicada a reconvenção, deve manter-se e o recurso deve ser julgado improcedente.
*
VI - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Autora (AA), e, em consequência, manter a decisão recorrida
*
Custas da apelação pela recorrente – art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC
Guimarães, 09 de Novembro de 2023.
           
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos
             
1º Adjunto (Relator por vencimento)  José Carlos Pereira Duarte
2º Adjunto - Gonçalo Oliveira Magalhães.
Relatora (vencida) - Maria João Marques Pinto de Matos (com declaração de voto)


Voto de vencido
Discordo do entendimento plasmado no acórdão que antecede nos seguintes pontos:

i) Regime jurídico aplicável ao contrato de arrendamento não habitacional (antes submetido ao regime vinculístico) que transitou para o NRAU
Considero que, tendo o contrato de arrendamento urbano dos autos transitado para o NRAU - passando a ser um contrato de arrendamento, com prazo certo (de cinco anos, cujo termo inicial coincidiu com o dia 1 de Janeiro de 2014), não habitacional e com uma renda actualizada) -, e sendo, face à lei, um novo contrato, permaneceu sujeito, quer ao demais clausulado original não alterado, quer às normas transitórias do NRAU.
Com efeito, defendo que, tendo o legislador permitido uma tão grande alteração do regime de contratos de arrendamento celebrados sob o regime vinculístico, reservou para si os termos em que se lhes aplicaria o regime jurídico em vigor para os demais (isto é, para aqueles em que as respectivas partes conheceram antecipadamente a lei a que seriam sujeitas), nos aspectos que considerou mais sensíveis (para eles editando as respectivas disposições transitórias).

Logo, considero que o regime do CC só será aplicável ao contrato de arrendamento dos autos em tudo o que não seja prevenido pelas partes, ou pelas ditas disposições transitórias do NRAU.
*
ii) Prazo de renovação do contrato
Considero que, estando em causa um contrato de arrendamento para fim não habitacional, celebrado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro, e ainda sujeito às disposições transitórias do NRAU, importaria - quanto à sua renovação - atender ao disposto no art.º 28.º, n.º 1, deste último diploma, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro (tal como o fez a sentença recorrida).
Lia-se, assim, no art. 28.º, n.º 1, citado que, aos «contratos a que se refere o artigo anterior [«contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, bem como aos contratos para fins não habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro»] aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 26.º».
Mais se lia, neste art. 26.º, n.º 3, do NRAU (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro), que, quando «não sejam denunciados por qualquer das partes, os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de dois anos ou, quando se trate de arrendamento não habitacional, pelo período de três anos, e, em ambos os casos, se outro prazo superior não tiver sido previsto».
Direi, ainda, que , na gradual tentativa de aproximação dos dois regimes (o regime geral, do CC, aplicável à generalidade dos hodiernos contratos de arrendamento, e o regime especial transitário do NRAU, aplicável nomeadamente aos contratos de arrendamento inicialmente celerados à luz do regime vinculístico), se passou a ler, desde 13 de Fevereiro de 2019, no art. 1096.º, n.º 1, do CC (com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro) que, excepto «se celebrado para habitação não permanente ou para fim especial transitório, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos mínimos sucessivos de três anos, se outros não estiverem contratualmente previstos» (bold apócrifo).

Logo, considero que:
. tendo o contrato de arrendamento para fim não habitacional dos autos sido celebrado por prazo certo, de cinco anos, com início em 01 de Janeiro de 2014, terminaria a sua vigência em 31 de Dezembro de 2018;
. nada tendo as partes disposto sobre a sua renovação, e por força do regime supletivo legal então em vigor (resultante do NRAU - por força do que ele próprio dispusera, na transição do contrato do anterior regime vinculístico para o seu próprio regime - e não do CC), o dito contrato de arrendamento seria prorrogável por períodos de 3 anos (terminando o primeiro deles em 31 de Dezembro de 2021, se a Autora, como senhoria, não comunicasse aos Réus, com a antecedência mínima de um ano (isto é, até 31 de Dezembro de 2017) antes do seu termo (isto é, em 31 de Dezembro de 2018) opor-se à dita prorrogação;
. e, não o tendo feito, o dito contrato, após a sua vigência inicial de 5 anos, iniciou em 1 de Janeiro de 2019 a sua primeira renovação automática de três anos (terminando a mesma previsivelmente - isto é, sem outras alterações legislativas posteriores que lhe fossem aplicáveis - em 31 de Dezembro de 2021) [23].
*
iii) Requisitos de eficácia da manifestação de vontade de não renovação
Considero que, exigindo a lei, «para a eficácia de declaração do senhorio, que seja dada a conhecer ao inquilino a sua vontade de oposição à renovação contratual automática (isto é, de que a mesma não se dê), e que essa declaração seja emitida com a antecedência legalmente exigida face à data em que a extinção ocorrerá (por forma a que o mesmo possa oportunamente diligenciar pela obtenção de um novo local onde exercer a actividade que desenvolvia, ou prosseguir o fim que aí assegurava)» (acórdão supra), não será - sempre e necessariamente - elemento essencial dessa manifestação de vontade a indicação da concreta data em que o contrato terminará.
