AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
PRESENÇA DO ARGUIDO
OBRIGATORIEDADE
AUSÊNCIA DO ARGUIDO
OMISSÃO DE NOTIFICAÇÃO
CONSEQUÊNCIAS
NULIDADE INSANÁVEL
Sumário

I - As normas processuais penais contemplam a regra geral da obrigatoriedade da presença do arguido nas audiências de julgamento, nos termos do disposto no artigo 332.º, nº 1 do CPP, só podendo o julgamento decorrer na sua ausência nos casos previstos nos artigos 333.º, 1 e 2 e 334.º, 1 e 2, do mesmo texto legal.
II - O arguido tem o direito fundamental em estar presente em todos os atos processuais que lhe digam respeito e de prestar declarações até ao encerramento da audiência, conforme estabelecem, respetivamente, os artigos 61º, 1, a) e 333.º, 2, ainda do mesmo Código.
III - Faltando o arguido injustificadamente à primeira sessão da audiência de julgamento e tendo sido requerida e admitida a sua audição, nos termos do disposto no número 3 do artigo 333.º do Código de Processo Penal, se o tribunal diligenciar nos termos legais no sentido de obter a sua comparência nas sessões seguintes, sob detenção, o tribunal não violou o seu direito em estar presente nessas audiências, apesar de não o ter notificado para estar presente.
IV - Não sendo possível assegurar a sua presença em audiência, sob detenção, o arguido deve ser notificado para comparecer nas sessões seguintes - inclusivamente na data da leitura da sentença -, por via postal simples com declaração de depósito, na morada por ele indicada no termo de identidade e residência, uma vez que a lei presume que o destinatário da carta depositada pelo serviço postal na morada constante do T.I.R. a recebeu e tomou conhecimento do respetivo conteúdo.
V - Não tendo o arguido sido notificado para comparecer em determinadas sessões da audiência de julgamento, incluindo a sessão em que se procedeu à leitura da sentença, tal omissão gerou uma nulidade insanável, nos termos da al. c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, com a invalidade das sessões afetadas e dos atos que dela dependem (designadamente, a sentença), devendo o mesmo tribunal proceder à respetiva repetição (artigo 122.º, 1 e 2, do CPP).

Texto Integral

Processo nº 1330/19.3PAVNG.P1
Data do acórdão: 18 de Outubro de 2023

Desembargador relator: Jorge M. Langweg
Desembargadora 1ª adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Desembargador 2º adjunto: Manuel Soares

Origem:Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia



Sumário:
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Acordam em conferência e por unanimidade os juízes acima identificados da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto



Nos presentes autos acima identificados, em que figuram como recorrentes os arguidos AA e BB;

I - RELATÓRIO
1. Em 13 de Julho de 2022[1] foi proferida nos presentes autos a sentença condenatória que terminou com o dispositivo a seguir reproduzido:
" Em face do exposto, e sem outras considerações, o Tribunal decide:
1. Condenar a arguida AA, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203º, nº 1 do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão.
2. Condenar o arguido BB, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203º, nº 1 do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à razão diária de € 6,00, o
que perfaz a quantia global de € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros).
(…)"

