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APENSAÇÃO DE PROCESSOS
COMPATIBILIDADE PROCESSUAL
AÇÃO DECLARATIVA
AÇÃO EXECUTIVA
Sumário
I - A apensação de processos depende da verificação dos seguintes requisitos: a) que as acções tenham sido propostas separadamente; b) que se verifiquem, entre elas, os pressupostos da admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção; c) que o requerente da apensação nela revele um interesse atendível; d) que o estado do processo ou outra razão especial não torne inconveniente a apensação. II - A apensação de processos pressupõe ainda a existência de uma compatibilidade processual intrínseca entre todos eles. III - Essa compatibilidade não existe estando em causa acções declarativas e acções executivas. IV - Não é, por isso, admissível apensação de uma acção executiva a uma acção declarativa ou vice-versa.
Texto Integral
Processo nº 22002/19.3T8PRT-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível do Porto – Juiz 3
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO
1. AA, contribuinte fiscal nº ...75, divorciado, residente no Largo ..., ... Porto, propôs acção declarativa comum contra BB, contribuinte fiscal nº ...20, solteiro, residente na Travessa ..., ... ..., na qual formula os seguintes pedidos: “a) serem anuladas as escrituras públicas de constituição de hipotecas sob a fracção do autor, melhor identificada no artigo 1.º do presente articulado, bem como, sejam também anuladas as inerentes confissões de dívida, celebrados entre autor e réu por claro e manifesto vício da vontade e inexistência de fundamento em que se alicercem; b) serem expurgados todos os ónus e encargos registados sobre a fracção do autor. c) finalmente, requer-se a V. Exa. que condene o réu em condigna procuradoria, no pagamento das custas tidas com a presente lide e tudo o mais que for legal”.
Alega, em síntese, o Autor que, aproveitando-se das sua notórias debilidades, convenceu-o o Réu a deslocar-se com este, no dia 04 de Junho de 2018, ao Cartório Notarial CC, sito na Rua ..., ..., ... ..., onde, com base em falsas justificações, o levou, através de escritura pública, a constituir Hipoteca voluntária sobre o imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial, de que o Autor é proprietário, no valor de €150.000,00, sem que o Autor tivesse efectivamente beneficiado de qualquer entrega de dinheiro, a título de empréstimo, documento que p mesmo assinou “de cruz”, sem saber sequer o que é uma hipoteca, um mútuo ou aquilo que estava a assinar, esclarecimentos que não lhe foram prestados pelo Sr. Notário.
Acrescenta o Autor que, a 28 de Setembro de 2018, sob o pretexto de que seria necessário assinar um segundo documento que revogaria o primeiro, novamente o Réu o convenceu a deslocar-se com ele ao mesmo Cartório Notarial, tendo o mesmo nisso anuído por nele confiar.
Nessa data, o Autor constituiu uma nova hipoteca sob a sua fracção, desta vez no valor de €145.000,00, sem receber do Sr. Notário quaisquer esclarecimentos ou informações, tendo ficado a constar da respectiva escritura que o Autor havia já recebido do Réu “… ao longo do último ano, diversas quantias em dinheiro, para fazer face a compromissos com obras já realizadas e a realizar no imóvel objecto desta escritura, no montante de CENTO E QUARENTA E CINCO MIL EUROS…”.
Porém, alega o Autor, nunca o mesmo recebeu do Réu quaisquer quantias, não tendo igualmente entendido o significado dos documentos que estava a assinar, tendo o Autor manifesto défice cognitivo, na medida em que não é capaz de entender o que lê nem de perceber o alcance do que lhe é dito.
Contestou o Réu, impugnando especificadamente a matéria articulada pelo Autor, alegando que o Autor não é portador de qualquer défice cognitivo, tendo outorgado escritura pública de forma livre, espontânea e esclarecida.
Requereu ainda a condenação do Autor, como litigante de má fé, em multa e indemnização a fixar pelo tribunal.
Realizou-se audiência prévia, no decurso da qual foi proferido despacho que afirmou a validade e regularidade processuais, fixou a matéria assente, identificou o objecto do litígio e enunciou os temas de prova.
