ASSÉDIO MORAL
Sumário

1.-O assédio moral a que se refere o n.º 2 do art.º 29.º do CT abrange todo o comportamento não pretendido, quer tenha o objectivo de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, desestabilizador, quer, não tendo esse objectivo, gere o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil ou desestabilizador; trata-se de um processo, não um mero acto isolado, pressupondo um conjunto mais ou menos encadeado de actos e condutas que ocorrem de forma sistemática.

2.- Constitui assédio moral o comportamento da empregadora que tendo atribuído automóvel à trabalhadora para fins profissionais e pessoais, na sequência da sua recusa em passar a prestar trabalho para uma sociedade em Espanha, dominante daquela, ter procurado, ilicitamente, extinguir o seu posto de trabalho, retirar-lhe o uso do automóvel, cortar-lhe o acesso ao e-mail e ao telemóvel profissionais e assim condicionando o exercício das suas funções, sabendo do seu estado de gravidez e com isso lhe causando desestabilização emocional e psicológica que perturbaram esse seu estado com tristeza, desgosto, desânimo, sofrimento, cansaço e insónias.

(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:


I-Relatório.


AA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra Schreiber Foods Portugal, S.A., formulando os seguintes pedidos:

1. na petição inicial:
a) o reconhecimento judicial, enquanto retribuição em espécie, da atribuição à autora de viatura automóvel, de via verde, de cartão Galp frota (combustível), de computador portátil e de telemóvel;
b) a condenação da ré no pagamento à autora das retribuições em espécie vencidas e não pagas, nomeadamente, o valor pecuniário correspondente:
(i)à utilização pessoal pela autora da viatura automóvel,
(ii)à utilização pessoal pela autora de via verde, e
(iii)à utilização pessoal pela autora de cartão Galp frota (combustível).
c) o reconhecimento judicial da prática de assédio por parte da ré em relação àquela, motivado pela sua situação de maternidade e pelo exercício legítimo de direitos laborais (recusa de diminuição de retribuição);
d) a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais presentes, causados na sequência de assédio motivado pela sua maternidade e exercício de direitos laborais (recusa de diminuição de retribuição);
e) danos não patrimoniais futuros, a liquidar em sede de execução de sentença, motivado pela sua situação de maternidade e pelo exercício legítimo de direitos laborais (recusa de diminuição de retribuição);

2.‒ no articulado superveniente, a condenação da ré a pagar-lhe:
f) € 500,00 mensais, desde o dia 28-9-2021, correspondente à utilização da viatura automóvel a título de retribuição em espécie não paga;
g) € 100,00 mensais, desde 24-01-2022, correspondente ao plafond das comunicações móveis a título de retribuição em espécie não paga;
h) € 200,00, correspondente ao valor pecuniário do cabaz de Natal;
i) a retribuição relativa ao mês de Março de 2022, a que acrescem os respectivos juros de mora, bem como de todas as retribuições futuras que não forem pagas pela ré à autora;
j) a quantia de € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais presentes.

Para tanto, alegou, em síntese, que:
• ter celebrado com a ré um contrato de trabalho, a 17-9-2018, cujas funções iniciais eram as inerentes à categoria de Supervisora de Equipa ('Client Category Manager');
• no decurso da sua execução, a ré, através do superior hierárquico da autora e de outros seus trabalhadores, encetou condutas, as quais consubstanciam factos basilares conducentes à condenação da mesma sociedade nos termos peticionados.

Citada a ré, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.

Para tal notificada, a ré contestou, tendo, em síntese, refutado os aspectos alegados e as conclusões alcançadas pela autora, tanto na PI como no referido articulado superveniente e ainda que a acção n.º 926/21.8T8CTB consubstancia causa prejudicial à presente acção.

A autora respondeu, negando que assim fosse e impugnou os documentos juntos com a contestação.

Proferido despacho saneador, foi decidido que a acção n.º 926/21.8T8CTB não se apresenta como causa prejudicial a estoutra, que a instância era válida e regular, fixou o objecto do processo e os temas de prova, admitiu as provas arroladas pelas partes e designou data para realização da audiência de julgamento.

Realizada a audiência de julgamento, o Mm.º Juiz preferiu a sentença, na qual julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:
A. reconheceu como consubstanciando retribuição em espécie a atribuição à autora por parte da ré e no âmbito do contrato de trabalho, celebrado a 17-9-2018, a atribuição de uma viatura automóvel, do dispositivo 'via verde', de cartão 'Galp frota' (combustível), de um computador portátil e de um telemóvel e, em consequência disso, condenou-a a pagar-lhe o valor mensal;
a.- de € 500,00, a calcular desde o dia 28 de Setembro de 2021, correspondente à utilização de viatura automóvel;
b.- de € 100,00, a calcular desde o dia 24 de Janeiro de 2022, a título de plafond devido no âmbito de comunicações móveis.

B.reconheceu a prática pela ré de assédio moral na pessoa da autora face ao exercício por esta última de legítimos direitos laborais (recusa de diminuição de retribuição) e face à sua situação de maternidade e, em consequência disso, condenou-a a pagar-lhe:
a.-indemnização no valor total de € 8.000,00, a título de danos não patrimoniais presentes;
b.-o valor indemnizatório a título de danos não patrimoniais futuros, os quais se venham a apurar e a quantificar em sede de liquidação da sentença;

C.condenou-a a pagar-lhe o valor referente a um cabaz de Natal, cujo montante concreto será apurado em execução da sentença;

D.condenou-a a pagar-lhe o valor respeitante à totalidade da remuneração do mês de Março do ano de 2022, a que acrescem os respectivos juros de mora; bem no pagamento de todas as retribuições futuras que não foram até ao presente e não lhe forem pagas;