2. Inconformados com a sua condenação, os arguidos interpuseram recurso da sentença, terminando a motivação de recurso com a formulação das conclusões seguidamente reproduzidas:
2.1. A arguida AA [2][3]:
"(…)
A
Procedendo a análise da prova produzida em sede de julgamento, conclui-se que da mesma não resulta claramente a prática pela co-arguida/recorrente, dos factos consubstanciados dos mesmos.
B
O tribunal a quo fundamentou tal decisão, basicamente nos depoimentos das testemunhas acusatórias, principalmente das testemunhas CC e DD, bem como do visionamento das fotogramas e do dvd, juntos aos autos.
C
Discorda-se de tal decisão, por se entender que os depoimentos de tais testemunhas, e atento os seus conteúdos foram incongruentes, díspares e distorcidos da realidade, e revelaram forte influência externa, no sentido de quererem a condenação dos co-arguidos, principalmente da aqui arguida/recorrente.
Vd. Depoimento da testemunha CC no dia 09-05-2022, aos 6 minutos e 06 segundos, em contradição com o depoimento da testemunha DD, aos 30-06-2022 aos 01 minutos e 18 segundos; 03 minutos e 11 segundos; 05 minutos e 32 segundos; 06 minutos e 30 segundos; 06 minutos e 51 segundos; 08 minutos e 11 segundos; 08 minutos e 53 segundos; 09 minutos e 55 segundos; 10 minutos e 26 segundos; 11 minutos e 02 segundos; 12 minutos e 18 segundos; 12 minutos e 50 segundos; 13 minutos e 07 segundos; 13 minutos e 40 segundos; 15 minutos e 07 segundos e 16 minutos e 31 segundos.
Vd. Depoimento da testemunha CC, no dia 06-12-21 aos 6 minutos e 5 segundos em contradição com o seu depoimento do dia aos 14 minutos e 34 segundos.
D
Assim, se tivermos em atenção que tais depoimentos das testemunhas acusatórias, bem como da arguida/recorrente, ouvidas em audiência de julgamento, terá então de se concluir, que, concretamente, não ficaram provados os factos, que na douta sentença, ora recorrida, vêm dados como provados.
Vd. Depoimento da Arguida/Recorrente no dia 09-05-2022, aos 01 minutos e 09 segundos; 02 minutos e 04 segundos; 03 minutos e 48 segundos; 06 minutos e 31 segundos; 08 minutos e 22 segundos; 08 minutos e 53 segundos e 10 minutos e 01 segundos.
E
No entender da arguida/recorrente, com o devido respeito e salvo melhor opinião, as suas declarações conjugadas com os depoimentos das testemunhas acima referidas eram suficientes para que o tribunal a quo aplicasse o “principio in dubio pro reo” e desse os factos constantes da acusação pública, como não provados, respeitando assim a prova provada que foi feita em sede de julgamento, e consequentemente, tê-la absolvida.
Foi assim, violado o Princípio Constitucional de “Garantias de processo criminal” previsto no Art. 32º, nº 2, 1ª parte, da Constituição República Portuguesa.
F
Ora, com o presente recurso, pretende a arguida/recorrente provar a sua inocência que, no caso em apreço, a douta sentença ora recorrida, deverá ser alterada e assim absolver a arguida/recorrente da prática do crime de furto simples, a que foi condenada.
G
A discordância da arguida/recorrente prende-se com o facto da douta sentença ora recorrida, enfermar da contradição insanável da fundamentação e motivação, assim como, de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova, violando assim a norma do artºs 410º, nº 2, als. a, b e c), e 376º, do c. p. penal.
H
Caso v. Exas. Ainda assim não entendam, e só por mera hipótese, então a qualificação jurídica deverá ser alterada para a tentativa de furto, olhando que a coisa (objeto do furto) não entrou no domínio de facto da arguida/recorrente, condenando-a nesse sentido e a sua execução ser suspensa pelo mesmo período.
Vd. Depoimento da Arguida/Recorrente no dia 09-05-2022, aos 01 minutos e 09 segundos; 02 minutos e 04 segundos; 03 minutos e 48 segundos; 06 minutos e 31 segundos; 08 minutos e 22 segundos; 08 minutos e 53 segundos e 10 minutos e 01 segundos.
I
Caso ainda v. Exas. Assim não entendam, e só por mera hipótese, então a pena a que a arguida/recorrente foi condenada deverá ser concretamente reduzida, porque a mesma é excessiva, olhando ao caso concreto, bem como a sua execução ser suspensa, alterando assim a pena de prisão efetiva que lhe foi aplicada.
Termos em que, e nos melhores do direito, que v. Exas. Doutamente saberão suprir, deverão ao presente recurso julgá-lo procedente, por provado, proferindo assim um outro douto acórdão, revogando a sentença recorrida, e consequentemente, absolver a arguida/recorrente da prática do crime de furto simples, a que foi condenada;
“ou”
Então, a qualificação jurídica deste suposto furto deverá ser alterada para a tentativa de furto, e a pena ser substancialmente reduzida, levando a que a sua execução seja suspensa pelo mesmo periodo de tempo. Que lhe for agora aplicada.
Pois decidindo assim, farão v. Exas., a inteira, sã e devida, Justiça!"

