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JUNÇÃO DE DOCUMENTO
ERRO DE IDENTIDADE
ERRO DE IDENTIFICAÇÃO
CITAÇÃO
Sumário
- Resulta dos artigos o 651º, n.º 1 e 425º do CPC, que a junção excecional de documentos na fase de recurso, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de seguintes situações; impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; ter o julgamento de primeira instância introduzido na ação um elemento de surpresa, de novidade, que tenha tornado necessária a consideração de tal prova documental. - O erro de identidade dá-se quando, em vez de se citar o próprio réu, se cita pessoa diferente - O erro de identificação da parte demandada, seja por troca de um nome, um lapso na identificação, ou outro, não se confunde com erro de identidade do citado, apenas redundando neste se efetivamente não foi citado o demandado que se pretendia. - Ponto é que da interpretação da petição possa concluir-se que o citado é o “verdadeiro réu”, titular da pretensa relação jurídica invocada pelo autor, irrelevando para efeitos de legitimidade a “real” titularidade da relação. - A questão de saber quem é demandado, tendo em conta a pretensa relação jurídica invocada pelo autor, remete para a interpretação do articulado, de acordo com as regras dos artigos 236º ss do CC.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.
- AA, idf. nos autos, intentou a presente ação declarativa, identificando a ré no articulado nos seguintes termos:
EMP01.... pessoa coletiva com sede na Avenida ... em ..., com o NIPC ....
No formulário de entrega da peça por via eletrónica consta na identificação do réu:
“EMP01... Lda
Morada: Avenida ...
Código Postal: ... ...
NIF: ...”
Invocou que “em 01 de abril de 2015, Autor e Ré celebraram um contrato individual de trabalho a termo certo, pelo período inicial de 5 meses, renovando-se automaticamente.”
Juntou o aludido contrato de trabalho do qual consta designadamente:
[Imagem]
Mais invocou que no decorrer do contrato, mais propriamente em maio de 2017 o A. sofreu uma alteração de funções passando a exercer a função de chefe de equipa comercial de alarmes.
Invocou ainda, fundamentando, várias quantias que estão em dívida e a que se acha com direito.
Pede a condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de 8.324,79 Eur. (oito mil, trezentos e vinte e quatro euros e setenta e nove cêntimos), a título de créditos salariais vencidos de junho de 2018 até à cessação do contrato, mormente o prémio de função de 150,00 Eur/mês (6.150,00 Eur.), diferenças salariais devidas entre maio de 2021 e novembro de 2021 (1.050,00 Eur.), o valor referente a pagamento de portagens no montante de 225,30 Eur, o valor de 899,46 Eur. por trabalho suplementar, uma vez que trabalhou vários sábados de 2018 a 2021, para além das 40 horas semanais, bem como o valor devido por horas de formação não cumpridas a apurar com base nas folhas de registo de presença cuja junção requer seja ordenada à ré.
*
- Foi regularmente citada para a audiência de partes a “ EMP01... LDA”, com sede em Av. ....
Designada data para a realização da audiência de partes, não foi possível obter a conciliação das partes. – cfr. ata de 23 de novembro de 2022 a fls. 52 dos autos.
- Consta da ata, “Pela Il. Mandatária da Ré foi dito que entende que a pessoa coletiva citada não é a entidade correta.”
No final da tentativa foi proferido o seguinte despacho:
“Face ao exposto e uma vez que as partes não lograram chegar a acordo, notifique a Ré para contestar a ação, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de, não o fazendo, se considerarem confessados os factos articulados pelo Autor, nos termos dos arts. 56.º al. a) e 57.º, nº 1 do Cód. de Processo do Trabalho.
Deverá ainda a Ré com tal articulado juntar certidão de matrícula quer da pessoa coletiva "EMP01... Lda." quer da "EMP01...", Promoção e Comercialização de Produtos e Serviços Unipessoal, Lda.", bem como a adenda que terá sido feito ao contrato de trabalho que se mostra junto a fls. 10 dos autos.”
