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RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PERSI
Sumário
- O conceito de “acção judicial” contido no art. 18º, nº 1, al. b), do D.L. nº 227/2012, remete-nos para qualquer procedimento que envolva a preterição do procedimento extrajudicial prévio previsto nesse diploma legal que consubstancie a “satisfação” do crédito em questão. - De acordo com esse interpretação, deve-se considerar-se abrangida por esse conceito a reclamação de créditos em sede de processo de execução.
Texto Integral
O recurso foi admitido na espécie, com o efeito e regime de subida adequados, nada obstando ao seu conhecimento.
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I – Relatório
- Recorrente(s): Banco 1..., S.A. ;
- Recorrido/a(s): AA E BB.
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O Banco 1..., S.A., é Credor Reclamante nos autos à margem identificados, em que são Executados AA e CC.
Além da Banco 2..., S.A. (actualmente EMP01... Company), que reclamou um direito de crédito, por apenso à execução de que depende o presente apenso, no montante global de 70.474,97€ emergente de Contrato de Mútuo com Hipoteca, cujo cumprimento se encontra garantido por hipoteca constituída e registada pela Ap....87 de 12/04/2013 sobre o imóvel descrito com o n.º..., também o Banco 1... S.A. reclamou um direito de crédito no montante de 102.697,38€ (quantia esta corrigida no articulado junto em 23/09/2019) invocando um Contrato de Mútuo com Hipoteca, cujo cumprimento se encontra garantido por hipoteca constituída e registada pela Ap....7 de 2007/01/09 sobre o imóvel penhorado nos autos principais e descrito sob o n.º...48.
A final, no presente apenso, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, decide-se:
- Julgar improcedente a reclamação apresentada nos autos pelo Banco 1..., S.A., suportando, nesta parte, o credor reclamante as custas da presente instância de relação de créditos.
_ Julgar procedente a reclamação de créditos e, em consequência, reconheço o direito de crédito reclamado Banco 2..., S.A e actualmente detido pela EMP01... Company, procedendo à sua graduação da seguinte forma:
Verba n.º3
1.º Crédito reclamado pela EMP01... Company (anteriormente detido e reclamado pela Banco 2..., S.A.);
2.º Crédito exequendo.
Condeno ainda os executados/reclamados no pagamento das custas do concurso de credores, as quais saem precípuas do produto dos bens em causa – art. 541.º do Código de Processo Civil.
Registe e notifique. ”
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Inconformada com tal decisão, dela interpôs a Reclamante Banco 1... presente recurso de apelação, em cujas alegações formula as seguintes
conclusões:
I. A sentença proferida julgou e absolveu os reclamados/impugnantes da instância de reclamação de créditos apresentada pelo aqui Recorrente, com fundamento no facto de, ao não ter procedido nos termos prescritos no diploma legal Decreto-Lei n.º 277/2012, de 25 de Outubro, incumpriu o Banco 1..., ora reclamante, os seus deveres no âmbito do contrato que deu causa à presente reclamação de créditos, não estando, deste modo, o Banco 1... legitimado a intentar acções judiciais, como têm de ser entendidos os presentes autos de reclamação de créditos, pelo que, atenta a impugnação do crédito levada a cabo pelos reclamados/impugnantes, julgou procedente a excepção dilatória prevista no artigo 18º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
II. Salvo o devido respeito que nos merece, laborou em erro o Tribunal a quo ao proferir a douta decisão recorrida, que julgou improcedente a reclamação de créditos apresentada pela Recorrente.
III. A questão que importa discutir é se podia o Tribunal a quo decidir que é condição sine qua non para o exercício do direito de reclamar o respectivo crédito o cumprimento do PERSI pelo Credor Reclamante, aqui Recorrente.
IV. O Tribunal deu como provado que, efectivamente, o credor reclamante Banco 1... concedeu aos reclamados um crédito à habitação no valor de € 100.000,00, atento o teor da escritura de mútuo com hipoteca junta aos autos pelo credor reclamante.
V. Acontece que, o julgamento a final do não reconhecimento do crédito reclamado tem como único fundamento o não reconhecimento da prova produzida como sendo cabal e suficiente para comprovar a abertura, integração e extinção do PERSI, e, em consequência, entender que isso seria condição sine qua non para o exercício do direito de reclamar o respectivo crédito, na medida em que o Tribunal a quo equipara o acto de reclamar crédito à interposição de uma acção judicial, entendimento que o Recorrente não concorda.
