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TRANSMISSÃO DE UNIDADE ECONÓMICA
CRÉDITOS VENCIDOS À DATA DA TRANSMISSÃO
Sumário
I – Se face à factualidade provada é de concluir que ocorreu uma transmissão de unidade económica, nos termos e para os efeitos previstos no art. 285.º, n.ºs 1 e 5 do CT, é de aplicar o regime que decorre desse corpo normativo, mormente quanto à garantia de pagamento de créditos laborais prevista no n.º 6 desse artigo, mesmo que à situação seja concomitantemente aplicável um CCT, a não ser que este preveja, em concreto, um regime mais favorável para os trabalhadores. II – Nos termos do n.º 6 daquele artigo 285.º, o transmitente só é (solidariamente) responsável pelos créditos, como sejam retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal, que estejam vencidos à data da transmissão.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP01..., Lda, e EMP02..., Lda, também nos autos melhor identificadas, pedindo:
a) Se declare ilícito o despedimento de que foi alvo, por ausência do respetivo procedimento para o efeito;
b) declarado que a 1.ª Ré procedeu ao despedimento ilícito do Autor, por não se ter verificado qualquer transmissão de empresa ou estabelecimento;
c) (…) condene a 1ª ré a pagar-lhe:
- € 9.602,04 a título de indemnização por danos (patrimoniais) não patrimoniais;
- €2.205,40 a titulo a título dos direitos vencidos pela cessação do contrato de trabalho, designadamente, férias e respetivo subsídio, bem como proporcionais de subsídio de natal
h) quantias acrescidas de juros calculados à taxa legal, desde a data do despedimento, ou, pelo menos, da citação, até efetivo e integral pagamento.
A título subsidiário o autor pede que a 2ª ré seja condenada:
d) A reconhecer a existência e verificação da transmissão de empresa e estabelecimento do cliente Serviços de Ação Social da Universidade do ... (SASU...);
e) (…) reconhecer que o Autor é seu trabalhador, face à aludida transmissão;
f) (…) a reconhecer os termos e condições contratuais laborais que o autor havia celebrado e adquirido aquando da relação laboral celebrada com a sociedade 1.ª ré, nomeadamente, antiguidade, posto de trabalho, horário de trabalho, etc., celebrando-se um novo contrato de trabalho nestes precisos termos;
g) Ser a 2.ª Ré condenada no pagamento ao autor da quantia de € 2.205,40, a título dos direitos vencidos do contrato de trabalho, designadamente, férias e subsídio de férias vencidas no ano de 2020, bem como proporcionais de subsídio de natal de janeiro a setembro de 2020;
h) A todas as peticionadas quantias deverá acrescer o montante dos juros calculados à taxa legal, desde a data do despedimento, ou, pelo menos, da citação, até efetivo e integral pagamento.
Alega para tanto, e em síntese, que foi admitido, mediante contrato de trabalho a termo certo, cujos contornos especifica, pela ré “EMP01...” em 03.10.2019, e que tal contrato terminou, por via de comunicação que essa ré lhe efectuou, a dizer, em suma, que por via de uma “transmissão de empresa ou estabelecimento” a partir de 03.10.2020 passaria a ser trabalhador da 2.ª ré, “EMP02...”, o que configura um despedimento ilícito pois não se verificou qualquer transmissão de empresa ou estabelecimento até porque a 2.ª ré lhe exigiu que assinasse um novo contrato de trabalho, não reconhecendo a sua antiguidade ao serviço da 1.ª ré.
Para o caso de se entender que ocorreu transmissão de empresa ou estabelecimento então é a 2.ª ré responsável pelos créditos que reclama a título de proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal.
Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se a conciliação.
Ambas as rés contestaram.
A ré “EMP01...” (1.ª ré) defendendo-se por excepção e por impugnação, pugnando pela procedência das excepções do abuso de direito e da prescrição (direito de ação e créditos laborais) e, a final, pela absolvição dos pedidos.
A ré “EMP02...” (2.ª ré) contestou alegando que não ocorreu a transmissão do estabelecimento prevista nos artigos 285.º e 286.º do Código do Trabalho (na redação anterior à Lei n.º 18/2021, de 8 de Abril), nem a sucessão no posto de trabalho disciplinada na cláusula 14.ª do CCT aplicável.