- A citada a 5/12/2022 deu entrada de requerimento invocando nulidade da citação por erro na identidade do citado, referindo:
3ª A EMP01... Lda. é uma empresa de segurança privada, com o número de pessoa coletiva ... e com sede na Avenida ..., em ..., conforme melhor consta de cópia de certidão que se anexa e se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais DOC 1.
4º Verifica-se, por isso, que a ora citada não é entidade contra quem foi proposta a presente ação, que foi a “EMP01...” pessoa coletiva ....
5º Refere-se que a sociedade do grupo “EMP01...” a que corresponde o número de pessoa coletiva ... é a EMP01..., Promoção e Comercialização de Produtos e Serviços, Unipessoal Lda., com sede na Avenida ..., em ..., e que tem por objeto social a prestação de serviços de agenciamento, promoção, divulgação e comercialização de serviços de produtos por conta e à ordem de terceiros, conforme melhor consta de cópia de certidão que se anexa e se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais DOC 2.
6º Verifica-se ainda que a morada/sede identificada nos autos não corresponde à sede da EMP01..., Promoção e Comercialização de Produtos e Serviços, Unipessoal Lda., entidade patronal do Autor.
7º No ato de citação houve erro na identificação da sociedade e na indicação da sua morada, resultado daí, por preterição de uma formalidade essencial, que refere como prevista na alínea b) do n,º 1 do artigo 188º do Código de Processo Civil, que a citação se fez numa pessoa diversa da interessada.
- Por despacho de 16-1-2023 considerou-se inexistir qualquer nulidade de citação não tendo havido erro na identidade do citado.
- A ré interpôs recurso deste despacho.
- A 7-2-2023, considerando a falta de contestação, foi proferida decisão, cujos termos se dão por reproduzidos, considerando confessados os factos alegados e condenando-se a ré nos seguintes termos:
“Pelo exposto, decido julgar a presente ação procedente e, em consequência, condeno a ré a pagar ao autor a quantia global peticionada de 8.324,79 Eur. (oito mil, trezentos e vinte e quatro euros e setenta e nove cêntimos).
À referida quantia acrescem juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
(…)”
*
Inconformada ré interpôs recurso da decisão.
Alegações da ré relativas ao despacho que decidiu inexistir nulidade de citação:
A. Em 1 de Abril de 2015 celebrou um contrato de prestação de serviços com a EMP01... para desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Prospetor de Vendas.
B. Por acordo celebrado entre as partes, Autor e Ré acordaram que a partir de 1 de setembro de 2015 o Autor passaria a trabalhador da sociedade EMP01..., Promoção e Comercialização de Produtos e Serviços Unipessoal Lda.
C. A alteração ocorrida na entidade patronal do Autor foi comunicada à Segurança Social.
Assim;
- Em 31.08.2015 a sociedade EMP01... Lda. comunicou à Segurança Social o fim do vínculo contratual estabelecido com o Autor, conforme melhor consta de print/documento que ora se anexa e se dá por integralmente produzido para os devidos efeitos legais DOC 1.
- Em 01.09.2015 a sociedade EMP01... Promoção e Comercialização de Produtos e Serviços Unipessoal Lda. comunicou à Segurança Social o início do vínculo contratual estabelecido com o Autor, conforme melhor consta de print/documento que ora se anexa e se dá por integralmente produzido para os devidos efeitos legais DOC 2.
D. Analisado os documentos juntos à petição inicial pelo Autor verifica-se que os recibos de vencimentos que foram por si anexados consta como entidade empregadora a sociedade EMP01... Promoção e Comercialização de Produtos e Serviços Unipessoal Lda., com o NIPC ....
E. Verifica-se ainda que o Autor instaurou a presente ação declarativa de condenação contra a EMP01... pessoa coletiva ... com sede na Avenida ..., em ..., pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe o montante de € 8.324,79 a título de créditos emergentes do contrato de trabalho estabelecido entre as partes.
