CASAMENTO
REGIME DE BENS
Sumário

A disciplina de que os bens adquiridos na constância de um casamento sob o regime de comunhão de adquiridos conservam a qualidade de bens próprios desde que adquiridos com dinheiro ou valores de um dos cônjuges e tal facto seja mencionado no documento de aquisição ou documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges, aplica-se apenas nas relações dos cônjuges com terceiros, mas já não nas relações entre os cônjuges.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO.
1. No Tribunal Judicial da Comarca de ............, e na sequência do divórcio decretado por sentença transitada, B.......... requereu inventário para partilha dos bens comuns do seu dissolvido casal com C.........., com a qual havia sido casado no regime da comunhão de adquiridos.
2. Nomeado cabeça-de-casal o requerente, como cônjuge mais velho, e após ter sido fixado à causa, na sequência de impugnação deduzida pela requerida do valor de 3.000 Euros atribuído pelo requerente, o valor por ela proposto de 20.000 Euros, o mesmo apresentou a relação de bens de fls.21 e seguintes e da qual fez constar, nomeadamente:
- Verba nº 39 – Um veículo ligeiro de passageiros, Opel ........., de matrícula ..-..-ME, no valor de 9.000 Euros;
- Verba nº 40 – Uma casa de habitação sita na ............., composta de cave com 4 divisões, 1 cozinha, 1 casa de banho e 1 garagem, e rés-do-chão com 6 divisões, 1 cozinha, 3 casas de banho, 2 corredores e 3 terraços, com a superfície coberta de 300 m2, a confrontar a norte, sul, nascente e poente com B.........., inscrita na respectiva matriz sob o artº 2221, não descrita na Conservatória do Registo Predial, com o valor patrimonial de 16.340,62 Euros;
- Verba nº 1 (Passivo) – Dívida que o património comum tem para com as heranças abertas por óbito de D.......... , E.........., F.........., G.........., H.......... e I.......... e J......... e B.........., relativa à parcela de terreno com a área de 2.500 m2, devidamente individualizada, onde está implantada a casa de habitação identificada na verba nº 40, que pertence ao património comum. Essa parcela de terreno é a destacar do prédio rústico denominado ............., da freguesia de ............., inscrito na matriz e do qual são comproprietárias as heranças indivisas acima identificadas, na proporção de 1/6 para todas, à excepção da herança de G.........., que tem 1/12, e J.......... e B.........., que são comproprietários de 1/12. A parcela de terreno com a área de 2.500 m2, na qual está implantada a casa de habitação e que compõe o logradouro da mesma, vale 375.000 Euros.
3. A requerida C........... reclamou da relação de bens apresentada, reclamação em que, além do mais, defende:
- A eliminação da verba nº 39 (veículo Opel ......... de matrícula ..-..-ME) por ser um bem sua pertença exclusiva, já que foi adquirido com dinheiro que lhe foi doado pela sua mãe e com dinheiro resultante da alienação de um terreno exclusivamente seu;
- A verba nº 40 encontra-se incorrectamente relacionada pois a casa de habitação em questão, a que corresponde o artigo matricial nº 2221, é benfeitoria em terreno de outrem e deve ser relacionada como tal, ou seja como um crédito do casal sobre os proprietários do terreno e não como um prédio autónomo pertença do casal;
- A verba nº 1 do passivo, e pelas razões que refere quanto à verba nº 40, não existe nem é devida e não a aceita, sendo despropositado o valor apresentado para o terreno onde está implantada a casa de habitação.
4. Respondeu o cabeça-de-casal no sentido de ser desatendida a reclamação, mais acrescentando que a verba nº 39 foi adquirida na constância do casamento, sendo falso que tenha sido adquirida com dinheiro próprio da requerida, para além de que os bens comprados na pendência do casamento, sem indicação expressa no documento de compra da proveniência dos dinheiros, são comuns, e que a verba nº 40 foi construída em terreno cujos comproprietários são ele próprio, a sua irmã, e os tios de ambos (família L...........), terreno esse em que, em acção ordinária que correu termos no mesmo Tribunal com o nº .../99, e que findou por deserção da instância, a casa foi indicada como benfeitoria no terreno, no valor de 174.579,26 Euros.