VI. O impedimento que consta na alínea b) do nº 1 do art. 18º do DL n.º 277/2012 é o de intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
VII. Reclamar créditos nos termos e para os efeitos do artigo 788º do Código de Processo Civil (CPC) pode ser equiparado, para efeitos daquela disposição legal, a interpor uma acção judicial? Não nos é possível alcançar em que me medida tal seria equacionável!
VIII. Quem intentou a acção judicial na qual o Recorrente foi reclamar créditos por apenso foi o Exequente; O Recorrente assume a qualidade de credor reclamante, é um terceiro na acção, que tem o direito a nela intervir em virtude do bem imóvel objecto da sua garantia real (hipoteca) ter sido penhorado à ordem daquele processo.
IX. Ao reclamar créditos, o Recorrente está a fazer uso de uma prerrogativa legal, mas não está a intentar nenhuma acção judicial.
X. Caso fosse essa a factualidade dos presentes autos, poderia eventualmente considerar-se se o entendimento plasmado na sentença recorrido poderia ter algum acolhimento, conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no âmbito do processo nº 2711/15.7T8GMR-C.G1, disponível em www.dgsi.pt: “O credor que pede a renovação da execução extinta ao abrigo do art. 850º, n.º 2, do C.P.C., está obrigado a demonstrar nessa fase que deu cumprimento aos princípios e regras imperativas do PERSI junto do devedor, se lhe for aplicável o DL nº. 227/2012 de 25/10, sob pena de verificação de uma excepção dilatória inominada.” (realce e sublinhado nosso).
XI. A contrario é possível concluir que, não tendo o credor reclamante requerido a renovação da execução e, consequentemente, não assumindo a posição de exequente, não está obrigado a demonstrar que deu cumprimento aos princípios e regras imperativas do PERSI junto do devedor!
XII. Caso o entendimento perfilhado na sentença recorrida pudesse proceder, i.e., equiparar uma reclamação de créditos ao acto de interposição de uma acção judicial, com a consequente aplicabilidade do disposto na alínea b) do nº 1 do art. 18º do DL n.º 277/2012, faria com que um credor com garantia real pudesse ver o imóvel objecto daquela garantia ser vendido numa execução de terceiros, o seu crédito não ser reconhecido e graduado e, consequentemente, não ser ressarcido pelo produto da venda, sendo simultaneamente expurgado da garantia real de que dispunha, sem nada poder fazer.
XIII. Não seria um ónus demasiado pesado? Seria realmente isso que o legislador pretendia? É que no caso do credor reclamante assumir a posição de exequente em virtude de ter requerido a renovação da instância, caso a excepção dilatória inominada aqui em causa viesse a ser conhecida e os executados absolvidos da instância, a garantia real mantinha-se inalterada, na medida em que a execução não iria prosseguir.
XIV. Mas situação completamente diversa é o caso dos presentes autos, em que o Recorrente não assume a posição de exequente, em que é apenas um credor reclamante, e o imóvel penhorado já foi vendido a terceiro.
XV. O impedimento previsto na alínea b) do nº 1 do art. 18º do DL n.º 277/2012, apenas obsta a que a instituição de crédito intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito, não obsta a que a instituição de crédito reclame créditos numa acção/execução intentada por terceiros.
XVI. Situações diferentes exigem entendimentos, conclusões e, a final, sentenças diferentes, que é o que se pretende e espera com o presente recurso.
XVII. Em face do alegado e no interesse da realização da justiça, entende-se que deve a decisão do Tribunal a quo ser revogada.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso e ser revogada a Sentença Recorrida, …
Os Recorridos apresentaram contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso.
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Tendo em conta que a questão em apreço se revela simples, incidindo sobre matéria de direito já apreciada por outras decisões de Tribunais de recurso de forma tendencialmente uniforme, de acordo com o disposto nos arts. 652º, nº 1, al. c), e 656º, do Código de Processo Civil, decide-se sumariamente a presente apelação.
II – Delimitação do objecto do recurso e questões prévias a apreciar:
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
As questões enunciadas pela recorrente podem ser sintetizadas da seguinte forma: será a reclamação de créditos uma acção judicial para os efeitos do art. art. 18º, nº 1, al. b), do D.L. nº 227/2012?
III – Fundamentos
1. Factos
São os que emergem do acima relatado e da decisão recorrida, que aqui damos por reproduzidos (663º, nº 6, do C.P.C.).