E. absolveu-a do remanescente por ela peticionado.

Inconformada, a ré interpôs recurso, pedindo que a sentença seja revogada e substituída por outra que a absolva, absolva, na íntegra, do peticionado pela recorrida, culminando a alegação com as seguintes conclusões:
"I.-Nos presentes autos de Processo Comum, foi reconhecido, enquanto retribuição em espécie da Autora, ora Recorrida, a atribuição de veículo automóvel, nele melhor identificada; dispositivo 'via verde'; cartão Galp frota (combustível); computador portátil e telemóvel, e assim, foi a Recorrente condenada a pagar à Recorrida o valor mensal de € 500,00, desde o dia 28.09.2021, correspondente à utilização de veículo automóvel e o valor mensal de € 100,00, desde o dia 24 de Janeiro de 2022, a título de plafond devido no âmbito de comunicações móveis; 
II.-Do mesmo modo, a sentença ora em crise, condenou a Recorrente pela prática de assédio moral na pessoa de AA, e bem assim, a este título no pagamento de uma indemnização de € 8.000,00 (oito mil euros) a este título. 
III.-Não pode a Recorrente conformar-se com tal condenação, porquanto, s.m.o, nem o referido em 'I', como se verá, consubstancia retribuição; nem, muito menos, houve a prática de qualquer acto discriminatório que possa ser subsumido à prática de assédio moral na pessoa de AA. 
IV.-Por esta razão, se recorre a V.Exas., indicando, que, por um lado, s.d.r., e s.m.o., andou mal o Tribunal a quo na sentença ora em crise já que, não devia ter resultado provado os factos 15, 16, 18, 28, 29, 33, 67 e 68 dados como provados na sentença ora em crise e, face à prova produzida, deveriam ter resultado como provados factos que não foram.
V.-Este entendimento resultaria numa decisão diferente daquela que fora proferida pelo Tribunal a quo, i.e., na absolvição total da Recorrente.
VI.-A. Face às retribuições em espécie: O Tribunal a quo, deu como provado (15, 16, 18, 28, 29 e 33) que a viatura automóvel com a matrícula…, de marca Renault Megan foi atribuída a autora para seu uso pessoal e profissional, tendo, essencialmente por base as declarações da autora e o documento n.º 13 junto com a Petição Inicial. 
VII.-Resultou provado (facto n.º 5 dos factos dados como provados) que a Recorrida, ora Autora, trabalhava no escritório em X  (Lisboa) e as instalações da Recorrente se situam em Y (facto notório e conhecido, derivado, nomeadamente, da identificação da Recorrente); Destes dois locais distam mais de 224, 50 Km.
VIII.-A Recorrente, não tinha, como não tem, meio ou mecanismos de controlar a utilização da viatura concedida à Recorrida para utilização profissional, atenta a distância entre as instalações de X e a sua sede social.
IX.-O Tribunal a quo desconsiderou o documento junto aos autos com o Req. via Citius n.º 32442921, com a data de 03.05.2022 e no qual juntou o documento intitulado 'Internacional Company Benefit Program' - que estabelece, para os Trabalhadores da Recorrente, os termos e condições necessárias para lhe serem atribuídos veículos automóveis como retribuição em espécie.
X.-Nesse mesmo documento é definido que apenas os 'Team Leaders', têm direito, segundo tais políticas internas, a veículo automóvel com carácter retributivo.
XI.-O Tribunal a quo baseou-se, para determinar que as liberalidades concedidas pela Recorrente a AA, nomeadamente, a utilização do veículo automóvel eram, na verdade, retribuições em espécie pela junção da proposta de acordo feita à Recorrida e junta à Petição Inicial como Documento n.º 13 (vide 45 dos factos dados como provados).
XII.-Porém, do excerto citado não pode entender-se ou extrair-se que o complemento monetário proposto seria pago em função da retirada do veículo automóvel – como retribuição em espécie.
XIII.-Na verdade, do mesmo documento, deveria ter-se entendido (até pela interpretação literal do mesmo acordo) que os complementos monetários seriam atribuídos à Recorrida como meras ajudas de custo (que cessariam aquando da concessão de veículo automóvel à Recorrente), sendo esta posição incrementada pelo facto de – com base em prova documental – não resultar do contrato de Trabalho de AA, ora Recorrida, a atribuição de veículo automóvel (e encargos associados) como retribuição em espécie.
XIV.-Da prova documental acima referida – concretamente o documento referido em IX – que sopesada terá que ser mais valorizada que as declarações da Recorrida (mesmo que credíveis continua a ser parte na causa e não se colocaria – mesmo que inconscientemente numa posição de venire contra factum proprium) resulta que nunca a Recorrente permitiu que a Recorrida utilizasse a viatura automóvel para uso pessoal, além do uso corrente e normal das deslocações para a sua residência bem como que, apenas aos Team Leaders (circunstância que não era a da Recorrida) era esta retribuição paga (em espécie!).
XV.-Tal circunstancialismo também é enfatizado pelo facto de, nem no contrato de trabalho da Recorrida, nem tampouco, em qualquer documento anexo ao mesmo, constar que o veículo automóvel (e respectivos encargos) são retribuições!
XVI.-Das declarações da Trabalhadora inexiste prova suficiente, carreada para os autos, que permita concluir que a utilização de telemóvel cedido pela Recorrente à Recorrida era retribuição em espécie, assim como, a utilização de um computador portátil!
XVII.-Atenta à reapreciação da prova documental, que se coloca à disposição de V.Exas. devem os factos 15; 16; 18; 28; 29; 33 dos factos dados como provados na douta sentença em crise serem considerados como não provados e seja o facto dado como não provado na al. a) dos factos dados como não provados i.e.; 'sic' 'que o veículo, o cartão Galp frota, o dispositivo 'via verde' e restantes despesas de circulação e de manutenção, disponibilizados/assegurados pela ré à autora nos termos acima expressos nos factos provados, fossem para uso profissional da própria autora' considerado como provado.
XVIII.-Impõem-se assim, como se impunha, s.d.r., ao Tribunal a quo, que, reapreciado a prova anteriormente referida, o veículo automóvel (e encargos associados); o telemóvel e computador portátil sejam considerados como instrumentos de trabalho cedidos pela Recorrente à Recorrida para seu exclusivo uso profissional e; revogando-se a sentença nesta parte, seja a mesma substituída por outra que absolva a Recorrente do pagamento mensal de € 500,00 desde o dia 18.09.2018, em virtude da utilização de veículo automóvel e o valor mensal de € 100,00, a calcular desde o dia 24 de Janeiro de 2022, a título de plafond devido no âmbito de comunicações móveis.
XIX.- B. No que concerne à condenação da Recorrente pela prática de assédio moral (e condenação em indemnização) na pessoa da Recorrida, também à Recorrente não se pode conformar com tal facto.
XX.- Nos termos do disposto pelo n.º 2 do Art.º 29.º do Código do Trabalho, define-se assédio como 'comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, com o objectivo ou efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador'.
XXI.-A prática de assédio reveste, essencialmente, duas modalidades – assédio moral discriminatório com base em determinado factor (discriminatiry harassement); ou mobbing (a prática reiterada de comportamentos de forma insidiosa e reiterada e que determinem, em última linha, que o trabalhador denuncie o contrato de trabalho).
XXII.-No caso vertente nos autos o Tribunal a quo determinou que, as condutas sucessivas da ré expostas nos pontos 38 a 51 e 57 e 61 dos factos provados, permitiram concluir pela efectiva prática de assédio na pessoa da Recorrida, face ao exercício de reclamar pela intacta manutenção do seu estatuto remuneratório, bem como face à situação de gestante/grávida da Recorrente.
XXIII.- Face à situação de gravidez/gestante da Recorrida, só no facto (51) dos factos provados é que é feita referência à gravidez da Recorrida, a que se faz alusão em sede de alegações.
XXIV.- Não resultou provado, que a Recorrente, após, ou antes do conhecimento da situação de gravidez da Recorrida tenha praticado, de facto, algum comportamento discriminatório face a esta condição.
XXV.-Resultou como provado (facto 53) que a Recorrida se encontrou de baixa médica até dia 10.11.2021, oito meses desde a data da comunicação da gravidez à recorrente!
XXVII.-Impunha-se, deste modo, que tivesse resultado como provado (que não resultou) que, durante esse período, a Recorrente, directamente, sem prejuízo dos processos judiciais em que era parte, tivesse tido algum contacto laboral com a Recorrida!
XXVIII.-Assim, impunha-se, face à ausência de prova nesse sentido, que a Recorrente fosse absolvida do pedido da Recorrente no que concerne à prática de assédio laboral em virtude da sua situação de gravidez, e não, como aconteceu, que foi condenada pelo Tribunal a quo.
XXIX.-Por outro lado, ainda quanto a esta matéria (de assédio laboral), entendeu o Tribunal a quo que a Recorrente exerceu assédio moral perante a Recorrida, quando a mesma 'exerceu o direito de reclamar pela intacta manutenção do seu estatuto remuneratório'; não pode, também a Recorrente aceitar tal facto.
XXX.-A narrativa constante nos factos dados como provados entre 38 a 51 da douta sentença em crise, demonstra, em suma, um processo de negociação que não foi aceite pela Recorrida.
XXXI.- O Tribunal a quo, sobre este aspecto, considerou como não provado que: a 'Ré tivesse forçado a autora a assinar o aditamento ao seu contrato de trabalho, o qual consta acima referido nos factos provados' (c) dos factos dados como não provados.
XXXII.-Atenta a prova produzida, nomeadamente, através do depoimento de BB, entre os minutos 00h36 e 00h39,43 (da gravação n.º 2022053256_20246799_2871084), cuja reapreciação se deixa à consideração de V.Exas., em conjugação com o alegado no Art.º 87.º da Contestação apresentada, resultou provado que: 'a Ré antes da propositura da acção, propôs à Autora, como compensação pela extinção do seu posto de trabalho, o seguinte: - Pagamento da compensação legalmente prevista, mas ao invés dos 12 dias, 20 dias por cada ano de antiguidade; - Pagamento das férias e subsídio de férias, com respeito ao ano de 2020, vencidas a 01 de Janeiro de 2021; - Manutenção do seguro de saúde que a Autora, tinha enquanto retribuição e até 31 de Dezembro de 2021; - E o pagamento de um programa de 'Outplacment', após o termo de licença da gravidez e parto, para recolocação da Autora do Mercado de Trabalho'. Assim, impunha-se ao Tribunal a quo que desse como provado, atenta a prova produzida este facto.
XXXIII.-Este facto, ao ser considerado como provado, também não seria indiferente para a discussão da (in)existência de assédio moral, pela Recorrente, à Recorrida, já que mesmo sendo notório que correu um processo de extinção do posto de trabalho da mesma, mais notório é que a Recorrente propôs à Autora um acordo que permitia criar uma situação mais vantajosa para a Trabalhadora aquando da cessação do seu contrato de trabalho do que aquela que está legalmente prevista e tabulada para situações similares de extinção de postos de trabalho!
XXXIV.-O que não seria sequer indiciário da existência de assédio moral praticado pela Recorrente à Recorrida, antes pelo contrário!
XXXV.-Caso a Recorrente tivesse obrigado, coagido, encetado práticas que conduzissem, mediante coação, a Recorrente a assinar tal adenda, sempre se estaria perante uma conduta de assédio moral, o que não sucedeu, já que nenhum dos factos vertidos entre 38 a 51 e 57 a 61 são revelam, ou são indiciários, de comportamentos que configuram a prática de assédio moral pela Recorrente à Recorrida, não se inserido no escopo normativo do Art.º 29.º do C.T.
XXXVI.-Assim, andou mal o Tribunal a quo, ao subsumir os factos anteriormente referidos à prática de assédio moral, que, como se viu, não resultou provado.
XXXVII.-Sobre este aspecto, V.Exas. farão a costumada justiça ao revogar a sentença que condenou a Recorrente pela prática de assédio moral na pessoa da Recorrida, substituindo-a por outra que a absolva.
XXXVIII.-Absolvendo-se a Recorrente da prática de assédio, não se verifica qualquer fundamento legal, nomeadamente de responsabilidade civil extracontratual, previsto nos termos do disposto pelo art.º 483.º do Código Civil, que permita responsabilizar civilmente, através da condenação da Recorrente ao pagamento da indemnização de € 8.000,00 (oito mil euros) à Recorrida.
XXXIX.- Assim sendo, deverá, também por V.Exas. ser revogada esta sentença na parte em que condena a Recorrente no pagamento de € 8.000,00 (oito mil euros) a AA, substituindo-se por outra, que a absolva.
XL.- Ainda assim, mesmo que por mera hipótese académica se admita que existiu a prática de qualquer assédio moral à Recorrida, sempre se dirá que tal facto não pode ser imputado à Recorrente. Veja-se.
XLI.-CC, prestou declarações ao tribunal 20220608094700_20246799_2871084, com início às 0h11 m e fim 01h50m nas quais referiu que é Trabalhador da Schreiber Foods Europe e que era 'chefe' da Recorrida.
XLII.-Ora, não resultou provado que CC trabalhava para a Recorrente, antes pelo contrário, resultou provado, como se disse, que trabalhava para a Schreiber Foods Europe que não é a Recorrente!
XLIII.-Deste modo, ao admitir-se que a alegada prática de assédio moral teve por base o depoimento de CC, sempre o Tribunal a quo teria que dar como provado que a Recorrida trabalhava para a Schreiber Foods Europe e não para a Recorrente.
XLIV.-Andou mal, por isso, o Tribunal a quo ao dar como provado o facto vertido no ponto 68 da sentença ora em crise e V.Exas., reapreciando a prova da matéria gravada no depoimento de CC, referida em XLI, que desde já se requer, certamente alterarão, o vertido no ponto 68 da matéria de facto, dada como provada.
XLV.-Este facto, alterado, também mudará o sentido da sentença ora em crise já que, ao considerar-se, por mera hipótese académica, que existiu assédio moral à Recorrida, sempre teria que ser imputado a terceiros que não são parte dos autos, mas nunca à Recorrente e assim, sempre a mesma teria que ser absolvida destes factos bem como da indemnização a que foi condenada.