Mais alegou que ainda que se entenda que teve lugar para si a transmissão do estabelecimento não é responsável pelo pagamento dos créditos devidos ao autor vencidos até 02/10/2020, na pendência da relação laboral estabelecida com a 1.ª Ré, como é o caso dos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal respeitante ao trabalho pelo mesmo prestado à 1.ª Ré desde 01.01 até 2.10.2020.
O autor apresentou resposta em que, no fundamental, reafirma a posição já vertida no articulado inicial e pugna pela improcedência das excepções deduzidas.
Prosseguindo os autos, veio a realizar-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“IV. Dispositivo
Assim, e nos termos expostos, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e, consequentemente:
I – Condena-se a 1ª ré, “EMP01..., Lda.”, a pagar ao autor, a quantia de €2.205,40 a titulo de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal respeitante ao trabalho pelo mesmo prestado desde 01.01.2020 a 02.10.2020, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal, desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento;
II - Declaro:
a) que o autor, AA, até à data da transmissão que operou a 03.10.2020, era trabalhador da 1ª ré EMP01..., Lda., desde 03.10.2019;
b) que por força da comunicação e respetivos fundamentos efetuada pela EMP01..., Lda. à ré EMP02... Lda., a posição contratual de empregadora da EMP01..., Lda., foi transmitida à 2ª ré EMP02... Lda., e que esta lhe sucedeu como entidade empregadora do autor com efeitos a 03.10.2020;
c) que por força dos invocados factos e procedimentos, o autor passou a ser trabalhador da 2ª ré EMP02... Lda.;
III – Condeno 2ª ré, “EMP02... Lda.” a reconhecer o autor, AA como seu trabalhador e, em decorrência, condeno-a a pagar-lhe os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal respeitante ao trabalho pelo mesmo prestado desde 03.10 a 31.12.2020, no concreto valor a liquidar, acrescido de juros calculados à taxa legal, desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento;
IV- Do mais peticionado pelo autor se absolvem as rés.”
Inconformada com esta decisão, dela veio a 1.ª ré, “EMP01...”, interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
“a. A aqui Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo por entender que faz tábua rasa do regime da responsabilidade por créditos laborais, no âmbito da transmissão da unidade económica.
b. Isto porque, veio condenada no pagamento ao A. da quantia de € 2.205,40 (dois mil duzentos e cinco euros e quarenta cêntimos), a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal respeitante ao trabalho prestado pelo mesmo desde 01.01.2020 a 02.10.2020, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal, desde a data de citação até efetivo e integral pagamento.
c. Quanto ao crédito por férias e subsídio de férias, o A. admitiu ter gozado 22 (vinte e dois) dias úteis de férias no ano da transmissão - 2020 - ao serviço da R. EMP01..., e ter recebido o respetivo subsídio, pelo que se comprometeu declarar, em documento próprio com a sua assinatura reconhecida, tal circunstância, o qual terá como anexos o mapa de férias junto aos autos - prova desconsiderada pelo Tribunal a quo -, o recibo e correspondente comprovativo de pagamento do subsídio de férias (pago em junho e outubro de 2020).
d. A sentença declara que o A. foi trabalhador da R. EMP01..., aqui Recorrente, de 03.10.2019 a 02.10.2020, tendo passado a ser trabalhador da 2.ª R. a partir de 03.10.2020, data em que operou a transmissão da unidade económica.
e. O regime da transmissão da unidade económica acolhe um regime especifico de responsabilidade por créditos laborais, que tem como prossuposto de aplicação que se tratem de créditos vencidos à data da transmissão.
f. Pelo que, cumpre analisar se a obrigação de pagamento do subsídio de Natal já estaria vencida à data de transmissão.
g. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 263.º do Código do Trabalho, o trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de dezembro de cada ano, acrescentando o n.º 2 do mencionado preceito legal que o subsídio de Natal é proporcional ao tempo de serviço prestado no ano civil apenas perante as seguintes hipóteses: ano de admissão do trabalhador, ano de cessação do contrato de trabalho ou suspensão de contrato de trabalho por facto imputado ao trabalhador.
h. O que o regime da transmissão acautela, em primeira linha, é a estabilidade dos vínculos laborais, que permanecem imutáveis, quanto aos direitos adquiridos pelos trabalhadores por ela abrangidos, apenas se verificando a alteração subjetiva quanto à pessoa do empregador.
i. A partir de 03.10.2020 tudo se manteve igual para o A. as mesmas funções, o mesmo período normal de trabalho, a mesma remuneração, a mesma antiguidade: apenas passou a ter como entidade empregadora a 2.ª R.