2.2. O arguido BB:
"(…)
(…) o Recorrente/Arguido não foi notificado das seguintes datas de julgamento, 27/01/2022, 09/02/2022, 21/02/2022, 03/03/2022, 09/05/2022, 02/06/2022, 30/06/2022 (…),
6º Ora, o Recorrente/Arguido não foi notificado da data da leitura da Sentença, que ocorreu numa 10ª sessão, isto é, 13/07/2022.
7º Ao Recorrente/Arguido é sempre conferido o direito de estar presente no dia da leitura da Sentença mesmo não tendo assistido a qualquer das audiências de julgamento.
8º O douto Ac. do TRG de 11/07/2013, refere que: ‘A realização da sessão da audiência onde se procede à leitura da sentença sem a presença física do arguido que não foi notificado para esse efeito, constitui nulidade insanável tipificada na al. c) do art. 119º do CPP.’
9º Ficou assim o Recorrente/Arguido privado do direito de estar presente no dia da leitura da Sentença, tendo sido preterido um direito essencial, deverá, assim, ser anulado o julgamento com a subsequente repetição.
10º Além do mais, estando perante um caso em que a presença do Recorrente/Arguido é obrigatória e tendo como vimos ocorrido mais 9 sessões de julgamento o Tribunal tinha o dever de tomar todas as diligências necessárias para assegurar a comparência do Recorrente/Arguido, nem que a mesma ocorresse só na leitura da douta Sentença.
11º Ora, não só o Recorrente/Arguido não foi notificado da data da leitura, como também nenhuma medida foi tomada nesse sentido. (Vd. douto Acórdão de 24-10-2007 do STJ): ‘Assim, tendo-se realizado o julgamento do arguido – do qual saiu condenado – na sua ausência, apesar de estar notificado para a 1ª e a 2ª audiência, e ter faltado, sendo obrigatória a sua presença, é nula a audiência de julgamento, efetuada na ausência do arguido sem que o juiz tenha tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência.’
12º Sem prescindir que nas datas de julgamento de 06/12/2021, 09/02/2022, 03/03/2022, a sua Defensora requereu a sua presença.
13º É que no seguimento do art. 32º da CRP, o Recorrente/Arguido é titular de vários direitos fundamentais, nos quais se deve incluir o direito de ser ouvido pelo Tribunal, tais direitos encontram-se concretizados nos artigos 61º nº 1 al. b) e 333º nº 3, ambos do CPP.
14º E ao não ter tomado todas as diligências necessárias para assegurar a presença do Recorrente/Arguido no julgamento, o Tribunal a quo cometeu uma nulidade insanável, conforme referido no art. 119º, nº 1 al. c) do CPP. Sem prescindir de o Tribunal ter consciência que as audiências decorreram na sua ausência, incluindo a fase de inquérito – o Recorrente/Arguido não foi interrogado em nenhuma das fases processuais e não teve conhecimento do despacho de acusação.
15º Tal nulidade implica a invalidade das sessões de julgamento e a própria Sentença recorrida, devendo o Tribunal proceder às respetivas repetições, (cf. art. 122º, nºs 1 e 2 do CPP).
16º O erro de julgamento sobre os pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 dos factos dados como provados fundamenta-se pela circunstância do Tribunal ter dado como provados com base nas declarações da testemunha CC que não merece qualquer credibilidade, dado que apresentou um depoimento que não foi corroborado por mais nenhuma testemunha e, por outro lado, em determinados aspetos está irremediavelmente em contradição com o depoimento de outras testemunhas e com ele próprio, acabando por ser um depoimento que não se coaduna com as regras da lógica e da experiência comum.
17º Vd. Depoimento da testemunha CC no dia 09-05-2022 aos 6 minutos e 06 segundos, em contradição com o depoimento da testemunha DD, de 30-06-2022 aos 10 minutos e 26 segundos.
18º Vd. Depoimento da testemunha CC, no dia 06-12-2021 aos 6 minutos e 05 segundos em contradição com o seu depoimento do dia 09-05-2022 aos 14 minutos e 34 segundos.
19º O Tribunal a quo invocou como outros meios de prova, as fls. 3/4, 5, 6, 8, 12, 16 e 17, nomeadamente, o auto de notícia por detenção que não foi validado pelas autoridades judiciárias porque, na verdade consta do auto de denúncia que a PSP não presenciou os factos e quando se deslocou ao local não detetou indícios claros da prática dos factos, nem que os suspeitos atuaram em grupo.
20º O Tribunal a quo deu como provado que o Recorrente/Arguido desceu para o piso 0 com a mochila com jogos e depois subiu e voltou a colocar os jogos no 6º piso.
Ora, nada disto foi demonstrado sendo a factualidade tida por assente insuficiente para a condenação do Recorrente/Arguido quanto a quaisquer factos.
21º O Tribunal deu como provados factos duvidosos desfavoráveis ao Recorrente/Arguido e mesmo que não tenha manifestado ou sentido a dúvida, mesmo que não a reconheça, há violação do princípio in dúbio pro reo, se, do confronto com a prova produzida, se conclui que se impunha um estado de dúvida.
22º A Sentença recorrida no que respeita à concretização factual das condições pessoais do Recorrente/Arguido e à sua situação económica é omissa pois não sabe se o Recorrente/Arguido vive só, se filhos, família, e, em caso afirmativo, qual o número de elementos que a compõem. Se maiores, se há menores, o seu número e idades. Se trabalham, de que forma e qual o rendimento. Todos estes factos não tiveram qualquer importância para a decisão da causa, quanto ao nível da moldura penal concreta, cf., art. 71º, nº 2, al. d), do CP por remissão dos vícios contemplados no art. 410º, nº 2, al. a) do CPP.
23º O Tribunal a quo fez uma errada interpretação do direito aos factos pois em momento algum o Recorrente/Arguido subtrai e se apropria dos objetos descritos nos factos, faltando assim o elemento do tipo objetivo e o elemento subjetivo do tipo.
24º Caso não seja o Recorrente/Arguido absolvido, que só por mera hipótese se admite, deverá então ser determinada a repetição do julgamento.
25º - O Tribunal a quo violou assim os artigos 32º da CRP, 61º nº 1 al. b), 112º nºs 1 e 2, 119º nº 1 al. c) e 333º nº 3, todos do CPP.
26º - Deverão assim os Venerandos Juízes Desembargadores, dar provimento ao presente recurso e absolver o Recorrente/Arguido.

3. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso da arguida AA, que concluiu nos seguintes termos:
"1– AA, pela prática, em co-autoria material e navforma consumada, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203º, nº 1 do Código Penal, foi condenada na pena de 10 (dez) meses de prisão.
2- Recorreu para esse Venerando Tribunal da Relação alegando os vícios da Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; contradição insanável entre a fundamentação e a prova; erro notório na apreciação da prova; violação do princípio in dúbio pro reo; impugnou a matéria de facto e a qualificação jurídica dos mesmos, bem como a pena determinada.
3 – A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável entre a fundamentação e a prova, e o erro notório na apreciação da prova são vícios cuja indagação/verificação, tem de resultar, imediatamente, da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo os resultantes do próprio julgamento.
4- Ora visto o texto da sentença ora impugnada, manifesto é que da mesma não constam quaisquer defeitos ostensivos, por si, ou conjugados com as conclusões impostas pelas regras da experiência comum, mormente defeitos congénitos quanto à factualidade provada, por esta não permitir, por exiguidade, a decisão de direito, ou que a mesma tenha sido apurada o mediante erro que, por ser grosseiro, ostensivo, evidente, não passaria despercebido ao cidadão comum, ou ainda, que os factos julgados como provados, ou como não provados, colidam, inconciliavelmente, entre si ou uns com os outros ou, ainda, com a fundamentação da decisão.
5- No mais, os recursos servem a correção cirúrgica dos erros, eventualmente, cometidos, que devem ser precisamente indicados, quer no seu resultado, quer no seu processamento, o que o recorrente não fez, pois ao contrário do que julga, os erros passíveis de recurso são ( apenas) aqueles em que o julgador, ao apreciar as provas, não o fez vinculado aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica e regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório, e já não “ aqueles” que resultam de (sua) opinião distinta.
6- Por outro lado, o controlo que V.Exas façam, atenta a ausência de imediação/oralidade, nesta fase, determina que uma eventual reapreciação da matéria de facto só possa alterar o decidido pelo tribunal recorrido, se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida ( e não apenas a permitirem).
7- Na fixação da matéria de facto, e respectiva fundamentação, mostra-se patente a ausência de qualquer violação das regras de experiência comum, mantendo-se sempre a Mm Juiz a quo, na apreciação que fez, sempre dentro das fronteiras definidas pelo principio de liberdade na apreciação da prova.
8- No caso dos autos, não decorre, minimamente, da fundamentação que o tribunal a quo tenha sido assolado por uma qualquer dúvida relevante, e ainda assim tenha decidido contra ao arguido, nem se vê, considerando a prova produzida, que a devesse ter tido.
9- Quando a recorrente foi interceptada, havia já um novo domínio factual, tendo tido assim a arguida, na sua posse, os descritos objectos, ficando assim a entidade comercial, ainda que momentaneamente, privada dos mesmos, pelo que se consumou o crime de furto.
10- Mostra-se adequada a sua condenação na pena de 10 meses de prisão, não se afigurando que tenham sido violados os limites máximos e mínimos a considerar ou que tenha ocorrido uma violação das regras da experiência comum ou manifesta desproporção na pena aplicada, pelo que a mesma deverá ser mantida.
11- Tendo em conta o desvalor da conduta da recorrente e das elevadas necessidades de prevenção, especialmente das “assinaláveis” necessidades de prevenção especial, entende-se ser inadequado determinar a suspensão da execução de tal pena de prisão, por se entender que, no caso em apreço, a mera ameaça da sua aplicação é, manifestamente, insuficiente para afastar aquela da prática de ilícitos criminais semelhantes ao dos autos.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida, como é de justiça.”
4. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso do arguido BB, que concluiu nos seguintes termos:
" 1– BB, pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203º, nº 1 do Código Penal, foi condenado na pena de 80 dias de multa à taxa diária de € 6.00, o que perfaz a quantia global de € 480.00.
2- Recorreu para esse Venerando Tribunal da Relação alegando a nulidade da sentença ( Conclusão n.º 22); a ocorrência da nulidade prevista no art. 119º-c), do CPP ( Conclusões n.º 2 a 16), a violação do princípio in dúbio pro reo ( Conclusão n.º 21), impugnação alargada da matéria de facto ( Conclusões n.º 16 a 20º) e discordando da qualificação Jurídica dos factos ( Conclusão nº 23)
3- Se em abstracto, por regra, é considerado que se o Tribunal, até ao encerramento da audiência de julgamento, não procurou apurar qualquer facto relativo à situação pessoal do arguido, vindo assim a proferir sentença, sem antes ter efectuado qualquer diligência naquele sentido, para além de ter sido cometida a nulidade prevista no art. 120º, nº2 - d) do CPP, a sentença mostra-se ferida por vício de insuficiência da matéria de facto provada, do art. 410º, nº2 - a) do CPP, com as consequências previstas no art. 426º, nº1 do CP, também em concreto poderão existir circunstâncias que permitam afastar a ocorrência daquela nulidade e vício, o que se verificou nos autos, atento o supra explanado.
4- Ainda, verificado que o arguido se encontra em lugar desconhecido, não sendo assim possível dar-lhe conhecimento das datas que foram sendo designadas para continuação da audiência de julgamento, parece que expedir avisos postais para morada constante do TIR, quando já se sabe que o mesmo ai não se encontra, parece ser um acto, absolutamente, inútil, sendo que a proibição de actos inúteis também vigora no processo penal ( art. do 130º, do CPC ex vi art. 4º, do CPP), pelo que, se a notificação ( mediante aviso postal simples para a morada constante do TIR) se mostra indispensável para o início da audiência, já não o será, para a sua continuação, sempre que tenha lugar um incumprimento, por parte do arguido, das obrigações que para si decorrem do TIR.
5- No mais, os recursos servem a correção cirúrgica dos erros, eventualmente, cometidos, que devem ser precisamente indicados, quer no seu resultado, quer no seu processamento, o que o recorrente não fez, pois ao contrário do que julga, os erros passíveis de recurso são ( apenas) aqueles em que o julgador, ao apreciar as provas, não o fez vinculado aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica e regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório, e já não “ aqueles” que resultam de (sua) opinião distinta.
6- Por outro lado, o controlo que V.Exas façam, atenta a ausência de imediação/oralidade , nesta fase, determina que uma eventual reapreciação da matéria de facto só possa alterar o decidido pelo tribunal recorrido, se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida ( e não apenas a permitirem).
7- Na fixação da matéria de facto, e respectiva fundamentação, mostra-se patente a ausência de qualquer violação das regras de experiência comum, mantendo-se sempre a Mm Juiz a quo, na apreciação que fez, sempre dentro das fronteiras definidas pelo principio de liberdade na apreciação da prova.
8- No caso dos autos, não decorre, minimamente, da fundamentação que o tribunal a quo tenha sido assolado por uma qualquer dúvida relevante, e ainda assim tenha decidido contra ao arguido, nem se vê, considerando a prova produzida, que a devesse ter tido.
9-Quando a co-arguida foi interceptada, havia já um novo domínio factual, tendo tido assim a co-arguida, na sua posse, os descritos objectos, ficando deste modo a entidade comercial, ainda que momentaneamente, privada dos mesmos, pelo que se consumou o crime de furto, pelo que, existindo co-autoria, aquele resultado também é imputado ao ora recorrente.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida, como é de justiça."