Invocando o disposto no artigo 267.º do Código de Processo Civil, veio, entretanto, o Autor requerer “a apensação do processo de execução 15517/19.5T8PRT que corre termos pelos juízes de execução Juiz- 1 e o processo de execução 15518/19.3T8PRT que corre termos pelos Juízos de execução Juiz 5, ambos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, bem como os apensos a esses processos (embargos)”, invocando, entre o mais, que [...]: 5- O que se vai discutir na presente ação e nas ações executivas é se o A. recebeu ou não do R. os montantes das escrituras e, no caso de não ter recebido, se as assinou por não ter compreendido o seu teor. 6- Na prática, o que se vai discutir e se tem de provar é a mesma coisa nos três processos, daí os Juízes desses processos executivos terem optado por declararem a suspensão deles até ser proferida sentença nestes autos, para evitarem decisões contraditórias”.
Sobre a requerida apensação recaiu o seguinte despacho: - Requerimento de apensação aos presentes autos dos processos de execução n.º 15517/19.5T8PRT Juiz 1 e n.º 15518/19.3T8PRT Juiz 5 dos Juízos de execução do Tribunal Judicial da Comarca do Porto: O autor nada junta relativamente aos processos cuja apensação requer, não indica de forma clara quem são as partes (embora se possa subentender que são as mesmas desta ação), apenas se percecionando que nos referidos processos estarão a ser executadas as escrituras cuja validade é objeto de discussão nestes autos e que nessas execuções foram deduzidos embargos de executado e que terão sido suspensas (as execuções?/os embargos?) por despacho judicial até decisão desta ação. O tribunal, ao abrigo do disposto no art. 6.º do CPC, procedeu oficiosamente à consulta dos referidos processos de execução e apensos de embargos. Dessa consulta resulta o seguinte: Processo de execução n.º 15517/19.5T8PRT Embargos de executado por apenso à execução (apenso A) São partes nesse processo o aqui autor AA, na qualidade de executado e de embargante, e o aqui réu, na qualidade de exequente e embargado. Na execução é peticionado o pagamento coercivo do capital de €1454.000,00 e juros de mora, sendo apresentado como título executivo a escritura de hipoteca outorgada em 28 de setembro de 2018 (referida no art. 19.º da PI desta ação), que é objeto, nesta ação do pedido de declaração e invalidade (anulação). Tal execução foi instaurada em 17 de julho de 2019. Após ter sido efetuada penhora sobre a fração hipotecada na referida escritura, e citado o aqui autor aí executado para os termos da execução, deduziu em 08 de outubro de 2019 oposição à execução através de embargos de executado, alegando, além de outros, os mesmos factos alegados e de direito invocados na presente ação como fundamento da aqui peticionada anulação da escritura, invocando a inexistência ou inexequibilidade do título (escritura de hipoteca) para obstar/extinguir a execução intentada. Invocou ainda no requerimento de embargos de executado a existência de causa prejudicial com os seguintes fundamentos: «( ) 35.º O Executado, para além da competente queixa-crime, que se protesta indicar através de requerimento o n.º do processo e a secção onde tramita, 36.º Tem também preparada acção cível tendente à anulação de todos os documentos que assinou, por existir claro e manifesto vício da vontade, acção esta que também se protesta desde já juntar n.º de processo e secção onde tramita. ( )». São os seguintes os pedidos deduzidos pelo ali executado/embargante (aqui autor) no apenso de embargos de executado: «( ) Requer a V. Ex.ª se digne julgar provada a presente Oposição à Execução e consequentemente: a) Serem declaradas provadas por procedentes as excepções peremptórias impeditivas arguidas, absolvendo-se o Executado do pedido e anulado o negócio jurídico alvo de erro-vício; b) E ser considerado nulo o alegado contrato de mútuo, por falta do formalismo que a lei impõe para a sua celebração; c) Como consequência e efeito do recebimento dos presentes embargos, deverá desde já a presente Execução ser suspensa nos termos do artigo 733.º nº 1 c) CPC; d) Ser considerada procedente por provada a presente oposição e consequentemente a execução seja a final extinta nos termos do artº 703.º nº 1 b) do CPC e 729.º e 731.º do CPC; e) Caso assim não se entenda, julgar procedente por provada a presente oposição ficando a cargo da Exequente as custas, honorários e despesas com a Agente de Execução. ( )». No processo de execução e nos embargos de executado, o aí executado apresentou, em 27 de dezembro de 2019, requerimento em que, com fundamento no facto de ter já intentado a presente ação declarativa, requer alegando que esta ação cível n.