j. Neste sentido, a 03.10.2020 ainda não se encontrava vencida a obrigação de pagamento do subsídio de Natal, a qual só se vence, nos termos da lei, a 15 de dezembro, pelo que nunca poderia ser a aqui Recorrente responsável pelo pagamento de uma obrigação que ainda não se tinha constituído na sua esfera jurídica.
k. Mesmo que se trate de um crédito vencido à data da transmissão ter-se-á que recorrer ao que a lei prevê a título de responsabilidade por créditos vencidos à data da transmissão.
l. Dispõe o n.º 6 do artigo 285.º do Código do Trabalho que “O transmitente responde solidariamente pelos créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, bem como pelos encargos sociais correspondentes, vencidos até à data da transmissão, cessão ou reversão, durante os dois anos subsequentes a esta”.
m. O regime da responsabilidade acolhe, assim, o entendimento de que o adquirente da unidade económica recebe os contratos de trabalho no estado em que se encontrem, também no que aos créditos laborais diz respeito, sendo em primeira linha responsável o adquirente.
n. A solidariedade significa que o A. pode demandar qualquer uma das entidades empregadores, a antiga e a atual, em sede de responsabilidade por créditos laborais vencidos à data da transmissão.
o. O A. peticionou que, declarada a transmissão do contrato de trabalho para a 2.ª R. fosse esta condenada no pagamento dos créditos por férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.
p. Também aplicado o regime da responsabilidade por créditos laborais vencidos à data da transmissão, terá a R. EMP01..., aqui recorrente, que ser absolvida do pagamento do subsídio de Natal.”
O recorrido não apresentou contra-alegações.
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da procedência do recurso.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta por parte do autor.
A recorrida “EMP02...” respondeu, contestando o entendimento perfilhado no parecer e a manutenção do decidido.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II OBJECTO DO RECURSO
Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enuncia-se então a questão que cumpre apreciar:
A recorrente é responsável pelo pagamento ao recorrido de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal respeitante ao trabalho pelo mesmo prestado desde 01.01.2020 a 02.10.2020? III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes para a decisão da causa são os que assim constam da decisão recorrida (pois que não houve recurso da matéria de facto nem se vislumbra fundamento para alterar oficiosamente a decisão proferida sobre essa matéria):
“Factos provados:
1. No dia 03.10.2019, entre o autor e a 1ª ré foi celebrado um contrato de trabalho com inicio a 03.10.2019 e termo a 02.10.2020, tendo sido acordada a remuneração mensal atual de € 729,11, acrescida da quantia diária de €6,09 a titulo de subsidio de alimentação e um período normal de trabalho de 174 horas mensais;
2. (…) para, sob as suas ordens e direção, exercer as funções profissionais inerentes à categoria profissional de vigilante;
3. (…) que exercia no cliente da 1.ª Ré Serviços de ação Social da Universidade do ... (SASU...).
4. Com data de 18.09.2020 a 1ª ré enviou ao autor que a recebeu, uma carta com o teor seguinte:
“Assunto: informação sobre a transmissão de estabelecimento correspondente ao Cliente Serviços de Ação Social da Universidade do ... (SASU...) (CP .../2020 – Aquisição de Serviços de Segurança e Vigilância para as residências Universitárias dos SASU...), e nova Entidade Empregadora – Artigo 286.º do Código de Trabalho.
Exmo. Senhor,
V. Ex.ª foi devidamente informado que os serviços de vigilância prestados pela EMP01... Lda., com número fiscal ...73, com sede na Rua ..., ... ..., nas instalações do Cliente Serviços de Ação Social da Universidade do ... (SASU...), foram adjudicados à empresa EMP02..., Lda., com efeito a partir do dia 03 de outubro de 2020.
Assim, e a partir dessa data, a EMP02..., Lda. será a entidade patronal de V. Exa., conforme resulta do disposto nos art.º 285.º a 287.º do Código de Trabalho, que regulam a transmissão de empresa ou de estabelecimento.
Reiteramos que não resultam quaisquer consequências de maior ou substanciais em termos jurídicos, económicos ou sociais para V. Exa. porquanto lhe é garantida a manutenção de todos os seus direitos, designadamente, a manutenção de antiguidade, de retribuição e da categoria profissional em que se enquadra. (…).”