5. Os recursos foram liminarmente admitidos no tribunal a quo, subindo, imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
6. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer, pugnando igualmente pela improcedência dos recursos com base nas respostas produzidas na primeira instância.
7. Notificados do teor do parecer, os recorrentes não apresentaram qualquer resposta.
8. Proferiu-se despacho de exame preliminar e, não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos do Código de Processo Penal].


Questões a decidir
Para definir o âmbito do recurso, a doutrina [4] e a jurisprudência [5] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal (CPP), que o mesmo é definido pelas conclusões que os recorrentes extraíram da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Porém, antes do mais, importa considerar a motivação do recurso do arguido BB, uma vez que arguiu a alegada nulidade insanável que consiste na falta da sua notificação para comparecer em diversas sessões da audiência de julgamento em que teve lugar a leitura da sentença, uma vez que a solução da questão é potencialmente prejudicial à apreciação de todas as demais.

Da alegada nulidade insanável:
§ 1 – O arguido BB arguiu a nulidade insanável emergente da falta da sua notificação para comparecer em sete sessões da audiência de julgamento, incluindo aquela em que teve lugar a leitura da sentença.
Citando um acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11 de Julho de 2013, que decidiu que “A realização da sessão da audiência onde se procede à leitura da sentença sem a presença física do arguido que não foi notificado para esse efeito, constitui nulidade insanável tipificada na al. c) do art. 119º do CPP”, bem como um aresto mais antigo do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Outubro de 2007, segundo o qual “(…) tendo-se realizado o julgamento do arguido – do qual saiu condenado – na sua ausência, apesar de estar notificado para a 1ª e a 2ª audiência, e ter faltado, sendo obrigatória a sua presença, é nula a audiência de julgamento, efetuada na ausência do arguido sem que o juiz tenha tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência”, o recorrente recorda que a sua defensora requereu a sua presença em duas das sessões de julgamento. Não tendo o tribunal tomado todas as providências para assegurar a presença do arguido, o tribunal incorreu numa nulidade insanável, devendo a invalidade da sessões de julgamento e da própria sentença recorrida.
§ 2 – Em resposta, o Ministério Púbico defendeu que por se ter verificado que o arguido se encontrava em lugar desconhecido, não sendo assim possível dar-lhe conhecimento das datas que foram sendo designadas para continuação da audiência de julgamento, expedir avisos postais para morada constante do TIR, quando já se sabe que o mesmo ai não se encontra, parece ser um ato inútil, proibido no processo penal (artigo 130º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal.
Por conseguinte, se a notificação mediante aviso postal simples para a morada constante do TIR se mostra indispensável para o início da audiência, já não o será, para a sua continuação, sempre que tenha lugar um incumprimento, por parte do arguido, das obrigações que para si decorrem do TIR.