Com efeito, não discriminando a lei quaisquer exigências quanto ao conteúdo da dita comunicação de vontade, haverá a mesma que ser interpretada nos termos das regras legais dispostas para o efeito, nos art.ºs 236.º e seguintes do CC; e sem necessidade de qualquer pedido expresso das partes nesse sentido (embora sempre, e necessariamente, com o apoio na matéria de facto apurada nos autos), uma vez que o «juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito» (art.º 5.º, n.º 3, do CPC) e, no limite, é disso que aqui se cuida. 
Assim, e mesmo sem indicação daquela concreta data (para o termo do contrato, por caducidade, no final da sua vigência inicial ou da concreta renovação em curso), ou com indicação de uma data incorrecta, desde que a manifestação de vontade do senhorio, de oposição a um novo período de vigência, seja inequívoca para o arrendatário, tenho a mesma como eficaz.
Ora, ficou assente que Autora comunicou aos Réus, por carta de 29 de Janeiro de 2019, que se opunha à próxima renovação do contrato, lendo-se expressamente, em parágrafo próprio e autónomo, que vinha, «ao abrigo do disposto nos artigos 1054º nº 2, 110 nº 1 e 1097º, todos do Código Civil, comunicar formalmente a V. Exas a minha oposição à renovação do contrato de arrendamento, que tem por objecto o prédio afecto o Museu ...» (bold original).
Verifica-se, ainda, que não obstante aquela clara e inequívoca manifestação de vontade, a Autora enganou-se no termo final da renovação (primeira) em curso, por entender que a mesma seria apenas de 1 ano (e não de 3, como aqui se defende, ou de 5, como se defende no acórdão maioritário), intimando por isso os Réus a entregarem-lhe o prédio em 31 de Dezembro de 2019 (e não em 31 de Dezembro de 2021).
Entende-se, porém, que os Réus, colocados na posição de um qualquer declaratário normal, não poderiam deixar de entender que a Autora se opunha à segunda renovação do contrato; e isso  independentemente da concreta data em que a mesma ocorresse, elemento aqui absolutamente acessório para a eficácia da declaração daquela (e que apenas relevaria para a concretização do momento da produção dos efeitos da cessação do contrato, com a consequente fixação das prestações devidas). 
Com efeito, o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, perante o comportamento do declarante (art.º 236.º, n.º 1, do CC); e a demonstração de que o declaratário real o entendeu desse preciso modo pode inclusivamente deduzir-se de factos que com toda a probabilidade o revelem.
Ora, resulta da notificação judicial avulsa que os Réus dirigiram à Autora, em Novembro de 2019, que entenderam perfeitamente a sua manifestação de vontade: lê-se no seu ponto 3.  terem sido «surpreendidos em 04.02.2019 por uma carta que lhes foi dirigida pela Notificanda dando conta que se opunha à renovação do contato de arrendamento, que tinha sido celebrado em 18 de maio de 1971 com o inquilino DD, que tem por objeto o prédio afeto ao “Museu ...”»; e, exactamente por isso, e conformemente com isso, aí reclamam dela o pagamento de uma indemnização por benfeitorias, invocando o direito de retenção próprio até à verificação do dito pagamento.
Recorda-se, a propósito, que o direito de indemnização por benfeitorias pressupõe necessariamente a prévia ou simultânea entrega da coisa onde foram realizadas; e, por isso, invocando-o os Réus para recusarem a entrega do locado, sem apresentarem outro fundamento que justificasse a sua não devolução imediata (v.g. ineficácia da oposição à próxima renovação contratual, por a prévia ainda estar em curso, ou por não ter sido realizada com a antecedência de um ano legalmente imposta), não só demonstraram ter compreendido que a Autora manifestara a sua vontade de que não ocorresse a próxima (segunda) renovação do contrato, como tinham por válida e eficaz essa sua precisa manifestação de vontade.

Logo, considero que, não obstante seja exigível que a declaração escrita de oposição à renovação tenha de ser certa, inequívoca e segura, no caso dos autos a errada indicação do termo final do contrato não prejudicou o conhecimento daquela certa, inequívoca e segura vontade da Senhoria (do dito contrato não vir a beneficiar de uma segunda prorrogação).
*
iv) Atendibilidade (na sentença) de factos jurídicos supervenientes
Considero que, mesmo tendo-se como mais correcto o entendimento (do acórdão maioritário) de que o prazo de renovação do contrato em causa é de cinco anos (por aplicação do art.º 1096.º, n.º 1, do CC), terminando a sua primeira renovação em 31 de Dezembro de 2023, deveria ter sido julgado procedente o primeiro pedido formulado pela Autora, de «ser declarada válida e eficaz a oposição à renovação efectuada pela Autora e, assim, ser declarada a resolução do contrato de arrendamento» (mais propriamente, a sua caducidade no termo da primeira renovação, então em curso).
De forma mais enfática, e conforme, julgaria segundo o entendimento (professado na sentença recorrida e na parte antecedente deste voto de vencido) de que a primeira renovação tinha o prazo de três anos, tendo ocorrido o seu termo em 31 de Dezembro de 2021 (isto é, bem depois de proposta a acção, em Março de 2020).