F. O Autor reconhece e aceita que a sua entidade patronal é a EMP01..., pessoa coletiva ....
G. Por carta registada com aviso de receção rececionada a 10 de outubro de 2022 veio a EMP01... Lda., a ser citada como Ré no âmbito da presente ação, para comparecer na audiência de partes e, para contestar.
H. A EMP01... Lda. é uma empresa de segurança privada, com o número de pessoa coletiva ... e com sede na Avenida ..., em ..., conforme melhor consta de cópia de certidão que se anexou e se deu por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais DOC 1.
I. Verifica-se, por isso, que a ora citada não é entidade contra quem foi proposta a presente ação, que foi a “EMP01...” pessoa coletiva ....
J. Refere-se que a sociedade do grupo “EMP01...” a que corresponde o número de pessoa coletiva ... é a EMP01..., Promoção e Comercialização de Produtos e Serviços, Unipessoal Lda., com sede na Avenida ..., em ..., e que tem por objeto social a prestação de serviços de agenciamento, promoção, divulgação e comercialização de serviços de produtos por conta e à ordem de terceiros, conforme melhor consta de cópia de certidão que se anexou e se deu por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais DOC 2.
K. Verifica-se ainda que a morada/sede identificada nos autos não corresponde à sede da EMP01..., Promoção e Comercialização de Produtos e Serviços, Unipessoal Lda., entidade patronal do Autor.
L. No ato de citação houve erro na identificação da sociedade e na indicação da sua morada, resultado daí, preterição de uma formalidade essencial, que refere como prevista na alínea b) do n, º 1 do artigo 188º do Código de Processo Civil, que a citação se fez numa pessoa diversa da interessada.
M. Sendo que o erro de identidade ocorre - dizia J. A. dos Reis (Comentário ao Código de Processo, 2/416) - quando, em vez de se citar o próprio réu, se cita pessoa diferente.
N. Termos em que a citação efetuada padece de vicio que importa a sua falta para efeitos do preceituado no artigo 188º.
O. A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se o chama ao processo para se defender visando assegurar a plena realização do princípio do contraditório, princípio com consagração constitucional (artigos 2.º e 20.º, n.º 1, da Constituição) e estrutura do processo laboral.
P. A citação produz relevantes efeitos processuais e matérias, por isso, a lei regula exaustivamente o ato de citação e comina com sanções processuais a preterição dessas formalidades processuais.
Q. Nos termos do artigo 188.º, n.º 1, haverá falta de citação quando:(b) tenha havido erro de identidade do citado.
R. A falta de citação pode ser invocada em qualquer estado do processo, enquanto não dever considerar-se sanada (artigo 198.º, n.º 1).
S. Em relação ao prazo em que tal arguição deve ser arguida é entendimento que, se for assinalado prazo para contestar o Réu dispõe desse prazo para suscitar a nulidade.
T. Como ensina Antunes Varela a citação é “o ato processual essencial que visa assegurar o direito do demandado a defender-se, de molde a evitar ser surpreendido por uma decisão judicial não esperada, constituindo tal o corolário lógico do princípio do contraditório”.
NESTES TERMOS
e nos melhores de Direito, com o mui douto suprimento de V. Exas. deverá o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se o despacho recorrido que indeferiu arguição de nulidade da citação, e em consequência:
- Deve ser declarada a nulidade do ato de citação, determinando a citação da Ré EMP01... Promoção e Comercialização de Produtos e Serviços, Unipessoal Lda., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Avenida ..., em ...
- Devem ser anulados os atos posteriores, incluindo a decisão proferida.
Com as alegações juntou documentos para prova do alegado em “C”.
Nas alegações da ré relativas a sentença, retomam-se no essencial os mesmos argumentos.
*
Em contra-alegações o autor sustenta as decisões, referindo que “não devem ser considerados os documentos juntos com o Recurso, uma vez que os mesmos deveriam ter sido apresentados em momento anterior, conforme acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 27.02.2014.
A Exmª PGA deu parecer no sentido da improcedência e referindo a inadmissibilidade da junção dos documentos.