Contra-alegou a autora, sustentando que deve ser negado provimento à apelação e confirmada a sentença recorrida.

Admitido o recurso na 1.ª Instância e remetido a esta Relação, foram os autos com vista ao Ministério Público,[1] tendo a Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto sido de parecer que a sentença deve ser confirmada.

A apelante respondeu ao parecer do Ministério Público, no essencial para remeter para o alegado em sede de alegações e conclusões motivadoras do recurso.

(…)
.
***

II-Fundamentos.

1.-Factos julgados provados.
"1.-A 26-7-2018, a ré, através da sua trabalhadora BB, do departamento dos Recursos Humanos, dirigiu proposta à autora, por correio electrónico com o assunto 'oferta Schreiber Foods', cuja cópia como junta como documento n.º 1 junto com a PI, sendo que o respectivo teor se considera aqui integralmente reproduzido.
Destaque o seguinte excerto da referida comunicação electrónica: 'tal como falado telefonicamente, envio em anexo formalização da nossa oferta. No que diz respeito ao carro, ainda estamos a aguardar a formalização quanto à autorização do mesmo'.
2.-A 6-8-2018, a ré, através de BB, dirigiu ainda correio electrónico à autora, no qual referiu o seguinte 'no que diz respeito ao carro, tal como referi, ser-te-á atribuído o Renault Megane que temos actualmente na fábrica, com cartão Galp Frota e Via verde. Quanto ao local de trabalho, quando não estiveres em Madrid ou Y, trabalharás, nesta fase, a partir de casa, iremos dar-te uma placa de internet. Apesar de termos escritórios em X (Lisboa), não cremos que seja vantajoso termos as equipas da Z e W no mesmo espaço. No futuro, quando iniciar o Produz Manager que reportará a ti, procuraremos um espaço ou mudaremos o escritório de X para um espaço maior, onde seja possível fazer a divisão física de ambas as equipas' (cfr. documento n.º 1 da PI).
3.-Cerca das 15:28 horas do dia 06-8-2018, a mesma BB, dirigiu correio electrónico à autora no qual referiu o seguinte 'por lapso não enviei a job description no email anterior. Segue em anexo' (cfr. documento n.º 1 da PI).

4.-Da referida descrição de funções constavam os seguintes aspectos:
'adaptar el departamento de Category Management de la Business Unit W  a la nueva estrategia de trabajo que require nuestro cliente W  en sinergia con la organización de Schreiber que ha incorporado la planta de Castelo en la BU W  dada la importancia de los volúmenes de este cliente. W entrará en Portugal en 2019 requiriendo una gestión adhoc para este mercado a nivel de packaging (artes finales y validación técnica y legal, no desarrollo del principio de identificación), surtido, recetas, calidad y en definitiva tendrá como expectativa que Schreiber sea especialista en el mercado de lácteos de Portugal. El Category Manager será responsable de los proyectos a desarrollar para W  portugués y además podrá también liderar algunos proyectos de W España al existir sinergias y aprendizajes asociados, considerando la planta de Castelo como prioritaria para desarrollar/fabricar estos productos, pero también en el resto de plantas de Schreiber Europa. (…) Esta posición se apoyará del conocimiento en las categorías de lácteos de los Category managers de W  España, para liderar de forma satisfactoria el mercado portugués', ou seja: 'adaptar o departamento de Category Management da Business Unit W  à nova estratégia de mercado que requer o nosso cliente W  em sinergia com a organização da Schreiber que incorporou a plataforma de Castelo na BU W  dada a importância dos volumes deste cliente.
W entrará em Portugal em 2019 requerendo uma gestão adhoc para este mercado a nível de packaging (artes finais e validação técnica e legal, no desenvolvimento do princípio de identificação), surtido, receitas, qualidade y em definitivo terá como expectativa que Schreiber seja especialista no mercado de lácteos de Portugal. A Category Manager será responsável pelos projectos a desenvolver para a W portuguesa e ademais poderá também liderar alguns projectos da W España quando existam sinergias e aprendizagens associadas, considerando a plataforma de Castelo como prioritária para desenvolver/fabricar estes productos, mas também nas restantes plataformas da Schreiber Europa. (…) Esta posição apoiar-se-á no conhecimento das categorias de lácteos dos Category managers de W España, para liderar de forma satisfatória o mercado português' (cfr. documento n.º 2 da PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

5.-A autora iniciou funções profissionais no escritório da ré, sito em X (Lisboa).
6.-O posto de trabalho oferecido pela ré relacionava-se directamente com o incremento do volume de negócios do cliente W da ré no mercado português.
7.-A 17-9-2018, a ré celebrou com a autora contrato de trabalho sem termo, cuja cópia corresponde ao documento n.º 3 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.
8.-Do referido contrato resulta que a autora foi admitida para exercer funções inerentes à categoria profissional de Supervisora de Equipa ('Client Category Manager').

9.- Tais funções respeitavam, nomeadamente (cfr. cláusula 2.ª, n.º 1 e anexo I do referido contrato - documento n.º 3 da PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido):
(i)gerir os projectos, coordenar e assegurar a execução com os respectivos departamentos implicados, em concreto: qualidade, operações, I+D, sourcing, logística;
(ii)(garantir que será apresentada a melhor solução ao cliente em termos de qualidade, embalagem, preço, cronograma, industrialização e receita;
(iii)coordenar as reuniões de seguimento e identificação de riscos;
(…)
(vi)analisar as categorias assignadas: concorrência, pvp’s, preços, promoções, histórico de vendas, novos lançamentos, estratégia, qualidade das receitas, tem do como objectivo ser especialista na(s) categoria(s);
(vii)coordenar a informação a enviar ao cliente e comunicação interna: QCC’s, fichas de lançamento, logística. Fichas de vida, mudanças de materiais de embalagem;
(viii)gerir as cotizações por produto, compreender, analisar e gerir as mudanças necessárias aos projectos, propondo preços de venda ao cliente e consumidor final com base na rentabilidade acordada;
(ix)promover reuniões de seguimento e validação interna de produtos com o cliente para definição da estratégia da categoria; participar nos decálogos e respectivas reuniões de Qualidade;
(x)receber inputs do cliente e transferências internas para o devido seguimento;
(v)realização de outras funções afins ou funcionalmente ligadas àquela actividade que lhe fossem determinadas periodicamente pela ré.