5. No dia 01.10.2020, o autor juntamente com os seus colegas BB, CC e DD, deslocaram-se a ..., onde se reuniram com o gerente da 2.ª Ré, EE, bem como, com FF (sócio fundador da 2.ª Ré e antigo gerente da mesma), e ainda, com GG, Supervisor da 2.ª Ré;
6. (…) em tal reunião, FF informou que o contrato de trabalho do Autor – bem como restantes colegas, celebrado com a 1.ª Ré, seria para manter;
7. (…) a 2.ª Ré apresentou ao Autor, e restantes colegas, um contrato de trabalho para que procedessem à sua assinatura;
8. (…) sem grandes explicações, tendo apenas a 2.ª Ré dito que teriam de o assinar.
9. No dia 03.10.2020 o Autor passou a exercer a atividade de vigilante para a 2.ª Ré.
*
10. A 1ª ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à prestação de serviços de vigilância.
11. O local de trabalho do autor previsto no contrato referido em 1) e 2), corresponderia às instalações de um terceiro, cliente da 1ª ré a definir;
12. (…) os Serviços de Ação Social da Universidade do ... (adiante “SASU...”) eram o cliente da R. para o qual o A. foi destinado para prestar as suas funções;
13. (…) a partir de 03.10.2019 o autor iniciou as funções de vigilante nos Serviços de Ação Social da Universidade do ... (adiante “SASU...”), cliente da 1ª ré;
14. A prestação de serviços de vigilância nos SASU... foi contratada mediante um procedimento de contratação pública, no âmbito do qual a 1ª ré foi classificada em 1.º lugar;
15. (…) e iniciou-se em 01.10.2019, pelo período de 12 meses sem ser renovável.
16. Em 29/09/2020, foram adjudicados, pelos Serviços de Ação Social da Universidade do ... à 2ª Ré, os serviços de segurança e vigilância para as residências universitárias dos SASU..., com efeitos a partir de 03/10/2020.
17. Na sequência de adjudicação desses serviços de vigilância à 2ª ré a 1ª ré enviou-lhe uma carta registada com aviso de receção de 18.09.2020, rececionada a 21.09.2020 com o teor seguinte:
..., 18 de setembro de 2020´
Assunto: Informação sobre a transmissão de estabelecimento referente ao Cliente: serviços de Ação Social da Universidade do ... (SASU...), e a consequente transmissão dos contratos de trabalho dos trabalhadores que ali prestam serviço (CP .../2020 — Aquisição de Serviços de Segurança e Vigilância para as residências Universitárias dos SASU...).
Exmos. Senhores,
Como é do conhecimento de V. Ex.as., a EMP02... Lda., irá suceder à EMP01... (adiante EMP01...) na prestação de serviços de vigilância ao cliente SASU... nas seguintes residências:
..., Rua ..., St.' ..., ... ...;
Prof. ..., Rua..., ..., ... ...;
..., Rua ..., ..., ... ...;
..., Av. ..., ..., ... ....
A transmissão é motivada pela adjudicação da prestação de serviços de vigilância a um novo operador, a EMP02... Lda., e terá efeitos a partir do próximo dia 03 de outubro de 2020.
A transmissão de empresa ou estabelecimento está prevista e regulada nos artigos 285º a 287º do Código de Trabalho, nos quais é definido que em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa ou estabelecimento, ou ainda de pane de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, "transmitem-se para o adquirente a posição de empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores.
Verificando-se, como se verifica no caso concreto, a transmissão para a EMP02... Lda., da exploração das unidades económicas anteriormente exploradas pela EMP01..., a transferência dos contratos de trabalho para a EMP02... Lda., é automática, resulta da imposição da lei e tem por fim salvaguardar a manutenção dos direitos dos trabalhadores, designadamente, a manutenção da antiguidade, de retribuição e da categoria profissional que se enquadram, garantindo-lhes o direito à segurança no emprego e a manutenção de todos os seus direitos. Neste seguimento, para se concretizar a transmissão dos contratos de trabalho em cumprimento do Código do Trabalho e para a execução do Contrato Individual de Trabalho de cada trabalhador ao serviço da unidade económica que passará a ser explorada por V. E.x.as.. procederemos ao envio de dados pessoais relativos aos trabalhadores ao serviço em tal/tais unidade(s).