5. Notificado para o efeito o cabeça-de-casal apresentou relação de bens corrigida – fls. 43 a 49 – na qual manteve o passivo e as referidas verbas nºs 39 e 40, mas agora, e por força da correcção efectuada, correspondendo-lhe os nºs 38 e 39, relação de bens da qual reclamou a interessada C.........., nos termos expostos em 3., e a que o cabeça-de-casal respondeu também como exposto em 4..
6. O Mmº juiz a quo decidiu a reclamação mantendo a verba nº 38 (veículo), com o fundamento de que a reclamante não identifica o terreno vendido nem especifica os valores que lhe foram doados e os resultantes da venda, e que não foi junto documento de aquisição do veículo pelo que não há lugar à aplicação do artº 1723º CCivil, considerando tal bem comum por força do artº 1725º do mesmo diploma legal, e, no que respeita à casa de habitação, ordenou a sua eliminação porquanto se trata de coisa imóvel e, tendo a reclamante defendido tratar-se de benfeitoria, já que a casa foi construída de raiz, não a qualifica (como necessária, útil ou voluptuária), não havendo lugar à sua qualificação, e, tendo sido construída em terreno alheio, face ao disposto nos artºs 1340º e 1341º do CCivil, e à natureza potestativa da acessão industrial imobiliária, não se pode afirmar que ela pertence ao património comum do casal atento o alegado, desconhecendo-se se foi pago o valor do terreno antes das obras, quais os valores da obra e do terreno, ou se a incorporação deve qualificar-se como tendo sido feita de boa ou de má fé, mais remetendo a apreciação do passivo para a conferência de interessados
7. Deste despacho recorreu a interessada C..........., mais requerendo a atribuição de efeito suspensivo ao agravo, o que foi deferido com a anuência do cabeça-de-casal, formulando nas respectivas alegações as seguintes conclusões:
a) Na reclamação à relação de bens defendeu a eliminação da verba nº 38 (veículo) alegando que o mesmo foi adquirido na constância do matrimónio mas com dinheiro doado pela sua mãe e resultante da alienação de um terreno que lhe pertencia exclusivamente, podendo provar tal alegação por testemunhas no âmbito do processo de inventário, porquanto ao caso não se aplica o disposto na parte final da alínea c) do artº 1723º do CC.
b) A verba nº 39 (casa de habitação), tendo sido construída pelo casal em terreno pertença de herança em que o cabeça-de-casal também é herdeiro, configura uma benfeitoria, não podendo beneficiar do instituto da acessão imobiliária porque o terreno onde foi implantada não era alheio, e, como tal, não podendo a construção ser separada do prédio onde foi implantada e tratando-se de uma casa de habitação com todas as suas componentes e características, deve ser relacionada como crédito do casal o valor correspondente à construção, com independência do terreno onde está implantada, eliminando-se consequentemente o passivo.
8. Contra-alegou o cabeça-de-casal pugnando pela manutenção do decidido no que se refere à verba nº 38 mas que fosse mantida a relação de bens que apresentou quanto às verbas nºs 39 (casa de habitação) e nº 1 (passivo), tendo sido proferido despacho de sustentação.
9. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO.
1. Os factos a considerar são os seguintes:
a) Requerente e requerida contraíram casamento entre si em 12 de Agosto de 1978, segundo o regime da comunhão de adquiridos.
b) Por sentença de 13 de Maio de 2003, o casamento foi dissolvido por divórcio (divórcio por mútuo consentimento).
c) Na pendência do casamento foi adquirido o veículo automóvel de matrícula ..-..-ME.
d) O casal construiu, em terreno de que são comproprietários o cabeça-de-casal, a irmã, e tios de ambos, uma casa de habitação sita na .............., composta de cave com 4 divisões, 1 cozinha, 1 casa de banho, e uma garagem, e rés-do-chão com seis divisões, uma cozinha, 3 casas de banho, 2 corredores e três terraços, com a superfície coberta de 300 m2, a confrontar a norte, sul, nascente e poente com B............, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de .......... sob o artº 2221º, não descrita na Conservatória do Registo Predial.