10.-Além das funções acima referidas, a autora poderia temporariamente ser encarregue pela ré 'do desempenho de quaisquer outras funções não compreendidas nas actividades referida no número um desta cláusula ainda que o exercício das mesmas possa envolver modificação substancial da sua posição' (cfr. cláusula 2.ª, n.os 2, 3 e 4 do referido contrato de trabalho sem termo - documento n.º 3 da PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
11.-Ficou acordado que o período normal de trabalho da autora era de 40 horas semanais (cfr. cláusula 5.ª, n.os 1 e 2 do referido contrato de trabalho sem termo - documento n.º 3 da PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
12.-Foi acordado fixar o vencimento base da autora em € 3.035,71 (cfr. cláusula 6.ª, n.º 1 e anexo II do referido contrato de trabalho sem termo - documento n.º 3 da PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
13.-A que acresce subsídio de refeição no valor unitário de € 6,25, composto por € 4,77 isento e € 1,48 sujeito a descontos.
14.-Foi acordado que a ré concedia à autora a viatura automóvel com a matrícula …, marca Renault Megane.
15.-Tal viatura foi concedida para uso total e ilimitado da autora, ou seja, para uso profissional e pessoal; sendo que a ré suportava todos os custos de deslocação do mesmo veículo.
16.-Para o efeito do exposto no número anterior, a ré concedeu à autora um cartão Galp Frota e dispositivo de via verde.
17.-A retribuição da autora foi objecto de sucessivos aumentos: (i) em Outubro de 2018 a sua retribuição base passou para € 3.214,29; (ii) em Janeiro de 2020 a sua retribuição base passou para € 3.350,90; e (iii) em Janeiro de 2021 a sua retribuição base passou para € 3.432,66.
18.-A ré concedeu ainda à autora um telemóvel, bem como um computador portátil, para utilização profissional e pessoal; sendo os custos da sua utilização integralmente suportados pela ré.
19.-No mês de Dezembro de 2020, a autora auferiu as seguintes quantias: (i) retribuição base, no valor de € 3.350,90; (ii) subsídio de refeição isento, no valor de € 47,70; (iii) subsídio de refeição sujeito, no valor de € 14,80 (cfr. recibo de vencimento n.º 125, junto como documento n.º 4 com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido). Ora, tais valores correspondem à quantia ilíquida de € 3.413,40 e líquida de € 2.054,17.
20.-A ré nunca pagou à autora qualquer montante a título de isenção de horário de trabalho e/ou trabalho suplementar desde 17-9-2018 até à presente data.
21.-No período de 01-9-2018 a 31-8-2019, a autora possuía os seguintes objectivos laborais propostos pela autora: (i) Objectivo 1– Líquidos de Portugal; (ii) Objectivo 2– Portfolio Portugal; e (iii) Objectivo 3– Especialista mercado iogurte português (cfr. 'Performance Summary' junto como documento n.º 5 com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
22.-A 30-9-2019, a autora foi avaliada relativamente ao período acima referido no ponto anterior, pela então sua superior hierárquica -  DD -, a qual lhe atribuiu a avaliação 'excedeu significativamente as expectativas' e 'excedeu as expectativas' (cfr. documento n.º 5 da PI).
23.-No período de 29-9-2019 e 03-10-2020, a autora possuía os seguintes objectivos laborais propostos pela ré: (i) Objectivo 1– Construir e desenvolver equipa Client Category Manager (CMT); (ii) Objectivo 2– Reengenharia de Naturais e manutenção de sabores – conseguir receitas para a W  com menor nível de soro e sedimentação possível vs. competidores para assegurar o lançamento destes projectos em Agosto de 2020; (iii) Objectivo
3– Categoria de líquidos – AESAN e Reengenharia; (iv) Objectivo 4– outros projectos/ acompanhamento de soluções de inovação (cfr. 'Performance Summary' junto como documento n.º 6 com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
24.-Em 31-8-2020, a autora foi avaliada relativamente a esse mesmo período por DD, a qual lhe atribuiu a avaliação de 'excedeu as expectativas' e 'cumpriu as expectativas' (cfr. documento n.º 6 da PI).
25.-A 01-9-2020, a autora passou a ter a categoria profissional de Key Account Category Manager, tudo conforme resulta da comunicação electrónica enviada às 11:15 horas do dia 14-9-2020 por CC, sendo que tal comunicação foi dirigida a Madrid Office Partners e outros (cfr. documento n.º 7 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
26.-A autora sempre realizou contínuas deslocações em automóvel quer a título profissional quer a título pessoal, utilizando a mesma viatura automóvel em fins-de-semana, férias e feriados.
27.-A título pessoal, a autora desloca-se ainda todos os fins-de-semana a V ou a S, para visitar os seus pais; sendo tais custos de portagens e de gasolina suportados pela ré.
28.-A autora aufere ainda a quantia mensal de € 300,00 através de crédito no cartão Galp Frota, para utilização nas suas deslocações automóveis profissionais e pessoais.
29.-A ré suporta ainda o custo de todo o estacionamento do automóvel que atribuiu à autora, independentemente de as deslocações realizadas serem a título profissional ou pessoal.
30.-A autora sempre cumpriu as normas da ré relativamente à utilização da mesma viatura, nomeadamente ao nível da inspecção periódica obrigatória do mesmo e remetendo para os serviços da ré cópia do respectivo certificado de inspecção (cfr. como documentos n.os 8 e 9 juntos com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
31.-Os custos de tais inspecções ficaram sempre a cargo da ré.
32.-A ré suportou os custos inerentes às despesas de manutenção, revisão da viatura, seguro automóvel, selo e imposto de circulação da viatura desde 17-9-2018.
33.- Além disso, uma vez que a utilização do veículo pela autora compreendia tanto fins pessoais como profissionais, a autora solicitou dístico de residente em Lisboa para o veículo da ré, instruindo tal pedido com declaração por esta emitida (documento n.º 10 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
34.-Pelas 9:42 horas do dia 25-11-2020, o trabalhador da ré EE, através de correio electrónico com o assunto 'autorização de circulação para a viatura…', comunicou à autora que o contrato de aluguer do veículo automóvel facultado pela ré à autora havia cessado, bem como que para continuar a utilizar a viatura até à sua devolução deveria circular com a declaração de autorização de circulação que anexou (documento n.º 11 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
35.-Às 15:17 horas do dia 18-1-2021, a autora dirigiu correio electrónico a EE, com o conhecimento de BB  [responsável do departamento dos recursos humanos da ré], no qual comunicou o seguinte: 'a data da declaração de autorização de circulação expira no final desta semana (22/01) (…) aguardo por envio de declaração com data actualizada para de futuro poder voltar a utilizar em conformidade' (documento n.º 11 junto com a PI).
36.-Às 16:57 horas do dia 18-1-2021, EE  respondeu à comunicação acima referida, informando a autora do seguinte: 'é necessário então que devolvas o veículo à ALD nos próximos dias. Por favor verifica neste link como proceder' (documento n.º 11 junto com a PI).
37.-Às 20:16 horas do mesmo dia 18-1-2021, a autora respondeu nos seguintes termos: 'muito obrigada pela informação enviada sobre o procedimento para entrega de viatura…. Peço que me informem sobre a data e o local para ir levantar a nova viatura que vai substituir esta que agora entrego' (documento n.º 11 junto com a PI).
38.-Nos finais do mês de Janeiro de 2021, CC  ordenou que a autora entregasse a viatura que lhe havia sido facultada.
39.-Com efeito, a referida ordem de CC vem na esteira da anterior determinação da ré em não entregar à autora qualquer outra viatura.
40.-No mês de Setembro de 2020, havia recusado a autora proposta, no sentido da mesma passar a trabalhar para a Schreiber Espanha.
41.-Às 15:24 horas do dia 29-01-2021, a autora dirigiu correio electrónico a BB, com o conhecimento de CC  e de EE, no qual informou o seguinte: 'o Código Civil deu-me a indicação de que sim ou sim tenho que entregar o carro no dia 31/01, pois não há possibilidade de mais extensão de tempo, e que receberia da tua parte instruções sobre a solução provisória até que tenham oportunidade de analisar finalmente a situação e poder formalizar-me conclusão. Como tal, aguardo por essas indicações' (documento n.º 11 junto com a PI).
42.-Ao que BB  respondeu, no mesmo dia, pelas 16:09 horas, o seguinte: 'não entregas sem que o EE   confirme. Podes circular sem problema, não é obrigatória declaração de renovação. Entretanto o EE   dar-te-á indicações' (documento n.º 11 junto com a PI).
43.-Pelas 10:44 horas de 01-02-2021, a autora dirigiu correio electrónico a BB  e a EE, com conhecimento a CC, no qual referiu o seguinte: 'após conversa telefónica com o EE, em que me foi dada a indicação de que terei de entregar a viatura… até ao final desta semana, e que à mesma está associada uma contra entrega de nova viatura de substituição provisória, venho então informar que o agendamento ficou marcado para: 02/02/2021 – às 14h45 no seguinte local: Clube Desportivo…, fico a aguardar da tua parte confirmação de disponibilidade para me entregarem a viatura de substituição nesse dia/hora/local ou se terei de reagendar para outra data mais oportuna que me indiques' (documento n.º 11 junto com a PI).
44.-A 26.02.2020, através de 'conference call', tanto CC  como BB  referiram à autora que inexistia qualquer obrigação legal da ré em manter a utilização do veículo por parte desta.
45.-A ré propôs à autora o aditamento ao seu contrato de trabalho, através do qual, em alternativa à entrega da viatura automóvel, à autora seria paga a quantia complementar de € 400,00.
46.-Às 17:52 horas do dia 01-3-2021, a ré, através de BB, dirigiu correio electrónico à autora, com o conhecimento de CC e de FF, com o assunto 'aditamento ao contrato' e com o seguinte teor: 'conforme falado na conference call de dia 26.02, envio em anexo o aditamento feito ao teu contrato, onde consta o pagamento a título pecuniário do complemento ao vencimento. Tal como mencionado, este valor será pago a título compensatório, mantendo-se todos os custos inerentes a viagens a título profissional suportados pela Schreiber e pelo período em que não te seja atribuído carro. O aditamento entrará em vigor no dia 01.04.2021, devendo ser o carro entregue no dia 31.03.2021. Lê, p.f., e telefona-me para o esclarecimento de qualquer dúvida' (documento n.º 12 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
Do referido aditamento destaca-se o teor das seguintes cláusulas:
cláusula 1.ª, n.os 3 e 4:
(i) 'acordaram ainda que, a Segunda Outorgante, sempre que se justificar, está disponível para realizar deslocações e estadias no âmbito das suas funções profissionais ou com vista à participação nas acções de formação profissional que a Primeira Outorgante entenda como convenientes';
(ii) (ii) 'assim, acordam as Partes que, de forma à Segunda Outorgante desempenhar as funções para as quais foi contratada pela Primeira Outorgante e fora da sede da empresa, nomeadamente, em deslocações no âmbito das suas funções e categoria profissional, a Primeira Outorgante, pagará à Segunda Outorgante, um complemento monetário, que, não fazendo parte da retribuição fixa, mista, ou variável, cessará, caso lhe seja atribuído veículo da Primeira Outorgante para os mesmos efeitos' – cláusula 2.ª, n.os 1, 2 e 3:
(i) 'a Primeira Outorgante compromete-se no pagamento de uma quantia fixa, não variável, de € 400,48 (quatrocentos euros e quarenta e oito cêntimos), à Segunda Outorgante';
(ii) (ii) 'o montante será pago, mensalmente, durante os doze meses que compõem o ano civil, sujeito a renovação automática, até atingir o motivo da cessação'; e ainda (iii) 'os montantes pagos pela Primeira à Segunda Outorgante, a este título, não serão relevados para efeitos de atribuição de prémios ou outras quantias que a Primeira Outorgante pagará a Segunda, a qualquer título e não estarão sujeitos a impostos ou quaisquer descontos legais'
47.-Às 8:57 horas do dia 11-3-2021, a autora dirigiu correio electrónico a BB , com o conhecimento de  CC e de FF, no qual solicitou o seguinte: 'podes, por favor, enviar-me o ficheiro em word para colocação de propostas de alteração?' (documento n.º 12 junto com a PI).
48.-Às 9:24 horas do dia 11-3-2021, BB  respondeu à autora nos seguintes termos: 'envio em anexo. Reenvia-me o mais breve possível para podermos analisar e, se justificado, o advogado rever' (documento n.º 12 junto com a PI).
49.-Às 8:49 horas do dia 19-3-2021, a autora dirigiu correio electrónico a BB, com o conhecimento de CC e de FF, no qual solicitou o seguinte: 'vou necessitar esclarecimento relativamente a este artigo 3 da cláusula de pagamento cujo teor me levanta dúvidas: 3. os montantes pagos pela Primeira à Segunda Outorgante, a este título, não serão relevados para efeitos de atribuição de prémios ou outras quantias que a Primeira Outorgante pagará a Segunda, a qualquer título e não estarão sujeitos a impostos ou quaisquer descontos legais. - Qual será a condição para pagamento destes 400,48€ líquidos mensais? Ou seja, uma vez que não irei apresentar despesas mensais relativas a este valor, e mencionando a SCH neste artigo que o mesmo não estará sujeito a quaisquer impostos/descontos legais, necessito ter conhecimento de qual será o suporte documental que a SCH terá para justificar contabilisticamente e fiscalmente esta compensação mensal que me será atribuída. Aguardo por esta informação' (documento n.º 12 junto com a PI).
50.-Às 8:21 horas do dia 20-3-2021, a autora dirigiu correio electrónico à ré, com o conhecimento de CC e de FF, comunicando o seguinte: 'no dia 26/03 irei a Lisboa e falamos pessoalmente no escritório de X . Podes libertar, p.f., a tua agenda para reunirmos às 10h30? O CC irá conectar-se por WebEx' (documento n.º 12 junto com a PI).
51.-Às 10:31 horas do dia 24-3-2021, a autora dirigiu correio electrónico a BB, com o conhecimento de CC, com o assunto 'Certificado incapacidade temporária trabalho - informação de gravidez AA e o seguinte teor: 'envio em anexo certificado de incapacidade temporária para trabalho, por recomendação médica de repouso absoluto. Como comentado estou grávida e sexta-feira terei a próxima consulta com o obstetra onde já espero ter uma ideia mais clara da evolução. Obrigada, diz-me, por favor, se tenho que fazer alguma coisa além do envio deste documento'. (documento n.º 14 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
52.-No período compreendido entre 22-3-2021 (segunda-feira) e 02-4-2021 (sexta-feira), a autora esteve de baixa médica (documento n.º 14 junto com a PI).
53.-Do referido documento n.º 14 da PI consta que o termo da baixa médica da autora ocorreu no dia 10-11-2021.
54.-Às 14:32 horas dia 25-3-2021, a ré, através de BB , dirigiu correio electrónico à autora com o assunto 'simulação recibo vencimento' e com o seguinte teor: 'envio em anexo a simulação do teu recibo com o complemento de vencimento' (documento n.º 15 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
Tal simulação dispunha dos seguintes elementos, que ora se destacam: (i) retribuição base, no valor de € 3.432,66; (ii) complemento de vencimento, no valor de € 400,00; (iii) subsídio de refeição isento, no valor de € 90,63; (iv) subsídio de refeição sujeito, no valor de € 28,12.
55.-À autora foi também enviado o recibo de vencimento de Março de 2021, mês em que a mesma auferiu as seguintes quantias: (i) retribuição base, no valor de € 3.432,66; (ii) subsídio de refeição isento, no valor de € 90,63; (iii) subsídio de refeição sujeito, no valor de € 28,12 (documento n.º 15 junto com a PI).
56.-Perante o acima exposto, às 11:44 horas do dia 26-3-2021, a autora dirigiu correio electrónico à ré, na pessoa de BB, com o conhecimento a CC   e a FF, no qual referiu o Valor resultante da seguinte operação matemática: € 2.373,15 - € 2.174,72. seguinte: 'a proposta enviada em anexo (complemento ao vencimento de 400,48 euros brutos/198,43 euros líquidos) consiste numa alteração ao contrato celebrado que na prática consubstancia uma elevada redução do meu vencimento, o que viola o princípio de irredutibilidade da retribuição. Nessa medida, informo que não aceito a modificação que foi proposta realizar ao meu contrato de trabalho. Assim, a actual viatura ou outra equivalente, e todos os respectivos custos associados, deverá continuar a integrar a minha retribuição em espécie, consoante se verifica desde o primeiro momento de execução contratual. Em alternativa estou disponível para receber uma compensação não inferior a 500,00 euros líquidos mensais, pois é o custo a que corresponde a atribuição de viatura em condições equivalentes às actuais, acrescida de combustível e portagens' (documento n.º 16 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
57.-Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do documento n.º 17 junto com a PI, do qual resulta que a ré, no decurso do dia 05-4-2021, retirou à autora acesso aos emails da mesma ré.
58.-A ré convocou a autora para reunião, a ter lugar às 10:00 horas do dia 05-4-2021, conforme resulta do documento n.º 17 junto com a PI.
59.-O efectivo intuito da reunião por parte da ré era a comunicação à autora da intenção de extinção do seu posto de trabalho, bem como a imediata remoção de acesso da autora ao seu correio electrónico, contactos e informações pessoais.
60.-Às 11:34 horas do dia 05-4-2021, BB  dirigiu à autora correio electrónico, com conhecimento a CC e a FF, e o assunto 'comunicação extinção posto de trabalho' com o seguinte teor: 'conforme falado telefonicamente, envio em anexo a formalização da comunicação de extinção do posto de trabalho, a qual seguiu também por correio registado para a tua morada.
Estou ao dispor para qualquer esclarecimento adicional' (documento n.º 18 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

