CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES DE MENOR GRAVIDADE
MEDIDA DA PENA
PERDÃO DE PENAS
CÚMULO JURÍDICO
Sumário

I - Considerados numa visão global os factos provados no caso em apreço e o seu relevante grau de ilicitude (foram apreendidos diferentes tipos de estupefacientes que permitem a venda de mais de uma dezena de milhar de doses, juntamente com quatro armas de disparo e dezenas de munições; o produto estupefaciente detido destinava-se à cedência a terceiros, não estando reservada uma qualquer parcela ao consumo pessoal do arguido – o que evidencia a natureza meramente lucrativa da atividade), há que concluir que estamos perante a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e não perante o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º do mesmo diploma.
II- O tráfico de estupefacientes, como tipo legal de crime, viola uma pluralidade de bens jurídicos: a vida, a saúde física e mental e a liberdade; acelera desmedidamente o aumento da criminalidade e põe em causa, perigosamente, a segurança e estabilidade social; não podem, assim, os tribunais usar de excessiva brandura na punição desses crimes.
III - A medida concreta da pena única imposta neste caso (cinco anos e quatro meses de prisão, resultante do cúmulo da pena de quatro anos e seis meses, relativa ao crime de tráfico de estupefacientes, e de dois anos de prisão, relativa ao crime de detenção de arma proibida) nada tem de excessivo e afigura-se adequada à culpa do arguido e a satisfazer, ainda suficientemente, as necessidades da prevenção geral (positiva) – que apela à consciencialização comunitária da importância social do(s) bem(ns) jurídico(s) tutelado(s) e contribui para a recuperação ou o fortalecimento da confiança da comunidade na efetiva tutela penal dos bens jurídicos postos em causa – e da prevenção especial – que visa a readaptação social do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa).
IV- No que se refere ao crime de detenção de arma proibida, o arguido do caso em apreço beneficia do perdão previsto na Lei n º 38-A/2023, de 2 de agosto, mas tal não se verifica quanto ao crime de tráfico de estupefacientes (artigo 7.º, n.º 1, dessa Lei); estamos, pois, perante uma situação de coexistência entre crimes excludentes do perdão com crimes deles não excludentes (artigo 7.º, n.º 3, da mesma Lei).
V- Assim, e nos termos do artigo 3.º, n.º 4, dessa Lei, o perdão nesta previsto incide, em caso de cúmulo jurídico, sobre a pena única aplicada, determinada de acordo com as regras estabelecidas nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal.

Texto Integral

Proc. n.º 31/21.7SPRT.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 3

Acordam por audiência na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No âmbito do Comum Coletivo com o nº em epígrafe, a correr termos no Juízo Central Criminal do Porto, Juiz 3, por acórdão de 20-06-2023, foi decidido:
«- absolver os arguidos AA, BB, CC, DD e EE da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21, n.º 1 do D. L. n.º 15/93, de 22/1, por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas ao referido diploma legal;
- condenar o arguido FF pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21, n.º 1 do D. L. n.º 15/93, de 22/1, por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas ao referido diploma legal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- condenar o arguido FF pela prática de crime de detenção de arma proibida, p.p. pelos arts. 2, n.º 1, al. s), ar), aj), p), subal. i), 3.º, n.º 6, al. al. c) e 86, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23/2, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
- condenar o arguido FF pela prática dos dois crimes em concurso na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
- condenar o arguido GG pela prática do crime de detenção de produto estupefaciente para consumo próprio, p.p. pelo art. 40, n.º 2, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.01 (para que foi convolado o crime de tráfico de estupefacientes), na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €9,00 (nove euros), no montante global de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros);
- condenar o arguido HH pela prática do crime de detenção de produto estupefaciente para consumo próprio, p.p. pelo art. 40, n.º 2, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.01 (para que foi convolado o crime de tráfico de estupefacientes), na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €9,00 (nove euros), no montante global de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros);
- condenar os arguidos FF, GG e HH nas custas do processo com taxa individual de justiça, que se fixa em 4 UCs.»

