No cálculo da majoração da remuneração variável do administrador de insolvência, o valor de 5% a que alude o n.º 7 do art. 23º do EAJ, na redacção atribuída pela Lei 9/2022, de 11 de Janeiro, incide sobre o resultado de uma operação aritmética prévia destinada ao apuramento do «grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos», em detrimento de ter como objecto o montante total apurado para satisfação dos créditos.
Processo n.º 476/12.3TYLSB-K.L1.S1
Revista – Tribunal recorrido: Relação de Lisboa, ... Secção
Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I) RELATÓRIO
1. No âmbito do processo em que foi decretada a insolvência da «M.... ........ ............, Lda.», por sentença proferida em 26/3/2012, foi nomeado AA como administrador da insolvência (AI).
2. Foram reclamados e reconhecidos créditos no valor global de € 4.780.306,59.
3. Foram prestadas contas da administração da massa insolvente, julgadas validamente prestadas por sentença transitada em julgado, de onde resulta que o valor de receitas importou em € 411.122,83 e as despesas em € 12.256,18.
4. Elaborada a conta nos autos (22/7/2022), resulta da mesma que as custas ascenderam ao valor de € 4.535,50.
5. O Juiz ... do Juízo de Comércio de ... proferiu despacho nos autos principais (7/9/2022) a fixar em € 21.510,07 a remuneração variável do AI; posteriormente, verificado erro de cálculo, no que toca à “percentagem aplicada para apuramento da majoração”, proferiu novo despacho rectificado (24/10/2022), com a seguinte argumentação e teor:
“Remuneração variável
Foi apurado o valor total de receitas de € 411 122,83.
Deste valor deduzem-se as dívidas da massa insolvente que no caso concreto somam € 17 291,68, divididos da seguinte forma:
- custas do processo de insolvência – € 4 535,50 (alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas);
- despesas da massa insolvente – € 12 756,18 (despesas aprovadas na prestação de contas);
O resultado da liquidação é de € 393 831,15.
A remuneração, achada nos termos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 23.º, é de € 19 691,55 [+ IVA 4 529,06 = 24 220,62].
Para calcular a majoração prevista no n.º 7 do artigo 23.º, há que considerar o valor efetivamente disponível para pagamento a credores que, no caso vertente, é de € 367 150,53 (correspondente ao valor da receita da liquidação, deduzidas as despesas acima elencadas, o valor da remuneração fixa, incluindo impostos, e o valor da remuneração variável, incluindo impostos, antes da majoração).
Foram reconhecidos créditos no valor global de € 4 780 306,59.
O grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos é de 7,68%.
O valor da majoração, calculado nos termos do disposto no referido n.º 7, é então de € 1 409,95 (€ 369 610,55 x 5% x 7,68%).
Fixo, assim, em € 25 954,85 (vinte e cinco mil novecentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos) a remuneração variável do Administrador da Insolvência – valor com IVA.”
6. Inconformado, o AI interpôs recurso de apelação (22/9/2023; ref.ª CITIUS 33654500) para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) do primeiro despacho de 7/9/2022, visando a revogação do despacho e a fixação de tal remuneração variável em € 38.287,52 mais IVA (= 47.093,65), nestes termos: primeira parcela de remuneração variável nos termos do art. 23º, 4 = € 19.814,56; majoração da remuneração variável nos termos do art. 23º, 7 = € 18.472,96.
Notificado do segundo despacho, o AI, nos termos do art. 614º, 2, do CPC, veio alegar (8/11/2023), reiterando a sua argumentação das alegações da apelação, em especial no sentido de a majoração da remuneração variável estatuída no n.º 7 do art. 23º do EAJ (Estatuto do Administrador Judicial: Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro) ser calculada pela aplicação de 5% sobre o montante dos créditos satisfeitos, concluindo pelo valor exigido de € 47.093,65 (com IVA), sendo tal majoração conducente ao valor de € 18.472,96 (mais IVA = € 22.721,74).
Foi proferido despacho de admissão da apelação (28/11/2022).
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Subidos os autos, foi proferido acórdão (28/2/2023) que, identificada a questão recursiva –
“saber se a majoração da remuneração variável do administrador na liquidação, nos termos do artigo 23.º/7 do EAJ, deverá corresponder a 5% do montante dos créditos satisfeitos, ou se, pelo contrário, deverá corresponder à percentagem dos créditos satisfeitos, face à totalidade dos reclamados e admitidos, só então incidindo os referidos 5%.” –,
julgou improcedente o recurso interposto, no que concerne à forma de cálculo do valor da majoração devida, mantendo, consequentemente, a decisão recorrida, rectificada em conformidade com o despacho de 24/10/2022, mas fixando-se, a final, o valor da remuneração variável a pagar ao Administrador da Insolvência (já com IVA) no montante de € 25.996,69.
7. Novamente sem se resignar, o AI Requerente veio interpor recurso de revista para o STJ, tendo por base o art. 629º, 2, d), do CPC, invocando oposição com o acórdão proferido em 20/12/2022 pelo TRL, no processo n.º 22770/19.2T8LSB-F.L1.
Na sequência, foi proferido despacho de convolação oficiosa e configuração da impugnação recursiva em sede e no âmbito da revista prevista no art. 14º, 1, do CIRE.
Notificado para o efeito, o Recorrente juntou certidão comprovativa do acórdão fundamento com nota de trânsito em julgado.