Destaca-se o teor da aludida comunicação:
'Assunto: Extinção do Posto de Trabalho, comunicação nos termos e para os efeitos do Artigo  69.º do Código do Trabalho.
Exma. Senhora
No dia 17 de setembro de 2018, a Schreiber Foods, Portugal S.A, celebrou com V.Exa., contrato de trabalho por tempo indeterminado para, atenta a sua categoria profissional, exercer a actividade de 'Supervisor de Equipa (Client Category Manager)', competindo-lhe a gestão das categorias de produtos que a Empresa, naquela data, mantinha com o cliente 'W ', em Espanha.
Em 2019, verificou-se um aumento dos projectos conjuntos entre a Schreiber Foods Espanha, SL, empresa homóloga, em Madrid, e a Schreiber Foods, Portugal S.A, com o Cliente 'W ', em Espanha, e, correlativamente, uma descida das relações que a Schreiber Foods Portugal, S.A, que com este mantinha, em Espanha.
No final do terceiro trimestre de 2020, a situação anterior foi incrementada, e houve, por isso, a necessidade de se proceder à reorganização da equipa que geria os produtos deste cliente. Com efeito, a Schreiber Foods Espanha, SL, reorganizou a equipa afecta ao projecto do cliente W, tendo convidado V.Exa., a liderar uma equipa, em Madrid, o que não foi, por si, aceite.
Actualmente, e passados seis meses do supradito, constatou-se que, a centralização das relações que mantém com o cliente 'W ', em Espanha, não justificam a existência, em Portugal, de qualquer estrutura ao mesmo relativa, em consequência da restruturação efectuada.
Tal facto, implica a extinção das funções e do posto de trabalho de V.Exa. e não existindo outro, ou outras funções que possa desempenhar, atenta a estrutura organizativa da empresa, a relação de trabalho que a Schreiber Foods, Portugal, S.A, tem vindo a manter com V. Exa não pode subsistir.
Deste modo, é intenção da Schreiber Foods, Portugal, S.A, nos termos do disposto no art.º 367.º e seguintes do Código do Trabalho, proceder à extinção do posto de trabalho de V.Exa., seguindo-se e dando cumprimento, daqui em diante, a todas as formalidades adjectivas e substanciais para o efeito'.
61.-Pelas 19:39 horas do dia 05-4-2021, a autora dirigiu correio electrónico a BB  e a CC no qual referiu o seguinte: 'no seguimento da comunicação enviada no dia 24/04/2021 em que informava que, nos termos da lei, me encontro grávida, incluo agora em anexo a declaração da gravidez, o original seguiu por correio' (documento n.º 19 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
62.-A 13-4-2021, a autora dirigiu carta registada com aviso de recepção, à ré, através da comunicou o seguinte: 'Acuso a recepção da missiva que entendeu enviar-me com o assunto 'extinção do posto de trabalho'. Os elementos constantes da missiva são, como bem sabe, falsos, sendo a única motivação da empresa para o meu despedimento, segundo julgo, o estado de gravidez que vos foi em tempo comunicado.
Isso, e o facto de ter reagido a uma diminuição do meu salário que pretendiam realizar de forma unilateral. Qualquer despedimento que entendam promover será ilegal e abusivo' (documento n.º 20 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
63.-Dá-se aqui por integralmente reproduzido o parecer prévio emitido pela Cite, no âmbito do procedimento n.º 1209-DG-E/2021 (documento n.º 21 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
64.-A 23-6-2021, perante o Juízo do Trabalho de Y – Tribunal Judicial da Comarca de Y -, a ora ré instaurou acção judicial, à qual foi atribuído o n.º 926/21.8T8CTB, e através da qual peticionou, em síntese, o reconhecimento da existência de motivo justificativo para a extinção do posto de trabalho de AA, tudo conforme consta do documento n.º 22 junto com a PI.
65.-Após declaração de incompetência em razão do território do referido Tribunal, a 08-8-2022 foi proferida, pela Mm.ª Juiz de Direito 2 do Juízo do Trabalho de V – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte -, Sentença nos autos acima referidos, no sentido da improcedência total do respectivo pedido. Cópia da referida Sentença consta junta aos presentes autos através do requerimento de 12-8-2022 da ora autora.
66.-No âmbito do aludido processo n.º 926/21.8T8CTB, a ora ré procedeu, a 19-10-2022, ao pagamento de custas de parte à ora autora, conforme consta do documento junto aos presentes autos através do requerimento de 25-10-2022.
67.-A tentativa de fazer cessar o contrato de trabalho, num momento em que a ré sabia que a mesma autora se encontra grávida, causou a esta transtorno pessoal.
68.-A ré é o único empregador da autora.
69.-A vida pessoal da autora depende exclusivamente da obtenção de rendimentos de tal trabalho.
70.-Os factos acima expostos desestabilizaram e ainda hoje desestabilizam emocional e psicologicamente a autora.
71.-Perturbaram o seu período de gravidez.
72.-A autora era em regra uma pessoa alegre, motivada e centrada na sua profissão.
73.-Face às condutas da ré acima descritas, a autora passou a manifestar um estado de tristeza, desgosto, desânimo, sofrimento, cansaço, insónias, e instabilidade psíquica e psicológica.
74.-Pelas 11:02 horas do dia 14-12-2021, a autora dirigiu comunicação electrónica à ré, através de BB, com o assunto 'licença paternidade – alteração do período para 120 dias', no qual referiu, nomeadamente, o seguinte: 'aproveito para perguntar quando e onde devo ir levantar o meu cabaz de colaboradora da Schreiber. Fico a aguardar feedback. Obrigada e boas festas' (documento n.º 5 junto com o articulado superveniente de 20-4-2022, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
75.-A autora não obteve resposta por parte da ré à comunicação acima exposta.
76.-A ré distribuiu a outros colaboradores cabazes de Natal relativos ao ano de 2021.
77.-Através de missiva datada de 25-2-2022, recepcionada a 03-3-2022, com o assunto 'regresso ao trabalho de trabalhadora lactante', a autora voltou a questionar a ré nos seguintes termos: 'inquiro, por fim, a respeito da atribuição do cabaz de Natal, que, com discriminação a respeito de todos os trabalhadores da empresa, não me foi remetido. A ausência de resposta forçar-me-á a considerar a existência de conduta dolosa no mesmo âmbito, da qual serão retiradas as necessárias consequências' (documento n.º 6 junto com o articulado superveniente de 20-4-2022, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
78.-A ré não respondeu à missiva acima referida.
79.-Desde 24-01-2022, a ré retirou à autora as comunicações móveis (cartão de telemóvel) do telemóvel (documento n.º 4 junto com o articulado superveniente de 20-4-2022, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
80.- Na missiva datada de 25-02-2022, com o assunto 'regresso ao trabalho de trabalhadora lactante', a autora comunicou ainda à ré o seguinte: 'como é do conhecimento de V. Exa., a minha licença de paternidade terminou, aguardando instruções de V. Exa. para regressar ao exercício corrente das minhas funções profissionais. Solicito assim, que me seja atribuída a viatura que me foi ilicitamente retirada, bem como comunicações móveis, que igualmente me foram retiradas sem qualquer justificação plausível. Não possuo, de igual modo, qualquer correio electrónico institucional, nem meios informáticos disponibilizados pela empresa, pelo que qualquer comunicação com V. Exa. terá, necessariamente, de ser realizada por via postal. Mais comunico, nos termos do disposto no art.º 36.º, n.º 1, alínea c), do Código do Trabalho, que sou trabalhadora lactante, juntando, para o mesmo efeito, o competente atestado médico. Gozarei a dispensa diária para amamentação que a Lei me outorga, sendo que, oportunamente, informá-la-ei a respeito, quer da adopção de horário flexível, quer quanto ao eventual exercício de funções em teletrabalho, nos termos da Lei' (documento n.º 6 junto com o articulado superveniente de 20-4-2022, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
81.-Por missiva datada de 23-3-2022, a ré comunicou à autora o seguinte: 'em virtude das questões jurídicas atinentes ao Contrato de Trabalho de V. Exa., que se encontram em discussão nos Tribunais competentes, não existe qualquer actividade que possa desempenhar na Schreiber Foods, Portugal, S.A. Consequentemente, não lhe será atribuído qualquer veículo, ou meios de comunicação, visto que, como sabe, são meros instrumentos de trabalho. De todo o modo, ser-lhe-ão garantidos todos os créditos e direitos laborais que não dependam da contraprestação, efectiva, da sua actividade laboral' (documento n.º 7 junto com o articulado superveniente de 20-4-2022, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
82.-O expresso na missiva referida no ponto anterior (documento n.º 7 do articulado superveniente), no que respeita ao veículo e aos meios de comunicação, foi executada pela ré.
83.-A 31-03-2022, a ré emitiu um recibo de vencimento da autora, relativo ao mês de Março de 2022, que incluía (i) o pagamento de € 3.432,66 a título de vencimento base, e (ii) o desconto de € 3.432,66 a título de baixa de parto (documento n.º 8 junto com o articulado superveniente de 20-4-2022, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
84.-A ré comunicação ao Instituto da Segurança Social, I.P. a concretização do pagamento da remuneração da autora relativa ao mês de Março de 2022 (documentos n.os 8 e 8-A junto com o articulado superveniente).
85.-Porém, no que respeita ao mês de Março de 2022 não foi pago à autora qualquer valor.
86.-Através de missiva datada de 06-4-2022, e recepcionada a 07-4-2022, a autora comunicou à ré o seguinte: 'como é do v/ conhecimento, pois encontram-se juridicamente assessorados, violam no momento presente, quer o meu direito à retribuição, quer o meu direito à ocupação efectiva. É em simultâneo falso que me sejam 'garantidos todos os créditos e direitos laborais', porquanto, tendo comunicado o meu regresso ao trabalho, não me foi sequer solvido o salário de Março, o qual me é naturalmente devido. Da mesma factualidade serão retiradas consequências, quer em sede judicial, quer perante a Autoridade para as Condições de Trabalho' (documento n.º 9 junto com o articulado superveniente de 20-4-2022, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
87.-À missiva identificada no ponto anterior a autora não obteve resposta por parte da ré.
88.-Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do recibo de vencimento da autora emitido pela ré, o qual configura o documento n.º 2 junto com o requerimento de 3-5-2022 apresentado pela ré. Do referido recibo de vencimento destacam-se os seguintes excertos: '(…) Data de pagamento: 30/4/2022 (…) referente ao mês de Abril/2022 (…)'".