2. Sendo pelas conclusões que se determina o objecto do recurso – artºs 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPCivil – as duas questões fulcrais a decidir reconduzem-se a saber se deve manter-se na relação de bens o veículo automóvel de matrícula ..-..-ME e eliminar-se dela a verba nº 39, como decidido pelo tribunal a quo, questões que se irão apreciar sob as alíneas a) e b), respectivamente.

a) No regime da comunhão de adquiridos fazem parte da comunhão “os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei – artº 1724º, al. b) do CCivil (diploma e que pertencerão os demais preceitos legais a citar sem outra indicação de origem).
Por sua vez, o artº 1722º, nº 1, al. c) estatui que são considerados próprios dos cônjuges, designadamente, os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior, prescrevendo o artº 1723º, na al. c), que conservam a qualidade de bens próprios os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.
Ora, a interpretação do último dos preceitos legais citados tem gerado controvérsia tanto na doutrina como na jurisprudência.
Uma das interpretações defende que determinado bem só pertence à massa de bens próprios de um dos cônjuges se tiver havido menção da proveniência do dinheiro com que foi adquirido no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges e, em caso de inobservância desses requisitos, tal bem não pode ser exceptuado da comunhão, sendo qualificado como comum – neste sentido P. Lima e A. Varela, CCAnotado, IV Vol., 2ª edição, págs. 425/427, e Ac. STJ de 25/05/2000, CJSTJ, II Vol., pág. 76.
Outra defende que se impõe uma interpretação restritiva da alínea c) do artº 1723º, aplicando-se a sua disciplina apenas nas relações dos cônjuges com terceiros, mas já não nas relações entre os cônjuges.
Neste último campo, as formalidades exigidas na referida alínea não são necessárias, sendo facultada ao cônjuge/adquirente a utilização de quaisquer meios de prova tendentes à obtenção da qualificação como próprio do bem adquirido na constância do casamento.
Se estiverem em jogo somente interesses dos cônjuges esse normativo tem o valor de mera presunção juris tantum, sendo consentida, então para efeitos de qualificação do bem como próprio de um dos cônjuges, a prova por qualquer meio de que o mesmo foi adquirido com dinheiro ou valores próprios desse cônjuge/adquirente – cfr. Pereira Coelho, Curso de Direito de Família, 1986, págs. 488/489, e Acs. STJ de 14/12/95, BMJ 452, pág. 437, de 24/09/96, BMJ nº 459, pág. 535, e de 15/05/01, CJSTJ, II Vol., pág. 75.
Perfilha-se esta última interpretação por se entender que a ideia subjacente à exigência de documentação em causa é a da protecção de terceiros, em especial de credores que contem com a massa patrimonial como garantia (geral) de crédito pelos quais os bens comuns possam ser chamados a responder, o mesmo não acontecendo com os bens próprios dos cônjuges.
Assim, e tendo requerida e requerente indicado prova testemunhal, o incidente de reclamação contra a relação de bens (no caso para exclusão da verba nº 38) pode ser decidido no inventário, depois de efectuadas as diligências probatórias necessárias requeridas pelos interessados ou determinadas oficiosamente pelo juiz – artºs 1349º, 1350º e 1344º, nº 2, do CPCivil (este último aplicável ex vi do artº 1349º, nº 2) – sem prejuízo de o juiz remeter os interessados para os meios comuns ou ressalvar o direito às acções competentes – artºs 1336º, 1349º, nº 3, e 1350º, nºs 1 e 3, todos do CPCivil – quando a decisão incidental da reclamação se mostre inconveniente, atenta a complexidade da matéria de facto subjacente à questão suscitada, por implicar redução das garantias dos interessados, juízo esse que deve ter em conta, por um lado, o interesse em ficarem definitivamente resolvidas todas as questões respeitantes à partilha, “evitando-se incómodos e despesas com o seu protelamento”, e, por outro, o interesse das partes em não verem as “questões apreciadas e decididas de modo precipitado ou indevidamente fundamentadas”, em consequência da prova, necessariamente sumária, compatível com o processo de inventário.