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A finalizar as suas alegações, o Recorrente apresentou as seguintes Conclusões:
“- Objecto e Delimitação do Recurso:
A) O presente recurso tem como objecto o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu: “julgar improcedente o recurso interposto, no que concerne à forma de cálculo do valor da majoração devida, mantendo, consequentemente, a decisão recorrida, rectificada em conformidade com o despacho de 24/10/2022, mas fixando-se, a final, o valor da remuneração variável a pagar ao Administrador da Insolvência (já com Iva) no montante de € 25.996,69.”
B) E, relativamente à fórmula de cálculo da majoração da remuneração variável do Administrador da Insolvência considerou que:
- I. A redacção dada pela Lei n.º 9/2022, de 11/01, ao artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial, no tocante à forma de cálculo da remuneração variável, tem aplicação imediata aos processos pendentes, determinando, no seu n.º 7, que em caso de liquidação da massa insolvente a remuneração variável do Administrador de Insolvência nomeado pelo juiz, deve também atender ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos.
II. Deste modo, o valor dessa majoração, em cumprimento do assim consagrado, deve ser encontrado por aplicação do factor de cálculo previsto no referido normativo legal (5%) à percentagem dos créditos reclamados e admitidos que foi satisfeita, não fazendo sentido, por ignorar aquela referência normativa, aplicar de forma directa os aludidos 5% ao montante disponível para a satisfação da totalidade dos créditos.
C) O Acórdão recorrido está em contradição com o Acórdão da Relação de Lisboa,1ª Secção, Processo n.º 22770/19.2T8LSB-F.L1,no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, designadamente por este último ter decidido que:
“2 – A majoração de 5% prevista no nº7 do art. 23º do Estatuto do Administrador Judicial deve ser calculada sobre o montante disponível para a satisfação dos créditos (montante dos créditos satisfeitos) e não sobre a percentagem dos créditos verificados que venha a ser satisfeita com o mesmo montante.”
D) O Senhor Administrador da Insolvência, no que diz respeito à fórmula de cálculo da majoração da remuneração variável, concorda com plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 1ª Secção, Processo n.º 22770/19.2T8LSB-F.L1.
E) De diferente modo, não concorda com o decidido no Acórdão, objecto do presente recurso, por considerar que o mesmo traduz-se na violação da lei substantiva por erro de interpretação da norma aplicável (artigo 674º nº1 alínea a) do Código de Processo Civil).
- Dos Fundamentos do Recurso:
F) A decisão recorrida confirmou a decisão do Tribunal de primeira instância, que fixou a remuneração variável do Recorrente no valor de 25.996,69 € (valor rectificado por despacho datado de 24/10/2022), sendo fundamento do presente recurso a errónea interpretação do nº7 do artigo 23º do Estatuto do Administrador Judicial.
G) O Recorrente não concorda com a fórmula de cálculo adoptada pelo Tribunal a quo, pelos motivos que se passam a expor:
H) Os artigos 60º nº1 do CIRE e 23º nº1 do Estatuto do Administrador Judicial, dispõem, sobre a remuneração dos administradores judiciais, sendo que, o nº2 do artigo 23º do referido Estatuto, determina os critérios da remuneração variável dos mesmos.
I) A remuneração variável tem como objectivo premiar o trabalho realizado pelo Administrador Judicial, com o intuito de, em benefício dos credores, o incentivar a optimizar o mais possível o seu desempenho, sendo que este incentivo embora seja em benefício dos credores (no sentido em que é um estímulo para o aumento da liquidação) não poderá ficar limitado pelo passivo da insolvência, isto é, pelo valor global dos créditos reconhecidos, montante que o Administrador Judicial não controla.
J) Da análise do teor do nº 7 do artigo 23º do Estatuto do Administrador Judicial conclui-se que o legislador determinou que a majoração da remuneração variável é estabelecida pela aplicação de 5% sobre o montante dos créditos satisfeitos, isto é, sobre o valor pronto a distribuir pelos credores.
K) Sendo clara a letra da lei quando determina que o valor alcançado pela aplicação dos nos 5 e 6 ( do citado artigo 23º) é majorado em 5/prct. do montante dos créditos satisfeitos, não determinando o legislador qualquer outra percentagem.
L) Não obstante, não foi esse o entendimento do Tribunal a quo, ao decidir que: “o resultado da liquidação corresponde ao montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas, sendo depois esse valor majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos.”
E que:
“a redação dada ao n.º 7 do artigo 23.º do EAJ leva-nos a concluir que o legislador não quis alterar de forma significativa o modelo anteriormente em vigor, onde a determinação da quantia tinha por base o grau de satisfação dos créditos (...) pois que continua ainda hoje a usar aquela mesma expressão de “grau de satisfação dos créditos”. A única diferença de relevo, cremos, é que, ainda que se continue a exigir que seja valorado tal grau de satisfação para o cálculo da majoração, hoje o factor dessa majoração será sempre de 5%, mas, também ela, em função dos créditos reclamados, admitidos e satisfeitos, ao contrário da majoração consignada no regime anterior dependente de diferentes factores aplicáveis à “Percentagem dos créditos admitidos que foi satisfeita”, em crescentes escalões.”
M) Em sentido contrário decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 1ª Secção, Processo nº 22770/19.2T8LSB-F.L1, considerando que grau não equivale a percentagem, conforme infra se transcreve:
“Na verdade, grau não equivale a percentagem. Grau é uma “...medida, passo, ordem, classe. (...). Falando das coisas físicas ou morais, diz-se de tudo o que implica aumento ou diminuição, grandeza relativa, tamanho, progresso ou regresso, intensidade maior ou menor, estado, ponto. Percentagem é uma “parte proporcional calculada sobre uma grandeza de cem unidades, a proporção em relação a uma centena ou o número de partes por cada cem”.