Cumpre apreciar e decidir.
§ 3 – Em primeiro lugar, importa recordar o que sucedeu no decurso da fase de julgamento, de modo a permitir apreciar a questão suscitada no recurso.
a) O arguido BB prestou termo de identidade e residência.
b) No despacho que admitiu a acusação pública e designou a realização do julgamento apenas foi marcada uma sessão de julgamento, tendo o arguido sido notificado do despacho nos termos legais, por via postal simples enviada para a sua morada constante do T.I.R..
c) O arguido faltou à primeira sessão da audiência de julgamento, datada de 6 de Dezembro de 2021, apesar de se encontrar regularmente notificado, tendo o Ministério Público promovido que o arguido fosse condenado em multa processual por ter faltado injustificadamente e se desse início à audiência, por não se afigurar que a presença do arguido seja indispensável desde o início.
d) Exercendo o contraditório, a defensora do arguido nada opôs, nem requereu.
e) O arguido foi então condenado no pagamento de uma multa processual pela sua falta injustificada e foi dado início à audiência, por não se afigurar a sua presença indispensável (artigo 333º, 1 e 2, do C.P.P.) tendo sido condenado em multa pela falta injustificada.
f) No fim dessa sessão de julgamento, a defensora do arguido requereu a audição do arguido na próxima data a designar para o julgamento, alegando que a sua presença é absolutamente indispensável ao apuramento da verdade material, pretensão que não teve oposição do Ministério Público.
g) O tribunal determinou então a emissão de mandados de detenção do arguido para comparecer na sessão seguinte e determinou o apuramento do seu paradeiro por meio de consulta às bases de dados.
h) Foi expedido um mandado de detenção do arguido em 13 de Dezembro de 2021, para obter a sua comparência na sessão da audiência de julgamento designada para 27 de Janeiro de 2022, às 14h, tendo por referência a morada constante no seu termo de identidade e residência.
i) No dia 27 de Janeiro de 2022, foi elaborada uma certidão pela PSP, na qual se mostra certificado que na morada do termo de identidade e residência reside a ex-sogra do arguido, a qual informou que o arguido já não reside nessa morada há cerca de oito anos.
j) Na segunda sessão - datada de 27 de Janeiro de 2022 - foi determinado o apuramento do paradeiro do arguido, tendo ainda sido expedido um novo mandado de detenção do arguido para obter a sua comparência na sessão seguinte, que também não foi cumprido, por se desconhecer o paradeiro do arguido na morada indicada.
k) Em 10 de Fevereiro de 2022 foi emitido novo mandado de detenção, para obter a comparência do arguido na sessão da audiência de julgamento designada para 21 de Fevereiro de 2022, às 14h15, tendo por referência uma morada localizada em Quarteira, entretanto obtida.
l) No dia 21 de Fevereiro de 2022 foi elaborada uma certidão pela PSP, na qual consta que essa morada corresponde a um apartado nos CTT que não se encontra atribuído ao arguido, desconhecendo-se o paradeiro deste.
m) Na sessão de julgamento de 3 de Março, a defensora requereu novamente a comparência do arguido, para o esclarecimento dos factos que constituem o objeto do processo.
n) Esse requerimento foi decidido por despacho judicial datado de 25 de Março (“Quanto à pretendida audição do arguido edeverá a sua ilustre defensora requerer o que tiver por conveniente quanto à sua localização, uma vez que o tribunal já a tentou por várias vezes sem sucesso”)., no qual se
o) Expediu-se carta registada para a morada do T.I.R., para notificar o arguido para comparecer na audiência de julgamento designada para o dia 20 de Abril de 2022, pelas 9h15m.
p) Essa carta foi devolvida com a indicação “Não mora aqui”.
q) Não se conseguiu localizar o paradeiro do arguido até ao fim do julgamento, o que foi dado a conhecer à sua defensora, que nada mais requereu.
r) Foi marcada para a leitura da sentença o dia 13 de Julho de 2022.
s) O arguido não foi notificado para comparecer nessa sessão - apenas tendo sido notificada a sua defensora -.
t) A leitura da sentença teve lugar na data designada, nada tendo requerido a defensora do arguido.
u) Apenas em 25 de Janeiro de 2023 o arguido foi pessoalmente notificado da sentença, através de O.P.C., na morada da Clínica ..., situada na Rua ..., ..., em .... (certidão da GNR).

No seu recurso tempestivamente interposto, o arguido começa por arguir a ocorrência de nulidades insanáveis, previstas no artigo 119.º, al. c) do CPP, que se reportam à realização de sessões de julgamento na sua ausência, sem que tenha sido notificado para comparecer e a omissão de notificação da data designada para a leitura da sentença.

a) Das consequências da prestação de termo de identidade e residência:
Nos presentes autos, constata-se que o arguido prestou termo de identidade e residência, indicando uma determinada morada para receber notificações.
Nessa altura, em conformidade com o estatuído no número 3 do artigo 196.º do mesmo Código, o arguido tomou conhecimento:
«a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado.
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado.
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada, exceto se este comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada aos serviços onde os autos se encontrarem a correr nesse momento.
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legítima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º.
e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.»