2. Factos julgados não provados.
"a) Que o veículo, o cartão Galp Frota, o dispositivo 'via verde' e restantes despesas de circulação e de manutenção, disponibilizados/assegurados pela ré à autora nos termos acima expressos nos factos provados, fossem para exclusivo uso profissional da própria autora.
b) Que o (cartão de telemóvel) através de telemóvel tivesse sido disponibilizado à autora para exclusivo uso profissional da própria autora.
c) Que a ré tivesse forçado a autora a assinar o aditamento ao seu contrato de trabalho, o qual consta acima referido nos factos provados.
d) Que, no âmbito do acima exposto no ponto 57 dos factos provados, a ré tivesse cancelado o cartão bancário que até então fora confiado à autora.
e) Que apenas à autora a ré tivesse privado de comunicações (cartão de telemóvel) através de telemóvel, nos termos acima expostos nos factos provados.
f) Que apenas os denominados 'team leaders' da ré pudessem beneficiar de uso de veículo em deslocações pessoais.
g) Que a autora não estivesse autorizada pela ré a efectuar comunicações telefónicas pessoais, pelo recurso ao (cartão de telemóvel) através de telemóvel fornecido à autora pela mesma ré.
h) Que o alegado, pela ré, incremento de projectos com o cliente W, no mercado espanhol, tivesse levado a que a ré reestruturasse a sua organização interna nos termos expressos no documento n.º 2 junto com a contestação.
i) Que, sem prejuízo do acima exposto nos pontos 22 e 24 dos factos provados, a autora seja reconhecida pela ré, pelos seus pares e subordinados como uma trabalhadora dedicada e exemplar.
j) Que, sem prejuízo do acima exposto no ponto 72 dos factos provados, a autora fosse uma pessoa optimista, extrovertida e sociável".

3. Motivação da decisão da matéria de facto.
(…)

4. O direito.
4.1. A impugnação da decisão da matéria de facto.
4.1.1- A apelante impugna a decisão proferida acerca dos factos provados 15, 16, 18, 28, 29, 33, 67 e 68, que pretende sejam agora julgados como não provados; e o facto julgado não provado na alínea a) seja agora julgado como provado e ainda que sejam aditados outros factos aos provados.

Conforme sublinha a apelante, esses factos abrangem dois aspectos da relação contratual em apreço: os factos provados 15, 16, 18, 28, 29, 33, 67 e 68 e o facto julgado não provado na alínea a), reportam-se à julgada retribuição em espécie daquela à autora e os demais ao considerado assédio moral por banda da mesma a esta.

O primeiro grupo de factos é composto pelos seguintes:
"15.- Tal viatura foi concedida para uso total e ilimitado da autora, ou seja, para uso profissional e pessoal; sendo que a ré suportava todos os custos de deslocação do mesmo veículo.
16.- Para o efeito do exposto no número anterior, a ré concedeu à autora um cartão Galp Frota e dispositivo de via verde.
(…)
18.- A ré concedeu ainda à autora um telemóvel, bem como um computador portátil, para utilização profissional e pessoal; sendo os custos da sua utilização integralmente suportados pela ré.
(…)
28.- A autora aufere ainda a quantia mensal de € 300,00 através de crédito no cartão Galp Frota, para utilização nas suas deslocações automóveis profissionais e pessoais.
29.- A ré suporta ainda o custo de todo o estacionamento do automóvel que atribuiu à autora, independentemente de as deslocações realizadas serem a título profissional ou pessoal.
(…)
33.-Além disso, uma vez que a utilização do veículo pela autora compreendia tanto fins pessoais como profissionais, a autora solicitou dístico de residente em Lisboa para o veículo da ré, instruindo tal pedido com declaração por esta emitida (documento n.º 10 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
(…)
a)- Que o veículo, o cartão Galp Frota, o dispositivo 'via verde' e restantes despesas de circulação e de manutenção, disponibilizados/assegurados pela ré à autora nos termos acima expressos nos factos provados, fossem para exclusivo uso profissional da própria autora".

Dir-se-á desde logo que o último dos factos em questão é o negativo dos demais e ao contrário desses não integra a causa de pedir, o que vale por dizer que e ao invés dos provados o não provado não interessa verdadeiramente para a discussão e decisão da causa pois que não importa aos ónus da alegação e da prova da apelada por não ser constitutivo do direito que invocou na acção (art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil), nem da apelante, por não ser impeditivo, modificativo ou extintivo daquele (art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil). Em suma: se provados os primeiros, procede a pretensão da apelada e se não provados improcede, sem mais, a sua pretensão, independentemente da circunstância do facto não provado poder vir a ser julgado provado ou não.

Para decidir a sentença louvou-se, em primeira linha nas declarações de parte da apelada concatenadas com os documentos referidos a propósito da decisão dos factos provados, mas também no depoimento da testemunha EE  .

Por sua vez, a apelante propõe uma leitura diferenciada da prova referindo a sua indisponibilidade de meios à distância para controlar a utilização do veículo automóvel pela apelada (sendo que entre os escritórios onde a mesma trabalhava, em X , e as suas instalações, em Y , distam mais de 224 k), a desvalorização do documento que juntou no dia 03-05-2022 e a inexistência de documentos anexos ao contrato de trabalho que sustentassem a decisão.