Ou seja, a percentagem implica sempre uma relação, uma proporção entre dois números, expressa com base 100 (no caso a relação entre os créditos admitidos e satisfeitos) o que indica um grau de satisfação de créditos, mas não é o único grau possível de satisfação de créditos.
O grau não implica necessariamente uma relação entre dois valores: nesse sentido quanto mais liquidez houver para distribuir pelos credores, maior será a respetiva satisfação, independentemente dos valores reclamados e verificados. Assim, se houver 100 mil euros para distribuir pelos credores, eles receberão mais do que se só existirem dez mil euros para distribuir, independentemente do que tenham reclamado.
N) Considerando ainda que a lei apenas prevê que se aplique 5% ao montante dos créditos satisfeitos – sendo este montante, um grau de satisfação de créditos:
“Neste sentido o montante dos créditos satisfeitos – correspondente ao montante a distribuir – é um grau de satisfação dos créditos que se relaciona, exclusivamente, com o produto do ativo da massa insolvente, alheando-se do passivo do insolvente.
O nº1 do art. 23º deixou de remeter para qualquer Portaria, passando a regular, ele próprio o modo de cálculo. No que aqui nos releva, foi completamente eliminada qualquer referência à percentagem de créditos satisfeitos que nos permita continuar a entender que o grau de satisfação dos créditos referido ainda no nº7 do art. 23º é a percentagem de satisfação dos créditos e não apenas um maior grau de satisfação de créditos não relacional.
A esta leitura acresce uma questão, para nós essencial: eliminada a portaria, o passo material dos cálculos que acha a percentagem dos créditos satisfeitos e faz incidir sobre o valor desta os 5% da remuneração, não está, rigorosamente, previsto.
O que a lei prevê é, apenas que se aplique 5% ao montante dos créditos satisfeitos – sendo este montante, como já vimos, um grau de satisfação de créditos.
Entendemos, assim, que a letra da lei não é mais favorável à interpretação que implica o achamento da percentagem de créditos satisfeitos, nem indica que não se pretendeu alterar o modo de cálculo anteriormente previsto.
O) Para fundamentar este entendimento o Acórdão (em análise) baseia-se nos trabalhos preparatórios da lei, quando menciona:
“Os trabalhos preparatórios ajudam a esta conclusão.
Como se assinalou nos arestos já citados, esta norma foi introduzida na Proposta de Lei do governo, que à entrada no Parlamento não a continha, por via de um acordo entre o Grupo Parlamentar do PS e o Grupo Parlamentar do PSD, sem qualquer referência na exposição de motivos.
Mas, como também já se referiu, é possível localizar os antecedentes imediatos da norma no projeto que nunca veio a ser transformado em Portaria acima já referenciado.
Na formulação projetada – e que não chegou à vigência jurídica – o texto da lei previa como critério o grau de satisfação dos créditos e a portaria concretizava o respetivo modo de cálculo pela aplicação de 5% ao montante dos créditos satisfeitos, eliminando-se, pela revogação expressa e pela eliminação de qualquer referência literal, a ligação à percentagem de créditos satisfeitos.
Este contexto não retira à inserção da norma na Lei no 9/2022, a sua ligação com a transposição da Diretiva 1023/2019 e com as finalidades ali enunciadas de assegurar que “a remuneração dos profissionais se reja por regras que sejam compatíveis com o objetivo de uma resolução eficiente dos processos.” – cfr. art. 24º nº4 da Diretiva.
Esta constatação, ligada com a evidência de que o legislador pretendeu aumentar a remuneração dos profissionais de insolvência e incentivar a diligência na composição e liquidação da massa insolvente, permitem-nos confirmar a interpretação do nº7 que vimos defendendo, numa perspetiva de interpretação teleológica e sistemática – o legislador, prosseguindo estes objetivos, claramente rompeu com um modelo de cálculo anterior, nomeadamente escolhendo passar a regular, diretamente na lei, esse modelo, rasurando o anterior modelo regulamentar. E fê-lo mediante a eleição de regras de cálculo que se desligam dos créditos reclamados, do passivo do devedor, valorando exclusivamente o produto do trabalho do administrador, ou seja, a composição e valor da massa insolvente.
O elemento histórico conhecido, como referido, reforça esta conclusão. Na proposta de portaria que não veio a vigorar, a projetada substituição de portaria por portaria não deixava margem para dúvidas quanto ao rompimento do modelo anterior.”
P) O citado Acórdão considera ainda que, a majoração de 5% sobre o produto a distri buir é concomitantemente um elemento de equilíbrio e um limite travão (intransponível) da remuneração, com a seguinte fundamentação:
“Finalmente, em termos lógicos, as limitações, seja a prevista nº 8 do art. 27º, seja a regulada nº 10 do mesmo preceito quando interpretada no sentido de se tratar de um limite absoluto, posição que subscrevemos, fazem sentido em face a remunerações mais altas, que claramente esta majoração de 5% sobre o produto a distribuir acarreta, sendo um elemento de equilíbrio: a existência de um limite travão intransponível e da possibilidade de redução da remuneração em função, não só dos resultados, mas da concreta atividade desenvolvida. “
Q) Referir ainda que, as regras supra enunciadas, relativamente à remuneração, têm, segundo o Acórdão em referência, de ser lidas à luz dos interesses em jogo, designadamente a satisfação dos credores:
“Porque também estas regras têm que ser lidas à luz dos interesses em jogo: procura-se dignificar e dar melhores condições aos Srs. Administradores para que exerçam as suas funções de forma mais empenhada, diligente e profícua, mas sempre com a finalidade prevista no art. 1º nº1 do CIRE, ou seja, a satisfação dos credores. O aumento absolutamente evidente das remunerações, face ao que até aqui era previsto, tem assim, como fator de equilíbrio um limite absoluto e objetivo, que foi julgado adequado e realiza os interesses dos credores, o que, cremos, reforça a conclusão anteriormente atingida quanto à melhor interpretação a dar ao nº10 do art. 23º do EAJ.”