Com efeito, lê-se no art.º 611.º, do CPC, que, sem «prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam  posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão» (n.º 1); mas só «são, porém atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida».
É, assim, o Direito sensível à «evolução dinâmica da relação litigada, até ao momento derradeiro do encerramento da discussão da causa», procurando ser «fiel à ideia da economia processual ou da economia de juízos», desde que se respeitem as disposições processuais que limitam «a possibilidade de alteração da causa de pedir» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, págs. 677 a 681, com bold apócrifo) [24].
 Precisando estas limitações de carácter processual, dir-se-á que os novos factos terão de ter sido previamente introduzidos no processo por meio de articulado próprio, isto é, normal ou eventual, sob pena de não poderem ser considerados em sede de sentença [25].
Logo, só podem ser atendidos os factos supervenientes que ainda sejam compatíveis com a causa de pedir inicialmente alegada, ou posteriormente alterada, nos termos dos art.ºs 264.º, 265.º, n.º 1 e 588.º, todos do CPC  (isto é, factos supervenientes que ainda sejam compatíveis com as normas de direito substantivo) [26]; e  que influenciem a existência ou o conteúdo da relação material controvertida.
Serão, assim, «atendíveis factos supervenientes, tais como o pagamento da dívida reclamada, a verificação (até ao encerramento da discussão) da condição suspensiva a que estava sujeito o direito exercitado pelo autor, a ilicitude do objecto do negócio prevista numa lei nova, o decurso do prazo sem o qual a acção não poderá ser proposta (1), etc. - pagamento que extingue o direito exercido -, visto que estes factos influenciam, de acordo com o direito substantivo, a existência e o conteúdo da relação material controvertida» (J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa À Luz do Código Revisto, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2009, pág. 638) [27].
Por fim, lê-se no n.º 3, do art.º 611.º, do CPC, que a «circunstância de o facto jurídico relevante ter nascido ou se haver extinguido no decurso do processo é levada em conta para o efeito da condenação em custas, de acordo com o disposto no artigo 536.º» do CPC.
Logo, mantém-se «o efeito tipicamente processual da repercussão da evolução da situação de facto no capítulo das custas judiciais (…), tendo especialmente em conta os factos supervenientes, dependentes em maior ou menor grau da vontade das partes, e procurando distribuir equitativamente o encargo das custas, numa relação duradoura como a relação processual, de acordo com o tempo em que cada uma das partes teve a razão pelo seu lado» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 681).
Compreende-se, por isso, que, nos casos em que o facto superveniente, que tenha sido alegado e provado e seja determinante para a decisão de mérito proferida (seja ela de condenação no, ou de absolvição do, pedido), se tenha verificado na pendência da acção, as custas sejam repartidas entre autor e réu em parte iguais (conforme art.º 536.º, do CPC).

Rebatendo ao caso dos autos, considero que não é o erro (de direito) da Autora  quanto ao termo final do prazo da primeira renovação em curso (erro esse, aliás, secundado pelos Réus [28]),  que define o primeiro pedido por ela formulado nos autos: sendo a respectiva causa de pedir o concreto contrato de arrendamento com prazo certo invocado e a manifestação de  vontade própria de oposição à sua segunda renovação, o pedido é que seja considerada válida e eficaz a sua manifestação de vontade de oposição à segunda renovação, provocando  desse modo a caducidade do contrato no termo da primeira.
Isso mesmo resulta do petitório final da petição inicial dos autos, em que, sob a sua al. a), se requer que seja «declarada válida e eficaz a oposição à renovação efectuada pela Autora e, assim, ser declarada a resolução do contrato de arrendamento» (mais correctamente se diria a sua caducidade).
Dir-se-á, por isso, que tendo a Autora alegado inicialmente a manifestação (por escrito) da sua vontade de oposição à segunda renovação do contrato, que levou até aos Réus (que a conheceram e compreenderam), não é a errada indicação que lhes fez do termo final da primeira renovação em curso que impede, na decisão final de mérito, a correcta consideração daquele outro (bem mais dilatado !) previsto na lei para o efeito, viabilizando a procedência da sua primeira pretensão.
Com efeito, estava em causa, desde a completa alegação inicial dos factos consubstanciadores da causa de pedir, a mesma e inequívoca manifestação de vontade e o mero decurso do tempo (isto é, sem que importasse considerar qualquer eventual facto superveniente, e a sua inclusão posterior nos autos); e, por isso, nem mesmo a consideração do integral decurso do prazo (correcto) da primeira renovação automática do contrato de arrendamento em causa (segundo o entendimento seguido na sentença recorrida e na parte antecedente deste voto de vencido) implicaria qualquer alteração do pedido, ou da causa de pedir, iniciais, ou a apresentação de qualquer articulado superveniente (continuando o Tribunal - a quo e ad quem - a mover-se no âmbito da mesma e única relação substantiva invocada, da mesma relação material controvertida) [29].

Dir-se-á, ainda, que, também não considero impeditivo deste entendimento o facto da sentença recorrida se ter pronunciado sobre esta questão reportando o termo final do contrato para 31 de Dezembro de 2021, e não para 31 de Dezembro de 2023, defendendo o acórdão que outro entendimento consubstanciaria conhecimento de questão nova.