A factualidade com interesse é a que resulta do precedente relatório e o que consta das decisões recorridas.
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Conhecendo dos recursos:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Em ambos os recursos a questão a dirimir é a de saber se ocorre ou não nulidade de citação por erro de identificação da ré.
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Previamente importa apreciar a admissibilidade dos documentos juntos com as alegações.
Nos termos do art. 651º nº 1 CPC “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”
Nos termos do artigo 425º do CPC, depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. Esta situação não é aplicável ao caso, pois a recorrente poderia ter juntado os documentos aquando da invocação da nulidade de citação.
Também não se verifica que a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento efetuado em primeira instância.
Trata-se de situações em que a necessidade do documento se afigura imprevisível antes de ser proferida a decisão. Será o caso por exemplo de a decisão ter introduzido um “elemento de novidade que torne necessária a consideração do documento” – RC de 18/11/2014, processo nº 628/13.9TBGRD.C1; RG de 10/7/2023, processo nº 1159/18.6T8VRL.G1, no sentido de que a “ junção será considerada necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância se a decisão recorrida contiver elementos de novidade, isto é, que tenha sido absolutamente surpreendente para o apresentante do documento, face ao que seria de esperar em face dos elementos do processo.”
Refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, 2013, p. 184, que podem ser apresentados “documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expetável em face dos elementos já constantes do processo”.
Ora no caso, não estamos face a documentos cuja necessidade – tendo em conta a tese da recorrente - se afigura imprevisível antes de ser proferida a decisão. Nem, por outro, a decisão introduziu qualquer novidade, ou por outra razão se mostra surpreendente relativamente aos elementos já constantes dos autos.
Assim não é de admitir a junção dos documentos com a alegação de recurso.
*
Quanto à nulidade da citação.
A nulidade de citação importa duas modalidades, a falta de citação, prevista no artº 188º, e a nulidade da citação propriamente dita, regulada no artº 191º.
Refere o artigo 188 al. e) que ocorre falta de citação “quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável”.
Parece ser este o vício a que se reporta a alegação da recorrente, embora referencie o erro na identificação. Quem devia ser ré não foi citada.
A questão tal como colocada remete para o “interesse relevante para o efeito da legitimidade”, referenciado no artigo 30º do CPC, que adiante se abordará.
Trata-se de um vício que tem a ver com a “revelia“ da ré, por causa a si não imputável, visando-se a salvaguarda do princípio do contraditório, do direito de defesa.
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No que ao caso importa, a ré, invocando embora e tentando demonstrar não ser o sujeito da relação jurídica (real), invoca a situação da al. b), do artigo 188º do CPC, relativa às situações em que” tenha havido erro de identidade do citado” – al. b) do artigo 188º do CPC.
Ora, esta previsão implica que se citou outra pessoa que não o réu demandado, por erro na identificação confundindo-se o réu com outra pessoa. Nas palavras de Alberto Dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. 2º, Coimbra Editora, 145, pág. 416, “o erro de identidade dá-se quando, em vez de se citar o próprio réu, se cita pessoa diferente. O oficial de justiça procurou o réu para o citar; mas, por erro, em vez de citar a pessoa identificada na petição como réu, citou outra pessoa diferente.”
E continua adiante que tal erro “pode criar uma situação que revista o aspeto de ilegitimidade”, quem está em juízo não tem interesse em contradizer – págs. 418 e 419.
O erro de identificação da parte demandada, seja por troca de um nome, um lapso na identificação, ou outro, não se confunde com erro de identidade do citado, apenas redundando neste se efetivamente não foi citado o demandado que se pretendia.
Como se refere no Ac. RL de 5-5-2005, processo nº 3371/2005-8, disponível em DGSI.PT;
“Se acaba por ser citado o verdadeiro réu, apesar de na petição inicial ter sido indicado com outro nome, não há erro de identidade do citado e nenhuma nulidade se verifica. Enquanto o réu não for citado, nada impedirá o autor de retificar o erro cometido”. Veja-se ainda, RE de /11/2011, processo 1147/08.0TTSTB.E1.