R) O Recorrente adere à fundamentação do Acórdão acima transcrito, e tomando em consideração aargumentação aduzida, constata-sequeo Tribunala quo, nadecisão recorrida, fez uma interpretação errada do nº7 do artigo 23º do Estatuto do Administrador Judicial.
S) O referido artigo determina, unicamente, a aplicação da percentagem de 5% sobre o valor final a distribuir pelos credores, sem recorrer a qualquer outra fórmula cálculo e/ou proporção, o que é demonstrado pela expressão “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e verificados”, é que a percentagem adicional de 5%, relativa à 2ª parcela da remuneração variável do Administrador Judicial, incide sobre o valor pronto a distribuir pelos credores, que é em si mesmo o grau de satisfação dos créditos verificados.
T) O mesmo que dizer que, o valor pronto a distribuir, corresponde ao valor que os credores irão receber do processo para amortizar a dívida da insolvente (reclamada e reconhecida nos autos).
U) Deste modo, o grau de satisfação do credor é individualmente considerado tendo em consideração o valor da satisfação dos seus créditos reclamados. Sendo que a lei não determina que esse grau de satisfação seja multiplicado pela segunda percentagem de 5% a que se refere o nº 7 (do citado artigo 23º).Pois se fosse esse o intuito do legislador teria legislado no sentido de o grau de satisfação ser multiplicado por 5% do montante dos créditos satisfeitos.
V) Assim, e atendendo a todo o exposto, sobre o resultado da liquidação do activo (deduzido da primeira parcela da remuneração variável a que alude o artigo 23º nº4 alínea b) do Estatuto do Administrador Judicial) é aplicada a percentagem de 5% (a que se refere o nº7), como determina a expressão da lei “ em 5% do montante dos créditos satisfeitos”
W) O Tribunal a quo não poderia ter ignorado a lei, conforme o fez, ao aplicar uma “nova” percentagem, não podendo o Julgador distinguir onde o legislador não distinguiu, nem pode, de igual modo, o intérprete (Julgador) sobrepor o seu próprio critério ao do determinado pelo legislador.
X) Relativamenteàinterpretação dalei, etomando emconsideração o disposto no artigo 9º do Código Civil, a lei só vale uma vez integrada na ordem social, e desde que o objectivo do legislador tenha ficado percetível na lei, o intérprete não o pode ignorar, pelo que, o Tribunal, na decisão recorrida, não poderia ter ignorado o estatuído no nº7 do artigo 23º do Estatuto do Administrador Judicial, conforme o fez.
Z) Referir ainda que, a decisão recorrida encontra-se em contradição com a decisão vertida no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 1ª Secção, Processo nº 22770/19.2T8LSB-F.L1, pelo que estamos perante duas decisões contraditórias, sobre a mesma questão fundamental de Direito, que por questões de segurança e certeza jurídicas, deverá ser sanada.”
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Colhidos os vistos de forma electrónica de acordo com o art. 657º, 2, do CPC, cumpre apreciar e decidir.
II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS
1. Admissibilidade e objecto do recurso
1.1. Estão preenchidos os requisitos gerais do art. 629º, 1, do CPC quanto à questão decidenda: valor da causa, visto o despacho transitado em julgado, e sucumbência mínima, atenta a perda resultante da improcedência da apelação em face do decidido pela 1.ª instância e o montante pedido pelo Recorrente na apelação (e reiterado na revista) pelo Recorrente quanto ao valor da majoração da remuneração variável por aplicação do art. 23º, 7, do EAJ, uma vez confrontado com os despachos de 7/9 e 24/10/2022 e as decisões desfavoráveis de ambas as instâncias (entre as quais reagiu com o pedido considerado relevante para efeitos da consideração do seu decaimento), ou seja, 18.472,96 (mais IVA = 22.721,74) - € 1 409,95 (mais IVA = 1.734,23).
1.2. A decisão de fixação da remuneração variável do AI, em especial na vertente ou parcela da sua majoração (em rigor, cálculo da sua majoração), proferida em 1.ª instância e reapreciada pela Relação, sendo tramitada endogenamente como incidente nos próprios autos de insolvência, rege-se pelo especial regime de recursos previsto no artigo 14º, 1, do CIRE, que configura uma revista atípica e restrita e, por isso, delimitador da susceptibilidade da revista para o STJ em termos exclusivos e excludentes.
Assim, a admissibilidade desta revista depende, em particular, de ser invocada e assente uma oposição de julgados sobre «a mesma questão fundamental de direito» com um (e um só) outro acórdão do STJ ou das Relações, com vista a inscrever tal conflito jurisprudencial como condição de acesso ao STJ («No processo de insolvência e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.»).