º 22002/19.3T8PRT, tendente à anulação de todos os documentos que assinou, constitui causa prejudicial ao julgamento no processo executivo, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser a suspensão da instância até à decisão da causa prejudicial. Por despacho de 3 de dezembro de 2020, proferido no apenso de embargos de executado, foi decidido suspender-se os termos da instância até que se mostre definitivamente decidida a presente ação. Processo de execução n.º 15518/19.3T8PRT Embargos de executado por apenso à execução (apenso A) São partes nesse processo o aqui autor AA, na qualidade de executado e de embargante, e o aqui réu, na qualidade de exequente e embargado (existe ainda um credor). Na execução é peticionado o pagamento coercivo d 50.000,00 e juros de mora, sendo apresentado como título executivo a escritura de hipoteca outorgada em 04 de junho de 2018 (referida no art. 11.º da PI desta ação), que é objeto, nesta ação do pedido de declaração e invalidade (anulação). Tal execução foi igualmente instaurada em 17 de julho de 2019. Após ter sido efetuada penhora sobre a fração hipotecada na referida escritura, e citado o aqui autor aí executado para os termos da execução, deduziu em 08 de outubro de 2019 oposição à execução através de embargos de executado, alegando, além de outros, os mesmos factos alegados e de direito invocados na presente ação como fundamento da aqui peticionada anulação da escritura, invocando a inexistência ou inexequibilidade do título (escritura de hipoteca) para obstar/extinguir a execução intentada. Invocou ainda no requerimento de embargos de executado a existência de causa prejudicial com os seguintes fundamentos: «( ) 35.º O Executado, para além da competente queixa-crime, que se protesta indicar através de requerimento o n.º do processo e a secção onde tramita, 36.º Tem também preparada acção cível tendente à anulação de todos os documentos que assinou, por existir claro e manifesto vício da vontade, acção esta que também se protesta desde já juntar n.º de processo e secção onde tramita. ( )». São os seguintes os pedidos deduzidos pelo ali executado/embargante (aqui autor) no apenso de embargos de executado: «( ) Requer a V. Ex.ª se digne julgar provada a presente Oposição à Execução e consequentemente: a) Serem declaradas provadas por procedentes as excepções peremptórias impeditivas arguidas, absolvendo-se o Executado do pedido e anulado o negócio jurídico alvo de erro-vício; b) E ser considerado nulo o alegado contrato de mútuo, por falta do formalismo que a lei impõe para a sua celebração; c) Como consequência e efeito do recebimento dos presentes embargos, deverá desde já a presente Execução ser suspensa nos termos do artigo 733.º nº 1 c) CPC; d) Ser considerada procedente por provada a presente oposição e consequentemente a execução seja a final extinta nos termos do artº 703.º nº 1 b) do CPC e 729.º e 731.º do CPC; e) Caso assim não se entenda, julgar procedente por provada a presente oposição ficando a cargo da Exequente as custas, honorários e despesas com a Agente de Execução. ( )». No processo de execução e nos embargos de executado, o aí executado apresentou, em 27 de dezembro de 2019, requerimento em que, com fundamento no facto de ter já intentado a presente ação declarativa, requer alegando que esta ação cível n.º 22002/19.3T8PRT, tendente à anulação de todos os documentos que assinou, constitui causa prejudicial ao julgamento no processo executivo, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser a suspensão da instância até à decisão da causa prejudicial. Por despacho de 22 de janeiro de 2020, proferido no apenso de embargos de executado, foi decidido suspender-se os termos da instância até que se mostre definitivamente decidida a presente ação, tendo o aludido despacho o seguinte teor: «( ) Ora, em face do que resulta da petição inicial do referido processo, se os pedidos ali formulados vierem a ser julgados procedentes, com a consequente anulação da escritura pública, o Exequente/Embargado deixará de possuir título executivo, uma vez que a acção executiva foi instaurada tendo por base a referida escritura, tendo a declaração de anulação efeitos retroactivos atendendo ao disposto no artigo 289.º do Código Civil. Ou seja se a escritura for anulada, deixa de existir in casu qualquer título executivo, pois aquele documento já não pode ser executado. Por outro lado, não resultou demonstrado que a acção declarativa foi intentada unicamente para se obter a suspensão. De igual forma, a presente causa não está adiantada ao ponto dos prejuízos da suspensão superarem as vantagens artigo 272.