Este envio constitui um tratamento de dados pessoais nos termos do disposto no Regulamento Geral de Dados Pessoais e o respetivo tratamento está legitimado pelo disposto no art. 6, nº1, alínea b) e alínea c) do aludido diploma, uma vez que o tratamento é necessário para a execução do contrato de trabalho no qual o titular dos dados é parte, bem como é necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica do responsável pelo tratamento (cfr. art. 285 0 do Código de Trabalho).
Não obstante a legitimidade do tratamento, preconizamos a celebração de um acordo relativo no tratamento de tais dados, cuja minuta segue como anexo [à presente comunicação.
De todo o modo, com a receção dos dados constantes no anexo II da presente missiva, V. Exas. passarão a ser responsáveis pelo seu tratamento, sendo que tais dados não deverão ser tratados para qualquer outro fim que não seja a execução do Contrato Individual dos trabalhadores e o cumprimento das inerentes obrigações legais.
Com os nossos melhores cumprimentos,(…)”
18. A carta antes referida (cfr. ponto 17), foi instruída com uma lista, relativa a cada um dos trabalhadores, que continha a seguinte informação: nome completo do trabalhador, número mecanográfico, categoria profissional, data de admissão, data de nascimento, nacionalidade, número de segurança social, número fiscal, telefone, tipo de contrato, fim do contrato/renovação, centro de custos, horas semanais, morada, número de cartão de cidadão, cartão de vigilante, e-mail, meio de contacto, informação sobre medicina no trabalho e informação quanto às férias gozadas;
19. (…) incluiu, ainda, os documentos relativos aos trabalhadores e um “Acordo relativo ao processamento de dados pessoais disponibilizado para fazer operar a transmissão de estabelecimento - artigos 285.º e seguintes do Código do Trabalho”;
20. (…) foram igualmente enviadas as escalas de trabalho (cfr. p. 12 do doc. ...) que estavam a ser praticadas naquele serviço e, no local de trabalho, para além de afixadas as escalas, estava afixado o mapa de férias, documentos que permaneceram no local para análise e o uso da 2ª ré;
21. (…) a 2ª ré não devolveu o acordo referido em 19) assinado à 1ª ré.
22. Entre a 1ª ré e trabalhadores ao serviço da unidade económica que passou a ser explorada pela 2ª ré,
23. não foi celebrado qualquer acordo nem estes mostraram interesse na possível permanência nos seus quadros (da 1ª ré);
24. A 2ª ré contactou os trabalhadores que estavam adstritos pela 1ª ré à prestação de serviços nos SASU...;
25. (…) quando ainda se encontravam ao serviço da 1ª ré;
26. (…) os quais continuaram a assegurar os serviços de vigilância nos SASU..., agora sob as ordens e instruções da 2ª ré,
27. (…) continuando a utilizar os meios materiais para a vigilância do local, que eram da propriedade do cliente;
28. (…) que se mantiveram para continuarem a ser utilizados pelos vigilantes.
*
29. O autor celebrou com a 2ª ré em 30.09.2020 um contrato de trabalho a termo certo, mediante o qual este se obrigou a exercer, por conta, sob a autoridade e direção daquela, as funções inerentes à categoria profissional de vigilante, com início a 03/10/2020 e pelo prazo de um ano;
30. A 2ª ré dedica-se, de forma habitual e sistemática, com escopo lucrativo, ao serviço de segurança privada, serviço de segurança em edifícios, atividades de vigilância e apoio à segurança das empresas em geral.
31. A partir de 03/10/2020, os modelos de uniforme usados pelos trabalhadores vigilantes da 2ª ré foram aprovados pela entidade própria e integram o alvará titulado pela 2ª ré;
32. (…) em 02/10/2020, a 2ª Ré comunicou à Segurança Social a admissão deste trabalhador ao seu serviço;
33. (…) em 03/10/2020, a 2ª Ré comunicou à Polícia de Segurança Pública o desempenho de funções de vigilância e segurança por parte do Autor;
34. A partir de 03/10/2020, o autor, ao serviço da 2ª ré, exercia as mesmas funções de vigilante, usando indumentária identificativa, propriedade desta e por esta fornecida
*
Factos não provados:
a) Que a explicação dada para a apresentação do contrato referido em 6) a 9), tivesse sido a necessidade de “cumprimento das obrigações inerentes à atividade de segurança privada, nomeadamente para que a 2.ª Ré pudesse proceder à inscrição do Autor, como seu trabalhador junto da Direção Nacional da PSP”;
b) No contexto referido em 5) a 9), o autor não se tivesse apercebido que o contrato celebrado com a 2ª ré em 01.10.2020 não salvaguardava “os seus direitos adquiridos, antiguidade, remuneração, local de trabalho, horário de trabalho, bem como todos os direitos relativos a férias, tendo inclusive período de experiência e termo de caducidade” - sic.