Com efeito, a questão apreciada pelo Tribunal a quo prende-se com a possibilidade de, na decisão de mérito a proferir, considerar, ou não considerar, o decurso integral do prazo de renovação do contrato na pendência da acção, por o dito prazo ainda não se encontrar decorrido no momento em que esta foi proposta, pressupondo ele próprio uma prévia manifestação de vontade de oposição à próxima renovação; e, para o efeito, parece-me irrelevante a concreta data considerada (uma vez que ficou indubitavelmente identificada a renovação contratual cuja verificação se pretendia evitar), já que as disposições legais e os institutos jurídicos convocados, apreciados e aplicados em nada dependem dela.
Deste modo, defino a «questão» apreciada, e sob recurso, como da validade e da eficácia da manifestação de vontade de oposição à próxima renovação contratual (sendo o termo final daquela outra, que se encontra em curso, definido pelo contrato ou pela lei, de ambos conhecendo livremente o Tribunal), e não da apreciação da validade e da eficácia da dita manifestação de vontade reportada exclusivamente a uma renovação contratual inexistente, por pretensamente iniciada numa concreta e errada data.

Assim, tendo a Autora manifestado em 29 de Janeiro de 2019 a sua oposição à segunda renovação do contrato de arrendamento para fim não habitacional, com prazo certo, em causa (que ocorrerá, no entendimento maioritário do acórdão, em 31 de Dezembro de 2023), fê-lo da forma prescrita por lei para o efeito e com uma antecedência bem superior aos 120 dias a que estava obrigada; e, tendo os Réus compreendido claramente a sua vontade, dispuseram de prazo mais alongado do que aquele que a lei lhes concedia para organizarem o despejo e a entrega do imóvel em causa, nem mesmo sofrendo qualquer prejuízo acrescido com a eventual aplicação do disposto no art.º 611.º do CPC (de acordo com o entendimento que aqui se professa) [30].

Logo, considero assistir razão à Recorrente, quando defende que, no decurso da primeira renovação automática do contrato de arrendamento urbano para fim não habitacional, com prazo certo, em causa nos autos (que terminaria em 31 de Dezembro de 2021, no entendimento que aqui se professa, ou em 31 de Dezembro de 2023, no entendimento maioritário do acórdão), se opôs (em 29 de Janeiro de 2019), válida e eficazmente, à sua próxima (segunda) renovação automática; e que, desse modo provocou a extinção do dito contrato para o termo da renovação então em curso, por caducidade (independentemente da errada data que indicara para a sua verificação) [31].
Decidiria, por isso e sempre, pela procedência do primeiro pedido formulado pela Autora.
Maria João Marques Pinto de Matos
*

[1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
[2] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[3] Neste sentido, Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2.
5 Neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo n.º 00858/14.
[5] «Porventura esta tendência encontrará a sua raiz num modelo processual em que o decurso do prazo para a interposição de recurso apenas se iniciava depois de serem apreciadas pelo tribunal a quo eventuais nulidades decisórias que eram autonomamente arguidas», sendo certo porém, que «há muito que foi ultrapassado esse quadro normativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 737).
[6] No mesmo sentido, Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, 3.ª edição, Almedina, Lisboa 2001, pág. 180, onde se lê que «devem arredar-se os “argumentos” ou “raciocínios” expostos na defesa da tese de cada uma das partes, que podendo constituir “questões”, em sentido lógico ou científico, não integram matéria decisória para o juiz».
[7] Sobre esta nulidade, o Tribunal a quo viria a omitir a pronúncia que lhe é imposta pelo art.º 617.º, n.º 1, do CPC, onde se lê que, se «a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito do recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de diferimento».
Não se considera, porém, indispensável obter o dito despacho, nos termos do n.º 5, do art. 617.º citado (onde se lê que, omitindo «o juiz o despacho proferido no n.º 1, pode o relator, se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que seja proferido»).
[8] Recorda-se que se lê no mesmo que o «juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito».
[9]  Este parece ser, igualmente, o entendimento dos Réus, quando nas suas contra-alegações de recurso se lê:
«(…)
Só que, o Tribunal a quo e bem, - com o ajuste que abaixo se explicará - viu o que os Réus não tinham vislumbrado: que a o termo do contrato apenas se observaria em 31.12.2021, posição que, no domínio do arrendamento, se sobrepõe à posição das partes, uma vez que estão em causa interesses indisponíveis e de ordem pública.
(…)».
[10] Neste sentido (já reafirmado, de que os factos constantes da fundamentação de facto da decisão judicial deverão ser apresentados segundo uma ordenação sequencial, lógica e cronológica (e não de forma desordenada, consoante os articulados de onde tenham sido extraídos e reproduzindo ipsis verbis a sua redacção, incluindo interjeições coloquiais), na doutrina:
. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, I Volume, 2013, Almedina, Outubro de 2013, pág. 543 - onde se lê que os «factos que constituem fundamentação de facto devem ser integralmente descritos. O juiz deve aqui relatar a realidade histórica tal como ela resultou demonstrada da produção de prova. (…)
Não há aqui qualquer fundamento para o juiz se cingir aos enunciados verbais adotados pelas partes. O que importa é o facto, e este pode ser descrito de diversas formas. Ele é aqui o cronista, o tecelão da narrativa fiel à prova produzida, não devendo compô-la com fragmentos literais de frases articuladas, fabricando uma desconexa manta e retalhos».
. Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, página 22 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença, os «enunciados de facto devem também ser expostos numa ordenação sequencial lógica e cronológica que facilite a conjugação dos seus diversos segmentos e a compreensão do conjunto factual pertinente, na perspetiva das questões jurídicas a apreciar. Com efeito, a ordenação sequencial das proposições de facto, bem como a ligação entre elas, é um fator de inteligibilidade da trama factual, na medida em que favorece uma interpretação contextual e sinótica, em detrimento de uma interpretação meramente analítica, de enfoque atomizado ou fragmentário. Por isso mesmo, na sentença, cumpre ao juiz ordenar a matéria de facto - que se encontra, de algum modo parcelada, em virtude dos factos assentes por decorrência da falta de impugnação - na perspetiva do quadro normativo das questões a resolver».
. António Santos Abrantes Geraldes, «Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 10 e 11 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6425) - onde se lê que, na sentença, «na enunciação dos factos apurados o juiz deve usar uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção. Por isso é inadmissível (tal como já o era anteriormente) que se opte pela enunciação desordenada de factos, uns extraídos da petição, outros da contestação ou da réplica, sem qualquer coerência interna.
Este objectivo - que o bom senso já anteriormente deveria ter imposto como regra absoluta - encontra agora na formulação legal um apoio suplementar, já que o art. 607º, nº 4, 2ª parte, impõe ao juiz a tarefa de compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, o que necessariamente implica uma descrição inteligível da realidade litigada, em lugar de uma sequência desordenada de factos atomísticos».
. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, Almedina, Junho de 2014, pág. 322 - onde se lê que, «depois de concluída a produção de prova e quando elaborar a sentença, é função do juiz relatar - e relatar de forma expressa, precisa e completa - os factos essenciais que se provaram em juízo. Tal relato haverá de constituir uma narração arrumada, coerente e sequencial (lógica e cronologicamente), na certeza de que isso deve ser feito “compatibilizando toda a matéria de facto adquirida”, como prescreve a parte final do nº 4 do art. 607º».
Na jurisprudência mais recente: Ac. da RL, de 24.04.2019, Laurinda Gemas, Processo n.º 5585/15.4T8FNC-A.L1-2; ou Ac. da RL, de 02.07.2019, José Capacete, Processo n.º 1777/16.7T8LRA.L1-7.
[11] O Regime do Arrendamento Urbano (doravante RAU) foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 10 de Agosto, sendo a data da sua entrada em vigor fixada no art.º 2.º, n.º 1, respectivo.
[12] Novo Regime do Arrendamento Urbano (doravante NRAU) foi aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, sendo a data da sua entrada em vigor fixada pelo art.º 65.º, n.º 2, respectivo.
[13] A Lei n.º 31/2012, de 12 de Agosto, entrou em vigor em 12 de Novembro de 2012.
[14] Dir-se-á, a propósito, que a Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto «veio introduzir profundas alterações em matéria de correção extraordinária das rendas nos contratos mais antigos por iniciativa do senhorio, estabelecendo também amplas possibilidades de tais contratos deixarem de ter impedimentos ao direito de livre denúncia do senhorio (o que a lei designa como transição para o NRAU), conferindo ainda a este sujeito o direito de denunciar o contrato mediante o pagamento de uma indemnização (…) quando as partes não cheguem a acordo quanto ao valor de uma nova renda» (Maria Olinda Garcia, Arrendamento Urbano Anotado, Regime Substantivo e Processual, p. 134).
Por outras palavras, está-se aqui perante «um regime de actualização extraordinário de rendas, regime este instituído pelo NRAU de 2006 e continuado com a revisão deste regime, levada a cabo pela Lei 31/2012, de 14/8.
Esta actualização extraordinária, criada com o regime de 2006 - L.6/2006, de 27/2, art.º 27.º e sgs. - teve em vista corrigir a grande desactualização que se vinha mantendo em relação aos valores das rendas nos arrendamentos habitacionais, celebrados antes da vigência do RAU - leia-se, antes de 1990 - que, sujeitos como estavam ao regime vinculista, levavam a que, na prática, os senhorios se vissem impedidos de obter uma rentabilização condigna da sua propriedade.
Para essa desactualização contribuiu, inicialmente L. 2030, de 22/6/1948, com apertadas regras para as actualizações, agravada pela suspensão das avaliações fiscais, imposta pelo DL 445/74 de 12/9, que redundou num verdadeiro o congelamento das rendas. A desactualização agravou-se exponencialmente com as elevadas taxas de inflação que sobrevieram, após 1974.
A Lei 46/85, de 20/9 introduziu novos regimes de renda e consagrou o princípio da actualização das rendas, mas em moldes que não permitam recuperar das consequências do aludido período de congelamento.
Só com o RAU - 1990 - é que se introduziram alterações significativas no regime do arrendamento, com o regime das rendas a flexibilizar-se, deixando-se cair relevante parte das regras vinculísticas.