Ponto é que da interpretação da petição possa concluir-se que o citado é o “verdadeiro réu”.
A questão remete consequentemente para a interpretação do articulado apresentado pelo autor, quanto à identidade do demandado.
Para se aquilatar da ocorrência ou não de erro, isso basta, não importando nesta sede saber se a relação invocada pelo autor é ou não com o demandado. Essa questão respeita ao fundo da causa. Ponto é que o autor invoque que a relação é com o réu que indica, independentemente da veracidade ou não de tal invocação.
É que, não contestando a entidade demandada, considerar-se-á confessada a “verdade” de tal alegação, independentemente de tal ser verdadeiro ou não.
O réu indicado tem interesse em contradizer, para evitar tal efeito e demonstrar que não é ele a parte na relação, implicando tal prova a absolvição do pedido.
Como é sabido o nosso ordenamento jurídico consagra no artigo 30º do CPC, a tese subjetivista (Barbosa de Magalhães) por contraposição à tese defendida por Alberto dos Reis, a objetivista, segundo a qual a legitimidade depende da relação material real, tal como existe. Para a tese subjetivista a legitimidade afere-se não pela relação tal como existe (que demandaria a produção de prova quanto à mesma para efeitos de apreciação da legitimidade processual), mas sim pela relação controvertida tal com configurada pelo autor. Mas palavras de Barbosa de Magalhães, “as partes são legítimas quando sejam sujeitos da pretensa relação jurídica controvertida” – Veja-se citação no Ac. RG de 16/34/2015, processo nº 929/14.9T8VNF.G1.
O artigo 30º nº 3 é claro quanto a esta opção; “na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.”
*
Dito isto e passando ao caso, resulta desde logo irrelevante para a questão ora em apreço, saber quem é o titular efetivo, real, da relação ajuizada pelo autor. As referências da recorrente relativas à existência de um acordo entre as partes, Autor e Ré, no sentido de que acordaram que a partir de 1 de setembro de 2015 o Autor passaria a trabalhador da sociedade EMP01..., Promoção e Comercialização de Produtos e Serviços Unipessoal Lda., irrelevam para a questão ora em apreço, na medida em que na petição o autor não lhe faz qualquer referência, invocando que a relação é com determinada entidade – e veremos, por interpretação do articulado, se é a citada a demandada -.
Aquela questão respeita ao fundo da causa, e a sua demonstração implica que o autor não logrou provar contra o réu o(s) direito(s) que invocou, determinando a absolvição do pedido contra o demandado.
***
A petição deve ser interpretada de acordo com as regras consagradas nos artigos 236º ss do CC.
O artigo 236º do CC, consagra a teoria da impressão do destinatário. Trata-se de um critério objetivo de determinação do sentido juridicamente relevante, tendo em vista proteger a “legitima confiança do declaratório e os interesses gerais do comércio jurídico “– Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Almedina, 1974, Vol. II, pág. 312 –. Em atenção desses mesmos objetivos tal critério é mitigado com concessões subjetivistas, parte final do nº 1 e nº 2 do normativo.
Assim, a declaração negocial a deduzir do comportamento do declarante, segundo o critério do declaratário normal colocado na posição do real declaratário, não valerá se resultar da factualidade do circunstancialismo, que o declarante não pode razoavelmente contar com tal sentido; e no sentido de que vale a “vontade real do declarante”, quando conhecida pelo declaratário.
Nos negócios formais, como é o caso, nos termos do artigo 238º do CC. (e ao caso o 295º do CC), o sentido juridicamente relevante que resulte da aplicação das regras do artigo 236º do CC, não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
“Na interpretação da declaração o interprete deve pautar-se pelo critério do “declaratário normal”, e é, de mediana instrução, diligencia e sagacidade, conhecedor dos factos concretos, isto é colocado na posição do real declaratário, em face de todo o circunstancialismo concreto. Deve atender-se aos elementos e circunstâncias que seria de esperar que um declaratário normal atendesse, dando-lhes a interpretação que este lhe daria.” – RG de 4-4-2013, processo nº 311/07.4TBAMR.G1. Sobre interpretação de articulados ainda, RG de 16/1/2020, processo nº 5533/18.0T8GMR.G1; RP de 10/11/2020, processo nº 358/19.8T8VNG.P1; STJ de 29/9/2022, processo nº 605/17.0T8PVZ.P1.S1.