2. Direito
A questão suscitada prende-se única e exclusivamente com a melhor interpretação do art. 18º, nº 1, al. b), do D.L. nº 227/2012.
Tudo o resto, que é pressuposto da aplicação do regime legal em causa deve ser considerado assente, nos termos do art. 635º, nº 5, do C.P.C..
A norma em causa estabelece que (1) no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: (…) b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito; (…).
Ora, de acordo com a regra que no nosso sistema jurídico rege a interpretação da lei (1.) esta não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. (2.) Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. (3). Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Entre os princípios que deve, de acordo com esta norma, orientar a interpretação da lei, está o da reconstituição do pensamento legislativo.
O diploma em causa, estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações.
A propósito, refere-se no preâmbulo do diploma em causa o seguinte…
“A degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e o aumento do incumprimento dos contratos de crédito, associado a esse fenómeno, conduziram as autoridades a prestar particular atenção à necessidade de um acompanhamento permanente e sistemático, por parte de instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adopção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias.
Neste contexto, com o presente diploma pretende-se estabelecer um conjunto de medidas que, reflectindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as actuais dificuldades económicas.
Em concreto, prevê-se que cada instituição de crédito crie um Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI), fixando, com base no presente diploma, procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito que, por um lado, possibilitem a detecção precoce de indícios de risco de incumprimento e o acompanhamento dos consumidores que comuniquem dificuldades no cumprimento das obrigações decorrentes dos referidos contratos e que, por outro lado, promovam a adopção célere de medidas susceptíveis de prevenir o referido incumprimento.
Adicionalmente, define-se um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor. (…) O presente diploma visa, assim, promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a actuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários.”
Assim, neste contexto legislativo e histórico, o que pretendeu o legislador que implementou a regra estabelecida na citada al. b), do nº 1, do art. 18º, foi instituir um procedimento extrajudicial célere que visasse proteger o consumidor das consequências de um incumprimento que pudesse ser regularizado ou superado com o devido acompanhamento das instituições de crédito, estipulando que a omissão desse procedimento obstaria à instauração de qualquer acção judicial que visasse a sua satisfação.
Assim, a letra da lei, maxime o conceito de acção judicial, remete, em nosso entender, para qualquer procedimento que envolva a preterição daquele procedimento extrajudicial prévio e consubstancie a “satisfação” do crédito em questão, sob pena de se defraudar a intenção expressa pelo legislador.
Ora, a reclamação de créditos em apreço não deixa de ser um procedimento judicial, uma verdadeira acção judicial, que, à semelhança, v.g., dos embargos de executado e outros, enxertada no processo executivo, visa através do recurso à via judicial a satisfação de um crédito, o reclamado, substituindo em tudo, inclusive com mais eficácia e economia, a acção declarativa ou executiva que visasse, respectivamente, a declaração ou a cobrança coerciva do crédito.
Em particular, no caso em apreço, não temos dúvidas de que esse procedimento – a reclamação de créditos em sede de processo de execução – consubstancia um verdadeiro pedido de execução – leia-se cobrança coerciva do crédito - paralelo ao do Exequente que originalmente desencadeou o procedimento executivo.
Note-se que é dominante a posição que considera que esse procedimento executivo está abrangido pelo regime legal em apreço e a sua violação constitui excepção de conhecimento oficioso que obsta o conhecimento do pedido (cf. art. 8º, nº 3, do C.C.), como aqui considerou a decisão recorrida a propósito da reclamação em apreço.
Nesta medida, discordamos da interpretação formulada pela Apelante, considerando que está em causa, ainda nesta instância de reclamação de créditos, uma procedimento judicial que visa a satisfação da Apelante e, portanto, está abrangido na letra no espírito da norma em apreço , que visa, em todos estes casos obstar à alienação dos interesses do cliente bancário na tentativa de resolução extrajudicial do incumprimento do crédito daquela.
De resto, se a Apelante está impedida de, em última instância, obter pagamento através da garantia em causa neste processo, só se pode queixar da sua própria inércia, não servindo, em nosso entender, esse argumento para obstar à aplicação do regime legal em apreço, onde tal factualidade não tem qualquer acolhimento.
Neste conspecto, deve improceder a apelação, como prejuízo para o conhecimento das restantes questões aduzidas (cf. art. 608º, nº 2, do C.P.C.).
IV. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação.
Condena-se nas custas da apelação, a Recorrente (cf. art. 527º, do Código de Processo Civil).
N.