No que concerne à alegada indisponibilidade de meios à distância dir-se-á que quod erat demonstrandum, pois que isso não resultou provado (sendo notório o conhecimento de que esses meios existem no mercado, nomeadamente dispositivos de "tracking" ou geolocalização, por GPS, o que releva nos termos do art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Mas ainda que assim não fosse, a verdade é que o controlo das deslocações da apelada no automóvel seria sempre possível, para o que lhe bastava comparar o registo dos quilómetros percorridos e/ou os registos da via verde com as deslocações em serviço permitidas à apelada, o que manifestamente estava ao seu dispor).

Quanto às declarações de parte da apelada, sabemos que são naturalmente comprometidas com o interesse da própria depoente e por isso mesmo devem merecer particular atenção do julgador, a pontos de apesar de como outras provas serem livremente apreciadas pelo tribunal (art.º 466.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) levar significativa parte da jurisprudência a tender a considerar que não podem servir de fundamento a decisão que a favoreça desacompanhada de corroboração, por mínima que seja, de outros meios de prova.[2]

De todo o modo, no caso sub iudicio deve assinalar-se que a motivação da decisão recorrida considerou não apenas as declarações de parte da apelada como também relevou os documentos referidos a propósito da decisão dos factos provados e o depoimento da testemunha EE, que considerou que não sendo decisivos reforçavam a decisão, pelo que resta saber se o documento especificado pela apelante (junto com o requerimento de resposta ao articulado superveniente apresentado pela autora) impunha decisão diversa da recorrida, tal como terá que ser para permitir-lhe alcançar o seu objectivo de ver alterada a decisão proferida acerca daquela matéria de facto (provada e não provada).

Vejamos então como decidir.

O documento em questão é da autoria da apelante, é intitulado "Internacional Company Benefit Program" e está integralmente redigido em língua estrangeira (inglesa), o que não sendo obstáculo à sua consideração no processo sem tradução, como é sabido,[3] em todo o caso foi impugnado pela apelada no requerimento que subsequentemente apresentou no dia 04-05-2022; pelo que, em ordem ao estabelecido pelo art.º 374.º, n.º 1 e 2 do Código Civil, competia à apelante provar a sua genuinidade, o que não no entanto não fez e, por conseguinte, em nada contribui para estabelecer a sua pretensão e invalidar a decisão impugnada.

Mas ainda que assim não fosse, o que apenas se admite por necessidade de raciocínio, a verdade é que do documento consta, inter alia, para além do dito título "Internacional Company Benefit Program" que se traduziu por "Programa Internacional de Benefícios da Empresa", um capítulo intitulado "II. COMPANY-OWNED VEHICLE PLAN: HOW IT WORKS", a qual se traduziu por "II. PLANO DE VEÍCULOS DA EMPRESA: COMO FUNCIONA" e, subordinado ao mesmo, um item com a locução "You will be allowed the use of a Company-owned vehicle. All operating costs associated with business use will be covered by the Company. The costs covered for private use of a company car depends on country of employment and will be stipulated in a country specific amendment. The Director International Finance will make final determination of a purchase versus lease arrangement per country", a qual se traduziu por "Você terá permissão para usar um veículo de propriedade da Empresa. Todos os custos operacionais associados ao uso comercial serão cobertos pela Empresa. Os custos cobertos pela utilização privada de um carro da empresa dependem do país de emprego e serão estipulados numa alteração específica do país. O Director Financeiro Internacional fará a determinação final de um acordo de compra versus arrendamento por país".

Ora, como se vê, o programa internacional que assim teria sido definido pela apelante fazia depender a atribuição de viatura automóvel para uso particular de estipulação específica desse país e, portanto, nada refere quanto a Portugal, o que vale por dizer que nessa medida nada prova quanto ao thema decindendum.

É certo que com esse documento a apelante juntou ainda dois outros relativos a dois diferentes colaboradores (o EE   seguramente é trabalhador, sendo certo que o GG foi admitido a intervir como representante da apelante em substituição do seu representante legal), mas desses documentos não constam as especificidades estabelecidas pela apelante para que no nosso país fosse atribuído aquele benefício aos trabalhadores (o documento relativo ao GG é apenas um recibo, digamos assim, no qual o mesmo afirma conhecer e entender os benefícios que lhe foram conferidos pela apelante; o documento referente ao EE, informa-o de que foi promovido para as funções de Sourcing Manager, que estas se enquadravam na categoria de Team Leader e que lhe atribuía vários benefícios ali mencionados, entre os quais uma viatura da empresa para uso profissional. Mas não diz que apenas os "Team leaders" teriam direito a esse benefício nem sequer que houvesse ou não trabalhadores que teriam direito a esse benefício e também ao de atribuição de viatura para uso particular e, nesse caso, os específicos requisitos para isso acontecer. Em todo o caso, sempre se dirá que a própria apelante alegou no art.º 68.º da contestação "…a equipa que a Autora liderava…").

Em suma, assim se compreende a valoração dos documentos feita pela decisão recorrida, já que neles quem em nome da apelante contratou com a apelada afirmou que tal benefício lhe seria por ela concedido como de outro modo se não compreenderia o facto julgado 33 (sendo certo que em bom rigor a apelante nem sequer especificou prova para infirmar o decidido no julgamento), pelo que as provas por ela especificadas de modo algum impunham decisão diversa da recorrida, como teria que ser para poder ser alterada a decisão do facto impugnado atendendo ao disposto no art.º 640.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil; e por isso nesta parte se terá que negar a apelação da ré.

Em todo o caso, ainda cumpre referir que o depoimento da testemunha EE mais que reforçar a decisão recorrida, como dito na motivação, a suportava cabalmente, atendendo ao que se ouviu nas passagens que foram especificadas pela apelada entre os 27:48 ms e os 29:35 ms. Com efeito, a testemunha, que disse ser era o responsável, além do mais, pela gestão da frota automóvel da apelante (também das compras de leite e de alguns materiais indirectos e de serviços) desde 2014 e, por conseguinte, com razão de ciência para conhecer os factos, disse que a viatura automóvel atribuída à apelada seria para profissional e pessoal; o que depois reafirmou em face dos registos dos pórticos da Via Verde que lhe foram exibidos e que indicavam toda a sorte de utilização para ambos os fins, sem que, como referiu, isso alguma vez tivesse suscitado reparo da apelante.

4.1.2- A apelante também impugna a decisão proferida acerca dos factos provados 67 e 68, que pretende sejam agora julgados como não provados.

Esses factos são os seguintes:
"67.-A tentativa de fazer cessar o contrato de trabalho, num momento em que a ré sabia que a mesma autora se encontra grávida, causou a esta transtorno pessoal.
68.- A ré é o único empregador da autora".

Para assim decidir a sentença louvou-se na mesma ordem de considerações referidas no item anterior, a que acrescentou os depoimentos das testemunhas HH, II e JJ, respectivamente psicoterapeuta que apoiou a autora, o pai da mesma e o seu companheiro desde o mês de Agosto de 2020 e pai do filho dela.

Por seu turno, a apelante não especificou qualquer prova com vista a convencer que a decisão que pretende para o facto julgado provado 67 se impunha face à impugnada e, por conseguinte, nessa medida não pode a impugnação ser atendida, isto tendo em conta o já citado art.º 640.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil.

Quanto ao facto julgado provado 68 a apelante especificou passagens das respostas dadas ao Mm.º Juiz a quo pela testemunha CC aquando do seu interrogatório preliminar. E ouvidas resulta que a testemunha disse (já traduzido do castelhano) que trabalha para a "Schreiber Foods Europe" desde Julho de 2020 (precisando que não trabalha para a apelante, "Schreiber Foods Portugal, S. A.") e que a apelada trabalhou na sua equipa.

Todavia, como de resto referiu a apelada, a instâncias do seu Ilustre Mandatário a testemunha disse que apesar de trabalhar para a "Schreiber Foods Europe" e a apelada trabalhar para a apelante lhe dava ordens, tal qual de resto acontecia com KK (ou seja, como afirmou, também a KK trabalha para a apelante mas ainda assim é sua subordinada). Enfim, embora depois a testemunha se tenha escusado a explicitar melhor as coisas, ficou bem claro para todos que se trata de uma relação familiar entre a empresa-avó americana, a mãe espanhola e a filha portuguesa, sendo os vínculos formais irrelevantes na cadeia de comando hierárquico efectivamente observada nas empresas: manda quem efectivamente domina e obedece quem é dominado e por isso no caso concreto a testemunha (que trabalhava para a "Europe") tinha a apelada (que trabalhava para a "Portugal") como sua subordinada.

Do que se conclui que as especificadas passagens do depoimento da testemunha CC  ao invés de infirmarem antes confirmam a solução a que a decisão impugnada chegou, a saber, que "68.- A ré é o único empregador da autora"; e por isso também nesta parte terá a impugnação da apelante que soçobrar.

4.1.3- Por fim, a apelante impugna a decisão proferida acerca da matéria de facto pretendendo que sejam aditados outros aos factos julgados provados.

E quanto a isso pretende desde logo que se julgue provado que não teve qualquer contacto laboral com a apelada durante o período de baixa desta.[4]

Todavia, esse facto não foi alegado pela apelante (nem pela apelada). Ora, conforme vem sendo sistematicamente considerado pela jurisprudência, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, "o Tribunal da Relação não pode ordenar à 1.ª instância a ampliação da matéria de facto com factos que não tenham sido alegados pelas partes nos articulados"; o que se afere, de resto, da circunstância do n.º 1 art.º 72.º do Código de Processo do Trabalho estatuir que "… se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz … tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão".[5]

Assim sendo, o facto não poderá ser julgado provado, razão por que nesta parte qual terá a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto que improceder.