No caso e como elementos atendíveis, partindo do texto do articulado, deve atender-se ao conjunto das alegações nele efetuadas pelo autor, aos termos do pedido e a outras circunstâncias conhecidas pelo demandado, que possam esclarecer o sentido pretendido.
O sentido decisivo do articulado será aquele que um declaratário normal, dotado da capacidade e diligência do bonus pater familias, colocado na posição do real declaratário, possa inferir; salvo se o declarante não puder razoavelmente contar com tal sentido. Assim devem compreender-se os contornos da relação material controvertida, plasmada na petição, de acordo com tais critérios.
No caso o autor, na parte inicial do articulado, limita-se a identificar a ré como “EMP01...”, referenciando como sede a da recorrente, a EMP01... Lda, mas indicando o NIPC de outra entidade, a “EMP01..., Promoção e Comercialização de Produtos e Serviços Unipessoal Lda”, com sede noutro local.
Contudo do articulado não restam dúvidas quanto à entidade demandada, quanto à entidade a que se imputa a relação controvertida invocada.
Logo no artigo 1º o autor refere o contrato celebrado com a recorrente, indicando que o mesmo se renovou automaticamente, não aludindo a qualquer corte nessa relação.
No artigo 6 refere, ainda no “decorrer do contrato”, a alteração de funções em maio de 2017, aludindo em 7º a “acordo das partes “quanto a um prémio de função.
A autora assenta todo o seu articulado na relação laboral celebrada a 1/4/2015, com a recorrente, juntando o respetivo contrato. Certo que os restantes documentos juntos, consta a outra entidade, que faz parte do mesmo grupo, como um recibo de vencimento, e “ordens de serviço”, mas do articulado do autor não resulta a atribuição de qualquer relevo com rebate na relação contratual, a tais documentos.
Por outro, e se restassem algumas dúvidas, no formulário de apresentação da petição por via eletrónica, consta corretamente toda a identificação da recorrente como demandada.
Tenha-se ainda em linha de conta o disposto no artigo 7º da Portaria 280/2013:
1 - Quando existam campos no formulário para a inserção de informação específica, essa informação deve ser indicada no campo respetivo, não podendo ser apresentada unicamente nos ficheiros anexos.
2 - Em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários, ainda que estes não se encontrem preenchidos.
3 - O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de a mesma ser corrigida, a requerimento da parte, sem prejuízo de a questão poder ser suscitada oficiosamente.
…
5 - Existindo um formulário específico para a finalidade ou peça processual que se pretende apresentar, deve o mesmo ser usado obrigatoriamente pelo mandatário.
Conclui-se assim que, não obstante o modo como foi identificada a demandada no articulado, do mesmo só pode concluir-se que esta é efetivamente a recorrente, a citada.
Não ocorre erro de identificação, soçobrando a alegação da recorrente. Sendo-lhe imputada a posição de parte na relação contratual, tal como o autor a configurou na petição, tinha interesse em contestar, sendo ela a parte legitima, evitando que se considerassem provados os factos invocados, como ocorreu, em cumprimento do artigo 57º, 1 do CPT.
improcedendo o 1º recurso interposto, quanto à questão da citação, sendo aquela válida, funciona o ónus inerente à falta de contestação com confissão de factos, improcedendo em consequência igualmente o recurso interposto da decisão final.
Improcedem ambos os recursos.
*
DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em não admitir os documentos juntos com as alegações de ambos os recursos, e, em julgar improcedentes as apelações confirmando as decisões recorridas.
Custas pela recorrente.