Face ao exposto, merece nesta parte, provimento o agravo por se entender que o disposto no artº 1723º, al. c) deve ser entendido restritivamente, aplicando-se apenas nas relações dos cônjuges com terceiros, mas entre eles, ingressado um bem na comunhão, é admissível a produção de prova testemunhal, destinada a averiguar se ele deve ser excluído da relação de bens no inventário subsequente ao divórcio.

b) No que respeita à verba nº 39 da relação de bens (e consequente reflexo da decisão na verba nº 1 do passivo) o problema a decidir restringe-se à apreciação de uma questão de direito, importando saber se o prédio urbano construído por recorrente e recorrido deve ser qualificado como benfeitoria ou acessão.
Estão as partes de acordo que a verba nº 39 (casa de habitação) foi construída em terreno de que o recorrido é comproprietário, apenas divergindo quanto à forma como deve ser relacionada.
Para que se tratasse de um todo constituído por terreno e construção – prédio urbano com autonomia – propriedade do casal, mister seria que este (o casal, que é dono da construção) tivesse adquirido validamente o terreno onde a implantou, sabido que o terreno se encontra em regime de compropriedade, dele sendo o recorrido comproprietário.
A acessão industrial imobiliária seria então um instrumento válido de aquisição que justificaria agora a sua descrição no inventário do casal como um prédio urbano com autonomia e de sua propriedade.
Se este fenómeno não ocorreu então o terreno tem um proprietário que não é o casal e, como tal, não pode ser relacionado como coisa do casal. Daí que somos levados para a questão de saber como se distingue a benfeitoria da acessão.
Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa, diz o nº 1 do artº 216º. A acessão também implica despesas feitas na coisa que a conservam e melhoram. Só que esta constitui um meio de aquisição, contrariamente àquelas que apenas permitem ao seu autor levantá-las ou receber o seu valor.
Sobre a acessão diz o artº 1340º, nº 1, que se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio e o valor que as obras tiverem trazido à totalidade do prédio for maior que o valor que tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras.
E, nos termos do nº 4 do mesmo preceito legal, entende-se por boa fé se o autor da obra desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno.
Para saber que regime há que aplicar a cada caso, necessário se torna definir a natureza das construções e edificações efectuadas.
A questão não é nova e já no direito anterior ao actual CCivil a doutrina e a jurisprudência procuraram estabelecer critérios de distinção nem sempre pacíficos.
Assim, para os Profs. Manuel Rodrigues (A posse, nº 73) e Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica, I, pág. 274), na acessão alterava-se a substância da coisa, inovava-se, ao passo que na benfeitoria apenas se beneficiava o que já existia.
Já para o Prof. Cunha Gonçalves (Tratado, III, nº 301) a palavra benfeitorias significa o acto de melhorar, aperfeiçoar, fazer bem a uma coisa; mas quem as faz procede sempre como dono ou legítimo possuidor, tanto da coisa principal como da coisa acessória, enquanto na acessão, pelo contrário, uma das coisas não pertence a quem a uniu a outra ou a quem a transformou.
O CCivil vigente optou claramente pelo critério de Cunha Gonçalves, passando o marco divisório a ser constituído precisamente pela existência ou não de uma relação jurídica a ligar o autor da incorporação ao terreno onde foram feitas as obras. Este tem de ser completamente alheio àquele para que de acessão se trate.
Como escrevem P. Lima - A. Varela, CCivil Anotado, III, em anotação ao artº 1340º, que dizem corresponder, com alterações, ao artº 2306º do CCivil de 1867 (e cujo legislador dizem ter incorrido num erro manifesto que deu lugar a uma grave e insolúvel questão que era a de saber a que casos era aplicável o regime das benfeitorias - artº 499º - e para que casos vigorava o regime da acessão – artº 2306º -, havendo por parte do possuidor benfeitorizante boa fé e justo título), a benfeitoria e a acessão, embora objectivamente se apresentem com caracteres idênticos, pois há sempre um benefício material para a coisa, constituem realidades jurídicas distintas. A benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela.
