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ACIDENTE DE TRABALHO
PROVA PERICIAL
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
JUNTA MÉDICA
Sumário
1.–A prova pericial, e nomeadamente o parecer da Junta Médica em acidente de trabalho, está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova.
2.–Todavia, embora o juiz seja o perito dos peritos, não lhe cabe divergir do mesmo sem que ponderosas razões o motivem, atenta a especialidade dos conhecimentos técnicos dos seus membros.
3.–A Junta Médica não está limitada pelo resultado do exame médico singular e não carece da realização prévia de outras diligências, se os elementos disponíveis nos autos e o exame do sinistrado bastarem para se pronunciar fundada e inequivocamente.
(Sumário do Relator)
Texto Integral
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:
I.– A)- Sinistrada e recorrente: A. Seguradora: Fidelidade, Companhia de Seguros, S.A
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B)- Respeitam os autos a infortúnio sofrido por A., nascida a 18/10/1969, em 3 de setembro de 2020, na Moita, quando ao deslocar-se para o local de trabalho, onde exercia funções de gestora de clientes, sob ordens, direção e fiscalização de Z., SA, sofreu uma queda da própria altura. Na altura auferia a remuneração anual de € 37.666,66. A empregadora transferira a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho para a “Companhia de Seguros Fidelidade - Mundial, S.A.”. A seguradora atribuiu-lhe alta em 15/02/2021. Em exame médico, a perita médica considerou a sinistrada afetada de uma IPP de 8,865%. Em tentativa de conciliação a seguradora discordou do resultado do exame médico tendo requerido a realização de junta médica, que foi realizada pela especialidade de ortopedia. Realizada a junta, a sinistrada pediu a requisição de elementos auxiliares de diagnóstico e a sua submissão a exame complementar ao abrigo do disposto nos art.º 105º e 139º, nº 7, do Código de Processo do Trabalho, entendendo inexistirem nos autos exames auxiliares de diagnóstico anteriores ao acidente de trabalho relativamente ao ombro direito para efeitos de ser possível concluir pela inexistência de sequelas neste local previamente ao sinistro.
O Tribunal a quo lavrou despacho, prévio à sentença, destarte: “Nos termos do disposto no art. 139.º, n.º 1, 2, 6 e 7 do Código de Processo do Trabalho: “1- A perícia por junta médica, constituída por três peritos, tem carácter urgente, é secreta e presidida pelo juiz. 2- Se na fase conciliatória a perícia tiver exigido pareceres especializados, intervêm na junta médica, pelo menos, dois médicos das mesmas especialidades. (…) 6- É facultativa a formulação de quesitos para perícias médicas, mas o juiz deve formulá-los, ainda que as partes o não tenham feito, sempre que a dificuldade ou a complexidade da perícia o justificarem. 7- O juiz, se o considerar necessário, pode determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos.” Em obediência ao referido comando legal foi determinada a realização de perícia por junta médica da especialidade de ortopedia, tendo sido formulados os seguintes quesitos: Foram formulados os seguintes quesitos, que obtiveram as respostas que se passam a fazer constar, subscritas pela UNANIMIDADE do colégio de peritos: 1.-Quais as lesões sofridas pela sinistrada em consequência do acidente participado nos autos? Traumatismo da mão esquerda (contusão óssea ao nível das falanges proximal e médio do 3.º dedo e uma agudização temporária de patologia pré-existente ao nível do ombro direito (já Reconhecida como Doença Profissional). 2.-Quais as sequelas que apresenta em consequência dessas lesões? Dores residuais ao nível do 3.º dedo da mão esquerda. 3.- A sinistrada padece de IPP? Em caso afirmativo, qual o grau de desvalorização em face da TNI?
Sim. A IPP de 1% x 1,5 (fator idade) = 1,5% a corrigir pela IPP atribuída pela CGA por Doença Profissional 10,35% = IPP final 1,34475% (A enquadrar na TNI por analogia no capítulo I.8.4.3.b (variação de 0,00-0,02)).