c) A 2ª ré não tivesse “assumido” nenhum dos trabalhadores com a categoria de vigilante que a 1ª Ré tinha afetos à prestação dos serviços de vigilância e segurança humana nos SASU....
d) O autor na sequência da atuação da 1ª ré, conforme os factos julgados provados, tivesse se tivesse sentido angustiado, nervoso, preocupado;
e) (…) a atuação da 2ª ré tivesse provocado no autor desespero, angustia, sofrimento, mal-estar, revolta, injustiça.”
IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
Contendendo com a questão supra enunciada, na decisão recorrida discorreu-se nos termos seguintes:
“3ª Questão a decidir: O autor tem, ou não, os peticionados direitos?
O autor peticionada a condenação da 2.ª Ré no pagamento ao Autor da quantia de € 2.205,40, a título dos direitos vencidos do contrato de trabalho, designadamente, férias e subsídio de férias vencidas no ano de 2020, bem como proporcionais de subsídio de natal de janeiro a setembro de 2020. Deduziu, também, contra 1ª ré, igual pedido a titulo de direitos vencidos pela cessação do contrato de trabalho, designadamente, férias e respetivo subsídio, bem como proporcionais de subsídio de natal. Em sede de contestação, pugnou a 2ª ré pelo entendimento de que nunca poderá ser responsável pelo pagamento dos créditos devidos ao Autor vencidos até 02/10/2020, na pendência da relação laboral estabelecida com a 1ª Ré, como é o caso dos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal respeitante ao trabalho pelo mesmo prestado à 1ª Ré desde 1 de janeiro até ao dia 2 de outubro de 2020.
Apreciando.
Quando o autor deixou de trabalhar para a 1ª ré, a 03.10.2020, tinham-se vencido as férias correspondentes ao ano de 2020, não estando demonstrado que gozou as férias e que recebeu o respetivo subsídio de férias, pelo que lhe assiste o direito a receber a quantia de € 1.600,34 (€800,17X2) (art. 263.º, n.º 2, alínea b) e 237.º, n.º 1 do CT). De igual modo não lhe foi pago o subsidio de natal, proporcionais, no valor de € 605,06 (cfr. a testemunha HH, arrolada pela 1ª ré, deu a explicação para essa falta de pagamento no depoimento prestado, qual seja, atenta a data de vencimento desse crédito considerou a 1ª ré que deveria ser a 2ª ré a efetuar tal pagamento).
Assim, pelo pagamento destas quantias, vencidas no período compreendido entre 1 de janeiro até ao dia 2 de outubro de 2020 (nos termos referidos e no total de €2.205,40, é responsável a 1ª ré) por não ter demonstrado que tenha efetuado tal pagamento, como lhe incumbia. Esta divida, ao contrário do que alega a 1ª ré, não estava prescrita à data da citação, porquanto a mesma ocorria a 03.10.2021, mas como calhou em dia de domingo transferiu-se para as 24 horas do primeiro dia útil seguinte, 04.10.2021. Ora foi nessa data em que a ré foi citada (artigo 337.º do Código do Trabalho).”
Ora, não nos parece que este entendimento esteja conforme às pertinentes normas legais.
Como dispõe o artigo 285.º/6 do CT, sob a epígrafe “Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento”:
“6 - O transmitente responde solidariamente pelos créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, bem como pelos encargos sociais correspondentes, vencidos até à data da transmissão, cessão ou reversão, durante os dois anos subsequentes a esta.”
Daqui decorre que o alienante/transmitente, e ora recorrente, responde solidariamente pelos créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação vencidos até à data da transmissão, durante os dois anos subsequentes a esta.
Pois, o adquirente/transmissário, como decorre do n.º 1 daquele art. 285.º, “ingressa automaticamente, por força da lei, na posição de entidade empregadora nos contratos de trabalho transmitidos”[1] e, assim, por força da qualidade de empregador que passou a deter, responde já pelos créditos do trabalhador (mesmos os vencidos anteriormente à data da transmissão).