b) Da notificação do arguido para comparecer no julgamento:
Como o arguido BB prestou termo de identidade e residência, o mesmo foi notificado da data designada para a realização da primeira sessão de julgamento, em 6 de Dezembro de 2021, por via postal simples com declaração de depósito, na morada por ele indicada, em conformidade com o preceituado no nº 3 do artigo 313.º do CPP.
Concretizada a notificação nos termos legais para a primeira sessão da audiência de julgamento, a lei presume que o destinatário da carta depositada pelo serviço postal a recebeu e tomou conhecimento do respetivo conteúdo.
Seguiram-se os atos processuais acima descritos, tendo-se concluído que o arguido violou as obrigações emergentes da prestação de termo de identidade e residência, por não ter sido possível proceder à sua detenção para comparecer em audiência, por não residir nessa morada.
Apesar do tribunal ter diligenciado no sentido de apurar o seu paradeiro com recurso às bases de dados públicas disponíveis, para assegurar a sua presença em julgamento - procurando localizá-lo e detê-lo para comparecer~- tal resultado não foi possível alcançar, por se encontrar com o paradeiro sempre desconhecido.
Após a primeira sessão de julgamento, apenas foi tentada uma única nova notificação do arguido para comparecer em julgamento, designadamente para a sessão do dia 20 de Abril de 2022, desta vez pelo registo do correio enviado para a morada constante do T.I.R., -, mas a notificação não foi concretizada, por não ter sido respeitado, pelos correios, o estatuído no artigo 113º, 7, c), do CPP..
O arguido não se mostra assim notificado para comparecer em nenhuma das sessões de julgamento que se seguiram à primeira, incluindo a última em que foi lida a sentença, que teve lugar no dia 13 de Julho de 2022.
Efetivamente, as normas processuais penais contemplam a regra geral da obrigatoriedade da presença do arguido nas audiências de julgamento, nos termos do disposto no artigo 332.º, nº 1 do CPP, só podendo o julgamento decorrer na sua ausência nos casos previstos nos artigos 333.º, 1 e 2 e 334.º, 1 e 2, do mesmo texto legal.
O arguido tem o direito fundamental em estar presente em todos os atos processuais que lhe digam respeito e de prestar declarações até ao encerramento da audiência, conforme estabelecem, respetivamente, os artigos 61º, 1, a) e 333.º, 2, ainda do mesmo Código.
No caso dos autos, o arguido ausente esteve representado na audiência pela defensora, a qual acabou por requerer a sua audição, nos termos do disposto no número 3 do artigo 333.º do Código de Processo Penal. Na sequência dessa posição da defesa do arguido, o tribunal realizou as diligências possíveis para apurar o paradeiro do arguido de modo a assegurar a sua comparência sob detenção, as quais resultaram frustradas, como já se referiu.
Por conseguinte, tendo sido regularmente notificado para comparecer na primeira sessão de julgamento, à qual o arguido faltou injustificadamente, o tribunal diligenciou nos termos legais no sentido de obter a sua comparência, sob detenção, nas sessões de julgamento que tiveram lugar nos dias 27 de Janeiro, 9 de Fevereiro e 21 de Fevereiro de 2022. Assim sendo, o tribunal não violou o direito do arguido em estar presente nessas audiências.
A defensora requereu novamente a comparência do arguido na sessão datada de 3 de Março, não tendo sido ordenada a comparência do arguido, por se desconhecer o seu paradeiro, apesar das diligências já efetuadas no sentido de o localizar até àquela sessão.
Nestes termos, não tendo o arguido sido notificado por aviso postal simples dirigido à morada constante do seu termo de identidade e residência para comparecer nas sessões de julgamento realizadas em 3 de Março de 2022, 20 de Abril de 2022, 9 de Maio de 2022, 2 de Junho de 2022, 30 de Junho de 2022, e 13 de Julho de 2022[6], nem tendo o tribunal diligenciado no sentido de obter a sua presença sob detenção, violou-se o seu direito fundamental em estar presente nessas audiências.
O Ministério Público defendeu, na sua resposta ao recurso, que tais notificações se traduziriam em atos inúteis, processualmente proibidos (artigo 130º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4º do CPP), uma vez que o arguido incumpriu as obrigações emergentes do termo de identidade e residência – leia-se, a obrigação de não mudar de residência sem comunicar ao tribunal -.
Porém, salvo o devido respeito por tal entendimento, a utilidade ou inutilidade do ato processual está ligado à sua finalidade, o que, neste caso, é a de comunicar ao arguido a realização de mais uma sessão de julgamento à qual o arguido tem o direito – e a obrigação - de estar presente. Não se pode presumir que o arguido não tome conhecimento do teor da notificação pela simples razão de não residir na morada constante do seu termo de identidade e residência: pelo contrário, conforme já referido, a lei presume que o destinatário da carta depositada pelo serviço postal na morada constante do T.I.R. a recebeu e tomou conhecimento do respetivo conteúdo, facto do qual se podem extrair as necessárias consequências processuais (condenação em multa processual, eventual detenção para comparência caso se apure o seu paradeiro, continuação do julgamento na sua ausência, sendo representado na sua ausência pela sua defensora), caso o arguido falte injustificadamente à audiência. O arguido sabia que tinha indicado certa morada para todas as notificações serem remetidas para esse endereço por si fornecido. Competia-lhe estar atento ao correio recebido ou pedir a alguém que lhe transmitisse as notificações, sendo certo que as mesmas seriam válidas, independentemente do arguido tomar, ou não, conhecimento das mesmas.
Importa ainda recordar, a respeito das notificações para comparência em julgamento, que o número 10 do artigo 113.° do Código de Processo Penal é taxativo ao estabelecer que «As notificações do arguido, (…) podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação para julgamento e à sentença,(…) »
Deste preceito legal resulta, com interesse para os presentes autos, que o tribunal respeitou a obrigatoriedade de notificação para a realização do julgamento (v.g. para a data em que o julgamento se iniciou), procurou assegurar a comparência do arguido nas sessões marcadas para os dias 27 de Janeiro, 9 de Fevereiro e 21 de Fevereiro de 2022, mas desrespeitou a obrigação de convocatória do arguido para as sessões realizadas em 3 de Março de 2022, 20 de Abril de 2022, 9 de Maio de 2022, 2 de Junho de 2022, 30 de Junho de 2022 e 13 de Julho de 2022.
Deste modo, suprimiu o direito do arguido de estar presente em todos os atos processuais que lhe digam respeito, nos termos do artigo 61.º, 1, a) do CPP, como é o caso destas últimas sessões de julgamento.
Ora, a ausência do arguido nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade constitui nulidade insanável, nos termos da al. c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal. Situação que também se verifica em casos como o dos autos, em que o arguido está ausente de certas sessões da audiência de julgamento, em virtude de não lhe ter sido garantido o direito de estar presente, por não ter sido regularmente notificado da data dessas sessões[7], nem ter sido tentada a sua comparência sob detenção.
A declaração de tal nulidade insanável implica a invalidade das sessões da audiência de julgamento realizadas neste processo nos dias 3 de Março de 2022, 20 de Abril de 2022, 9 de Maio de 2022, 2 de Junho de 2022, 30 de Junho de 2022 e 13 de Julho de 2022 e dos atos que dela dependem (designadamente, a sentença recorrida), devendo o mesmo tribunal proceder à respetiva repetição (artigo 122.º, 1 e 2, do CPP), notificando-se e/ou detendo-se o arguido para comparecer, por ter faltado injustificadamente à primeira sessão de julgamento.
Por força da nulidade insanável declarada, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pelos recorrentes.
*