4.-Tendo sido reconhecida uma doença profissional no ombro direito, e existindo sequelas no ombro direito, existe agravamento da mobilidade do ombro direito atribuível ao acidente de trabalho? Não. a.- Em caso afirmativo, a IPP referida em 3. corresponde à diferença da IPP atual no ombro subtraída da IPP devida à doença profissional? Prejudicado. b.- Em caso negativo ao quesito vertido em a., qual a IPP a atribuir relativamente às sequelas devidas unicamente ao acidente de trabalho? Os peritos consideram que do acidente em apreço não resultaram sequelas ao nível do ombro direito. 5.-Quais os períodos de incapacidade temporária sofridos pela sinistrada? ITA de 04-09-2020 a 12-10-2020; ITP de 10% de 13-10-2020 a 15-02-2021. Data de alta em 158-02-2021. Na sequência de requerimento apresentado pela sinistrada foram solicitados aos Srs. Peritos esclarecimentos relativamente aos elementos em concreto que permitem afirmar a inexistência de sequelas ao nível do ombro direito na sequência do acidente de trabalho e sua análise crítica relativamente aos demais elementos suscetíveis de revelar tal existência. Nesta sequência pelos Srs. Peritos foi referido por UNANIMIDADE terem sido analisados os elementos documentais constantes dos autos, a saber, RMN de 19.04.2018, 26.11.2020, RM datada de 12.11.2015 (todas ao ombro direito), relatório clínico de 11.07.2018, certificação de doença profissional com reconhecimento da mesma com início a 12.11.2015, auto de junta médica da CGA de 27.04.2021, concluindo-se pela existência de patologia degenera-tiva ao nível do ombro direito pelo menos desde 2011, com progressão da mesma ao longo dos anos e sua evolução para quadro de limitação funcional valorizado com IPP de 5%. O sinistro data de 03.09.2020. Do exposto resulta que, ao contrário do referido pela sinistrada, constam dos autos elementos auxiliares de diagnóstico anteriores e posteriores ao sinistro nos quais os peritos integrantes da junta médica se alicerçaram para fundamentar as suas conclusões ao nível da ausência de sequelas provocadas pelo acidente de trabalho no ombro direito. Considera, assim o tribunal, não ser necessária a realização de quaisquer exames auxiliares de diagnóstico uma vez que a resposta aos quesitos se encontra bem fundamentada e conforme a todos os elementos necessários para resposta aos mesmos. Assim, indefere-se o requerido”. Nessa sequência o Tribunal a quo proferiu sentença onde decidiu: “(…) condenar a “Companhia de Seguros Fidelidade - Mundial, S.A." no pagamento à sinistrada: a.-Indemnização a título de incapacidades temporárias no montante global de € 3.720,23, ao qual deverá ser deduzido o montante eventualmente já pago; b.-Juros moratórios vencidos à taxa legal sobre a quantia referida em a. desde 04.09.2020 e vincendos até efetivo e integral pagamento; c.-Capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de € 354,57; d.-Juros moratórios vencidos à taxa legal sobre a quantia referida em c. desde 16.02.2021 e vincendos até efetivo e integral pagamento; e.- Despesas de transporte no montante de € 75”.
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C)-A sinistrada rebela-se contra a decisão final, alegando em sede de conclusões: 1ª-A Seguradora atribuiu alta definitiva à Recorrente em 15/02/2021, tendo-lhe fixado uma incapacidade permanente, decorrente do acidente, de 2,980%. E considerou, entre as sequelas decorrentes do acidente, a verificação de “Tendão supra-espinhoso ligeiramente tendinopático, para a qual contribui rutura parcial bursal nas suas fibras anterior, com extensão de 7 a 10mm médio lateral e com espessura entre 25 a 50% do tendão supra-espinhoso com pequena quantidade de líquido na bursa subacromial o que favorece também natureza aguda desta ruptura parcial bursal do supra-espinhoso”. 2ª-No Relatório do exame médico efetuado pelo Médico, Dr. X, de 07/07/2021, a que a Sinistrada foi submetida por determinação do Tribunal, confirma-se a conclusão da Seguradora - “Tendão supra-espinhoso ligeiramente tendinopático, para a qual contribui rutura parcial bursal nas suas fibras anterior, com extensão de 7 a 10mm médio lateral e com espessura entre 25 a 50% do tendão supra-espinhoso com pequena quantidade de líquido na bursa subacromial o que favorece também natureza aguda desta ruptura parcial bursal do supra-espinhoso” – tendo sido atribuída a incapacidade permanente de 7,41%, como consequência do acidente. 