Como escreveu Joana Vasconcelos, “(…) estabelece-se a adstrição do adquirente a todas obrigações emergentes dos contratos de trabalho transmitidos, sem qualquer limite, e conforma-se a responsabilidade solidária do transmitente como duplamente limitada – aos créditos vencidos à data da transmissão e ao prazo de um ano [na redacção do n.º 6 do art. 285.º do CT aqui considerada, prazo de dois anos] subsequente a esta.”.
Assim também o Ac. STJ de 30-04-2019[2], em cujo Sumário se escreveu: “1. A responsabilidade solidária do transmitente apenas abrange as obrigações vencidas até à data da transmissão e já não aquelas que se vençam depois.”
Note-se que o autor, na formulação deste pedido, parte do pressuposto – que não se verifica – de que ocorreu a cessação do contrato de trabalho – cf. art.s 49.º, 50.º e 54.º da petição inicial – e, bem assim, de que à data do suposto despedimento (em 03.10.2020) “já se haviam vencido as férias correspondentes ao ano de 2020 [ao trabalho prestado no ano de 2020]” – cf. art. 52 da petição inicial -, o que também não é correcto (nos termos do art. 237.º/1/2 do CT as férias respeitantes ao trabalho prestado no ano de 2020 vencer-se-iam em 01.01.2021)[3].
Por isso que se concorda inteiramente com o douto parecer do Ministério Público quando expende “afigura-se-nos que tem razão a Recorrente, pois que tendo ocorrido transmissão da posição contratual da entidade empregadora do Autor com efeitos a 03.10.2020, não houve cessação do contrato de trabalho, não se tendo vencido o direito a férias, não havendo lugar ao pagamento de proporcionais pelo trabalho prestado no ano de 2020 nos termos da al. b) do nº 1 do art. 245º CT, nem ao pagamento de proporcionais de subsídio de Natal, subsídio que só teria de ser pago em 15/12/2020 (art. 263º CT)”
É certo que na resposta ao parecer a recorrida “EMP02...” vem pugnar pela manutenção da decisão recorrida pretendendo que “9. Assim (…) fez-se operar o princípio da proporcionalidade: a empresa transmitente e a empresa transmissária devem suportar o pagamento dos direitos dos trabalhadores na proporção do trabalho que estes lhe prestem no ano da transmissão. 10. Nessa senda, no caso sub judice, a Recorrente transmitente deverá suportar o pagamento das férias e subsídio de férias proporcional ao trabalho prestado de 1 de janeiro até 2 de outubro de 2020 (não obstante, o direito se vencer somente a 1/1/2021), bem como o subsídio de natal proporcional aquele tempo (apesar do vencimento ocorrer a 15 de dezembro); e a Recorrida transmissária deve suportar o pagamento das férias, subsídio de férias e subsídio de natal proporcional ao trabalho prestado entre 3/10/2020 e 31/12/2020.”
Salvo melhor opinião, inexiste qualquer fundamento legal para, em contrário do que decorre das normas aplicáveis, como supra referido, aplicar a regra da proporcionalidade.
Na decisão recorrida, é certo, apesar de se ter dito que a primeira norma a convocar para apreciar a questão da transmissão ou não do contrato de trabalho do autor da 1.ª para a 2.ª rés é o art. 285.º do CT, acabou por se não apreciar a questão a essa luz, tendo-se entendido que tal transmissão se verifica por força da cláusula 14.ª do CCT celebrado entre a “AES” e a “FETESE”, aqui aplicável.
Sucede que face à factualidade provada, particularmente sob os pontos 24 a 28, inexiste qualquer dúvida que ocorreu uma transmissão de unidade económica, nos termos e para os efeitos previstos no art. 285.º, n.ºs 1 e 5 do CT[4], pelo que, não se constatando (nem sequer alegado foi) que o dito regime do identificado CCT é mais favorável para os trabalhadores que se encontrem nas situações em causa, efectivamente tem aqui aplicação o n.º 6, já acima citado, do mesmo artigo 285.º[5].
De qualquer forma, nos termos da cláusula 14.ª do identificado CCT também a 1.ª ré não pode ser responsabilizada pelo pagamento dos valores em causa.