Está preenchido o requisito especial da existência de contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, tendo como subjacente uma situação factual equiparável para efeitos jusnormativos, uma vez que o acórdão fundamento do TRL faz – numa das questões decidendas elencadas para julgamento – uma interpretação diversa da que é seguida pelo acórdão recorrido e, ambos no âmbito da nova versão do art. 23º, 7, do EAJ, chegam por isso a resultados diferentes em razão dessa divergência; no ponto 2. do Sumário do acórdão do TRL de 20/12/2022 sustenta-se:
“A majoração de 5% prevista no n.º 7 do art. 23º do Estatuto do Administrador Judicial deve ser calculada sobre o montante disponível para a satisfação dos créditos (montante dos créditos satisfeitos) e não sobre a percentagem dos créditos verificados que venha a ser satisfeita com o mesmo montante.” (cfr. fundamentação a págs. 11 a 16).
1.3. Assim, cabe apreciar do objecto do recurso e do seu mérito: qual o critério de cálculo da majoração da remuneração variável do administrador da insolvência consagrado pelo art. 23º, 7, do EAJ.
Em rigor: o valor de 5% referido nesse normativo tem como objecto o montante total que foi apurado para satisfação dos créditos ou, em alternativa, incide sobre o resultado de uma operação aritmética prévia correspondente ao “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”.
Não está em causa no presente recurso de revista o valor obtido em função da aplicação do critério do art. 23º, 4, b), do EAJ, que não foi objecto de impugnação pelo Recorrente.
2. Factualidade
Avulta como suficiente para a decisão jurídica a constante do Relatório.
3. Fundamentação de direito
3.1. A pretensão do Requerente e Recorrente prende-se com a aplicação dos critérios legais, previstos no art. 23º do EAJ quanto à majoração contemplada no respectivo n.º 7 e seu cálculo, para a fixação dessa parcela da remuneração variável a atribuir ao AI.
O acórdão recorrido tomou posição na controvérsia que tem alastrado nas Relações e concluiu assim:
“(…) duas teses se perfilam na jurisprudência no que concerne aos moldes de fixação de tal remuneração.
Para uns, o montante dos créditos satisfeitos corresponde ao montante a distribuir, ao produto do activo da massa insolvente, alheando-se do passivo do insolvente, pelo que a majoração dos 5% deverá incidir sobre o montante disponível para a satisfação dos créditos e não sobre a percentagem dos créditos verificados que venha a ser satisfeita com esse montante
(…).
Para outros, em sentido contrário, o resultado da liquidação corresponde ao montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas, sendo depois esse valor majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos (…).
Para este colectivo, a segunda tese perfilada é, a nosso ver, a mais consentânea com a letra da lei. Com efeito, a redação dada ao n.º 7 do artigo 23.º do EAJ leva-nos a concluir que o legislador não quis alterar de forma significativa o modelo anteriormente em vigor, onde a determinação da quantia tinha por base o grau de satisfação dos créditos (sustentada na Portaria 51/2005, de 20/01, que estabelecia a forma de cálculo da remuneração variável do administrador da insolvência em processos de liquidação, o que, para este tipo de processos, continuou a ser utilizado, dada a ausência de Portaria aprovada na vigência da Lei n.º 22/2013), pois que continua ainda hoje a usar aquela mesma expressão de “grau de satisfação dos créditos”. A única diferença de relevo, cremos, é que, ainda que se continue a exigir que seja valorado tal grau de satisfação para o cálculo da majoração, hoje o factor dessa majoração será sempre de 5%, mas, também ela, em função dos créditos reclamados, admitidos e satisfeitos, ao contrário da majoração consignada no regime anterior dependente de diferentes factores aplicáveis à “Percentagem dos créditos admitidos que foi satisfeita”, em crescentes escalões.
Ainda que hoje o n.º 1 do artigo 23.º deixe de remeter para qualquer Portaria, passando a regular, ele próprio, o modo de cálculo, não vemos como se possa afastar o grau de satisfação dos créditos, referido ainda no n.º 7 do aludido preceito, da percentagem de satisfação dos mesmos.
Prevendo hoje a lei que a majoração dos 5% seja aplicada ao montante dos créditos satisfeitos, mas em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, não vemos nenhum argumento que nos permita defender que o legislador quis romper com o modelo anterior, adoptando regras de cálculo que se desligam dos créditos reclamados e do passivo do devedor, valorando exclusivamente o produto do trabalho do administrador, ou seja, a composição e valor da massa insolvente.
Defender a total irrelevância do grau (ou percentagem) de satisfação dos credores em face da totalidade dos créditos reclamados, implicaria fazer letra morta do que a lei consagra, interpretação que, à luz dos critérios acolhidos no artigo 9.º do Código Civil, não fica justificada.
(…)
A ser assim, explicado o entendimento adoptado sobre o cálculo da remuneração variável, e da prevista majoração, teremos em atenção que:
(i) foi apurado o valor total de receitas de € 411.122,83;
(ii)as custas do processo de insolvência importaram em € 4.535,50;
(iii) foram validadas por sentença transitada em julgado despesas de € 12.756,18 (despesas provadas na prestação de contas);
(iv) o valor total dos créditos reconhecidos importa € 4.780.306,59.
Neste enquadramento, ao valor total de receitas (€ 411.122,83) deduzem-se as dívidas da massa insolvente, incluindo as despesas validadas em sede de prestação de contas (€ 12.756,18) e as custas (€ 4.535,50).
Assim, temos como resultado da liquidação o valor de € 393.831,15.
Para o valor da remuneração variável temos então que considerar, tal como decorre da al. b) do n.º 4 do artigo 23.º, um total de € 19.691,55 (5% de € 393.831,15).