3ª-Em sede de exame médico realizado no Tribunal em 20/09/2021, a Senhora Perita Médica conclui, de forma inequívoca, pela verificação de rutura parcial bursal do tendão supra-espinhoso, como consequência do acidente, com atribuição de incapacidade permanente de 8,865% a partir da data da alta. 4ª-Na tentativa de conciliação a Seguradora discordou do resultado do exame médico, tendo requerido a realização de junta médica. E, submetida a Recorrente a exame por Junta Médica, no INML, em 12/10/2022, esta concluiu, com base nos “elementos clínicos documentais constante no processo” e sem recurso a novos elementos auxiliares de diagnóstico, que “do acidente em apreço não resultaram sequelas do ombro direito”, tendo-lhe atribuído uma incapacidade permanente, resultante do acidente de 1,5%, já incluído o aumento resultante do fator idade. 5ª-Acontece que, não tendo submetido a Sinistrada a quaisquer novos exames, a referida Junta Médica não podia ter chegado a essa conclusão com base nos “elementos clínicos documentais constante no processo”, porquanto, 6ª-No exame por ressonância magnética ao ombro direito a que a Sinistrada foi submetida no âmbito do processo de caraterização da doença profissional, não foi detetada qualquer rutura do tendão supra-espinhoso, tendo-se concluído, aliás, que “Está mantida a espessura e continuidade do tendão supra-espinhoso sem irregularidade do seu contorno ou conteúdo líquido no trajeto nos referidos tendões atribuível a rutura” (Doc. nº 1 junto com o requerimento da Recorrente de 09/11/2022). 7ª-Também em Relatório Clínico do Hospital CUF, de 11/07/2018, com base em RX e Ressonância Magnética, se concluiu pela inexistência, nessa data, de qualquer rutura do tendão supra-espinhoso (Doc. nº 2 junto com o requerimento da Recorrente de 09/11/2022). 8ª-Porém, no exame por ressonância magnética ao ombro direito a que a Sinistrada foi submetida após a ocorrência do acidente de trabalho, foi diagnosticado o seguinte: “Na apreciação do supra-espinhoso demonstramos rutura de espessura parcial da vertente bursal do tendão com redução segmentar da espessura numa extensão transversal de 6,8 mm e extensão no plano antero-posterior de 5 mm” (Doc. nº 3 junto com o requerimento da Recorrente de 09/11/2022). 9ª-Por requerimento de 09/11/2022 a ora Recorrente invocou que essa conclusão da Junta Médica só podia ter resultado de erro, porquanto, tendo-se baseado nos elementos documentais constantes no processo, esses elementos documentais evidenciam a ocorrência de ruptura parcial bursal do supra-espinhoso, resultante do acidente de trabalho e não da doença profissional. 10ª-Por despacho de 07/12/2022, foi determinado o pedido de esclarecimento, pela Junta Médica, sobre “Quais os elementos em concreto que permitem afirmar a inexistência de sequelas ao nível do ombro direito na sequência do acidente de trabalho e sua análise crítica relativamente aos demais elementos suscetíveis de revelar tal existência”. 11ª-Esse “esclarecimento” veio a ser prestado pela Junta Médica nos termos que constam do documento junto aos autos pelo INML em 08/03/2023, sendo certo que, como se pode verificar pelo conteúdo desse documento, a Junta Médica nada esclarece, limitando-se a repetir o erro que determinou o pedido de esclarecimento. 12ª-No Auto de Esclarecimento apresentado pelos Senhores Peritos verifica-se a mesma notória incongruência, isto é, dos elementos documentais aí mencionados, o único que se refere à rutura parcial bursal do tendão supra-espinhoso é o mencionado no nº 3 desse Auto, de 26/11/2020, que é posterior à ocorrência do acidente de trabalho, que ocorreu em 03/09/2020. 13ª-Face a esse “Esclarecimento”, a recorrente reiterou o que havia requerido anteriormente, isto é, afigurando-se manifesto o erro dos Senhores Peritos, a Sinistrada requereu que fosse determinada a requisição de elementos auxiliares de diagnóstico e a sua submissão a exame complementar ao abrigo do disposto nos arts. 105º e 139º, nº 7, do CPT. 14ª-Porém, na douta sentença recorrida foi indeferido esse requerimento, tendo-se considerado que todas as sequelas de que a Recorrente é portadora no seu ombro direito resultaram de doença profissional e não do acidente de trabalho. 