*
Inconformado, o arguido FF interpôs recurso.
Apresenta as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«1. Vem o ora Recorrente condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º1 do D. L. n.º 15/93, de 22/1, por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas ao referido diploma legal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e ainda pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelos arts. 2, n.º 1, al. s), ar), aj), p), subal. i), 3.º, n.º 6, al. al. c) e 86, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23/2, na pena de 2 (dois) anos de prisão, tendo sido condenado em cúmulo jurídico na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
2. Contudo, o ora Recorrente não se conforma com tal condenação, por entender que a mesma é manifestamente injusta, insustentada e excessiva, discordando do Acórdão recorrido, no que concerne à qualificação jurídica, ao quantum e à determinação da pena aplicada, motivo pelo qual vem o mesmo interpor recurso.
a) Da qualificação jurídica – No Crime de Tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º do Dl 15/93 de 22/1
3. Decidiu o Tribunal “ A Quo” condenar o Recorrente FF pelo artigo 21, n.º 1 do D. L. n.º 15/93, de 22/1, por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas ao referido diploma legal , justificando a aplicação do artigo 21º. do decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1 na natureza do estupefaciente, ação provada e quantidade de estupefaciente apreendido.
4. Contudo, tal fundamentação não merece colhimento, nem tão pouco se aceita, isto porque tal como defendido pela doutrina e jurisprudência dominantes, antes do Tribunal “A quo” determinar a aplicação do artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, deveria ter tido em linha de conta todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime.
5. O que in casu, não sucedeu, uma vez que o Tribunal “A Quo”, apenas procedeu a uma valoração isolada, tendo analisado única e exclusivamente a natureza e a quantidade de estupefaciente.
6. Situação com a qual o Recorrente não se poderá conformar, uma vez que se o Tribunal “A Quo” tivesse considerado as circunstâncias que atenuam a ilicitude da conduta do Arguido, teria o Arguido sido condenado pelo crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade previsto e punido pelo artigo 25º. do Decreto- Lei 15/93, de 22/01.
7. Concretizando, tem sido entendimento da doutrina e jurisprudência dominantes que o Artigo 25º do Decreto Lei 15/93 de 22/1 , é um tipo privilegiado do artigo 21º. do mesmo diploma, uma vez que têm de ser tidas em linha de conta um conjunto de causas que atenuam a pena, sendo tal preceito normativo utilizado por forma a evitar a punição com penas desproporcionais em situações de menor
gravidade objetiva.
8. Neste sentido, para operar o raciocino que o legislador obriga para fazer tal destrinça, deveria o Tribunal “A Quo” ter tido em linha de conta vários circunstancialismos, nomeadamente a dimensão dos lucros obtidos; o grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida; a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes; o número de consumidores contactados; extensão geográfica da atividade do agente; o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização ou meios mais sofisticados, nomeadamente recorrendo a colaboradores dependentes e pagos pelo agente e a existência de estrutura organizada e hierarquizada.
9. Tal como evidencia a jurisprudência dominante, mormente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 277/17.6PALGS.S1 de 13-03-2019, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 02P2122 de 27-06-2002, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 23-11-2011, processo nº. 127/09.3PEFUN.S1
10. Ora, parece-nos que o Tribunal “A Quo” se olvidou de relevar os critérios necessários para a condenação justa e ponderada do aqui Recorrente, isto porque se tivesse atentado nos critérios para aplicação do tráfico de menor gravidade, concluía que os enquadramentos jurídicos das condutas perpetuadas pelo Recorrente não consubstanciavam um crime de tráfico de estupefaciente previsto e punido pelo artigo 21º. Do DL 15/93 de 22/01.
Mas atentemos ao caso em concreto,
- Da dimensão dos lucros obtidos (alínea a) e do grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida (alínea b)
11. No que concerne à dimensão dos lucros obtidos, bem como o grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida, cumpre referir que dos factos dados como provado nada consta a este respeito, até pelo contrário, foi dado como não provado que o Arguido tenha agido em comunhão de esforços e divisão de tarefas visando a obtenção de elevados proventos monetários,
12. Assim, facilmente se constata que em relação à questão dos proventos económicos, não apurou o tribunal “A quo” se tal atividade era ou não geradora de elevadas quantias monetárias.
13. Mais ainda, no âmbito dos presentes autos foram aos arguidos apreendidas quantias monetárias, telemóveis e veículos automóveis, tendo sido ao Recorrente apreendida a quantia monetária de €900,50 (novecentos euros e cinquenta cêntimos), telemóvel e viaturas automóveis, tal como se pode ler a fls. 4 e 5 do Acórdão Recorrido.
14. E quanto a estas apreensões, deu o tribunal “A quo” como não provado, a fls. 24 do Acórdão recorrido que o dinheiro apreendido, provém ou foi utilizado pelos arguidos na atividade ilícita, que era utilizado na execução dessa atividade, que tais quantias eram provenientes das vendas de estupefacientes por eles efetuadas ou a seu mando, que os telemóveis pertencentes aos arguidos foram adquiridos com os proventos da atividade de tráfico de estupefacientes e foram por estes utilizados no âmbito dessa atividade e que os veículos automóveis foram adquiridos com os proventos obtidos com a atividade de trafico desenvolvida pelos arguidos.
15. E, por tal motivo, foi ordenado a final a sua devolução, conforme se pode ler a fls.40 do Acórdão recorrido.
16. Mas mais, consta do relatório social e consequentemente dos factos dados como provados que o Arguido sempre exerceu atividade laboral, tendo iniciado a mesma no momento em que atingiu a maioridade.
17. Perante tais factos, entendeu o Tribunal “A Quo” (e bem) que tal montante apreendido não era proveniente da atividade ilícita,
18. Assim, dúvidas não subsistem que in casu, dos factos dados como provados não se vislumbrou provar que arguido obteve qualquer lucro com a atividade ilícita, nem tão pouco que fazia da atividade de tráfico de estupefaciente o seu modo/ sustento de vida, até porque como infra se demonstrará de forma detalhada, o ora Recorrente sempre trabalhou e sustentou a sua família com a remuneração obtida com a sua atividade profissional
19. Neste sentido, venerandos Juízes Desembargadores, como Vexa (s) por certo saberão no alto da vossa sapiência, este não é um comportamento de alguém que faz do tráfico modo e sustento de vida de forma regular e reiterada.
20. Até porque, à luz das regras da experiência comum, quem faz do crime de tráfico modo de vida, não exerce uma atividade profissional, 10 horas por dia, se ausenta do país durante 2 meses para exercer tal atividade no Dubai, e detém um contrato de trabalho por tempo indeterminado.
21. Posto isto, parece-nos que o Tribunal “A Quo” ao não verificar tais circunstâncias que poderiam atenuar consideravelmente o grau de ilicitude da conduta do Recorrente, subsumiu, erradamente a nosso ver, o seu comportamento à previsão legal do artigo 21º. do Decreto-Lei 15/93 de 22 de janeiro,
Ademais,
- Da posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes (alínea c), Do número de consumidores contactados (alínea d) e Da extensão geográfica da atividade do agente (alínea e)
22. No que concerne à posição dos agentes no circuito de distribuição dos estupefacientes, ao número de consumidores contactados e à extensão geográfica da atividade do agente, podemos concluir que tais critérios não foram atendidos devidamente, em virtude de no Acórdão recorrido inexiste qualquer elemento probatório que sustente e corrobore uma qualquer venda a terceiros por parte do aqui Recorrente,
23. Pelo que, face a ausência de elementos probatórios, o conceito de vender ou proporcionar a outrem mediante contrapartida monetária, produto estupefaciente, bem como qualquer facto dado como provado que ateste que o mesmo fazia parte de um circuito de distribuição e que exercia uma atividade com alguma dimensão geográfica, parece-nos claro que inexiste prova de um número certo de consumidores que o aqui Recorrente, alegadamente, tenha tido contacto,
24. Bem como inexiste qualquer ligação que demonstre uma alegada extensão geográfica em que o aqui Recorrente alegadamente tenha atuado, e ainda inexiste um circuito de distribuição
25. Assim, face à ausência de tais circunstâncias sempre deveria o Tribunal “A Quo” ter em consideração dos elementos que atenuam o grau de ilicitude do recorrente, o que lamentavelmente não logrou suceder.
- Do modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização ou meios mais sofisticados, nomeadamente recorrendo a colaboradores dependentes e pagos pelo agente (alínea f) e Da existência de estrutura organizada e hierarquizada (alínea h)
26. Por último, da análise dos factos dados como não provados parece-nos claro que o Tribunal “A Quo” e bem, entendeu que o Recorrente FF não tinha um papel preponderante, nem tão pouco um papel de “principal responsável”, que em momento algum dá o Tribunal “ A Quo” como provado que o aqui Recorrente bem como o Arguido GG tenham sido responsáveis pela execução de um plano delineado, nem sequer que estes tivessem recrutado vários indivíduos a troco de quantias monetárias para exercerem funções de vigia, venda direta, encaminhamento dos consumidores para vendedores.
27. Tanto assim é, que entendeu o Tribunal “A Quo” absolver grande parte dos arguidos acusados pela prática de tais factos, bem como entendeu, e bem, condenar o Arguido GG pela prática do crime de detenção de produto de estupefaciente para consumo próprio, previsto e punido pelo Artigo 40º. Nº. 2 do Dl 15/93 DE 22/01.
28. Em boa verdade, o Tribunal “A quo” deu apenas como provado (e foi por tal facto que o Recorrente foi condenado) a posse por parte do Recorrente do produto estupefaciente.
29. Assim, na sequência do supra exposto, dúvidas não restam que face à ausência de tais elementos nunca poderia o aqui Recorrente ser responsável por uma estrutura organizada e hierarquizada, pois a mesma inexiste.
30. Motivo pelo qual, não pode o aqui recorrente conformar-se com o facto de o Tribunal não ter analisado tais circunstâncias que são determinantes para apurar qual o tipo de ilícito em causa.
31. Porquanto, face ao aduzido, dúvidas não restam que perante toda a matéria de facto apurada e não apurada, a conduta do Recorrente é consideravelmente diminuída, e por isso é de aplicar o disposto do artigo 25º do diploma legal já citado.
32. Aqui chegados, e analisadas todas as circunstâncias, é seguro afirmar que no caso sub judice, parece-nos demonstrado que a atividade de tráfico de estupefacientes levada a cabo pelo Recorrente nunca poderia ser enquadrada no preceito legal consignado no artigo 21º. do DL15/93 de 22/01, mas tal conduta deveria ter sido qualificada como tráfico de menor gravidade (vide o Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça do processo nº 45/12.8SWSLSB.S1 datado de 2 de outubro de 2014 e ainda o Acórdão Do Tribunal da Relação do Porto, no processo 5/14.4PCPRT.P1, data de 20-04-2016:
33. Nessa senda, contrariamente ao referido pelo Tribunal “A Quo” a quantidade de produto estupefaciente apreendido não é suficiente, por si só, para justificar a aplicação do crime de tráfico de estupefacientes p.e p. pelo artigo 21º. sendo antes necessário, e conforme supra explanado, que sejam ponderadas várias circunstâncias.
34. Pelo que, e ante todo o exposto, é manifesto que a decisão recorrida padece de erro na determinação da norma aplicada uma vez que os factos apurados permitem que se conclua pela existência de uma ilicitude consideravelmente diminuída, devendo por esse motivo o ora recorrente ser condenado pelo crime de estupefaciente de menor gravidade previsto e punido pelo artigo 25º. da lei 15/93 de 22/01.
B) Do Crime da detenção da Arma Proibida
35. O Aqui Recorrente foi condenado pela prática, em co-autoria material de um crime de detenção de arma proibida, pelos arts. 2, n.º 1, al. s), ar), aj), p), subal. i), 3.º, n.º 6, al. al. c) e 86, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23/2, na pena de 2 (dois) anos de prisão, não concordando com a aplicação de pena de prisão, parecendo-lhe esta injusta e excessiva.
36. Isto porque, entendeu o Tribunal “A Quo”, na sua motivação, que não tendo o Arguido qualquer licença de uso e porte de arma, mostrava-se não só preenchido o tipo imputado, como também provado o elemento subjetivo respetivo.
37. Tendo por esse motivo e face à apreciação errónea de tais elementos determinou o Tribunal “A Quo” a aplicação de uma medida não privativa da liberdade, por entender que a mesma seria a única a realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
38. Contudo, deveria o Tribunal “A Quo” ter atentado ao estatuído nas normas previstas nos artigos 70.º e 71.º do Código Penal, isto porque atendendo ao facto do crime de detenção de arma (p.e.p pelo art. 86º, n.º1, c), da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro) prever uma punição em pena de multa ou pena de prisão de 1 a 5 anos sempre deveria o Tribunal “ A Quo” aptar pela pena de multa, uma vez que atendendo a todos elementos que militam a favor do arguido, a pena não privativa de liberdade seria suficiente.
39. Assim, o Tribunal “A Quo” ao optar por uma pena privativa da liberdade, violou grosseiramente o disposto no artigo 70.º do Código Penal tal como consigna a jurisprudência mormente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº. 1221/11.6JAPRT.S1, datado de 12/09/2012 (vide ponto 107 do presente recurso) e o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 1 de Abril de 2009, referente ao processo 189/08.0CTB.C1 (vide ponto 108 do presente recurso) e ainda a posição doutrinária de Paulo Pinto de Albuquerque e também do Professor Figueiredo Dias (vide ponto 109 e 110 do presente recurso).
40. Isto porque, a pena de prisão efetiva deve ser aplicada como última ratio, pois a mesma é dessocializadora, estigmatizante e criminógena ( leia-se neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça do processo 1687/04.0GDLLE.E1.S1 datado de 23-09-2010 (vide ponto 117 do presente recurso) e o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça do processo 19/08.3PSPRT, datado de 14-05-2009 (vide ponto 118 do presente recurso).
41. Ora, no caso concreto, pese embora o Tribunal “A Quo” tenha tentado justificar a aplicação da pena de prisão, fundamentando que a pena de multa não é suficiente para realizar as finalidades da punição, tal fundamentação padece de incoerência perante todos os elementos que se encontram à disposição do Tribunal.
42. Tendo se olvidado de analisar o teor do relatório social e a ausência de CRC do aqui Recorrente, uma vez que através da análise de tais elementos, como infra se demonstrará, o Tribunal deveria ter optado pela pena de multa por inexistir fundamento para uma pena de prisão.
Atentemos,
c) Da Ausência de antecedentes criminais
43. No que diz respeito ao relatório social do aqui Recorrente é do conhecimento do Tribunal “A Quo”, que o Arguido FF não tem antecedentes criminais, sendo este o primeiro contacto com a justiça.
44. Acontece que, o Tribunal “A Quo” se olvidou de valorar condignamente o CRC do Recorrente, caso contrário não teria condenado o mesmo numa pena de prisão.
45. Veja-se que, são adotadas exigências de prevenção menores, quando alguém comete um crime sem nunca antes ter sido condenado por crime semelhante, tal como defendido jurisprudência nomeadamente o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto no processo 132/19.1GAPFR.P1 datado de 15-12-2021 (vide ponto 131 do presente recurso)
46. Ora, apesar do entendimento da jurisprudência, o Tribunal “A Quo” não valorou a circunstância de o Recorrente não ter antecedentes criminais e de ter um comportamento de acordo com aquele que podemos apelidar de “bónus pater famíliae”, análogo ao do homem razoável.
47. Motivo pelo qual, o Recorrente não se consegue conformar com a pena que lhe foi aplicada, por entender, que nunca poderia ser determinada a aplicação de uma pena de prisão quando o mesmo é primário.
48. Posto istro, e face a todo o exposto deveria ter sido aplicado ao Recorrente uma pena não privativa de liberdade.
Por outro lado, e sem embargo,
d) Do Relatório Social
49. O relatório social é um dos elementos probatórios por excelência, que deverá ser atendido e ponderado pelo Tribunal “A quo” uma vez que, através da análise do mesmo, o tribunal consegue conhecer uma realidade à cerca do Recorrente que de outra forma desconheceria.
50. Na verdade, in casu, através da leitura atenta do relatório social é possível constatar desde logo que o Recorrente mantém uma relação próxima com o núcleo familiar, que sempre educou o Recorrente que para ser alguém na vida teria de estudar e trabalhar.
51. Assim, apesar do Recorrente ter crescido num local em que o ambiente encontrava-se associado a problemáticas sociais e criminais, o mesmo interiorizou que se em algum momento optasse pelo caminho mais fácil, ligado à criminalidade sabia que se encontrava impedido de constituir família e viver em sociedade.
52. Ora, com esse propósito, o Recorrente frequentou o ensino escolar até ao ensino escolar, tendo ultrapassado as suas limitações provenientes de um diagnosticado de hiperatividade e deficit de atenção para conseguir lutar pelo seu sonho de constituir família.
53. Nesse seguimento e após atingir a maioridade, o Recorrente iniciou o seu percurso profissional por pretender adquirir estabilidade financeira e consequentemente construir a sua própria família.
54. Assim, o Recorrente iniciou a sua carreira profissional numa empresa de trabalho temporário e, volvido 1 ano, começou a trabalhar na empresa “A...” onde, mais tarde, fruto do seu empenho e competência assumiu a função de representar a empresa internacionalmente durante 2 meses do Dubai.
55. Tendo formalizado vínculo laboral através de contrato de trabalho, com a referida empresa pelo seu bom desempenho profissional.
56. Vínculo profissional que cessou por ter sido aplicado ao Recorrente uma medida de coação de apresentações periódicas, que o impossibilitava de cumprir com as deslocações para fora do pais, situação que era subjacentes a sua atividade profissional.
57. Ora, perante tal adversidade e ciente de que não queria ir pelo caminho mais fácil rapidamente procurou outro emprego tendo sido contratado como estafeta numa pizzaria na Cidade da Maia, até ao momento da sua detenção no âmbito do processo em apreço.
58. Posto isto, não se consegue perceber a não valoração do Relatório Social, favorável ao Recorrente, para a determinação da medida da pena (vide ponto 141 do presente recurso)
59. Não se compreendendo o propósito do Recorrente não merecer sequer, face ao seu histórico social positivo, a oportunidade de lhe ser aplicada uma pena de multa.
60. Veja-se que o Recorrente sempre laborou desde a sua maioridade, exercendo a sua atividade num horário laboral de 10 horas/dia, auferindo de um salário fixo que rondava os €1000 (mil euros), cumprindo com todas as suas obrigações enquanto filho, irmão, marido e pai.
61. Pois bem, face a estes pressupostos, vemos que o Requerente sempre esteve integrado na sociedade merecendo nela continuar., uma vez que sempre se pautou por cumprir com as suas obrigações, desconhecendo o motivo pelo qual interpretou o Tribunal “A Quo” que as condições de prevenção especial não se encontravam reunidas.
62. Ademais, e ainda que tais fatores que militam a favor do arguido não fossem suficientes, deveria o Tribunal “A Quo” ter atentado ao campo afetivo/relacional do Recorrente.
63. De facto, após iniciar um relacionamento amoroso com a sua companheira e decidir constituir família, face suas limitações económico financeiras, o Recorrente optou por residir inicialmente na casa dos seus pais, sendo certo que só após conseguir alguma estabilidade financeira, volvidos 3 anos é que fixou a sua residência num apartamento arrendado juntamente com a sua companheira e filho.
64. Ora, perante tais factos, mal andou o Tribunal ‘’A Quo’’ ao não analisar corretamente a personalidade e trajeto de vida do Recorrente, pois se o tivesse realmente feito, teria atentado ao facto de que o Recorrente nunca fez nada sem um peso e uma medida, tendo consciência que as suas conquistas pessoais são fruto do seu trabalho, dedicação e sacrifício.
65. Pelo que, mal andou o Tribunal A Quo ao não analisar corretamente a personalidade e trajeto de vida do Recorrente, pois acreditamos que se o tivesse feito, certamente não concluiria que uma pena privativa da liberdade, seria a única capaz de acautelar a proteção dos bens jurídicos e de reintegração do arguido.
66. Note-se que o entendimento do Tribunal ‘’A Quo’’ é totalmente contraditório na medida em que faz menção a todas as circunstâncias que militam a favor do arguido, mas entende por outro lado, que esses mesmos fatores que enuncia e que militam a favor do Arguido, não são suficientes para acautelar a proteção do bem jurídico e a reintegração do mesmo.
67. Situação com a qual o Recorrente não pode concordar uma vez que, o mesmo reúne todas as condições para a aplicação de uma pena não privativa da liberdade, nomeadamente pelo facto do arguido ser primário e por se encontrar inserido a todos os níveis, familiar, social e profissional.
68. Desta forma, o Tribunal ‘’ A Quo’’ na sua decisão viola de uma forma grosseira todos os princípios basilares que norteiam o processo penal, fazendo da exceção (a pena de prisão como última ratio) a regra.
69. Sucede que, mesmo que estas circunstâncias não fossem suficiente, podemos verificar que o Recorrente assim que confrontado com o meio prisional sempre pautou por manter os seus princípios e forma de estar na vida, tendo um comportamento ajustado ao normativo disciplinar vigente, exercendo inclusive nesse meio a atividade profissional de Faxina, comportamento este de demonstra a sua forma de estar na vida.
70. Facto que demonstra mais uma vez, que não se justifica a aplicação de uma pena privativa da liberdade, pois, a postura do Recorrente, tanto em liberdade como em meio prisional, são de acordo com os mais elementares padrões sociais vigentes.
71. Deste modo, e considerando que o objetivo da pena é a proteção, e que tal proteção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral e especial, sendo que a prevenção especial consiste na reintegração do agente na sociedade, não restam dúvidas que no caso concreto a aplicação de uma pena privativa da liberdade terá o efeito oposto do estatuído legalmente
72. Além disso é de salientar que o Requerente terá de recomeçar do zero a sua vida, uma vez que, perdeu tudo o que havia construído desde os seus 18 anos.
73. Situação que poderia ter sido totalmente evitada se o Tribunal “A Quo” tivesse cumprido o estatuído legalmente.
74. Aqui chegados, deveria o Tribunal “A Quo” ter feito uma análise extensiva do relatório social do aqui Recorrente, por forma a determinar corretamente a escolha e determinação da medida da pena.
B.2- Da Determinação da medida da pena (Artigo 71º. Do Código Penal)
75. A este propósito, cumpre referir que tal como aduzido não foram atendidas as condições pessoais do agente relatadas no relatório social bem como a ausência de registo criminal, circunstância essencial para determinação concreta da pena.
76. Olvidando-se desta forma o Tribunal “A Quo” de que a perspetiva de ressocialização e regeneração do Recorrente é fundamental para aplicação de uma pena.
77. Assim sendo, e tendo por base todos os elementos, mormente os factos que atenuam a culpa do agente, verifica-se que a pena a que foi o ora Recorrente condenado é demasiado severa.
78. Isto porque não foi fixada a medida da pena em obediência ao estatuído nos artigos 71º. do Código Penal, pelo facto de não terem sido devidamente valoradas as circunstâncias que militam a favor do Arguido.
79. Assim, mal andou o Tribunal “A Quo” ao não analisar tais pressupostos, violando assim o disposto no artigo 71º. do Código Penal, que refere que a determinação da medida da pena é realizada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
80. Determinando ainda no n.º 2 do mesmo preceito legal indicado supra que na determinação concreta da pena, devem ser atendidas pelo Tribunal todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o Arguido nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação, a conduta anterior ao facto e o posterior a este e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
81. Acresce ainda que, tem sido entendimento da jurisprudência e doutrina que o disposto no artigo 71º. do Código Penal deve contribuir não só para aplicar a medida adequada à finalidade de prevenção geral, a natureza e o grau de ilicitude, como também definir o nível e a permanência das exigências de
prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a ressocialização), veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo: 19/08.3PSPRT de 14-05- 2009 (vide ponto 238 do presente recurso)
82. Posto isto, se o Tribunal “A Quo” tivesse feito uma análise ponderada acerca de tais pressupostos, certamente que a condenação do Recorrente teria tido outro desfecho, pois, iria o Tribunal ‘’A Quo’’ conseguir compreender a personalidade do Arguido, pelo que o grau de culpa e a intensidade do dolo são diminuídas.
83. Assim sendo, deveria o Tribunal ‘’A Quo’’ ter tido assim em consideração todo o conteúdo do relatório social, invés de punir de uma forma severa o aqui recorrente, devendo por isso, aplicar ao aqui Recorrente uma pena proporcional à sua culpa, fixando a sua condenação em uma pena de multa.
84. Isto porque, a condenação em pena de multa já permite ao Recorrente a interiorização do desvalor da sua conduta, até porque, este último já iniciou o processo de interiorização tal como consta do relatório social.
85. Nesta senda, deveria o Arguido ser condenado numa pena de multa pela prática do crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86º nº. 1 alínea c) Do DL 5/2006 de 23 de fevereiro.
86. E só no caso de Vexa(s) Venerandos Juízes Desembargados, não entendam, condenado numa pena prisão, nunca superior ao mínimo legal, naturalmente, suspensa na sua execução.
D) Dosimetria das penas parcelares
D.1 Do Crime de tráfico de estupefaciente
87. Tal como referido em supra, deveria o Recorrente ser condenado pelo crime de tráfico de menor de gravidade, previsto e punido pelo Artigo 25º. Do DL 15/93 de 22/01(vide ponto 255 do presente recurso)
88. E, cuja as considerações a esse propósito se dão como integralmente reproduzidas nos pontos 7 a 95 do presente recurso.
89. Desta forma, perante todos elementos que constam dos autos, nomeadamente o nível de inserção social e familiar do arguido, a inexistência de CRC, o facto de apresentar comportamento exímio e irrepreensível no meio prisional e, a sua integração profissional, a pena de prisão a aplicar ao aqui Recorrente nunca se deverá fixar numa pena superior a 2 anos e 6 meses.
D.2 Do crime de Detenção de arma proibida
90. Já no que concerne ao crime de detenção de arma proibida e, atendendo ao preceituado no art. 86º, nº 1 da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro (vide ponto 262 do presente recurso), deverá ao Arguido ser aplicada uma pena de multa.
91. Ou caso assim Vexa(s) Venerandos Juízes Desembargadores não entendam ser aplicada uma pena de prisão, nunca superior a 2 anos.
Da dosimetria do cúmulo
92. Face às considerações supra tecidas, entendeu o Tribunal A quo aplicar ao Arguido a pena única de 5 anos e 4 meses de prisão efetiva, o que não se compreende.
93. Contudo, entende o aqui Recorrente que devia ter sido o mesmo condenado numa pena de prisão nunca superior a 2 anos e 6 meses, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artº 25 do DL 15/93 de 22 de Janeiro.
94. E ainda, condenado numa pena de multa, cujo o valor deverá ser fixado até 600 dias, pela prática do crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86º nº. 1 alínea c) Do DL 5/2006 de 23 de fevereiro.
95. No mais, e caso assim Vexa(s) Venerandos Juízes Desembargadores não entendam deverá ser o aqui Recorrente, condenado numa pena de prisão nunca superior a 2 anos, pela prática do crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86º nº. 1 alínea c) Do DL 5/2006 de 23 de fevereiro.
96. Por fim, e tendo em conta todas as considerações tecidas em supra, caso assim o entendem deverão Vexas, condenar o Arguido uma pena inferior a 5 anos, uma vez que só assim assegurarão os princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação.
Da suspensão da execução da pena de prisão
97. A pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reação penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vetores dos fins das penas.
98. Outro dos seus vetores é a proteção dos bens jurídicos violados e, naturalmente, a proteção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que os mesmos não venham a adotar novas condutas desviantes.
99. Assim, é nesta dupla perspetiva que deverá incidir um juízo de prognose favorável à suspensão da pena de prisão, sendo que para o efeito o seu ponto de partida será sempre o momento da decisão e não da prática do crime, veja-se nesse sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 12/10.6PACLD.C1 de24-04-2019 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 03P612 de 27-03-2003. (vide ponto 277 e 278 do presente recurso)
100. Face ao supra exposto, e ainda assim o Tribunal “A quo” optou pela não aplicação do regime da suspensão da execução da pena, ao aplicar ao aqui Recorrente a pena de 5 anos e 4 meses.
101. Salvo devido respeito, e de acordo com o explanado em supra, entende-se que a pena aplicada é excessiva e desajustada, motivo pelo qual não se compreende a razão pela qual foi o Tribunal “A Quo” tão severo, pois, é nosso entendimento que deveria o aqui Recorrente ser condenado numa pena, suspensa na sua execução, isto é, nunca superior a 5 anos.
102. Mas vejam Vexas os pressupostos referentes à suspensão da execução da pena de prisão, previstos no nº 1 do artigo 50º do Código Penal. (vide ponto 283 do presente recurso)
103. Analisando, a suspensão da pena de prisão exige a verificação de dois pressupostos.
104. O pressuposto formal, que pressupõe que a pena de prisão não seja superior a 5 anos. E o pressuposto material que pressupõe a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
105. No caso em concreto, e no que concerne ao pressuposto formal, o aqui Recorrente dá como reproduzidas todas as considerações tecidas em supra atinentes à redução da medida da pena por razões de economia processual.
106. Por outro lado, quanto ao pressuposto material, máxime é que seja possível formular um juízo de prognose favorável em relação ao aqui Recorrente.
107. Assim, cremos que o aqui Recorrente preenche todos os pressupostos para a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, como melhor se demonstrou ao longo da presente matéria recursiva, designadamente, a mera detenção do produto estupefaciente por parte do aqui Recorrente, o
desenvolvimento pessoal, profissional, familiar e social do Recorrente, a perceção que o círculo de pessoas que rodeiam o Recorrente, o arrependimento e preocupação do Arguido vertidos no relatório social, a ausência de registos disciplinares em meio prisional, a ocupação laboral em meio prisional.
108. Por fim, concluiu-se sem reservas, que deveria “in casu” ser o quantum da pena aplicada nunca superior a 5 (cinco) anos, e consequentemente ser a mesma suspensa na sua execução, em virtude de a prevenção especial se encontrar realizada, da interiorização do desvalor da conduta pelo recorrente, bem como, do arrependimento demonstrado pelo mesmo.
109. E ainda pela prevenção geral se encontrar de igual modo realizada com tal pena.
110. Malogradamente, o tribunal “a quo” não fez tal ponderação, quiçá fruto da falta de análise criteriosa do relatório social, bem como do CRC do Recorrente, entre outros aspetos, veja-se nesse sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 19/08.3PSPRT de 14-05-2009. (vide ponto 293 do presente recurso)
111. Posto isto e atente à factualidade supra vertida, condenar o Recorrente numa pena de prisão suspensa na sua execução, ainda que sujeita a regime de prova revela-se numa derradeira oportunidade concedida ao aqui Recorrente de demonstrar o seu arrependimento e a interiorização do desvalor da sua conduta.
112. Tal oportunidade que o mesmo certamente agarrará, de forma avassaladora, por forma a construir o caminho que até agora percorreu, ladeado dos valores éticos e morais que a sociedade vigente exige.
113. Destarte, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição, sendo mais do que suficiente para que o mesmo não mais volte a delinquir.
114. Sendo certo que o aqui Recorrente já experienciou a reclusão tendo consciência do que a mesma comporta e dos efeitos da mesma, não só para si, como para os que o rodeiam.
115. Assim, Venerandos Juízes Desembargadores, o Recorrente admite a sua responsabilidade, mas apenas suplica clemência.
116. Aceitando e entendendo que deverá ser condenado, mas apenas e somente na proporção da sua responsabilidade e nunca mais do que isso, o que o leva a suplicar por uma derradeira oportunidade, de demonstrar que interiorizou o desvalor da sua conduta e que não mais irá voltar a delinquir.
117. E caso assim Vexas Venerandos Juízes Desembargadores, deverá a decisão ser revogada e substituída por outra que condene o arguido numa pena de prisão suspensa na sua execução.
118. E caso assim não se entenda deverá ao mesmo ser aplicada uma pena de prisão de 5 anos, sendo certo que em ambos os casos deverá tal pena ser suspensa na sua execução, fazendo-se assim Inteira e Sã Justiça.
PRINCÍPIOS E NORMAS VIOLADAS OU INCORRETAMENTE APLICADAS
- Incorre o Acórdão Recorrido em erro na determinação da norma aplicada nomeadamente, deveria ter sido aplicada aquela esplanada no artigo 25º. Nº. 1 alínea a) do decreto-lei nº. 15/93 de 22 de janeiro por referência IA, IB e IC anexas ao referido diploma legal e não a do artigo 21º. do mesmo diploma.
- Violou os artigos, 50º 70º e 71º Código Penal.
Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, e em consequência, ser declarado erro na determinação da norma a aplicar e consequentemente deve a decisão revidenda ser revogada e substituída por outra que:
-Absolva o Arguido FF, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo artigo 21. ° n.” 1, do DL 15/93 de 21 de janeiro,
- Condene o Arguido pela prática do crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º. do DL 15/93 de 21 de janeiro, na pena de 2 (anos) e 6 (seis) meses.
-Condene o ora Recorrente numa pena de multa pelo crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86, al. c), da Lei 5/2006, de 23 de fevereiro, próxima do mínimo legal.
-Em última rátio, caso assim não se entenda, ser o Arguido condenado pelo crime detenção de arma proibida, p.p. pelo artigo 86, al. c), da Lei 5/2006, de 23 de fevereiro numa pena de prisão fixada no mínimo legal.