Por isso, para os arrendamentos celebrados depois de 1990, já não sentiu o legislador de 2006 a necessidade de criar qualquer esquema de actualização extraordinária, dado que os contratos celebrados neste âmbito pautaram-se já por uma ampla margem de liberdade negocial, com a possibilidade de celebração de contratos de duração limitada, o que, desde logo, levou a que as rendas fixadas se mantivessem ajustadas com as actualizações anuais legalmente fixadas.
Os contratos mais antigos, anteriores a 1990, continuaram a apresentar rendas, por regra, manifestamente desajustadas da realidade sócio-económica, que não traziam ao senhorio valor que lhe permitisse efectuar reparações e muitas vezes, nem sequer pagar o imposto sobre tal património, dai que se justificasse a tomada de medidas para uma actualização extraordinária» (Ac. da RL, de 26.02.2015, Teresa Soares, Processo n.º 713/14.5YLPRT.L1-6).
[15] A expressão é do Ac.  do STJ, de 18.09.2018, Fernanda isabel Pereira, Processo n.º 8346/15.7T8LSB.L1.S1.
[16] Neste sentido, Ac. do STJ, de 24.05.2018, Fernanda Isabel Pereira, Processo n.º 1848/16.0YLPRT.L1.S2 (reiterado depois no Ac. do STJ, de 18.09.2018, da mesma Relatora, Processo n.º 8346/15.7T8LSB.L1.S1).
[17]  Reconhece-se que a comunicação da Autora não foi feita com todas as formalidades legais exigíveis à data (faltando-lhe, nomeadamente, a indicação do valor do locado), e que tais formalidades seriam inclusivamente depois acrescentadas (em número e exigência) pela Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro.
Contudo, o núcleo essencial das mesmas mostrava-se observado, assim se compreendendo que os Réus (arrendatários) tenham respondido à Autora (senhoria), que esta não se tenha oposto à contraproposta daqueles e que todos tenham, desde aí, agido em conformidade com o comum entendimento, de que a transição do contrato para o NRAU e a actualização da renda tinham operado, válida e eficazmente.
[18] Neste sentido, Jéssica Rodrigues Ferreira, «Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais», Revista Eletrónica de Direito (in https://cij.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-jessica-ferreira_1584.pdf), págs. 82-95, onde se lê que parece-nos «que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes - e menores - dos supletivamente fixados pela lei, e não, conforme poderia também interpretar-se da letra do preceito em análise - cuja redação pouco precisa gera estas dúvidas – um pacote de “pegar ou largar”, em que as partes estariam adstritas a optar entre contratos não renováveis ou, optando por um contrato automaticamente renovável no seu termo, com períodos sucessivos de renovação de duração obrigatoriamente igual à duração do contrato ou de cinco anos se esta for inferior, pois ainda que a ratio subjacente a esta alteração legislativa tenha sido reforçar a estabilidade dos contratos, se o legislador deixou ao critério das partes o mais – optar por renovar ou não o contrato – também se deve entender que lhes permite o menos – optando por renovar o contrato, regular os termos dessa renovação. Este argumento parece-nos ser ainda reforçado pela remissão operada no n.º 1 para o regime de oposição à renovação previsto para o arrendamento habitacional, regulado nos art. 1097.º e 1098.º, onde se continuam a prever prazos de oposição à renovação específicos para os casos de duração inicial do contrato ou das suas renovações inferiores a cinco anos (al. b) e c) do n.º 1 do art. 1097.º e al. b) e c) do n.º 1 do art. 1098.º).
No sentido de que o prazo da renovação admite estipulação em contrário, ISABEL ROCHA, PAULO ESTIMA, Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência, 5.ª edição, Porto, Porto Editora, 2019, p. 286 e JORGE PINTO FURTADO, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Coimbra, Almedina, 2019, p. 579 (para o arrendamento habitacional), onde se lê, a jeito de conclusão, que se pode “validamente estabelecer, ao celebrar-se um contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações de dois, ou de um ano, quatro ou cinco, como enfim se pretender” e pp. 686- 687 (para o arrendamento não habitacional), onde se pode ler que o contrato se pode renovar por “períodos sucessivos e iguais, entre si, de um, dois, três, quatro ou, em suma, os mais anos que se pretendam”».
No mesmo sentido, na jurisprudência: Ac. da RE, de 28.01.2021, Mara Ribeiro, Processo n.º 581/19.5T8FAR.E1; ou Ac. da RL, de 27.10.2022, Eduardo Petersen Silva, Processo n.º 12613/21.2T8LSB.L1-6.
[19] Neste sentido:
. na doutrina - Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 9.ª edição, Almedina, pág. 163.
. na jurisprudência - Ac. da RC, de 22.11.2022, Mário Rodrigues da Silva, Processo n.º 837/22.0YLPRT.C1, onde se lê que a «oposição à renovação é, por natureza, um instituto específico dos contratos dotados de prorrogação automática; logo, quanto ao arrendamento de prédios urbanos, é privativo dos contratos com prazo certo».
[20] Utilizando a expressão, Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contato, 3.ª edição, Almedina, págs. 118 e 122.
[21] Neste sentido (de que na determinação da lei aplicável à denúncia do contrato se considera a vigente á data da comunicação pelo senhorio ao arrendatário): Ac. da RL, de 14.09.2023, Arlindo Crua, Processo n.º 3877/21.2T8LRS.L1-2; ou Ac. do STJ, de 23.03.2021, Maria João Vaz Tomé, Processo n.º 6208/19.8T8PRT.P1.S1.