15ª-Por outro lado, todos os demais peritos que intervieram neste processo atribuíram a rutura parcial bursal do tendão supra-espinhoso ao acidente de trabalho, a saber: d) Os Serviços Clínicos da Seguradora; e) O Dr. X, que observou a Recorrente, em 07/07/2021, por determinação do Tribunal; f) A Senhora Perita Médica em sede de exame médico realizado no Tribunal em 20/09/2021. 16ª-Face ao manifesto erro de que padece a sentença recorrida bem se justifica a sua revogação e a submissão da Recorrente a uma nova junta médica da especialidade de ortopedia, constituída por peritos diferentes dos que constituíram a primeira junta, ao abrigo do disposto nos art.º 105º e 139º do CPT e 413º e 485º do CPC (vd. acórdão do TRL proferido no processo nº 1491/14.8T2SNT.L1-4, disponível emwww.dgsi.pt). Impetra enfim que se revogue a sentença recorrida e se determine a submissão da Recorrente a nova junta médica da especialidade de ortopedia, constituída por peritos diferentes dos que constituíram a primeira junta, ao abrigo do disposto nos art.º 105º e 139º do CPT e 413º e 485º do CPC.
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A R. contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso e concluindo: 1)A sentença em crise não merece qualquer reparo. 2)A Recorrente não tem qualquer razão ao sustentar que as conclusões da junta médica realizada, mormente no que respeita à inexistência de sequelas no ombro direito emergentes do acidente de trabalho dos autos, resultaram de erro dos três Peritos Médicos que a compuseram. 3)O laudo dos Srs. Peritos Médicos que compuseram a junta médica de ortopedia, foi obtido por UNANIMIDADE, o que naturalmente, engloba o parecer médico do Sr. Perito Médico que representou a sinistrada. 4)Afigura-se manifestamente impossível que os Srs. Peritos Médicos (dois deles especialistas em ortopedia) tenham incorrido no erro apontado pela sinistrada, sobretudo quando em sede de esclarecimentos, voltaram a confirmar o laudo anteriormente dado. 5)Após a análise dos elementos documentais clínicos constantes dos autos, é inequívoco que o recurso interposto pela sinistrada, carece de absoluto fundamento e, que tal reação consiste num manifesto exercício de inconformismo e insatisfação relativamente à avaliação pericial que não foi ao encontro das suas expetativas. 6)A fim de dissipar qualquer dúvida, no que tange à inexistência de sequelas no ombro direito, emergentes do acidente de trabalho dos autos, basta, desde logo, atentar ao teor da Ressonância Magnética de 26.11.2020, a qual atesta a inexistência de lesões de origem traumática!! 7)Estando assente que a Recorrente é portadora de patologia degenerativa ao nível do ombro direito, para que se pudesse estabelecer um agravamento de tal patologia com nexo de causalidade com o acidente ocorrido sempre teriam de se registar lesões traumáticas, o que não se verificou. 8)A rotura de espessura parcial da vertente bursal do tendão supra-espinhoso deve-se à evolução natural da doença profissional no ombro direito de que a Recorrente é portadora, tal e qual como os Srs. Peritos Médicos concluíram, que de forma clara, rigorosa, concisa e devidamente fundamentada, lograram explicar que mantinham o laudo pericial emitido a 12.10.2021 (isto é, a inexistência de sequelas ao nível do ombro direito, emergentes do acidente de trabalho dos autos), elencando exaustivamente os vários exames imagiológicos e complementares de diagnóstico a que tiveram acesso, anteriores e posteriores ao sinistro, para formar tal laudo. 9)No âmbito do princípio da livre apreciação de prova e atendendo aos elementos dos autos, mormente o parecer unânime dos Srs. Peritos das especialidades de ortopedia e medicinal legal, esteve bem a Meritíssima Juiz “a quo” na decisão que proferiu. 10)O exame por junta médica serve para responder a questões de índole clínica, ou seja, essencialmente técnica, estando, por isso, os peritos médicos que a compõem, mais vocacionados para sobre elas se pronunciarem, pelo que o julgador só deve divergir quando tenha à disposição elementos confiáveis que lhe permitam fazê-lo, nesse sentido vide Acórdãos proferidos pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 27.09.2017, no âmbito do Processo n.º 13534/16.6T8LSB.L1-4, e 06.06.2018, proferido no âmbito do processo nº 1464/13.8TTPRT.L1. 