Mas, para haver acessão é ainda preciso que tenha havido incorporação - deve formar-se um único corpo, uma ligação material, definitiva e permanente entre o terreno e a construção nele implantada, de forma a não se poder efectuar a separação sem a destruição da obra -, que o valor que a obra tenha trazido à totalidade do prédio seja maior que o valor que este tinha antes e que ela tenha sido efectuada de boa fé, entendendo-se que esta só existe se o autor da obra desconhecia que o terreno era alheio ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno.
Assim, constituindo os bens comuns no casamento segundo o regime da comunhão de adquiridos um património colectivo – A. Varela, Direito da Família, 434 - se o terreno se integrasse nos bens da comunhão conjugal não existiriam dúvidas em qualificar o acto como benfeitorias.
No caso dos autos, todavia, e apesar de o terreno onde foi construída a casa de habitação ser bem próprio (ainda que em regime de compropriedade) do recorrido, ainda assim, a casa de habitação tem de considerar-se benfeitoria.
Tal decorre da exegese do artº 1340º, nº 1, relativo à acessão, que estabelece dois pressupostos: que um terceiro construa em terreno alheio e que haja boa fé.
Ora, como se refere no Ac. STJ de 27JAN93, CJSTJ, Tomo I, pág. 102, parece pouco curial considerar o cônjuge como um vulgar terceiro, como um estranho que nenhum vínculo ligasse à coisa, pelo que o critério distintivo entre acessão e benfeitorias deve fundar-se na finalidade do regime de ambas as figuras. No caso das benfeitorias atribui-se ao respectivo autor um direito de levantamento, ou de crédito.
No caso da acessão poderá conceder-se um direito de propriedade. Pressupõe um fenómeno que vem do exterior, sem qualquer relação jurídica à coisa. Não parece razoável considerar o cônjuge, ainda que em relação aos bens próprios do outro, como um mero detentor.
Acresce que o nº 1 do referido preceito exclui a comparticipação do proprietário da coisa, exigindo uma exclusividade.
Mas, decisivo é o requisito da boa fé – nº 4.
Confrontada esta disposição com a que define boa fé em matéria possessória – artº 1260º, nº 1 – conclui-se que a lei não pretendeu afastar-se deste último conceito e que, só para evitar dúvidas, no caso especial da acessão determinou taxativamente os casos em que se deve considerar de boa fé o autor da acessão – P. Lima/A. Varela, CCivil Anotado, pág. 164 -, a qual deve existir no momento da construção.
A recorrente sabia que o terreno era alheio pelo que não se pode concluir pela boa fé.
E quanto à autorização para praticar os actos materiais em que a acessão se traduz, ela tanto pode ser atribuída através de uma declaração de vontade expressa, feita pelo comproprietário da coisa, como resultar, por exemplo, de um contrato translativo nulo por falta de forma, tudo a apontar no sentido de que, em tais situações, o proprietário se quis demitir, ou renunciar aos seus direitos sobre a coisa. Ou seja haveria uma causa de extinção da posse de um e o nascer da posse de outro. Uma das posses pode suceder a outra mas nunca co-existir.
Portanto, no caso dos autos, está-se perante benfeitorias e não acessão porquanto o casal não adquiriu o terreno onde implantou a casa de habitação; apenas, para efeitos de partilha, se inscreve, como património comum, o valor da construção, havendo que relacioná-lo no inventário para separação de meações.
Consequentemente, há que eliminar da relação de bens a verba nº 1 (passivo).

III – DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em dar provimento ao agravo, revogando-se o despacho agravado, e, em consequência, ordena-se a eliminação das verbas nºs 1 (passivo) e 39, devendo neste caso relacionar-se como crédito do casal o valor da construção nela referida, e que, relativamente à verba nº 38, seja produzida a prova oferecida para averiguar, se possível, da sua qualidade de bem comum ou de bem próprio.

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Custas pelo agravado.
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Porto, 18 de Novembro de 2004
António do Amaral Ferreira
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha
Estevão Vaz Saleiro de Abreu