Para efeitos de majoração, prevista no n.º 7 do artigo 23.º, temos então, por um lado, o valor dos créditos reconhecidos (€ 4.780.306,59) e, por outro lado, o valor efectivamente disponível para pagamento a credores (o que importa deduzir, para além do valor já deduzido das despesas, o valor das remunerações fixa e variável, antes da majoração), o que, no caso, importará em € 371.679,60 (€ 393.831,15 - € 2460,00 - € 19.691,55).
Nestes moldes, e dado que, como vimos, foram reconhecidos nos autos créditos no valor global de € 4.780.306,59, o grau de satisfação dos mesmos será de 7,77% (€371.679,60x100: €4.780.306,59), pelo que o montante da majoração devida terá de fixar-se em € 1443,97 (€371.679,60x7,77%x5%).
Assim se alcançando o valor total da remuneração variável do Administrador da Insolvência (já com IVA) de € 25.996,69 (€19.691,55 + €1.443,97) x 23% (valor de € 4.861.17), diferenciando o valor alcançado do exarado pela secção no processo por se entender, apenas e tão só, que o valor IVA deve aplicar-se sempre a final, em face da neutralidade que deve assumir este imposto.
Donde, e sem mais, improcede o recurso e confirma-se a decisão recorrida, no que concerne à forma de cálculo do valor da majoração devida, rectificada em conformidade com o despacho de 24/10/2022, ainda que pelo valor aqui alcançado.”
3.2. Chegada ao STJ, a questão jurídica controvertida – que alastrou com divergência pelas Relações – tem sido apreciada e julgada de forma constante por esta 6.ª Secção, desde que, atendendo à sua competência especializada em matérias da insolvência, foi chamada a pronunciar-se.
Referimo-nos aos Acs. do STJ de 18/4/20231 e de 16/5/20232.
No primeiro dos arestos encontramos o fio argumentativo essencial essencial para a delucidação da matéria em sede de interpretação e aplicação ao caso.
Transcreve-se.
“A formulação literal do n.7 do art.23º do EAJ não é isenta de dificuldades interpretativas.
Tais dificuldades identificam-se também quanto à determinação do sentido e alcance de outras disposições que regem a remuneração do administrador judicial (tanto enquanto administrador de insolvência, como enquanto administrador judicial provisório), das quais aqui se não cuidará porque o objeto do presente recurso se restringe ao n.7 do art.23º3.
A remuneração do administrador judicial em processo de insolvência, havendo liquidação, é integrada por uma parte fixa (art.23º, n.1) quantificada em €2.0004 e por uma parte variável, subdividida em dois vetores: um previsto nos números 4 e 6 do art.23º e outro previsto no n.7 (majoração). É apenas este segundo vetor da remuneração variável que está em causa no presente recurso.
Dispõe o n.7 do art.23º do Estatuto do Administrador Judicial5:
«O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5/prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.»”
∗
“A tese defendida pelo recorrente (e com respaldo no acórdão fundamento) implica desconsiderar um segmento literal do n.7 do art.23º; precisamente aquele onde se lê: «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos».
Amputando a norma deste segmento literal, ela apresentaria a seguinte configuração:
«O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado (…) em 5/prct. do montante dos créditos satisfeitos (…)».
Com tal literalidade, o n.7 do art.23º expressaria claramente a tese que o recorrente pretende ver aí consagrada.
Porém, desconsiderar um segmento de uma norma (como se dele tivesse sido amputada) equivale a fazer uma interpretação ab-rogante dessa norma, ou seja, significa concluir que o legislador expressou aquilo que não queria dizer, e que, portanto, tal disposição não pode ter qualquer sentido normativo útil.
O intérprete concluiria, como afirma Oliveira Ascensão «(…) que esse texto proclamado como lei não contém, apesar das aparências, nenhuma regra.»6
Porém, tendo presentes o “princípio do aproveitamento das leis” e a “presunção de racionalidade da legislação”7, no percurso interpretativo do conjunto das regras que disciplinam a remuneração do administrador de insolvência, chega-se à conclusão que não existe oposição com qualquer outra norma que permita sustentar uma interpretação ab-rogante (lógica ou valorativa) do segmento literal «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos» do n.7 do art.23º.
Efetivamente, numa análise intra-sistemática, conclui-se que esse segmento do n.7 não conflitua com qualquer outro dos números do art.23º (que preveem hipóteses distintas da hipótese de majoração da remuneração do administrador). Ampliando o campo de análise às demais normas que, direta ou indiretamente, respeitam à matéria da remuneração do administrador, também não é identificável qualquer disposição de natureza especial ou de prioridade sistemática que pudesse esvaziar de sentido lógico ou normativo o segmento do n.7 do art.23º que aqui está em equação.
Conclui-se, portanto, não existir fundamento para fazer uma interpretação ab-rogante do referido segmento dessa norma.”
∗
“Considerando que o legislador se pode expressar de modo imperfeito, mas que não cria disposições inócuas, deverá o intérprete encontrar um sentido normativamente útil para o referido segmento do n.7 do art.23º, tendo presentes os parâmetros previstos no art.9º do Código Civil.
Nestes termos, e num percurso dialógico com a tese do recorrente, cabe apurar se as alterações introduzidas pela Lei n.9/2022 permitirão uma interpretação restritiva do n.7 do art.23º, teleologicamente orientada pelo propósito legislativo de aumentar a majoração da remuneração do administrador.