O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência, aduzindo em abono da sua posição as seguintes conclusões (transcrição):
“1- O arguido FF, foi condenado nos presentes autos, pela prática de um de crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21, n.º 1 do D. L. n.º 15/93, de 22/1, por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas ao referido diploma legal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelos arts. 2, n.º 1, al. s), ar), aj), p), subal. i), 3.º, n.º 6, al. al. c) e 86, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23/2, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
2- E em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão
3- A conduta do arguido está correta e devidamente enquadrada na previsão do art.º 21º, do Dec.-Lei 15/93, de 22/01, e não na do art.º 25º do mesmo diploma por se não verificarem os pressupostos para aplicação deste tipo privilegiado;
4- Nenhuma censura merece a determinação da medida concreta da pena, sendo a pena aplicada ao arguido ora recorrente é adequada à sua culpa, à sua conduta anterior e posterior aos factos, às exigências de prevenção geral e especial e não peca por excesso, bem como é acertada face às condições pessoais e potencial de inserção social do arguido.
5- Não se mostra, assim, violada qualquer norma jurídica, pelo que o recurso não merece provimento.
Pelo que se conclui deste modo que a douta decisão proferida decidiu corretamente as matérias aí
controvertidas e sob apreciação, não ocorrendo violação de qualquer norma legal, substantiva ou adjetiva, que imponha a alteração ou revogação de tal decisão, pelo que não deve dar-se provimento ao recurso, assim se mantendo a douta decisão por legal e justa.”
*
Neste Tribunal da Relação do Porto, a Exmª. Procuradora-Geral Adjunta não emitiu parecer uma vez que foi requerida audiência.
*
É do seguinte teor o elenco pertinente ao arguido recorrente dos factos provados e não provados constantes do acórdão recorrido:
«Com relevância para a decisão provou-se que:
Factos da acusação:
No dia 14 de outubro de 2021, o arguido FF tinha na sua residência sita na rua ..., ..., ... Porto, o seguinte:
- 1 (uma) caixa em papel contendo no seu interior, uma máquina eletrónica própria para contar moedas, com n.° de serie ...;
- 1 (uma) caixa em papel, contendo no seu interior, uma máquina eletrónica própria para contar notas, de marca BilI Counter modelo ...;
- a quantia monetária de €180,00 (cento e oitenta euros) em notas emitidas pelo BCE;
- a quantia monetária de €430,00 (quatrocentos e trinta euros) em notas emitidas pelo BCE;
- 1 (uma) faca de cozinha com cabo em madeira de cor preto, com cerca de 0,12cm e com 0,22cm de lâmina e uma tábua que serve de base para cortar alimentos, ambos com resíduos de canábis que o arguido utilizou para cortar e dosear a canábis;
- 1 (um) telemóvel de marca Xiaomi, modelo ... (...), com IMEI ..., com cartão da operadora B... n.° ..., inserido na ranhura para o efeito e capa de proteção;
- 1 (um) telemóvel de marca Iphone, com o ecrã danificado de cor preta e cinzenta, e capa de proteção de cor verde, com cartão da operadora B... introduzido na ranhura para o efeito;