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Assim sendo, estando justificada a existência de causa prejudicial, nos termos do artigo 272.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, decide-se suspender os presentes autos de embargos, bem como a execução de que os mesmos são apenso, até que seja proferida decisão final no processo n.º 22002/19.3T8PRT, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Cível do Porto - Juiz 3. Notifique. ( ).». Os pressupostos da apensação são os previstos no art. 267.º do Cód. Proc. Civil. É manifesto que tais pressupostos não se verificam: não há qualquer situação de admissibilidade de litisconsórcio, coligação, oposição ou reconvenção entre esta ação e os processos executivos, nem com os embargos de executado deduzidos por apenso àqueles. O que há e que foi o que motivou a suspensão da instância dos embargos de executado proferidas nos processos de execução até à decisão a proferir nesta ação é uma repetição entre (pelo menos parte) dos fundamentos dos embargos de executado e da causa de pedir nesta ação. Só não se verifica litispendência entre tais processos de embargos de executado e a presente ação dado que não há coincidência de pedidos: a anulação das escrituras públicas que constituem os títulos executivos é invocada nos embargos como meio de defesa exceção dido deduzido naqueles apensos de embargos de executado (atenta a natureza da ação executiva e a finalidade dos embargos) a extinção das respetivas execuções fundadas nos referidos títulos executivos cuja anulação é invocada, enquanto os pedidos aqui deduzidos, por via de ação, são a anulação das referidas escrituras que são os títulos executivos na execução. Portanto, a decisão a proferir nesta ação quer seja de procedência, quer seja de improcedência vinculará as partes (que são as mesmas) nos embargos de executado, por força da autoridade de caso julgado daí emergindo a causa de prejudicialidade entre esta ação e os embargos de executado, já que as questões entre as partes que aqui forem decididas não poderão ser novamente apreciadas nos embargos de executado. Pelo exposto, dada a manifesta falta de fundamento do requerimento de apensação, indefiro o mesmo. Custas do incidente a cargo do autor, fixando a taxa de justiça no mínimo legal, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza. Notifique”.
Com o requerimento em que insiste pela pretendida apensação de processos, juntou ainda o autor o que afirma tratar-se de transcrição de depoimento prestado pelo Réu no âmbito de autos de providência cautelar, o que motivou também a seguinte decisão: “Requerimento apresentado pelo autor em 24-11-2022 (Ref. 43981997; fls. 174): Com o requerimento o autor junta ainda transcrições escritas do que alega ser o depoimento prestado pelo aqui autor no âmbito de uma providência cautelar (entre as mesmas partes) para prova de que ele o autor não sabia o que assinava nos contratos de mútuo, que estão em causa nos presentes autos e nos processos executivo . Há regras para a junção de documentos a um processo, sendo que os documentos enquanto meio de prova destinam-se à prova dos factos oportunamente alegados e devem ser juntos com o articulado em que tais factos são alegados, apenas o podendo ser ulteriormente nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art. 423.º do CPC. O depoimento ou as declarações de parte (prestadas por uma das partes no caso, o aqui réu) num outro processo não constituem prova documental. O depoimento de parte é um meio de prova que se destina a obter prova por confissão (arts. 452.º a 465.º do CPC e arts. 352.º a 361.º do Cód. Civil; as declarações de parte (art. 466.º do CPC) são outro meio de prova de livre apreciação pelo tribunal (sem prejuízo de poderem de igual modo proporcionar a confissão de factos). A alegada transcrição das declarações prestadas pelo aqui réu noutro processo judicial não constituem, assim, prova por documento (ver arts. 362.º a 387.º do Cód. Civil). Pelo exposto, não admito a junção aos presentes autos da alegada transcrição das declarações prestadas pelo aqui réu no âmbito do procedimento cautelar n.º 2312/20.8T8PRT J7 (atualmente apensado à ação comum n.º 8966/21.0T8PRT J2 destes juízos de execução, tendo o n.º 8966/21.0T8PRT-A). Custas do incidente a cargo do autor, fixando a taxa de justiça no mínimo legal, sem prejuízo do apoio judiciário. Notifique”.
