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CONFLITO DE COMPETÊNCIA
CARTA PRECATÓRIA
RECUSA DE CUMPRIMENTO
Sumário
I - A recusa de cumprimento de uma deprecada para inquirição de uma testemunha, com fundamento na prescindibilidade de tal depoimento, quando o tribunal deprecante entende que tal inquirição é imprescindível, não configura um "conflito de competência", mas sim um "impasse processual" semelhante, a resolver nos mesmos termos. II - Só pode recusar-se o cumprimento de uma carta precatória, se o tribunal deprecado não tiver competência para o acto requisitado, ou se a requisição for para o acto que a lei proíba absolutamente (art. 184 CPC), sendo abusiva e ilegal a apreciação que o Juiz deprecado faz, da prescindibilidade da diligência deprecada.
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:
Nos autos de instrução nº ../.., que correm termos no -º juízo da comarca de Ovar, foi requerida e ali ordenada, pelo Senhor juiz titular, a expedição de carta precatória aos juízos criminais de Vila Nova de Gaia, para inquirição do Legal Representante do Est. B....., C....., com indicada residência na Rua....., ......
O tribunal deprecado declinou a sua competência para o cumprimento do deprecado, remetendo os autos ao T.I.C. do Porto, por o reputar competente para o efeito, de tal dando conhecimento ao Juízo deprecante.
Distribuídos tais autos de carta precatória à Senhora juiz titular do 2ºjuízo B do T.I.C. do Porto, não foi em nenhum instante questionada ou recusada a competência deste tribunal para cumprimento do assim deprecado.
Aceitando a competência, agendou a deprecada inquirição por três vezes, ordenando em duas delas a sua devolução sem cumprimento ao Juízo deprecante, apesar da injustificada não comparência da pessoa a inquirir, outras tantas vezes lhe sendo remetida por este a carta precatória com insistência no seu cumprimento.
Agendada pela 3ªvez consecutiva a inquirição da testemunha e faltando esta de novo, permitiu-se a Senhora juiz do tribunal deprecado, devolver ao tribunal deprecante a aludida carta precatória sem cumprimento, nela lavrando o despacho seguinte, que se transcreve:
«Uma vez que se mostra regularmente notificado e não compareceu a diligência, desde já se condena B..... na multa correspondente a 2 UC, nos termos dos art°s 116° e 117º, ambos do Código de Processo Penal.
Com vista à liquidação das multas já aplicadas, extraia certidão com as peças processuais necessárias a tal fim.
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Face à reiterada não comparência da testemunha, e tratando-se de acto de instrução, fase esta facultativa e meramente indiciária, não se me afigura imprescindível o seu depoimento pelo que também não considero relevante e/ou necessário emitir mandados de comparência - art.°s 293°, nº1, a contrario, ambos do Código de Processo Penal».
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Perante tão insólita recusa, o Juízo deprecante novamente insiste pelo cumprimento junto do tribunal deprecado, para o efeito lavrando o seguinte despacho, que se transcreve:
“Fls. 416 a 484 (com especial incidência para fls. 480): salvo o devido respeito por quem perfilhe entendimento diverso, é a este Tribunal, titular do processo, e nunca ao deprecado, que compete decidir que diligências instrutórias devem ou não ser cumpridas.
O que o Tribunal deprecado pode fazer é recusar o cumprimento da carta, nos casos excepcionais legalmente previstos.
Não foi esse o caso.
Destarte, não havendo sido por este Tribunal decidido dar sem efeito a diligência de inquirição deprecada, ao Tribunal deprecado apenas compete cumprir a diligencia, nada mais.
Se para tanto houver que emitir os competentes mandados de detenção para comparência, como sublinháramos nos nossos despachos de 18.09.2003 e 16.12.2003, pois que sejam eles emitidos.
Face ao exposto, e dando conhecimento a todos os sujeitos processuais do teor de fls. 449, 450, 458, 460, 474, 480, 481 e do presente despacho (a título de esclarecimento para a delonga processual já verificada), determina-se o desentranhamento do expediente da carta precatória em apreço, com cópia do presente despacho, e a sua remessa ao Tribunal deprecado, para integral cumprimento nos termos que haviam sido deprecados”.
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Não obstante a manifesta justeza do insistentemente solicitado, permitiu-se o tribunal deprecado, decisivamente, recusar o deprecado, nos termos do despacho que seguidamente se transcreve:
«No nosso despacho de fls.480 de 04/05/04 já nos pronunciamos acerca da presente diligência em termos legais. Assim e nos termos os artigos ali aduzidos e que aqui se dão por reproduzidos e bem assim ao abrigo dos artºs.187º e 188º do C.P.C. “ex vi” do 4º do C.P.P., nada mais determinaremos para além da devolução da carta».
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Confrontado com tal impasse processual, o Ministério Público junto do tribunal deprecado promoveu a denúncia do conflito, a manter-se o decidido.
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Suscitado este, nesta Relação, e observado o disposto no artº36º nº2 e nº4 do Cód. Proc. Penal, o Senhor Juiz do tribunal deprecante sustenta o seu interesse no cumprimento do deprecado e a ilegalidade da recusa, expressa pela Senhora juiz do juízo deprecado, nos termos que sinteticamente se transcrevem:
“Porque não é ao Tribunal deprecado que compete definir se a inquirição é ou não necessária à instrução, pela liminar razão de que a instrução decorre perante o Tribunal de Ovar.