Com efeito, conforme n.º 4 dessa cláusula, “Nas situações previstas no número um da presente cláusula (A presente cláusula regula a manutenção dos contratos individuais de trabalho em situações de sucessão de empregadores na execução de contratos de prestação de serviços de segurança privada, tendo por princípio orientador a segurança do emprego, nos termos constitucionalmente previstos e a manutenção dos postos de trabalho potencialmente afetados pela perda de um local de trabalho ou cliente, pela empresa empregadora e, desde que o objeto da prestação de serviços perdida tenha continuidade através da contratação de nova empresa ou seja assumida pela entidade a quem os serviços sejam prestados e quer essa sucessão de empresas na execução da prestação de serviços se traduza, ou não, na transmissão de uma unidade económica autónoma ou tenha uma expressão de perda total ou parcial da prestação de serviços) mantêm-se em vigor, agora com a nova prestadora de serviços, os contratos de trabalho vigentes com os trabalhadores que naquele local ou cliente prestavam anteriormente a atividade de segurança privada, mantendo-se, igualmente, todos os direitos, os deveres, as regalias, a antiguidade e a categoria profissional que vigoravam ao serviço da prestadora de serviços cessante.”
No tocante a férias, consta do n.º 8 dessa cláusula, “A prestadora de serviços cessante é obrigada, a comunicar, expressamente e por escrito, ao novo prestador de serviços no posto de trabalho, até ao 10.º dia útil anterior ao início da prestação do serviço por este, os trabalhadores que, por acordo se manterão ao seu serviço, e, em simultâneo, a fornecer-lhe os seguintes elementos referentes aos trabalhadores abrangidos pela sucessão:
(…) ix) Mapa de férias do local de trabalho; x) Indicação de férias vencidas e não gozadas; xii) Informação relativa ao pagamento de subsídio de férias e/ou subsídio de Natal, caso já tenha ocorrido;”
E, de forma expressa e determinante, consta do n.º 15 da mesma cláusula: “A prestadora de serviços cessante e a nova prestadora de serviços são solidariamente responsáveis pelo pagamento dos créditos devidos aos trabalhadores, vencidos e não pagos até à data da sucessão.” (realçamos sempre)
Donde, responsável pelo pagamento das férias (referentes ao trabalho prestado pelo autor em 2020) e dos subsídios de férias e de Natal será a 2.ª ré/adquirente, mas naturalmente sem prejuízo da data em que efectivamente o respectivo vencimento tenha ocorrido.
Ante o exposto, o recurso tem de proceder. V - DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida na parte em que consta:
“I – Condena-se a 1ª ré, “EMP01..., Lda.”, a pagar ao autor, a quantia de €2.205,40 a titulo de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal respeitante ao trabalho pelo mesmo prestado desde 01.01.2020 a 02.10.2020, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal, desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento;”, e Altera-se a redacção do ponto III do dispositivo nos seguintes termos: III – Condeno 2ª ré, “EMP02... Lda.” a reconhecer o autor, AA como seu trabalhador e, em decorrência, condeno-a a pagar-lhe as férias, subsídio de férias e subsídio de Natal respeitantes ao trabalho pelo mesmo prestado em 2020, nos concretos valores a liquidar, acrescidos de juros calculados à taxa legal, caso não tenham sido pagos na data do respectivo vencimento, e a partir desta, até efetivo e integral pagamento; No mais confirma-se a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo dos recorridos.
Notifique.
Guimarães, 09 de Novembro de 2023
Francisco Sousa Pereira (relator)
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Antero Veiga
[1] Cf. Pedro Furtado Martins, Efeitos da aquisição de empresas nas relações de trabalho, in Aquisição de Empresas, Paulo Câmara e Outros, Coimbra Editora, pág. 242 e, no mesmo sentido, Joana Vasconcelos, Prontuário de Direito do Trabalho, A transmissão da empresa ou estabelecimento no Código do Trabalho, n.º 71, CEJ/Coimbra Editora, pág.s 75/76. [2] Proc. 701/09.8TTLRS.L2.S1, Júlio Gomes, www.dgsi.pt [3] Cf., neste sentido, Ac. RP de 21-03-2011, Proc. 585/08.3TTPRT.P1, Ferreira da Costa, www.dgsi.pt [4] Cf. Ac. STJ de 08-03-2023, Proc. 445/19.2T8VLG.P1.S1, Júlio Gomes, Ac. RG de 19-01-2023, Proc. 658/19.7T8GMR-A.G1, Maria Leonor Barroso, ambos em www.dgsi.pt [5] Cf. art. 3.º, n.º 3, al. m) do CT e Ac. RL de 25-3-2015, Proc. 357/13.1TTPDL.L1-4, José Eduardo Sapateiro, www.dgsi.pt