2. Inconformado com tais decisões, delas interpôs o Autor recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: 1- Se há litispendência quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, à causa de pedir e no pedido se pretender obter o mesmo efeito jurídico (artº 580º do CPC). 2- Se na presente ação e nas ações executivas os sujeitos e a causa de pedir são os mesmos e no pedido se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 3- Logo, a presente ação e as ações executivas são idênticas quer quanto aos sujeitos, causa de pedir e pedido, pelo que há litispendência. 4- A litispendência e o caso julgado pressupõem a repetição de uma causa, a diferença é que naquela a causa ou causas ainda estão em curso enquanto no caso julgado a repetição verifica-se depois da primeira causa ter sido julgada e ter transitado em julgado. 5- Não existindo dúvidas que as três ações estão em curso, a presente ação e as duas executivas, como decorre do douto despacho, então, há litispendência pelo que devem ser apensadas de forma a haver um único julgamento. 6- E a apensação pedida pelo Recorrente dá cumprimento ao que a lei pretende com a exceção da litispendência que, processualmente, é tão importante que o Tribunal deve conhecê-la oficiosamente. 7- E o Recorrente considera que só a apensação dos processos defende os seus direitos, já que foram canalizados factos e prova para as ações executivas que não constam da presente ação. 8- E o Recorrente entende que só deve juntar os meios de prova que considera necessários, após a apensação dos processos executivos, para saber a prova que, aí, foi junta e evitar a duplicação dela. 9- O Recorrente não junta os processos de execução com as alegações porque o que está e causa é a fundamentação do despacho que indeferiu a apensação dos processos executivos, após os ter analisado exaustivamente. 10- O douto despacho também não admitiu a junção aos autos da alegada transcrição das declarações de parte do Recorrido prestadas, sob juramento, na audiência de julgamento da providência cautelar. 11- O Recorrente, em momento algum, pretendeu que o depoimento do Recorrido se destinasse, na presente ação, a obter prova por confissão, já que o seu teor nunca poderia levar a essa conclusão. 12- O Recorrente juntou essas declarações para fazer prova de que não percebeu minimamente o teor dos empréstimos das escrituras que assinou e que não os recebeu porque a explicação que, aí, deu para eles, prova que não os podia ter recebido, o que é corroborado pelo depoimento do Recorrido na providência cautelar, em relação a esses empréstimos. 13- E o artº 421º do CPC (valor extraprocessual das provas) diz expressamente que os depoimentos e perícias produzidas num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sendo nesse sentido toda a jurisprudência das instâncias superiores. 14- E sempre se diga que a admissibilidade dessa prova, prestada em audiência de julgamento, sob juramento, mesmo que a lei não a considerasse “como princípio de prova”, e considera-a (artº 421º do CPC), sempre se justificaria a sua junção como mero documento particular, no caso da parte noutro julgamento, também sob juramento, prestar declarações diferentes, para avaliar a credibilidade do seu depoimento e o próprio tribunal ou a parte requererem o respetivo processo- crime. 15- A mandatária do Recorrente pensa que ocorrerá uma tragédia, se ele perder a sua habitação, como ele tem referido a várias pessoas, pelo que entende que fez tudo o que pode e sabe, para o defender, porque, se isso acontecer, os jornalistas investigarão todos os intervenientes nestes processos, incluindo a aqui mandatária e o Recorrido, bem como os motivos porque este colocou o seu dinheiro em contas de familiares, já que eles conseguem a colaboração de tudo e de todos, como podemos ver diariamente nos meios de comunicação social, escritos e audiovisuais. Nestes termos - e nos mais que V. Exªs suprirão 1- Deverá ser revogado o douto despacho recorrido, decidindo que os processos deverão ser apensados, por se verificar a litispendência, e admitida como prova as declarações de parte do R. na providência cautelar, respeitante aos empréstimos das escrituras de hipoteca”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II. OBJECTO DO RECURSO
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- se existe fundamento para admitir a requerida apensação de processos;
- se deve ser admitida a junção, como meio de prova, dos documentos apresentados com o requerimento de 24.11.2022.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Os factos/incidências processuais a atender para o conhecimento do objecto do recurso são os narrados no relatório introdutório.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Apensação de processos.