O arguido GG tinha nesse dia na mesma residência, onde se encontrava a residir:
- a quantia monetária de €7.000,00 em notas emitidas pelo BCE;
- canábis (resina) com o peso líquido de 5,254 gramas e grau de pureza de 17,3, o que permitia a obtenção de 18 doses médias individuais diárias, que o arguido destinava ao seu consumo;
- a quantia monetária de €640,50 (seiscentos e quarenta euros e cinquenta cêntimos) em notas emitidas pelo BCE;
- 1 (um) telemóvel de marca OPPO, desconhecendo-se respetivo IMEI;

No veículo automóvel de matricula ..-..-PT utilizado pelo arguido FF, o arguido tinha:
- canábis (resina) com o peso líquido de 21,069 gramas e grau de pureza de 17,9, o que permitia a obtenção de 75 doses médias individuais diárias;
- duas embalagens que continham heroína com o peso líquido de 0,104 gramas e grau de pureza de 25,2, o que permitia a obtenção de < 1 dose média individual diária;
- uma embalagem que continha cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 18,805 gramas e grau de pureza de 55,4, o que permitia a obtenção de 52 doses médias individuais diárias;

No veículo automóvel de matricula ..-..-UM utilizado pelo arguido FF, o arguido tinha:
- quatro placas de canábis (resina) com o peso líquido de 383,543 gramas e grau de pureza de 22,5, o que permitia a obtenção de 1726 doses médias individuais diárias;
- cento e quarenta e três embalagens contendo heroína, com o peso líquido de 10,111/E e grau de pureza de 22,0, o que permitia a obtenção de 22 doses médias individuais diárias;
- uma embalagem contendo cocaína (éster metílico) com o peso líquido de 3,565 gramas e grau de pureza de 32,3, o que permitia a obtenção de 38 doses médias individuais diárias;
- a quantia monetária de €250,00 em notas emitidas pelo BCE;
- a quantia monetária de €40,50 em moedas do BCE;

No dia 14 de outubro de 2021, o arguido HH tinha no seu quarto na residência sita na Rua ..., .... - Porto:
- Em cima da cómoda:
- 1 base de cor verde, usada para o corte/doseamento de estupefaciente Haxixe;
- 1 faca com o cabo de cor azul, utilizada para o corte e doseamento de estupefaciente haxixe;
- vários pedaços de canábis (resina) com o peso líquido de 9,726 gramas e grau de pureza de 22,0, o que permitia a obtenção de 43 doses médias individuais diárias, que o arguido destinava ao seu consumo.