11)Estando em causa questões eminentemente técnicas que exigem conhecimentos que o tribunal não dispõe, não podia deixar de ser atendido o entendimento unânime dos senhores peritos médicos de ortopedia, tanto mais que foi subscrito pelo perito médico nomeado pelo tribunal, o qual, pela sua posição externa às partes, tem uma credibilidade acrescido, nesse sentido vide o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do processo 783/13.8TBBCL.G1, de 24.05.2018. 12)O auto de Junta Médica e os respectivos esclarecimentos são absolu-tamente claros e devidamente fundamentados. Não denotam qualquer obscuridade ou juízos contraditórios, nem tão pouco, existe qualquer voto de vencido, não fosse, aliás, o parecer unânime dos Srs. Peritos especialistas em ortopedia e medicina legal, pelo que Meritíssima Juiz “a quo” não cometeu quaisquer lapsos de interpretação, estando a prova devidamente ponderada e analisada. 13)A douta sentença em crise está em total consonância com a prova pericial produzida e não merece a censura que lhe é feita, devendo, por isso, ser integralmente mantida.
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Os autos foram aos vistos.
O DM do MP pronunciou-se no sentido da confirmação da sentença.
Não houve resposta ao parecer.
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II– A) É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objeto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações dos recorrentes, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 87/1 do Código de Processo do Trabalho e 684/3 e 690/1 do CPC. Pretende o recorrente que se verifique se o laudo da junta médica padece de alguma insuficiência ou irregularidade que demanda alguma diligência suplementar, e antes de ser possível proferir a sentença.
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Factos pertinentes: além dos descritos supra, tem-se por assente a factualidade dada por provada nos autos, a saber: A.No dia 3 de Setembro de 2020, cerca das 8h20m, na Moita, quando exercia funções de gestora de clientes, sob ordens, direção e fiscalização de Z., SA, a sinistrada quando se deslocava para o local de trabalho, sofreu uma queda da própria altura. B.À data do acidente a sinistrada auferia a título de retribuição anual €37.666,66. C.A entidade empregadora tinha a sua responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho transferida para a “Companhia de Seguros Fidelidade - Mundial, S.A.” em função da referida quantia. D.Como consequência direta e necessária do acidente resultou para a sinistrada traumatismo da mão esquerda (contusão óssea ao nível das falanges proximal e médio do 3.º dedo e uma agudização temporária de patologia pré-existente ao nível do ombro direito (já Reconhecida como Doença Profissional). E.A sinistrada padece de uma IPP de 1,34475% desde 15/02/2021. F.A sinistrada sofreu os seguintes períodos de incapacidade: ITA de 04-09-2020 a 12-10-2020; ITP de 10% de 13-10-2020 a 15-02-2021. G.A sinistrada despendeu a quantia de € 75 a título de transportes. * * De direito
Se é certo que em regra existe apenas um exame médico e uma junta médica, tal como resulta do regime processual civil aplicável a esta área dos acidentes de trabalho - por força do disposto no art.º 1º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho -, art.º 468 e ss., e designadamente 487, do Código de Processo Civil, não havendo lugar a uma pluralidade de perícias colegiais, também é certo que poderá tornar-se necessário a realização de outros exames nos termos do art.º 139, n.º 7, do Código de Processo do Trabalho. No entanto, para tal importa que outras diligências se imponham com vista a uma aproximação processual máxima à efetiva situação do sinistrado. Quer dizer, é sabido que, nos termos do art.