Requereu o Autor “a apensação do processo de execução 15517/19.5T8PRT que corre termos pelos juízes de execução Juiz- 1 e o processo de execução 15518/19.3T8PRT que corre termos pelos Juízos de execução Juiz 5, ambos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, bem como os apensos a esses processos (embargos)”, pretensão que viu indeferida com fundamento na falta de pressupostos legais que permita tal apensação.
Contra tal decisão reagiu o mesmo através do presente recurso.
Sob a epígrafe apensação de Ações, dispõe o artigo 267.º do Código de Processo Civil: 1 - Se forem propostas separadamente ações que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, pudessem ser reunidas num único processo, é ordenada a junção delas, a requerimento de qualquer das partes com interesse atendível na junção, ainda que pendam em tribunais diferentes, a não ser que o estado do processo ou outra razão especial torne inconveniente a apensação. 2 - Os processos são apensados ao que tiver sido instaurado em primeiro lugar, salvo se os pedidos forem dependentes uns dos outros, caso em que a apensação é feita na ordem da dependência, ou se alguma das causas pender em instância central, a ela se apensando as que corram em instância local. 3 - A junção deve ser requerida ao tribunal perante o qual penda o processo a que os outros tenham de ser apensados. 4 - Quando se trate de processos que pendam perante o mesmo juiz, pode este determinar, mesmo oficiosamente, ouvidas as partes, a apensação. 5 - Tendo sido penhorados, em execuções distintas, quinhões no mesmo património autónomo ou direitos relativos ao mesmo bem indiviso, pode o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte, ordenar a apensação ao processo em que tenha sido feita a primeira penhora desde que não ocorra nenhuma das circunstâncias previstas no n.º 1 do artigo 709.º.
Tal dispositivo, permitindo “a apensação de acções que, embora tenham sido propostas separadamente, podiam ter sido reunidas no mesmo processo”, “constitui manifestação do princípio da economia processual”, ao facultar “que no mesmo processo se resolva o maior número possível de litígios, impedindo a multiplicação evitável de processos judiciais”[1].
Ou, no dizer a Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa[2], “a este instituto subjazem razões de economia processual bem como de uniformidade de julgados. A apensação depende da verificação dos seguintes pressupostos formais ou substanciais: entre as diversas acções instauradas e pendentes devem verificar-se as circunstâncias de que depende o litisconsórcio, a coligação, a oposição ou a reconvenção; a apensação deve ser requerida pelos interessados e só pode ser oficiosamente determinada quando incida sobre processo ou processos adstritos ao mesmo juiz (excluindo-se deste modo as situações em que o processo está pendente no mesmo tribunal ou juízo, mas na titularidade de juiz diferente); deve verificar-se um interesse atendível na junção de processos; o requerimento deve ser apresentado no processo que deva suportar a apensação; a pretensão apenas deve ser deferida depois de respeitado o contraditório e desde que o estado do processo ou outras razões especiais não impeçam a apensação”.
Concluiu a decisão sob recurso, que indeferiu a peticionada apensação das indicadas acções executivas e respectivos apensos de embargos de executado, que não se verificavam os pressupostos
Resulta do citado artigo 267.º que a apensação de processos depende da verificação dos seguintes requisitos:
a) que as acções tenham sido propostas separadamente;
b) que se verifiquem, entre elas, os pressupostos da admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção;
c) que o requerente da apensação nela revele um interesse atendível;
d) que o estado do processo ou outra razão especial não torne inconveniente a apensação.
Assim, se forem propostas separadamente acções que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, pudessem ser reunidas num único processo, pode ser determinada a sua apensação, a requerimento de qualquer das partes com interesse atendível na junção, ainda que pendam em tribunais diferentes, a não ser que o estado do processo ou outra razão especial torne inconveniente a apensação.
Para além dos referidos requisitos substanciais, a apensação pressupõe que exista utilidade prática na junção das acções propostas separadamente.
Segundo Rodrigues Bastos[3], a parte que requer a apensação deverá demonstrar a existência da conexão entre as acções e que a apensação serve em concreto a um mais perfeito desenvolvimento da relação jurídica processual, defendendo o acórdão da Relação de Lisboa de 7.05.2009[4] que “para se proceder à apensação de processos, é necessária a verificação de pressupostos positivos, consubstanciados na conexão objectiva e na compatibilidade processual, e um pressuposto negativo destinado a aferir da inconveniência da apensação".