[22] Neste sentido, Maria Olinda Garcia, «Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019», Julgar Online, Março 2019 (in https://julgar.pt/wp-content/uploads/2019/03/20190305-JULGAR-Altera%C3%A7%C3%B5es-em-mat%C3%A9ra-de-arrendamento-Leis-12_2019-e-13_2019-Maria-Olinda-Garcia.pdf), pág. 8, onde se lê, a propósito das alterações nas Disposições Gerais sobre o arrendamento de prédios urbanos, nas Disposições Especiais sobre arrendamento para habitação e nas Disposições Especiais sobre arrendamentos para fins não habitacionais que, no «que respeita à aplicação da lei no tempo, tais alterações aplicam-se não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso, como decorre da regra geral do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil».
[23] Responderia, assim, negativamente à 2.ª questão enunciada como objecto de decisão deste Tribunal ad quem («Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente ao ter considerado ser de três anos o prazo de prorrogação do contrato de arrendamento dos autos (e não de um ano) )
[24] No mesmo sentido, Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1984, pág. 81, onde, citando Chiovenda, se lê: «Na base do art. 663.º [hoje, 611.º] está o mesmo pensamento fundamental que ditou o art. 662.º [hoje, 610.º]: homenagem ao princípio da economia processual.
Chiovenda escreve:
“A rigorosa aplicação do princípio - a lei deve actuar como se aparecesse no momento em que a acção foi proposta - conduziria a duas consequências páticas:
1.ª  O juiz não deve ter em conta os factos extintivos do direito posteriores à apresentação da petição inicial;
2.ª Não deve, igualmente, ter em conta os factos constitutivos do direito e da acção posteriores à apresentação da petição inicial.
O direito romano clássico oferece-nos exemplos destas duas aplicações rigorosas.
No direito moderno este rigor cedeu o passo ao princípio da economia dos juízos. Quer dizer, o juiz, ao sentenciar, baseia-se no estado das coisas à data do termo da discussão e por isso: a) absolve o réu se o direito se extinguiu no decurso do pleito (era já a máxima dos sabinianos: omnia judicia esse absolutória); b) acolhe o pedido se o facto em que se fundava se verificou durante o processo (jus superveniens)”».
[25] Neste sentido, José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Agosto de 2008, pág. 689, onde se lê que os «factos supervenientes à propositura da acção, englobando quer os objectivamente supervenientes, quer os que o são apenas subjectivamente (art. 506-2), hão-de ser introduzidos no processo mediante alegação das partes (arts. 264-1 e 664), em articulado normal ou eventual ou, quando ocorram ou sejam conhecidos depois da fase dos articulados, em articulado superveniente, que, com a sujeição aos prazos do art. 506-3, pode ser apresentado até ao enceramento dos debates sobre a matéria de facto (art. 506-1)».
[26] No mesmo sentido, J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa À Luz do Código Revisto, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2009, pág. 637, onde se lê (ilustrando o entendimento exposto): «Nestes termos, proposta uma acção de despejo com fundamento no uso do prédio para fim diferente daquele a que se destina (1), a acção pode ser julgada procedente com base na prova da falta da residência permanente do inquilino, ainda que não se tenha feita prova bastante do uso do prédio para fim diferente: para tal, é preciso que o autor apresente um articulado superveniente (…), ou apresente réplica, onde alegue esta nova causa de pedir. Outro exemplo: se numa acção de divórcio litigioso, o autor não conseguir provar a violação do dever de assistência por parte do réu (v.g., a falta de custeamento dos encargos da vida familiar, de acordo com os proventos que aufira), não será atendível o facto de ele ter abandonado o lar conjugal e passado viver com outra pessoa, se e quando o autor não procede à alteração da causa de pedir na réplica».
[27] No mesmo sentido, Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1984, pág. 83, onde se lê que o «tribunal deve tomar em consideração os factos constitutivos do direito que se produzirem posteriormente à proposição da acção.
Exemplo característico: O autor é titular do direito sujeito a condição suspensiva; quando propôs a acção destinada a fazer valer esse direito, a condição ainda se não tinha verificado; verificou-se no curso do processo, mas antes do enceramento da discussão. O tribunal, que teria de julgar improcedente a acção, se atendesse ao estado das coisas na data da instauração da acção, deve julgá-la procedente, por força do art. 663.º [hoje, 611.º], pois está obrigado a tomar em consideração o facto superveniente - verificação da condição - facto que tem eficácia constitutiva em relação ao direito do autor».
[28] Este comum (de ambas as partes) erro torna-se tão mais compreensível quanto nos recordarmos que «o regime jurídico do arrendamento urbano tem-se pautado por permanente instabilidade, traduzida em sucessivas reformas e, dentro destas, reiteradas alterações e modificações» (Ac. da RL, de, 19.09.2020 Jorge Leal, Processo n.º 25874/18.5T8LSB.L1-2).