Ao Tribunal deprecado não compete dirigir a instrução, e por conseguinte não lhe assiste legitimidade para sindicar as razões que terão levado o Tribunal deprecante a solicitar a realização da diligência. E nem faria sentido que o fizesse desde logo porque o Tribunal deprecado não tem em seu poder todo o processo de instrução mas apenas as peças necessárias em ordem a realizar com eficácia o acto pedido”.
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A Senhora juiz deprecada, sem nada acrescentar à sua decisão, responde:
«Mau grado não estar na posse da deprecada em causa mantenho a posição ali, por mim sufragada na mesma»
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Nesta Instância, o Senhor procurador-geral adjunto opina que deve o J.I.C. do Porto cumprir o deprecado pelo J.I.C. de Ovar.
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Cumpre apreciar e decidir:
Dispõe o artº34º nº1 do Cód. Proc. Penal que há conflito, positivo ou negativo, de competência quando, em qualquer estado do processo, dois ou mais tribunais, de diferente ou da mesma espécie, se consideram competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo crime imputado ao mesmo arguido.
Como cristalinamente resulta dos autos, a Senhora juiz do tribunal rogado não declinou a sua competência para o cumprimento do que lhe fora deprecado, bem pelo contrário, antes a aceitou inequivocamente.
Simplesmente, recusou o seu cumprimento porque «face à reiterada não comparência da testemunha, e tratando-se de acto de instrução, fase esta facultativa e meramente indiciária», não se lhe afigurava imprescindível o seu depoimento... razão pela qual também não emitia mandados de comparência da testemunha, abrigando-se no disposto nos artºs.286º nº2 e 293º nº1 do Cód. Proc. Penal, a contrario, e, bem assim, no disposto nos artºs 187º e 188º do Cód. Proc. Civil, ex vi, artº4ºdo Cód. Proc. Penal.
É forçosa desde já a conclusão, que não estamos perante qualquer conflito de competência entre aqueles tribunais, mas sim num impasse processual, ou “conflito” semelhante àquele, para cuja decisão é competente esta Relação, por aplicação conjugada dos artºs4º do Cód. Proc. Penal e artº121ºdo Cód. Proc. Civil e merecendo o mesmo tratamento.
Se assim, resta apreciar a recusa e respectivos fundamentos no cumprimento do deprecado:
Nos termos e por aplicação conjugada dos atº.111º e 318º nº1, al.a) do Cód. Proc. Penal, pode ser deprecada no decurso da instrução, a tomada de declarações às testemunhas residentes fora do círculo judicial.
Por outro lado, como bem sublinha o Senhor juiz deprecante, é ao juiz de instrução que compete proceder à instrução e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito, efectuando-se os actos de instrução pela ordem que aquele reputar mais conveniente e praticando ou ordenando, mesmo oficiosamente, todos aqueles que considere úteis à instrução, tal como se extrai do disposto nos artºs.17º e 291º do Cód. Proc. Penal.
Ora, nos termos dos artºs 184º do Cód. Proc. Civil, aplicável por força do disposto no artº4º do Cód. Proc. Penal, o tribunal deprecado só pode deixar de cumprir a carta quando não tiver competência para o acto requisitado e sem prejuízo do disposto no nº4 do artº177º, devendo então remetê-la ao tribunal competente, ou a requisição for para acto que a lei proíba absolutamente.
A segunda conclusão a tirar, é que não foi requisitado ao tribunal deprecado acto absolutamente proibido por lei, ou seja, a inquirição de uma testemunha em acto de instrução, esta da exclusiva competência do Juízo deprecante.
Finalmente, o que o artº187ºdo Cód. Processo Civil consente ao tribunal deprecado é, tão só, a determinação das formalidades processuais exigíveis ao cumprimento do solicitado, consentâneas com a lei e desde que não repugnem à lei portuguesa, se sugeridas ou mesmo solicitadas pelo tribunal deprecante.
Não pode, por isso, em nenhuma circunstância, sindicar o mérito do juízo de necessidade ou de interesse do Tribunal deprecante e sua razoabilidade na determinação do que lhe é solicitado, sob pena de ingerência abusiva nos poderes daquele.
No caso concreto é manifestamente intrometida, abusiva e ilegal a apreciação que o juízo deprecado faz, como fundamento da sua recusa em cumprir o que lhe fora deprecado, no âmbito dos poderes de direcção da instrução pelo juízo deprecante, ao referir «..., não se me afigura imprescindível o seu depoimento, pelo que também não considero relevante e/ou necessário emitir mandados de comparência», em frontal violação do disposto não só do disposto no artº184º do Cód. Proc. Civil, como do disposto nos artºs.17º, 290º e 291º do Cód. Proc. Penal.
É no entanto de lamentar que, em consequência de tão anómala recusa, recebidos os autos pelo tribunal deprecado em 10/04/2003, ainda hoje não estejam cumpridos...
Termos em que, acordam os Juízes nesta Relação em decidir o conflito ordenando à Senhora Juiz do 2ºJuízo B do Tribunal de Instrução Criminal do Porto o cumprimento da carta precatória para inquirição da testemunha, nos termos deprecados pelo Senhor Juiz de instrução do 2ºJuízo de Ovar.
Sem tributação.
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Porto, 24 de Novembro de 2004
Ângelo Augusto Brandão Morais
José Carlos Borges Martins
José Manuel da Purificação Simões de Carvalho