No mesmo dia no seu quarto na mesma residência, o arguido BB, tinha:
- No interior do guarda-fatos, num casaco:
- a quantia monetária de €1.550,00 em notas emitidas pelo BCE;
- Na segunda gaveta da mesinha de cabeceira, no interior de uma carteira:
- a quantia monetária de €115,00 em notas emitidas pelo BCE;
- Na sala, em cima da mesa de entrada, no interior de uma carteira pertencente ao arguido BB:
- a quantia monetária de €65,00 em notas emitidas pelo BCE.

Os arguidos FF, GG e HH foram sujeitos a primeiro interrogatório judicial de arguido detido tendo sido aplicada a medida de coação de coação de apresentação periódica.
O arguido FF guardava a sua viatura de marca Ford, modelo ..., de matrícula ..-..-PT, numa garagem afeta à fração na praceta ..., na ..., onde guardava estupefaciente – canábis, heroína e cocaína, substâncias estupefacientes, destinado à venda a terceiros.

No dia 13 de julho de 2022, o arguido FF e o arguido CC, doravante CC dirigiram-se para a praceta ..., na ..., no veiculo de matrícula ..-..-GO de marca Seat modelo ... de cor preto, onde chegaram cerca das 01h48, para o primeiro retirar a canábis que destinava à venda a terceiros e demais objetos destinados a tal atividade.
Ao volante seguia o arguido FF e como passageiro, o arguido CC. Depois de estacionarem a viatura, os arguidos entraram apeados pela porta da frente do prédio correspondente ao n° de polícia ..., acederam à referida garagem e acenderam a luz, após o que saíram da garagem.

Quando saíram da garagem, o arguido FF transportava numa mochila e em sacos:
- várias embalagens de canábis (folhas/sumidades) com o peso líquido de 798,730 gramas e grau de pureza de 0,5, o que permitia a obtenção de 79 doses médias individuais diárias;
- quinze placas de canábis (resina) com o peso líquido de 1.425,702 gramas e grau de pureza de 40,4, o que permitia a obtenção de 11520 doses médias individuais diárias;
- 1 balança de precisão;
- 168 sacos translúcidos para doseamento de estupefaciente;
- 22 munições de arma de fogo, de percussão central, classe A, das quais 21 de calibre .38 Special+P, com projétil do tipo SJHP, fabricadas por “... (...)” em Israel e 1 (uma) de calibre .32 H&R Magnum, com projetil do tipo JHP, de marca “Federal Cartridge (FC)” e origem americana, com projétil expansivo, melhor descritas do exame n.° 651/2022, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos;
- 20 munições de arma de fogo, de percussão central, classe B, de varias marcas, calibre .38 Special, melhor descritas do exame n.° 652/2022, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos;
- 53 munições de arma de fogo, de percussão central, de Classe B, da marca CBC, das quais vinte e oito de calibre .32 Smith & Wesson (S&W) e vinte cinco de calibre.32 Smith & Wesson Long (S&W long), todas fabricadas pela “... (...)” e origem brasileira, melhor descritas do exame n.° 653/2022, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos;
- 15 munições de arma de fogo, de percussão central, de classe C, da marca CBC, de calibre.44-40 Winchester Center Fire (.44W) e fabricadas na “... (...)”, de origem brasileira, melhor descritas do exame n.° 654/2022, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos;
- 31 munições de arma de fogo, de percussão central, de classe D, de calibre 12 Ga, constituídas por cartucho, fulminante, carga propulsora e carga de projétil ou de múltiplos projeteis (com diâmetro inferior a 4,5mm), de varias marcas e origens, melhor descritas do exame n.° 655/2022, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos;
- 1 arma de fogo longa, semiautomática com depósito, que após cada disparo, se carrega automaticamente e que não pode, mediante uma única acção sobre o gatilho, fazer mais de um disparo, de percussão central, de marca P. Beretta, modelo ... Silver Mallard, calibre 12GA, com um cano, de classe D, melhor descrita no exame n.° 647/2022, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos, - esta arma foi furtada conforme inquérito NUIPC 229/20.5PBLMG;
- 1 arma de fogo longa, de repetição, com depósito fixo, que após cada disparo, é recarregada pela ação do atirador sobre um mecanismo que transporta e introduz na camara nova munição, retirada do depósito, de percussão central, de marca Mossberg, modelo ..., de calibre 12 GA, com um cano de interior liso, de classe C, melhor descrita no exame n.° 648/2022, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos;
- 1 arma de fogo de repetição, com deposito fixo, que apés cada disparo, é recarregada pela ação do atirador sobre um mecanismo que transporta e introduz na câmara nova munição, retirada do depósito, de percussão central, arma de fogo longa, carabina de repetição, de marca “Winchester”, modelo ..., de calibre nominal.45 Colt e origem americana, com o n.° da arma rasurado, com um cano estriado, de classe A, modificada, melhor descrita no exame n.° 649/2022, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos - esta arma foi furtada conforme inquérito NUIPC 844/08.5PAMAI;
- 1 arma de fogo longa, semiautomática, com depósito, que após cada disparo, se carrega automaticamente e que não pode, mediante uma única acção sobre o gatilho, fazer mais de um disparo, de percussão central, de marca Fabarm, modelo ..., com um cano de alma lisa, que foi cortado e encurtado, arma modificada, de classe A, melhor descrita no exame n.º 650/2022, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos – esta arma foi furtada conforme inquérito NUIPC 844/08.5PAMAI (reportagem fotográfica de fls. 557-558).
Naquelas circunstâncias, o arguido CC tinha consigo:
- 1 telemóvel de marca Samsung ..., de cor preto, com capa protetora e com os IMEI’s ... e ..., com cartão SIM afeto a rede C... (D...);

e o arguido FF tinha consigo:
- a quantia de €310,00 em notas do BCE, que trazia numa bolsa a tiracolo, conforme auto de apreensão;
- 1 telemóvel de marca Iphone ..., de cor branco com capa de proteção preta, com os lMEl’s ... e ..., com o cartão SIM ...;
- 1 telemóvel de marca Iphone ..., de cor preto com capa de proteção branca, com os IMEl ..., sem cartão SIM.