Das custas:
Não há lugar ao pagamento de quaisquer custas, nos termos do disposto no artigo 513°, 1, “a contrario sensu”, do Código de Processo Penal.
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores em conferência e por unanimidade:
a) declarar a existência da nulidade insanável prevista no artigo 119º, c), do Código de Processo Penal; e
b) a consequente invalidade das sessões da audiência de julgamento realizadas nos dias 3 de Março de 2022, 20 de Abril de 2022, 9 de Maio de 2022, 2 de Junho de 2022, 30 de Junho de 2022 e 13 de Julho de 2022 e dos atos que dela dependem (designadamente, a sentença recorrida);
c) ordenar que o mesmo tribunal proceda à respetiva repetição (artigo 122º, 1 e 2, do CPP), notificando-se e/ou detendo-se o arguido BB para comparecer, por ter faltado injustificadamente à primeira sessão de julgamento.

Sem custas.


Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.



Porto, em 18 de Outubro de 2023.
Jorge Langweg
Maria Dolores Silva e Sousa
Manuel Soares
_____________
[1] A sentença só viria a ser pessoalmente notificada ao arguido BB em 25 de Janeiro de 2023.
[2] Reproduzem-se as conclusões na sua versão aperfeiçoada na sequência do convite nesse sentido dirigido, nos termos do disposto no artigo 417º, nº 2, in fine, do Código de Processo Penal.
[3] Corrigindo-se nesta transcrição os erros de escrita, designadamente, ao não respeitar as regras do uso das letras maiúsculas e minúsculas previstas na Base XIX do Acordo Ortográfico de 1990, uma vez que utilizou somente as maiúsculas, como se de um telex se tratasse, dificultando a sua leitura.
[4] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[5] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1.
[6] O julgamento teve sessões nos dias 6 de Dezembro de 2021, 27 de Janeiro de 2022, 9 de Fevereiro de 2022, 21 de Fevereiro de 2022, 3 de Março de 2022, 20 de Abril de 2022, 9 de Maio de 2022, 2 de Junho de 2022, 30 de Junho de 2022, e 13 de Julho de 2022.
[7] No mesmo sentido, os acórdãos publicados nos seguintes endereços da base de dados pública de jurisprudência da DGSI e da JUSNET, acessíveis na rede digital global:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/ee0085db537caa6d80257d720033f181?OpenDocument;
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/bd2f30c31b6ddd9080258642003c83ff?OpenDocument
https://www.jusnet.pt/Content/DocumentMag.aspx?params=H4sIAAAAAAAEAMtMSbH1CjUAAmNTE0MjE7Wy1KLizPw8WyMDQ3MDMwNTkEBmWqVLfnJIZUGqbVpiTnEqAIO6VC81AAAAWKE
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/9826693692328DDA8025772A004794E6
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/6CB3881C0172EE1D80257D4F004B1300