Finalmente, a apelante pede que sejam aditados aos provados os seguintes factos:
"A Ré antes da propositura da acção, propôs à Autora, como compensação pela extinção do seu posto de trabalho, o seguinte:
- Pagamento da compensação legalmente prevista, mas ao invés dos 12 dias, 20 dias por cada ano de antiguidade;
- Pagamento das férias e subsídio de férias, com respeito ao ano de 2020, vencidas a 01 de Janeiro de 2021;
- Manutenção do seguro de saúde que a Autora, tinha enquanto retribuição e até 31 de Dezembro de 2021;
- E o pagamento de um programa de 'Outplacment', após o termo de licença da gravidez e parto, para recolocação da Autora do Mercado de Trabalho".

Em suporte da sua pretensão especificou passagens do depoimento prestado pela testemunha BB  na audiência de julgamento.

A testemunha invocou como razão de ciência trabalhar para a apelante desde há oito anos, desde sempre como directora dos recursos humanos.

Acerca do depoimento desta testemunha considerou a motivação da decisão que "no que respeita à factualidade nuclear dos autos, nada mais acrescentou o testemunho de VC..... (directora de recursos humanos da ré há cerca de oito anos)".

Todavia, ouvidas as passagens especificadas pela apelante constatou-se que algo de relevante disse sobre a matéria, que em boa verdade estava compreendida na sua razão de ciência. E daí que a testemunha sabia que através dos advogados das partes (via e-mail) a apelante fizera uma proposta à apelada antes de instaurar a acção com vista à apreciação da licitude da extinção do posto de trabalho, embora sem especificar os respectivos valores ‒ de resto, disse que isso nem era o mais relevante para a apelante ("o que importava era o conteúdo mesmo, não o custo"). Certo é, no entanto, que, conforme disse a testemunha, isso compreendia "a indemnização e o serviço 'Outplacement' e a manutenção do seguro de saúde até final de 2021".

Assim sendo, deverá aditar-se aos provados os seguintes factos:
"65-A A Ré antes da propositura da acção, propôs à autora, como compensação pela extinção do seu posto de trabalho, o seguinte:
- Pagamento de compensação;
- Manutenção do seguro de saúde que a autora, tinha até 31 de Dezembro de 2021;
- E o pagamento de um programa de 'Outplacment' para sua recolocação do Mercado de Trabalho".

4.2. As questões jurídicas.
As questões jurídicas suscitadas na apelação compreendiam a composição da retribuição e da prática de assédio moral pela apelante contra a apelada e supunham a procedência da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

No que concerne ao primeiro segmento, a manutenção da decisão da matéria de facto arrasta consigo ipso facto a da solução jurídica encontrada na sentença; relativamente ao segundo, pese embora a alteração a que se chegou não se mostra suficiente para determinar a alteração da solução jurídica.

Na verdade, para concluir pela verificação do assédio moral a sentença considerou, em resumo:
"No que respeita ao segundo aspecto, resulta acima provado elementos que permitem concluir que a ré empreendeu comportamentos manifestamente atentatórios da dignidade da pessoa da autora (artigo 29.º, n.os 1 e 2 do Código do Trabalho). Com efeito, a análise articulada das sucessivas condutas da ré acima expostas nos pontos 38 a 51 e 57 a 61 dos factos provados permitem concluir pela efectiva prática de assédio na pessoa de AA, quando a mesma exerceu o direito de reclamar pela intacta manutenção do seu estatuto remuneratório, bem como face à situação de gestante/grávida da mesma autora".

Tendemos a concordar com este modo de ver as coisas.

Com efeito, o n.º 2 do art.º 29.º do Código do Trabalho estatui que "entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador".

E como refere Diogo Vaz Marecos, Código do Trabalho, Comentado, 2020, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, página 148, o assédio moral "abrange por isso todo o comportamento não pretendido, quer este tenha o objectivo de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, desestabilizador, quer, não tendo esse objectivo, gere o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil ou desestabilizador. (…) Trata-se pois de um processo, não consubstanciando um mero fenómeno ou um acto isolado, antes pressupõe um conjunto mais ou menos encadeado de actos e condutas que ocorrem de forma sistemática". O que nessa medida dá lastro à garantia dos trabalhadores estabelecida no art.º 129.º do Código do Trabalho segundo a qual "1. É proibido ao empregador: a) Opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como despedi-lo, aplicar-lhe outra sanção, ou tratá-lo desfavoravelmente por causa desse exercício".

Ora, no caso em apreço a apelante atribuiu o automóvel à apelada tanto para fins profissionais como pessoais, mas a verdade é que na sequência da sua posterior recusa, em Setembro de 2020, de passar a trabalhar para a Schreiber Espanha,[6] a apelante passou a assumir um comportamento tendente a retirar-lhe o uso do automóvel,[7] procurar, ilicitamente, extinguir o seu posto de trabalho,[8] condicionar o exercício das suas funções, quer cortando mesmo o acesso ao e-mail,[9] quer ao dito telemóvel,[10]  tudo isto quando sabia do seu estado de gravidez[11] e que por isso lhe causou uma desestabilização emocional e psicológica que perturbaram esse seu estado e lhe causaram um estado de tristeza, desgosto, desânimo, sofrimento, cansaço, insónias.

Sendo certo que a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto em nada contribuiu para alterar este modo de ver as coisas.

Com efeito, é verdade que se julgou agora provado que "65-A A Ré antes da propositura da acção, propôs à autora, como compensação pela extinção do seu posto de trabalho, o seguinte: - Pagamento de compensação; - Manutenção do seguro de saúde que a autora, tinha até 31 de Dezembro de 2021; - E o pagamento de um programa de 'Outplacment' para sua recolocação do Mercado de Trabalho", também é certo, por um lado que se não apurou a extensão da indemnização proposta e, por outro, ainda que tivesse sido superior ao mínimo legalmente estabelecido, isso pode ainda ser visto como forma de forçar a extinção do posto de trabalho, pretensão que, nunca é demais recordar, afinal se veio a revelar ser ilícita.

Assim sendo, conclui-se pelo improvimento da apelação e consequente confirmação da sentença recorrida.

Dir-se-á ainda que apesar de ter obtido provimento parcial na apelação,[12] a apelante é responsável pelas custas porquanto isso não teve qualquer relevo quanto ao vencimento final da mesma (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil).
***

III - Decisão.

Termos em que se acorda
a)-quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, julgá-la em parte procedente e nessa medida aditar aos provados o seguinte facto:
"65-A A Ré antes da propositura da acção, propôs à autora, como compensação pela extinção do seu posto de trabalho, o seguinte:
- Pagamento de compensação;
- Manutenção do seguro de saúde que a autora, tinha até 31 de Dezembro de 2021;
- E o pagamento de um programa de 'Outplacment' para sua recolocação do Mercado de Trabalho".

b)-no mais, negar provimento à apelação e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo apelante (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).
*
*
*
*
*
*
Lisboa, 25-10-2023.

______________
(Alves Duarte)
______________
(Sérgio Almeida)
_______________
(Leopoldo Soares)


[1]Art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
[2]Neste sentido, inter alia, os acórdãos da Relação do Porto de 20-11-2014, no processo n.º 1878/11.8TBPFR.P2 e de 17-12-2014, no processo n.º 2952/12.9TBVCD.P1, da Relação de Lisboa de 13-10-2016, no processo n.º 640/13.8TCLRS.L1-2 e de 07-06-2016, no processo n.º 427/13.8TVLSB.L1-1 e da Relação de Évora de 6.10.2016, no processo n.º 1457/15.0T8STB.E1, publicados em http://www.dgsi.pt; mas em sentido contrário e com o que se tende a concordar, assinala-se a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, espelhada, v.g., no acórdão de 07-02-2019, no processo n.º 2200/08.6TBFAF-A.G1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt, segundo a qual "III – Sendo as declarações de parte de livre apreciação pelo tribunal, podem determinar, por si sós, a convicção do julgador, sem necessidade de corroboração por outros meios de prova. IV – A exigência de corroboração das declarações de parte por algum outro meio de prova, tal como a prevalência tendencial de juízos de apreciação caracterizados pela imediação proporcionada pela oralidade, não é mais do que um critério de avaliação da prova que o juiz poderá seguir, mas que a lei não impõe".
[3]O art.º 134.º, n.º 1 do Código de Processo Civil estabelece que apenas têm que ser traduzidos os documentos escritos em língua estrangeira que se mostre necessário, designadamente por a língua ser desconhecida do julgador ou da contra-parte; neste sentido, vd. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-09-2018, no processo n.º 33/12.4TVLSB-A.L1.L1.S1, da Relação de Lisboa, de 22-06-2021, no processo n.º 17893/17.5T8LSB-B.L1-7 e da Relação de Coimbra, de 29-01-2013, no processo n.º 2116/10.6TJCBR.C1, publicados em http://www.dgsi.pt.
[4]Conclusões XXV e XXVII.
[5]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-04-2018, no processo n.º 205/12.1TTGRD.C3.S1; no mesmo sentido também seguiram os acórdãos da Relação de Lisboa, 16-03-2016, no processo 37/13.0TBHRT.L1-4, de 27-10-2021, no processo n.º 20954/20.0T8LSB.L1-4 e de 11-05-2022, no processo n.º 7932/20.8T8SNT.L1, da Relação do Porto, de 16-01-2017, no processo n.º 2311/14.9T8MAI.P1, de 07-10-2019, no processo n.º 3633/17.2T8VFR.P1 e de 03-10-2022, no processo n.º 2798/19.3T8VNG.P1, da Relação de Évora, de 26-04-2018, no processo n.º 491/17.0T8EVR.E1, da Relação de Coimbra, de 28-04-2017, no processo n.º 2282/16.7T8LRA.C1 e da Relação de Guimarães, de 15-11-2018, no processo n.º 1231/16.7T8BGC.G1 e de 05-03-2020, no processo n.º 1984/18.8T8BCL.G1, como aquele publicados em http://www.dgsi.pt.
[6]Facto provado 40.
[7]Factos provados 34 a 56.
[8]Factos provados 64 a 66.
[9]Facto provado 57.
[10]Facto provado 79.
[11]Facto provado 67.
[12]Em parte da impugnação da decisão da matéria de facto.