º 389 do Código Civil e 489 do CPC o exame por junta médica está sujeito à livre apreciação do julgador, e só quando confrontado com a insuficiência dos elementos apurados é que cumpre ao tribunal designar outros exames, determinar a obtenção de pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos (neste ponto cfr. ac da RL de 13.07.2016). E a insuficiência referida não se confunde com o desagrado ou o desconforto da parte face ao seu resultado, antes redundando num obstáculo incontornável, porém removível, à descoberta da situação real do sinistrado. E mesmo o tribunal, embora não esteja obrigado a adoptar o parecer da junta médica e nada o impeça de decidir se merece ou não credibilidade, na verdade só deverá afastar-se quando à luz de ponderada apreciação se imponha resposta diversa, porquanto o juiz, sendo num certo sentido, como sói dizer-se, o perito dos peritos(cfr. por todos os ac. da RG de 20-03-2014 e de 19-02-2015, dessa expressão fazendo eco, por ex. o Dr. Alfredo Gaspar no escrito intitulado “O Juiz tem de Continuar a ser o Perito dos Peritos”) não domina as áreas especializadas do saber para as quais estes são chamados (convergindo também, cfr. entre outros o ac. Rel. Lx, de 24.2.2021, rlt. Maria José Costa Pinto, proc. n.º 10167/18.6T8SNT.L1:I-A prova pericial em que se traduzem os exames médicos efectuados no quadro nas acções emergentes de acidente de trabalho, quer de natureza singular, quer de natureza colectiva, está sujeita à livre apreciação do julgador. II-As questões sobre que incide a junta médica são de natureza essencialmente técnica, estando os peritos médicos mais vocacionados para sobre elas se pronunciarem, só devendo o juiz divergir dos respectivos pareceres quando disponha de elementos seguros que lhe permitam fazê-lo). Eis porque a questão se resume a saber se o resultado da junta não é esclarecedor, tornando-se necessárias diligências e exames complementares. Poderia parecer, numa leitura menos aprofundada, que a sinistrada se queixa de não ter sido examinada pela junta médica, e que em face disso as conclusões da perícia colegial não podem colher. Mas não é isso que quer dizer, e nem poderia ser, porque foi observada efetivamente pelo colectivo de peritos. A recorrente insurge-se sim, por exemplo na conclusão n.º 5, é contra o facto de a junta médica se ter pronunciado sem ter pedido outros exames ou requerido outros elementos do foro clínico. Porém, não é isto que resulta do n.º 7 do art.º 139 do CPT. Com efeito, os exames e pareceres complementares e pareceres técnicos (e outras diligências) surgem como forma de ultrapassar um laudo insuficiente, e não como um requisito para legitimar ou fundamentar a junta médica. Ou seja, nada impede que esta se pronuncie tendo em conta o exame da sinistrada e os elementos disponíveis nos autos. Aliás, nem faria sentido que a junta demandasse a realização de diligências desnecessárias ou redundantes, nomeadamente por já constarem dos autos. Portanto, muito simplesmente cabe verificar se o laudo da junta pode ser tomado para fundamentar a sentença, ou se, digamos, por não responder às perguntas ou não ser minimamente motivado, não tem essa aptidão, levantando-se dúvidas pertinentes quanto à sua susceptibilidade de contribuir para o apuramento da real situação da sinistrada. Porém, tal falta de aptidão não se verifica. Os peritos responderam aos quesitos, de forma sucinta mas substancial, justificando as razões da sua interpretação diversa do estado da sinistrada (como faz eco a sentença recorrida). E, mais, fizeram-no unanimemente, não manifestando qualquer divergência entre si. Considerando a referida fundamentação, a pronúncia unânime da junta e a especialidade dos seus componentes, dois dos quais ortopedistas, não se vislumbra motivo para pôr em crise as suas respostas nem razão plausível que fundamente a necessidade de novos elementos. Ou seja, não se vislumbra erro - muito menos manifesto - decorrente do facto de a junta ter interpretado os elementos disponíveis nos autos de modo a concluir que a patologia degenerativa ao nível do ombro direito se relaciona com a progressão de doença degenerativa e não com o acidente. Trata-se de um juízo médico que em si mesmo e nos termos em que é tomado não suscita fundadas dúvidas. De resto, o facto de o exame da sinistrada efetuado por esta entidade colegial ter sido feito mais tarde (como teria necessariamente de ser) nem sequer representa uma desvantagem; bem pelo contrário, tem a vantagem de ser a interpretação mais atualizada do conjunto dos dados disponíveis e da situação daquela. Deste modo, não se vislumbra que a decisão recorrida deva ser censurada. * * III.– Pelo exposto este Tribunal julga improcedente o recurso e confirma a decisão recorrida. Custas do recurso pela recorrente.
Lisboa, 8 de novembro de 2023 Sérgio Almeida Alda Martins Alves Duarte