Para se responder a tal questão, e perceber se a Lei n.9/2022 teve como propósito alterar o critério normativo destinado a encontrar a fórmula da majoração, há que ter presente a evolução legislativa das disposições reguladoras da majoração da remuneração do administrador de insolvência.
Que a Lei n.9/2023 alterou a percentagem a aplicar ao montante a ser considerado para efeitos de majoração não existem dúvidas, pois a nova redação dada ao n.7 do art.23º é clara ao consagrar uma percentagem de 5%, em vez da percentagem que se encontrava estabelecida, entre 1% a 1.6%, pela Portaria n.51/2005, de 20 de janeiro (que, nessa matéria, ficou esvaziada de sentido normativo).Questão diferente, e é essa que ocupa o objeto do presente recurso, é a de saber a que montante se aplica aquela percentagem de 5%.
Como já referido, a atual redação do n.7 do art.23º do EAJ foi introduzida pela Lei n.9/2022. Porém, a expressão «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos» não surgiu ex novo com a reforma introduzida por essa lei; ela já constava das normas que antecederam o n.7 do art.23º.
Tal expressão tem um lastro legislativo que remonta à Lei n.32/2004 (antigo Estatuto do Administrador da Insolvência)8, cujo artigo 20º, n.4 dispunha:
«O valor alcançado por aplicação da tabela referida no n.º 2 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos factores constantes da portaria referida no n.º 1.»
A portaria para a qual esta norma remetia era a Portaria n.51/2005, de 20 de janeiro, do Ministério das Finanças e da Administração Pública e do Ministério da Justiça, cujo Anexo II continha uma tabela onde se encontravam previstos os fatores de majoração da remuneração do administrador, estabelecendo uma lista de correspondência entre a percentagem dos créditos reclamados que foram satisfeitos e o respetivo fator de majoração (entre 1% e 1,6%).
Quando a Lei n.32/2004 foi revogada pela Lei n.22/2013 (que estabeleceu o Estatuto do Administrador Judicial) aquela norma passou a corresponder ao n.5 do artigo 23º do EAJ, com o seguinte teor:
«O valor alcançado por aplicação das tabelas referidas nos n.os 2 e 3 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1.»
Continuou a fazer-se a remissão para a referida Portaria n.51/2005, a qual continuou em vigor, apesar de ter ficado desatualizada, pois literalmente continuava a referir-se ao artigo 20º da Lei 32/2004 (revogada pela Lei 22/2013).
Com a alteração introduzida no art.23º pelo DL n.52/2019 (de 17 de abril), o alcance normativo do n.5 deste artigo não se alterou, tendo a alteração consistido apenas num ajustamento à numeração que antecedia esta norma.
O seu teor passou a ser o seguinte:
«O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 3 e 4 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1.»
Com a Lei n.9/2022, a previsão que até então se encontrava no n.5 do art.23º passou para o n.7 deste artigo, tendo desaparecido a remissão para a Portaria n.51/2005. Ao mesmo tempo, o legislador operou uma alteração relativamente às percentagens que antes constavam dessa portaria. Assim, em vez da percentagem que variava entre 1% e 1.6%, aplicáveis ao montante resultante do fator de satisfação, a lei 9/2022 estabeleceu uma percentagem fixa de 5%, que passou a constar do n.7 do art.23º.
Constata-se, assim, que com a Lei n.9/2022 o legislador não abandonou o critério normativo correspondente à expressão «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos», que já vinha da Lei n.32/2004.
Todavia, na nova redação do n.7, ao procurar explicitar o objeto de referência daquela percentagem, o legislador referiu-se ao «montante dos créditos satisfeitos», o que sustenta a tese do recorrente no sentido de os 5% respeitarem à totalidade dos créditos satisfeitos, rectius, ao montante total destinado à satisfação dos créditos.
Apesar de literalmente imperfeita, essa expressão [montante dos créditos satisfeitos] não é necessariamente contraditória com o segmento literal que a antecede.
Na realidade, o montante a que se chega depois de aplicado o fator correspondente ao grau de satisfação dos créditos não deixa de ser um montante de créditos satisfeitos, ou seja, um montante destinado à satisfação de créditos.”
∗
“Feito este percurso histórico, pode concluir-se que se o legislador da Lei n.9/2022 tivesse pretendido alterar o critério normativo (que já vinha da Lei n.32/2004) dificilmente se compreenderia que não o tivesse feito de forma clara, abandonando a expressão «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos».
Porém, não se identifica qualquer argumento sólido para sustentar essa eventual mudança de orientação legislativa. É inequívoco que a Lei n.9/2022 pretendeu favorecer o administrador, alterando a percentagem da majoração para 5%, em vez dos valores mais reduzidos que constavam da Portaria n.51/2005. Mas não é possível concluir que o legislador o tivesse pretendido favorecer em mais do que isso.
Ao manter o valor da remuneração fixa (em 2.000 €), no n.1 do art.23º, não parece que o legislador tenha dado um sinal de pretender melhorar significativamente a remuneração do administrador independentemente dos resultados alcançados pelo seu labor em cada caso concreto. Neste sentido, é possível concluir que o legislador terá pretendido fazer depender uma maior remuneração de um maior grau de empenho do administrador na satisfação do interesse dos credores.
Por outro lado, tendo presente que a Lei n.9/2022 transpôs a Diretiva 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, importa indagar se (nos considerandos ou no articulado) tal Diretiva contém alguma referência à remuneração do administrador.
Entre as medidas destinadas a aumentar a eficiência dos processos de insolvência, encontra-se o artigo 27º daquela Diretiva, o qual se refere à supervisão e à remuneração do administrador.