E, no veículo automóvel de matrícula ..-..-PT, pertencente ao arguido FF, este tinha no porta-luvas:1 canto plástico translúcido, contendo cocaína (éster metílico) com o peso líquido de 131,947 gramas e grau de pureza de 34,7, o que permitia a obtenção de 1526 doses médias individuais diárias, e, na mala do carro, duas munições calibre 38 Special.
Os estupefacientes, os sacos plásticos, as facas, a tábua e a balança de precisão apreendidos ao arguido FF são utilizados na atividade de aquisição, doseamento, venda, transporte, armazenamento de estupefacientes e/ou eram utilizados na execução dessa atividade.
O arguido FF não é titular de qualquer licença de uso e porte de arma ou outro documento que o habilitasse a deter as armas e munições que tinha em sua posse.
A heroína, cocaína e canábis apreendidas ao arguido FF eram destinadas por este a venda a terceiros, mediante contrapartidas monetárias.
O arguido FF, tem registado o mês de julho de 2022, como última remuneração, o arguido GG, tem registado o mês de abril de 2020 como última remuneração, o arguido AA, não tem registada qualquer remuneração, o arguido HH, tem registado o mês de setembro de 2022 como última remuneração, o arguido BB, tem registado o mês de agosto de 2017 como última remuneração, o arguido CC, tem registado o mês de setembro de 2022 como última remuneração, o arguido DD, encontra-se a receber RSI (Rendimento Social Inserção), o arguido EE, tem registado o mês de setembro de 2022 como última remuneração e o arguido II, tem registado o mês de dezembro de 2020 como última remuneração.
O arguido FF agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que não é titular de qualquer licença de uso e porte de arma ou outro documento que o habilitasse a deter as armas e munições que tinha em sua posse, e não obstante detinha tais armas e munições, cuja natureza e características conhecia, bem sabendo que a detenção das mesmas lhe era proibida por lei.
O arguido FF sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei.
Nos indicados dias, arguido FF bem sabia que não podia adquirir, deter, ceder, proporcionar a outrem ou vender as referidas substâncias, cujas características e natureza conhecia, e mesmo assim muniu-se das mesmas, com o propósito de as entregar, mediante contrapartida, a terceiros, obtendo vantagens económicas.
O arguido FF agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei.
(…)
Factos relativos às condições de vida e antecedentes criminais:
O processo de socialização primária de FF decorreu junto do seu agregado familiar de origem, de modesta condição socioeconómica, domiciliado em empreendimento social da cidade do Porto, território associado a problemáticas sociais e criminais.
O núcleo familiar era composto pelos progenitores e dois irmãos mais velhos, sendo relatada uma dinâmica intrafamiliar suportada na afetividade e práticas educativas assertivas.
A trajetória escolar foi iniciada em idade regular, marcada pelo diagnóstico de hiperatividade e deficit de atenção, logo no primeiro ciclo de escolaridade, o que promoveu o seu encaminhamento para consulta de pedopsiquiatria, que manteve até aos 12 anos de idade.
Progrediu na escolarização até à frequência do ensino secundário, que não concluiu, sempre pela via profissionalizante, vindo a abandonar este percurso quando atingiu a maioridade.
A primeira experiência profissional aconteceu de imediato, através de empresa de trabalho temporário e, cerca de um ano depois, conseguiu colocação na mesma entidade patronal do progenitor, “A...”, na cidade da Maia.
Através desta empresa esteve 2 meses a trabalhar no Dubai e, quando regressou a território nacional, formalizou o vínculo laboral através de contrato de trabalho.
No campo afetivo/relacional, FF iniciou relacionamento amoroso com JJ em 2017, do qual resultou um descendente, nascido a .../.../2018. Inicialmente, o casal residiu em união de facto em casa dos pais do arguido até optar por se autonomizar, em março/2021, fixando-se em apartamento arrendado, sito na Rua ..., ..., Porto.
No período a que reportam os factos a que se reporta o presente processo, FF residia na morada supra identificada, com a sua companheira, 24 anos, laboralmente ativa, e pelo filho do casal, de 3 anos de idade.
A referida habitação estava inserida em edifício de construção recente, localizado em zona limítrofe ao Bairro ..., zona conotada com problemáticas sociais e criminais, tais como exclusão social, tráfico e consumo de substâncias estupefacientes.
A subsistência do agregado familiar era assegurada pelos rendimentos do arguido, na ordem dos 1000€ mensais, enquanto trabalhador da empresa “A...”, e da sua companheira, empregada de limpeza em regime informal, funções pelas quais auferia um rendimento médio de 600€.
A estes valores acrescia o abono de família para crianças e jovens atribuído ao filho menor, no montante de 135€.
Foram indicadas despesas domésticas mensais na ordem dos 800€, resultantes do pagamento da renda da habitação e consumos de energia elétrica, água e gás.
FF praticava um horário laboral das 7h às 17h, sendo o restante tempo livre passado em família, segundo o próprio. Afirma ainda que mantinha relação de convivialidade com alguns dos coarguidos, uns amigos de infância, outros familiares e vizinhos.
Em razão da proximidade existente, o arguido GG e companheira coabitaram junto do agregado familiar de FF por 2 meses, aproximadamente, tendo aqueles abandonado a residência deste devido a desentendimentos que assomaram com o surgir do presente processo bem como do processo nº 2419/21.4JAPRT do Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 6 em que são também coarguidos.
Após a aplicação das medidas de coação no processo supra identificado (termo de identidade e residência e apresentações periódicas), FF viu-se impedido de cumprir com as deslocações para fora do país que estavam subjacentes à sua atividade laboral, o que levou à rescisão do contrato em maio/2022.
Passou então a trabalhar como estafeta numa pizzaria da cidade da Maia, até ao momento da sua reclusão.
No período que antecedeu a aplicação de medida de coação privativa de liberdade aplicada nos presentes autos, FF tinha já regressado à coabitação com os progenitores, em conjunto com a sua companheira e filho, por não conseguir assegurar o pagamento das despesas.
Atualmente, a companheira e filho mantêm-se a residir com os progenitores de FF, situação que o mesmo pretende também retomar quando em meio livre, expressando aqueles familiares total disponibilidade para o apoiar, quer em meio prisional, quer quando em liberdade.
No meio socio comunitário não foram identificados indicadores de rejeição à sua presença, sendo descrito como pessoa prestável e educada.
FF deu entrada no Estabelecimento Prisional ... a 14/07/2022 à ordem dos presentes autos.
Tem ainda pendente o processo nº 2419/21.4JAPRT do Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 6, no qual está acusado da coautoria de um crime de homicídio qualificado na forma tentada e um crime de detenção de arma proibida.
Confrontado com a tipologia criminal em apreço, o arguido verbalizou identificar a sua ilicitude e gravidade, bem como os danos decorrentes deste tipo de comportamento, apresentando um discurso em conformidade com o que é socialmente expectável.
FF alude ao impacto negativo que o presente processo e situação jurídico-penal acarreta para a sua vida pessoal e familiar.
Da mesma forma, os seus familiares dizem-se chocados e consternados pela atual privação de liberdade, embora se mantenham solidários e apoiantes.
Institucionalmente, o arguido tem apresentado comportamento ajustado ao normativo disciplinar vigente e está laboralmente ocupado como Faxina.
A manutenção dos laços familiares tem sido assegurada por um regime de visitas regulares da companheira, filho, mãe e irmão.
Do certificado de registo criminal do arguido FF nada consta.
(…)
Factos não provados
Com relevância para a decisão não se provaram quaisquer outros factos, designadamente que: Desde data não apurada, mas pelo menos, desde abril de 2021 e até 14 de outubro de 2021, que os arguidos FF, doravante FF, GG, doravante GG e HH, doravante HH, agindo de comum acordo, em conjugação de esforços e divisão de tarefas, visando a obtenção de elevados proventos monetários, que destinavam parcialmente à atividade de tráfico de estupefacientes e ao seu sustento, resolveram dedicar-se, de forma concertada e organizada, com distinção de tarefas, responsabilidades e ganhos, à cedência, mediante contrapartidas monetárias, de substâncias estupefacientes, designadamente, heroína, cocaína e haxixe, a partir do Bairro ..., no Porto, socorrendo-se de vários indivíduos para o desempenho da atividades associadas ao tráfico, tais como a função de vigia, o transporte dos produtos, o embalamento e doseamento, a venda direta, utilização de habitações como casas de “recuo”, do estupefaciente e dos proventos obtidos.
O principal responsável deste grupo é o arguido FF, coadjuvado pelo arguido GG, que atuava como seu “braço direito”, sendo que deste grupo fazia ainda parte o arguido HH que juntamente com o seu irmão, o arguido BB, doravante BB, permitiam que a sua residência sita na rua ..., no Porto, fosse utilizada como casa de “recuo” utilizada para guarda, doseamento, acondicionamento, não só das substâncias estupefacientes, mas também dos proventos obtidos.
Na execução do plano delineado entre os arguidos FF, GG e HH, estes recrutaram vários indivíduos entre os quais os arguidos AA, doravante AA, DD, doravante DD, EE, doravante EE e II, doravante II, bem como outros indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, com os quais firmaram acordos para, a troco de quantias monetárias não apuradas, exercerem as funções de vigia, a venda direta e o encaminhamento dos consumidores para os vendedores, no ponto de venda estabelecido no Bairro ....
No decurso da atividade de tráfico apurou-se que os arguidos GG, FF e HH, utilizavam diretamente, ou por intermedio de colaboradores, as seguintes viaturas automóveis: ..-..-VO, pertença do FF; ..-RP-.., pertença do FF; ..-..-PT, pertença do FF; ..-..-GO, pertença do FF; ..-ZV-.., pertença do FF; ..-UQ-.., pertença do FF; XB-48-O 2, pertença do FF; ..-XD-.., pertença da KK; ..-UF-.., pertença da LL.
Para concretização das transações relacionadas com a atividade de tráfico de estupefacientes, os arguidos FF, GG e HH, utilizavam telemóveis para estabelecerem contactos entre si e com terceiros, nomeadamente através das redes sociais como o “Instagram”, “WattsApp”, “Messenger”, “Telegram”, para acertarem os preços e as quantidades de produto estupefaciente a transacionar através de linguagem codificada.
Na execução do dito plano, no dia 30/4/2021, na Rua ..., no Porto, entre as 14h e as 15h10, os arguidos DD e EE agindo de comum acordo, em conjugação de esforços e divisão de tarefas, venderam heroína, cocaína e canábis em quantidades não apuradas a pelo menos dez indivíduos que ali se deslocaram (relatório de vigilância de fls. 63-65 e reportagem fotográfica de fls. 66-77);
Na execução do dito plano, no dia 5/5/2021, na Rua ..., no Porto, cerca das 14h, de comum acordo e em conjugação de esforços, os arguidos DD e EE deslocaram-se até à residência dos arguidos HH e BB sita na mesma rua, bloco ..., ... e que funciona como casa de recuo, onde foram buscar quantidades não apuradas de heroína, cocaína e canábis que levaram para o ponto de venda na dita Rua ....
De seguida, entre as 14h10 e as 16h10, os arguidos GG, DD e EE agindo em conjugação de esforços e divisão de tarefas, de comum acordo, juntamente com um indivíduo cuja identidade não se apurou procederam à venda de quantidades indeterminadas de heroína, cocaína e canábis a pelo menos seis indivíduos que os abordaram, sendo que enquanto o arguido GG orientou e supervisionou os arguidos DD e EE, assim como o indivíduo não identificado nas vendas que fizeram (relatório de vigilância de fls. 16-19 e reportagem fotográfica de fls. 20-42);
Na execução do dito plano, no dia 19/5/2021, na Rua ..., no Porto, entre as 10h e as 11h40, o arguido DD procedeu à venda de heroína, cocaína e canábis em quantidades indeterminadas, a pelo menos sete indivíduos que ali se deslocaram (relatório de vigilância de fls. 43-45 e reportagem fotográfica de fls. 46-62);
Na execução do dito plano, no dia 7/6/2021, na Travessa ..., no Porto, entre as 09h e as 09h30, os arguidos DD e EE agindo de comum acordo e em conjugação de esforços, procederam à venda de quantidades não apuradas de heroína, cocaína e canábis a dez indivíduos não identificados que os abordaram (relatório de vigilância de fls. 10-11);
Na execução do dito plano, no dia 14/6/2021, na Rua ..., pelas 18h30, os arguidos FF e GG dirigiram-se à habitação sita na rua ..., no Porto, residência dos arguidos HH e BB, para acertarem pormenores relacionados com a atividade de tráfico de estupefacientes (relatório de vigilância de fls. 14-15);
Na execução do dito plano, no dia 17.06.2021, na Rua ..., junto do café E..., no Porto, entre as 10h e as 10h40, os arguidos GG e II agindo de comum acordo e em conjugação de esforços, procederam à venda de quantidades não apuradas de heroína, cocaína e canábis a doze indivíduos não identificados que os abordaram, sendo que após as vendas, o arguido II entregou as quantias monetárias obtidas ao arguido GG que as guardou numa bolsa de cor preta que trazia a tiracolo (relatório de vigilância de fls. 12-13);
Na execução do dito plano, no dia 09.10.2021, no entroncamento entre as ruas ... e ..., junto ao café “F...”, no Porto, entre as 15h45 e as 17h, os arguidos GG e AA, agindo de comum acordo, em conjugação de esforços e divisão de tarefas, procederam à venda de heroína, cocaína e canábis no local, sendo que enquanto que este último arguido e um indivíduo não identificado assumiram a posição de vendedores, o arguido GG foi abastecer-se de estupefaciente à habitação do arguido FF sita na rua ..., ..., no Porto, que depois entregou para venda aos vendedores, recebeu o dinheiro resultante das duas vendas efetuadas por estes, a dois indivíduos que ali se deslocaram (relatório de vigilância de fls. 188-182);
Na execução do dito plano, no dia 13.10.2021, na Rua ..., no Porto, junto ao café “E...”, entre as 10h30 e as 12h30, os arguidos GG e AA, agindo de comum acordo, em conjugação de esforços e divisão de tarefas, procederam à venda de heroína, cocaína e canábis no local, sendo que enquanto que este último arguido e um indivíduo não identificado assumiram a posição de vendedores, o arguido GG coordenou a venda de heroína e cocaína, assumiu posição de vigilância e encaminhou os compradores.
Nestas circunstâncias, os arguidos procederam à venda de heroína, cocaína e canábis, em quantidades não apuradas, a pelo menos a seis indivíduos que ali se deslocaram.
Os arguidos FF, GG, HH, BB, AA, DD, EE e II, asseguravam a sua subsistência, pelo menos em parte, através dos lucros auferidos com as vendas de produto estupefaciente, os quais repartiam, entre si, em proporções não apuradas.
Ao arguido CC cabia a função de vigia e auxiliar o arguido FF.
O dinheiro apreendido, provém ou foi utilizado pelos arguidos na atividade de aquisição, doseamento, venda, transporte, armazenamento de estupefacientes e/ou eram utilizados na execução dessa atividade.
As quantias monetárias apreendidas aos arguidos são provenientes das vendas de estupefacientes por eles efetuadas ou a seu mando, ou com as quais colaboravam.
Os telemóveis pertencentes aos arguidos foram adquiridos com os proventos da atividade de tráfico de estupefacientes e foram por estes utilizados no âmbito dessa atividade.
Os veículos automóveis foram adquiridos com os proventos obtidos com a atividade de trafico desenvolvida pelos arguidos.
Os arguidos com atividade profissional declarada apresentam rendimentos insuficientes para suprir as despesas relativas ao seu modo vida, sendo a respetiva subsistência assegurada, pelo menos em parte, através dos lucros auferidos com as vendas de produto estupefaciente.
Os arguidos GG, AA, HH, BB, DD, EE e II agiram de forma livre, deliberada e consciente, de comum acordo, em conjugação de esforços e divisão de tarefas com o arguido FF, bem sabendo que não podiam adquirir, deter, ceder, proporcionar a outrem ou vender as referidas substâncias, cujas características e natureza conheciam, e mesmo assim muniram-se das mesmas, com o propósito de as entregar, mediante contrapartida, a terceiros, obtendo vantagens económicas.
Os arguidos GG, AA, HH, BB, DD, EE e II sabiam que as suas acordadas e conjuntas condutas são proibidas e punidas por lei.
O arguido CC agiu da forma descrita, em conjugação de esforços e divisão de tarefas com o arguido FF na execução de um plano previamente delineado, no referido dia 13/7/2022, apesar de bem saber que não podia adquirir, deter, ceder, transportar, proporcionar a outrem ou vender as referidas substâncias – heroína, cocaína e canábis - cujas características e natureza conhecia, e mesmo assim muniu-se das mesmas, com o propósito de as entregar, mediante contrapartida, a terceiros, visando a obtenção de vantagens económicas.
O arguido CC agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua acordada e conjunta conduta com a do arguido FF é proibida e punida por lei.”