O Autor requereu a apensação dos processos de execução n.ºs 15517/19.5T8PRT, 15518/19.3T8PRT, e respectivos embargos de executado, que correm termos pelos competentes Juízos de Execução, à acção declarativa por ele instaurada contra o Réu.
A apensação de processos pressupõe que tenham sido instaurados em processos separados acções que podiam ter sido propostas num único processo, o que, além dos anteriormente enunciados requisitos, pressupõe a existência de uma compatibilidade processual intrínseca entre todos eles.
Ora, essa compatibilidade não se configura quando estejam em causa acções declarativas e acções executivas, e, quanto a estas, já Alberto dos Reis[5] arredava a possibilidade de apensação à luz do artigo 275.º do pretérito Código de Processo Civil.
Com referência a este preceito, defendeu o acórdão da Relação de Lisboa de 11.05.2004[6] : “Esta disposição legal justifica-se por uma razão de economia processual e de uniformidade de julgamentos. É que se trata de acções que, embora propostas em separado, poderiam ter sido propostas num único processo. Daí que não se justifique a apensação de uma acção declarativa a uma acção executiva ou vice-versa”.
E o acórdão da mesma Relação de 22.11.2011[7] é peremptório quanto à inadmissibilidade de apensação entre acções declarativas e acções executivas: “é inadmissível a apensação de uma acção declarativa a uma acção executiva. Aliás, pode até sustentar-se que há uma incompatibilidade intrínseca, dado que a acção executiva, diferentemente da declarativa, como se tem dito, não tem por fim a decisão de uma causa mas a efectivação de um ou mais direitos anteriormente reconhecidos, por sentença ou outro título”.
E essa inadmissibilidade estende-se aos embargos de executado, que, por força do disposto no artigo 732.º, n.º 1 do Código de Processo Civil são autuados por apenso ao processo executivo.
Para além de inadmissível a requerida apensação, sempre da mesma não resultaria qualquer vantagem processual que a justificasse. Como refere a decisão recorrida, “...a decisão a proferir nesta ação – quer seja de procedência, quer seja de improcedência – vinculará as partes (que são as mesmas) nos embargos de executado, por força da autoridade de caso julgado – daí emergindo a causa de prejudicialidade entre esta ação e os embargos de executado, já que as questões entre as partes que aqui forem decididas não poderão ser novamente apreciadas nos embargos de executado”. De resto, nos referidos autos de embargos de executado foi determinada, por razões de prejudicialidade, a suspensão dos termos da instância até que se mostre definitivamente decidida a acção declarativa.
Assim, ainda que com diferente fundamentação, é de manter o despacho que indeferiu a requerida apensação de processos.
2. Junção da transcrição de depoimento prestado num outro processo.
Sob a epígrafe Valor extraprocessual das provas, dispõe o artigo 421.º do Código de Processo Civil: “1 - Os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 355.º do Código Civil; se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova. 2 - O disposto no número anterior não tem aplicação quando o primeiro processo tiver sido anulado, na parte relativa à produção da prova que se pretende invocar”.
Exige-se, por conseguinte, que a parte desfavorecida com o resultado probatório tenha sido parte no primeiro processo e que neste tenha sido observado o princípio da audiência contraditória, isto é, que a parte tenha sido convocada para os actos de preparação e produção de prova e admitida a neles intervir, independentemente de ter estado efetivamente presente e ter tido intervenção efectiva, conforme flui do artigo 415.º da lei processual civil. Se esse princípio tiver sido violado ou a parte tiver sido revel, a eficácia extraprocessual da prova está excluída[8].
Exige-se igualmente que o aproveitamento da prova produzida no outro processo não decorra de iniciativa oficiosa do tribunal, mas sempre e somente de invocação das partes. Ou seja, a parte que se queira aproveitar dessa prova tem de invocar e alegar, no segundo processo, os meios de prova produzidos no primeiro processo[9].