No n.4 deste artigo dispõe-se que:
«Os Estados-Membros asseguram que a remuneração dos profissionais se reja por regras que sejam compatíveis com o objetivo de uma resolução eficiente dos processos.»
Embora desta disposição não resulte um comando legislativo destinado a modelar diretamente as normas reguladoras da remuneração do administrado, o apelo a um propósito de eficiência compatibiliza-se melhor com uma majoração calculada «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos» (como consta do n.7 do art.23º do EAJ) do que com uma interpretação que não depende de qualquer grau de satisfação.
Pode ainda acrescentar-se que, caso subsistissem dúvidas interpretativas quanto à definição do critério de calculo da majoração que o legislador terá pretendido consagrar no n.7 do art.23º, constatando-se que determinado critério favorece mais os interesses do administrador, enquanto que o critério alternativo favorece mais os interesses dos credores, sempre os princípios estruturantes do regime da insolvência haveriam de ser ponderados para dissipar tais dúvidas. E a resposta encontrar-se-ia no artigo 1º do CIRE, nos termos do qual o processo de insolvência tem como finalidade a satisfação dos credores, nomeadamente através da repartição do produto da liquidação do património do devedor.”
3.3. Considerando que a bondade e acerto desta argumentação merece ser sufragada, apropria-se dela este acórdão e remete-se para esse efeito para o precedente e transcrito acórdão do STJ, assim como o proferido em 16/5/2023, que nela igualmente se ancorou, ao qual se adere nos termos do art. 663º, 5, 2ª parte, ex vi art. 679º, do CPC.
Destarte, não merece censura o acórdão recorrido, improcedendo as Conclusões do Recorrente, confirmando-se o acórdão recorrido quanto à interpretação e aplicação do art. 23º, 7, do EAJ.
3.4. Porém, no âmbito do art. 5º, 3, do CPC, merece que, também nesta sede da revista, se verifique e registe que – salvo erro de juízo e melhor opinião – a fórmula de cálculo seguida pelo acórdão recorrido, omitiu, no valor efectivamente disponível para pagamento a credores, a imputação do IVA sobre o valor da remuneração variável fixada à luz do n.º 4, al. b), do art. 23º (ao invés do que fez para o valor da remuneração fixa do n.º 1 do art. 23º (€ 2.000)).
Logo, deverá ser deduzida, para efeito do “valor efectivamente disponível para pagamento a credores”, o valor da primeira parcela de remuneração variável com ponderação do imposto devido no pagamento – como foi feito pela decisão de 1.ª instância, que merece ser sufragada neste detalhe das contas a fazer para obter a majoração aqui discutida (com o correspondente grau de satisfação de 7,68%), ainda que – adicionalmente em relação a esse despacho de 1.ª instância – com rectificação oficiosa de lapsos de escrita (art. 614º, 1, in fine, CPC, interpretado de acordo com o art. 6º, 1, do CPC9) no cálculo da majoração (a saber: 367.150,55 x 5% x 7,68% = € 1409,85); sendo o valor de 367.150,55 resultante de (€ 393.831,15 - € 2460,00 - € 24.220,60); sendo o valor da percentagem de créditos satisfeitos de 7,68% resultante de (€367.150,55 / €4.780.306,59).
Assim, a majoração de remuneração variável ascende a € 1409,85 + IVA = € 1.734,11, sendo o valor final de remuneração variável correspondente a € 25.954,71 (com IVA).
III) DECISÃO
Em conformidade, julga-se improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido na interpretação do art. 23º, 7, do EAJ e repristinando-se a decisão de 1.ª instância na aplicação em conformidade dessa norma, com correcção do cálculo e rectificação dos lapsos de escrita no respectivo cálculo, tal como julgado nesta sede.
Custas pelo Recorrente.
STJ/Lisboa, 2 de Novembro de 2023*
Ricardo Costa (Relator)
Graça Amaral
Luís Espírito Santo
SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).
________________________________________________
* Rectificado por acórdão proferido em conferência de 16/11/2023.
1. Processo n.º 3947/08.2TJCBR-AY.C1.S1, Rel. MARIA OLINDA GARCIA, in www.dgsi.pt.↩︎
2. Processo n.º 453/11.1TBCDN-M.C1.S1, Rel. MARIA OLINDA GARCIA, in www.dgsi.pt.
Em ambos, foi 1.º Adjunto o aqui Relator.↩︎
3. Para uma análise detalhada dos múltiplos problemas interpretativos emergentes da atual disciplina da matéria sobre a remuneração do administrador judicial, veja-se: Nuno Araújo, “A remuneração do Administrador Judicial depois de abril de 2022”, in Data Venia – Revista Jurídica Digital, n.13, 2022.↩︎
4. Este montante já constava da Portaria n.51/2005 (de 20 de janeiro), passando a ser referido diretamente pelo n.1 do art.23º após a alteração introduzida pela Lei n.9/2022, a qual manteve tal montante inalterado.↩︎
5. Aprovado pela Lei n.22/2013 (entretanto, objeto de múltiplas alterações).↩︎
6. O Direito – Introdução e Teoria Geral (13ª ed.), página 428.↩︎
7. Vd. Oliveira Ascensão, op. cit., página 429.↩︎
8. Revogada pela Lei n.22/2013.↩︎
9. V. JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, “Artigo 614º”, Código de Processo Civil anotado, Volume 2.º, Artigos 362.º a 626.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, pág. 732 (“a correção é feita (…) pelo tribunal superior (quando só perante ele a questão seja levantada)”.↩︎