II. Apreciando e decidindo:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
-Qualificação jurídica dos factos;
-Medida da pena;
-Suspensão.

Vejamos.

Este recorrente considera que não é o traficante a que alude o artigo 21º do referido do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, sustentando-se na pouca ilicitude da sua conduta, estando perante uma atividade desenvolvida sem apoio, sem recurso a técnicas ou meios especiais, munida de simplicidade tal, que reduz necessariamente a gravidade da ilicitude.

Da qualificação jurídica dos factos.
Segundo o recorrente a factualidade apurada devia ter sido qualificada como crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, e não como crime de tráfico de estupefacientes do tipo base, p. e p. pelo art. 21.º do mesmo diploma legal, já que daquela apenas podemos retirar a detenção pelo arguido de produto estupefaciente e nenhum outro elemento foi apurado que possa de alguma forma atribuir gravidade ao ilícito, como uma estrutura organizativa ou sofisticação de meios, sendo certo que assume importância o tipo de estupefaciente em causa.
Sobre este ponto, argumentou-se nos seguintes termos no acórdão recorrido:

“Dispõe o art. 21º, nº 1, do Dec. Lei nº 15/93, de 22/1, que “Quem, sem para tal estar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder, ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no Artigo 40º, plantas, substâncias, ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.
Trata-se de um crime de perigo abstrato ou presumido, consumando-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico-penalmente protegido (a saúde pública, quer física, quer moral).
A tipicidade abrange uma multiplicidade de ações, entre elas se incluindo a simples detenção de produto estupefaciente (designadamente para cedência a terceiros mediante contrapartida).
Ao nível do elemento subjetivo, o crime é doloso, abrangendo qualquer uma das suas modalidades – direto, necessário ou eventual.
No caso, sabe-se que o arguido FF tinha no dia 14 de outubro de 2021, na sua residência sita na rua ..., ..., ... Porto, com relevo uma faca de cozinha com cabo em madeira de cor preto, com cerca de 0,12cm e com 0,22cm de lâmina e uma tábua que serve de base para cortar alimentos, ambos com resíduos de canábis; no veículo automóvel de matrícula ..-..-PT canábis (resina) com o peso líquido de 21,069 gramas, duas embalagens que continham heroína com o peso líquido de 0,146 gramas, uma embalagem que continha cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 18,847 gramas; e no veículo automóvel de matricula ..-..-UM quatro placas de canábis (resina) com o peso líquido de 383,732 gramas, cento e quarenta e três embalagens contendo heroína, com o peso líquido de 10,153 gramas, uma embalagem contendo cocaína (éster metílico) com o peso líquido de 3,607 gramas.
Sabe-se ainda que no dia 13 de julho de 2022 o arguido FF transportava numa mochila e em sacos várias embalagens de canábis (folhas/sumidades) com o peso líquido de 799,080 gramas, dois embrulhos contendo quinze placas de canábis (resina) com o peso líquido de 1.425,850 gramas, uma balança de precisão, 168 sacos translúcidos para doseamento de estupefaciente; e no veículo automóvel de matrícula ..-..-PT pertencente ao arguido FF um canto plástico translúcido, contendo cocaína (éster metílico) com o peso líquido de 131,984 gramas.
O arguido FF detinha este produto estupefaciente com vista à cedência a terceiros mediante contrapartida monetária.
O arguido atuou de forma livre e consciente, sabendo quais eram as características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes que detinha, sabendo que a posse, detenção, transporte e guarda de tais produtos era proibida e punida por lei.
Esta atuação entrega integra, sem dúvida, o crime de tráfico de estupefacientes a que alude o art. 21 do Dec. Lei nº 15/93, de 22/1 – integra os elementos objetivos e subjetivos do tipo (não se verificando qualquer circunstância que agrave ou diminua acentuadamente a ilicitude da conduta, nos termos, respetivamente, dos arts. 24 ou 25 do Dec. Lei nº 15/93, de 22/1
*
Não se provou qualquer outra atuação do arguido FF e/ou qualquer acordo entre este e os demais arguidos, sendo que quanto aos arguidos GG e HH se provou que os mesmos tinham no dia 14 de outubro de 2021, respetivamente, o primeiro, canábis (resina) com o peso líquido de 5,254 gramas e, o segundo, vários pedaços de canábis (resina) com o peso líquido de 9,726 gramas. A canábis detida pelo arguido GG destinava-se ao seu consumo e tinha um grau de pureza de 17,3%, correspondente a 18 doses individuais e a detida pelo arguido HH, também para o seu consumo, tinha um grau de pureza de 22,0%, correspondente a 43 doses individuais.”

Dispõe o art. 21º, n.º 1, do Dec. Lei nº 15/93, de 22/1, que “Quem, sem para tal estar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder, ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no Artigo 40º, plantas, substâncias, ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.
Trata-se de um crime de perigo abstrato ou presumido, consumando-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico-penalmente protegido (a saúde pública, quer física, quer moral).
A tipicidade abrange uma multiplicidade de ações: as descritas no citado artigo.
Ao nível do elemento subjetivo, o crime é doloso, abrangendo qualquer uma das suas modalidades – direto, necessário ou eventual.
Ciente de que nem todas as condutas assumem idêntica gravidade o legislador criou subtipos de ilícitos, com molduras diversas, consoante se trate de ilicitude agravada ou de uma ilicitude acentuadamente diminuída.
Como se lê no acórdão do STJ de 27 de Junho de 2002, relatado por Carmona da Mota, “Embora timidamente enunciado, teve o legislador o propósito de não “meter no mesmo saco” todos os traficantes, distinguindo entre os casos “graves” (Artigo 21º), os muito graves (Artigo 24º), os pouco graves (Artigo 25º) e os de gravidade reduzida (Artigo 26º), redução essa motivada no fundo pela condição de toxicodependente do agente. (...)”.
O mencionado art. 25º dispõe que “[s]e, nos casos dos Artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; (...)”.
A jurisprudência tem seguido este entendimento, no sentido de que a qualificação da ação do agente pressupõe a ponderação das várias circunstâncias apuradas, sendo determinante a frequência das condutas, as circunstâncias das mesmas, o grau de organização, a natureza dos estupefacientes em causa e as quantidades envolvidas – tudo com vista à obtenção da imagem global da ilicitude.

Questão é a de saber se no caso poderemos estar perante a situação menos gravosa do art. 25º do Dec. Lei nº 15/93, de 22/1.
Ciente de que nem todas as condutas assumem idêntica gravidade o legislador criou subtipos de ilícitos, com molduras diversas, consoante se trate de ilicitude agravada ou de uma ilicitude acentuadamente diminuída.
No acórdão do STJ de 29/11/2005 chama-se a atenção do seguinte: “A integração do crime de tráfico de menor gravidade, do art. 25º, não pressupõe necessariamente uma ilicitude diminuta. Como resulta, designadamente, da moldura prevista na sua al. a), a ilicitude pode ser já considerável; deve, é, situar-se em nível acentuadamente inferior à pressuposta pela incriminação do tipo geral do art. 21º”. E ainda para que “(…) a jurisprudência do STJ dos últimos anos tem vindo a alargar o campo de aplicação do aludido art. 25º a tudo quanto seja pequeno tráfico, aos ‘dealers’ ou ‘retalhistas’ de rua, sem ligações a quaisquer redes e quase sempre desprovidos de quaisquer organizações ou de meios logísticos, e sem acesso a grandes ou avultadas quantidades de droga – enfim, os pequenos tentáculos situados na base da grande pirâmide do narcotráfico”.
Temos presente relativamente a este arguido que o grosso do tipo de droga em questão é essencialmente canábis, mas também detinha heroína e cocaína que no seu conjunto totaliza o peso 164.428.1 gramas que permitiam a obtenção de 1638 doses médias individuais diárias deste estupefaciente mais grave.
Por sua vez, a canábis totaliza a quantidade de 2.629,044g, permitindo o consumo de 13.400 doses diárias.