Como se retira do acórdão da Relação de Guimarães de 4.02.2016[10], “...é á parte que dela se pretende aproveitar, que incumbe o ónus de indicação da produção da prova extraprocessual, na parte que se pretende invocar no processo posterior (aliás, como expressamente alude o nº 2 do artº 421º do CPC, e demais preceitos legais referentes ao modo e oportunidade de oferecimento das provas, por ex, artº 423º, 452º-nº2, 466º-nº1, 475º, todos do CPC, todos regulando a iniciativa probatória da parte), e, de forma especificada, relativamente, aos Temas de Prova enunciados, ou na falta destes, aos factos fundamentos da acção, com indicação precisa dos depoimentos ou parte dos depoimentos e testemunhas que os produziram; á parte, ainda, incumbindo “formalizar” a apresentação da prova extraprocessual, nomeadamente, por via da junção da gravação ou de cópia certificada das declarações em causa [...]”.
No mesmosentido se pronunciou o acórdão da Relação de Lisboa de 8.06.2000[11], como se extrai do seu sumário: “I - O princípio do valor extraprocessual das provas, tal como se encontra proclamado no artigo 522 do CPC sofre duas limitações: se o regime da produção de prova no primeiro processo oferecer à parte contra quem é invocado garantias inferiores às do segundo processo, caso em que vale como "princípio de prova"; é se for anulada a parte do processo relativa à produção da prova em causa. II - À luz do princípio do valor extraprocessual das provas a prova testemunhal num primeiro processo, que não sofra das limitações previstas na lei referidas em I, onde foi observado o princípio do contraditório e interveio o Tribunal Colectivo no julgamento da matéria de facto, pode projectar-se para além desse processo podendo ser muito relevante para a formação da convicção do julgador na decisão sobre a matéria de facto num outro processo, desde que a parte requeira a apreciação de tal prova juntando certidão da prova produzida no primeiro processo”.
Através de requerimento de 24.11.2022, no qual insiste pela apensação dos processos, o Autor junta o que indica como “documentos”, que mais não são do que um conjunto de perguntas e respostas, os quais contêm, no cabeçalho, a indicação “Depoimento: BB/Dia 19/10/2020/Página 14” e “Depoimento: BB/Dia 16/11/2020”, respectivamente.
Apesar de no ponto 6) do aludido requerimento se afirmar que “E a prova de que ele não sabia o que assinava nos contratos de mútuo, que estão em causa nos presentes autos e nos processos executivo, são os depoimentos do R. na providência cautelar que correu termos pelo Juízo Central Cível – Juiz 7, Proc. 2312/20.8PRT [...]”, nada nos autos indicia que o conjunto de perguntas e respostas vertidas nos “documentos” juntos com o referido requerimento (desacompanhados de outros elementos, designadamente certidão extraída dos autos da indicada providência cautelar que ateste que nela depôs o aqui Réu/Recorrido, e gravação do depoimento em causa) constituam a transcrição do alegado depoimento prestado no mencionado processo cautelar. De resto, nem o recorrente então o refere, só o fazendo agora em sede de alegações de recurso, onde, também pela primeira vez, convoca o disposto no artigo 421.º do Código de Processo Civil para justificar a pretendida junção.
Nada nos autos permitindo concluir que os “documentos” juntos com o requerimento de 24.11.2022 digam respeito a prova produzida num anterior processo, não se achando minimamente configurado o preenchimento dos requisitos exigidos pelo n.º 1 do artigo 421.º, não pode o recorrente valer-se da faculdade conferida pelo referido normativo para juntar o que ele próprio designa por documentos.
Não merece, por conseguinte, qualquer censura a decisão que negou a junção dos “documentos” apresentados com o requerimento de 24.11.2002, pelo que, também nesta parte, improcede o recurso.
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, em julgar improcedente a apelação, confirmando as decisões recorridas.
Custas – pelo apelante, nos termos do disposto no artigo 527,º, n.º 1 do Código de Processo Civil, levando-se em conta o apoio judiciário de que beneficia.
Porto, 12.10.2023 Acórdão processado informaticamente e revisto pela 1.ª signatária.
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Francisca Mota Vieira
___________ [1] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 4ª ed., pág. 541. [2] Código de Processo Civil Anotado. [3] Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 36. [4] Processo 10525/08-2, www.dgsi.pt. [5] Comentário ao Código de Processo Civil, III, pág. 213. [6] Processo 8871/2003-7, www.dgsi.pt. [7] Processo 779-C/2000.L1-7, www.dgsi.pt. [8] Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 4ª ed., pág. 234. [9] Cfr. Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, pág. 637. [10] Processo 3459/12.OTJVNF-D.G1, www.dgsi.pt. [11] Processo 0000796, www.dgsi.pt.