[29] Neste sentido:
. na doutrina - José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 725, onde se lê que, perante «o atual art. 588, a ocorrência do facto constitutivo (igual ou diverso do invocado na petição inicial) deve ser alegada e provada em articulado superveniente; mas o simples decurso dum período que falte para se completar um prazo sem o qual a ação não possa proceder talvez dispense a invocação em articulado superveniente».
Ainda Jorge Henrique Cruz Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, Almedina, 1996, págs. 757 e 758, onde (a propósito da denúncia) se lê que, segundo o art.º 70.º, do RAU, a acção de denúncia do contrato pelo senhorio «deverá ser proposta com a antecedência mínima de 6 meses relativamente ao fim do prazo do contrato, a qual deverá no entanto ser contada, não apenas até à data da propositura, como o preceito parece sugerir, mas até à efectiva citação do arrendatário, como explicitamente o exigia o art. 964-1 CPC e agora se pretende exprimir, embora imperfeitamente, através das disposições combinadas dos nos 1 e 2 do art. 53 RAU.
Se, por qualquer motivo, a citação já não puder efectuar-se com essa antecedência mínima relativamente a um dado termo contratual, não parece que ela deva ser inutilizada ou mesmo não ordenada, indeferindo-se a petição inicial, como já foi julgado.
Semelhante entendimento pecará, em nossa opinião, por excessivo formalismo, visto que a prorrogação forçada do arrendamento apenas tem por efeito adiar a susceptibilidade de denúncia para o termo seguinte.
É, pois, com este significado que em semelhante hipótese terá de ser entendida tal citação, devendo o processo prosseguir. Na pendência dele, paralisam-se as prorrogações do contrato ulteriores à aludida antecedência de 6 meses – de modo que, se a sentença vier a ser proferida depois disso, cpmo geralmente acontece, a denúncia deverá ser decretada para a data em que o termo do contrato se tem por verificado, concedendo então a lei ao arrendatário um prazo de 3 meses sobre o trânsito em julgado da decisão, para desocupar a casa (citado art. 70, in fine)».
. na jurisprudência - Ac. da RL, de, 19.09.2020 Jorge Leal, Processo n.º 25874/18.5T8LSB.L1-2 (porém, com um voto de vencido, de Pedro Martins), onde se lê que, estando «a decorrer um prazo de renovação de contrato de arrendamento urbano habitacional com prazo certo, cujo termo findava a 30 de setembro de 2019, se o senhorio, em julho de 2017, comunicar à inquilina a sua oposição à renovação do contrato, daí extraindo a conclusão, na dita comunicação, de que o referido contrato cessaria os seus efeitos a partir de 30 de setembro de 2018, deverá tal declaração ser interpretada, nos termos do art.º 236.º n.º 1 do CC, como visando evitar a renovação do contrato no termo do período efetivo da renovação em curso, isto é, 30 de setembro de 2019, data em que a referida comunicação produzirá os seus efeitos».
Assim, «se em novembro de 2018 o senhorio reclamar judicialmente o imóvel, invocando a pretérita cessação do arrendamento em setembro de 2018 por força da não renovação do contrato operada pela comunicação de oposição à renovação, e concluindo o tribunal que a dita declaração de oposição só produziria efeitos em 30 de setembro de 2019, deverá, por aplicação do art.º 610.º do CPC, decidir em conformidade, condenando nos respetivos termos».
Reiterando-o, Ac. da RL, de 08.02.2022, Maria da Conceição Saavedra, Processo n.º 966/21.7YLPRT.L1-7; ou Ac. da RL, de 24.05.2022, Micaela Sousa, Processo n.º 7855/20.0T8LRS.L1-7.
Contudo, em sentido contrário (com argumentos que insistem na verificação, à data da propositura da acção, de todos os factos constitutivos do direito invocado - o que me parece que desvaloriza a eliminação do anterior despacho de indeferimento liminar, nomeadamente com esse preciso fundamento, e a permitida consideração que o art.º 611.º, do CPC, faz da sua superveniente verificação, de forma conforme com a economia processual e com a verdade material que sucessivas reformas do processo civil prosseguem -, ou que definem de modo diverso do que aqui se fez a concreta causa de pedir das acções sobre que se debruçam), Ac. da RL, de 08.09.2022, Cristina Lourenço, Processo n.º 7670/21.4T8LSB.L1-8.
Ainda (mas debruçando-se sobre o prazo da separação de facto no divórcio sem o consentimento do outro cônjuge), Miguel Teixeira de Sousa, in https://blogippc.blogspot.com/2021/10/jurisprudencia-2021-66.htmlhttps://blogippc.blogspot.com/2022/09/jurisprudencia-2022-29.html.
[30]   São, aliás, os próprios Réus quem, nas suas contra-alegações, defendem que o contrato dos autos terminará a sua vigência em 31 de Dezembro de 2023, data em que «a declaração [de oposição à sua segunda renovação] pode produzir os seus efeitos».
[31]   Responderia, assim, afirmativamente à 3.ª questão enunciada como objecto de decisão deste Tribunal ad quem («Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente ao ter considerado que não podia diferir para o termo da concreta prorrogação contratual em curso que considerou (de três anos) a manifestação de vontade da Autora em não lhe suceder qualquer outra (vinculando-a ao pedido de que não ocorresse a concreta renovação que situou no final do decurso do primeiro - que tinha como único - ano da antecedente) ?»)