Além do mais não ficou demonstrado que:
“Desde data não apurada, mas pelo menos, desde abril de 2021 e até 14 de outubro de 2021, que os arguidos FF, doravante FF, GG, doravante GG e HH, doravante HH, agindo de comum acordo, em conjugação de esforços e divisão de tarefas, visando a obtenção de elevados proventos monetários, que destinavam parcialmente à atividade de tráfico de estupefacientes e ao seu sustento, resolveram dedicar-se, de forma concertada e organizada, com distinção de tarefas, responsabilidades e ganhos, à cedência, mediante contrapartidas monetárias, de substâncias estupefacientes, designadamente, heroína, cocaína e haxixe, a partir do Bairro ..., no Porto, socorrendo-se de vários indivíduos para o desempenho da atividades associadas ao tráfico, tais como a função de vigia, o transporte dos produtos, o embalamento e doseamento, a venda direta, utilização de habitações como casas de “recuo”, do estupefaciente e dos proventos obtidos.
O principal responsável deste grupo é o arguido FF, coadjuvado pelo arguido GG, que atuava como seu “braço direito”, sendo que deste grupo fazia ainda parte o arguido HH que juntamente com o seu irmão, o arguido BB, doravante BB, permitiam que a sua residência sita na rua ..., no Porto, fosse utilizada como casa de “recuo” utilizada para guarda, doseamento, acondicionamento, não só das substâncias estupefacientes, mas também dos proventos obtidos.
Na execução do plano delineado entre os arguidos FF, GG e HH, estes recrutaram vários indivíduos entre os quais os arguidos AA, doravante AA, DD, doravante DD, EE, doravante EE e II, doravante II, bem como outros indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, com os quais firmaram acordos para, a troco de quantias monetárias não apuradas, exercerem as funções de vigia, a venda direta e o encaminhamento dos consumidores para os vendedores, no ponto de venda estabelecido no Bairro ....
No decurso da atividade de tráfico apurou-se que os arguidos GG, FF e HH, utilizavam diretamente, ou por intermedio de colaboradores, as seguintes viaturas automóveis: ..-..-VO, pertença do FF; ..-RP-.., pertença do FF; ..-..-PT, pertença do FF; ..-..-GO, pertença do FF; ..-ZV-.., pertença do FF; ..-UQ-.., pertença do FF; XB-48-O 2, pertença do FF; ..-XD-.., pertença da KK; ..-UF-.., pertença da LL.
Para concretização das transações relacionadas com a atividade de tráfico de estupefacientes, os arguidos FF, GG e HH, utilizavam telemóveis para estabelecerem contactos entre si e com terceiros, nomeadamente através das redes sociais como o “Instagram”, “WattsApp”, “Messenger”, “Telegram”, para acertarem os preços e as quantidades de produto estupefaciente a transacionar através de linguagem codificada.
Na execução do dito plano, no dia 30/4/2021, na Rua ..., no Porto, entre as 14h e as 15h10, os arguidos DD e EE agindo de comum acordo, em conjugação de esforços e divisão de tarefas, venderam heroína, cocaína e canábis em quantidades não apuradas a pelo menos dez indivíduos que ali se deslocaram (relatório de vigilância de fls. 63-65 e reportagem fotográfica de fls. 66-77);
Na execução do dito plano, no dia 5/5/2021, na Rua ..., no Porto, cerca das 14h, de comum acordo e em conjugação de esforços, os arguidos DD e EE deslocaram-se até à residência dos arguidos HH e BB sita na mesma rua, bloco ..., ... e que funciona como casa de recuo, onde foram buscar quantidades não apuradas de heroína, cocaína e canábis que levaram para o ponto de venda na dita Rua ....
De seguida, entre as 14h10 e as 16h10, os arguidos GG, DD e EE agindo em conjugação de esforços e divisão de tarefas, de comum acordo, juntamente com um indivíduo cuja identidade não se apurou procederam à venda de quantidades indeterminadas de heroína, cocaína e canábis a pelo menos seis indivíduos que os abordaram, sendo que enquanto o arguido GG orientou e supervisionou os arguidos DD e EE, assim como o indivíduo não identificado nas vendas que fizeram (relatório de vigilância de fls. 16-19 e reportagem fotográfica de fls. 20-42);
Na execução do dito plano, no dia 19/5/2021, na Rua ..., no Porto, entre as 10h e as 11h40, o arguido DD procedeu à venda de heroína, cocaína e canábis em quantidades indeterminadas, a pelo menos sete indivíduos que ali se deslocaram (relatório de vigilância de fls. 43-45 e reportagem fotográfica de fls. 46-62);
Na execução do dito plano, no dia 7/6/2021, na Travessa ..., no Porto, entre as 09h e as 09h30, os arguidos DD e EE agindo de comum acordo e em conjugação de esforços, procederam à venda de quantidades não apuradas de heroína, cocaína e canábis a dez indivíduos não identificados que os abordaram (relatório de vigilância de fls. 10-11);
Na execução do dito plano, no dia 14/6/2021, na Rua ..., pelas 18h30, os arguidos FF e GG dirigiram-se à habitação sita na rua ..., no Porto, residência dos arguidos HH e BB, para acertarem pormenores relacionados com a atividade de tráfico de estupefacientes (relatório de vigilância de fls. 14-15);
Na execução do dito plano, no dia 17.06.2021, na Rua ..., junto do café E..., no Porto, entre as 10h e as 10h40, os arguidos GG e II agindo de comum acordo e em conjugação de esforços, procederam à venda de quantidades não apuradas de heroína, cocaína e canábis a doze indivíduos não identificados que os abordaram, sendo que após as vendas, o arguido II entregou as quantias monetárias obtidas ao arguido GG que as guardou numa bolsa de cor preta que trazia a tiracolo (relatório de vigilância de fls. 12-13);
Na execução do dito plano, no dia 09.10.2021, no entroncamento entre as ruas ... e ..., junto ao café “F...”, no Porto, entre as 15h45 e as 17h, os arguidos GG e AA, agindo de comum acordo, em conjugação de esforços e divisão de tarefas, procederam à venda de heroína, cocaína e canábis no local, sendo que enquanto que este último arguido e um indivíduo não identificado assumiram a posição de vendedores, o arguido GG foi abastecer-se de estupefaciente à habitação do arguido FF sita na rua ..., ..., no Porto, que depois entregou para venda aos vendedores, recebeu o dinheiro resultante das duas vendas efetuadas por estes, a dois indivíduos que ali se deslocaram (relatório de vigilância de fls. 188-182);
Na execução do dito plano, no dia 13.10.2021, na Rua ..., no Porto, junto ao café “E...”, entre as 10h30 e as 12h30, os arguidos GG e AA, agindo de comum acordo, em conjugação de esforços e divisão de tarefas, procederam à venda de heroína, cocaína e canábis no local, sendo que enquanto que este último arguido e um indivíduo não identificado assumiram a posição de vendedores, o arguido GG coordenou a venda de heroína e cocaína, assumiu posição de vigilância e encaminhou os compradores.
Nestas circunstâncias, os arguidos procederam à venda de heroína, cocaína e canábis, em quantidades não apuradas, a pelo menos a seis indivíduos que ali se deslocaram.
Os arguidos FF, GG, HH, BB, AA, DD, EE e II, asseguravam a sua subsistência, pelo menos em parte, através dos lucros auferidos com as vendas de produto estupefaciente, os quais repartiam, entre si, em proporções não apuradas.
Ao arguido CC cabia a função de vigia e auxiliar o arguido FF.
O dinheiro apreendido, provém ou foi utilizado pelos arguidos na atividade de aquisição, doseamento, venda, transporte, armazenamento de estupefacientes e/ou eram utilizados na execução dessa atividade.
As quantias monetárias apreendidas aos arguidos são provenientes das vendas de estupefacientes por eles efetuadas ou a seu mando, ou com as quais colaboravam.
Os telemóveis pertencentes aos arguidos foram adquiridos com os proventos da atividade de tráfico de estupefacientes e foram por estes utilizados no âmbito dessa atividade.
Os veículos automóveis foram adquiridos com os proventos obtidos com a atividade de tráfico desenvolvida pelos arguidos.
Os arguidos com atividade profissional declarada apresentam rendimentos insuficientes para suprir as despesas relativas ao seu modo vida, sendo a respetiva subsistência assegurada, pelo menos em parte, através dos lucros auferidos com as vendas de produto estupefaciente.
Os arguidos GG, AA, HH, BB, DD, EE e II agiram de forma livre, deliberada e consciente, de comum acordo, em conjugação de esforços e divisão de tarefas com o arguido FF, bem sabendo que não podiam adquirir, deter, ceder, proporcionar a outrem ou vender as referidas substâncias, cujas características e natureza conheciam, e mesmo assim muniram-se das mesmas, com o propósito de as entregar, mediante contrapartida, a terceiros, obtendo vantagens económicas.
Os arguidos GG, AA, HH, BB, DD, EE e II sabiam que as suas acordadas e conjuntas condutas são proibidas e punidas por lei.
O arguido CC agiu da forma descrita, em conjugação de esforços e divisão de tarefas com o arguido FF na execução de um plano previamente delineado, no referido dia 13/7/2022, apesar de bem saber que não podia adquirir, deter, ceder, transportar, proporcionar a outrem ou vender as referidas substâncias – heroína, cocaína e canábis - cujas características e natureza conhecia, e mesmo assim muniu-se das mesmas, com o propósito de as entregar, mediante contrapartida, a terceiros, visando a obtenção de vantagens económicas.
O arguido CC agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua acordada e conjunta conduta com a do arguido FF é proibida e punida por lei.”

Donde resulta que embora não se tenha provado um plano delineado, área de atuação específica, posição de líder, recurso a terceiros (não provado que ao arguido CC coubesse a função de vigia e auxiliar o arguido FF) para expansão e realização do negócio, que o dinheiro apreendido, fosse utilizado pelos arguidos na atividade de aquisição, doseamento, venda, transporte, armazenamento de estupefacientes e/ou eram utilizados na execução dessa atividade e as quantias apreendidas ao arguido não sejam de grande monta na ordem dos 1.210,50€ e tenham sido devolvidas ou que os telemóveis e viaturas automóveis tivessem sido adquiridos com os proventos da droga ou sequer que o arguido FF assegurasse a sua subsistência, pelo menos em parte, através dos lucros auferidos com as vendas de produto estupefaciente, e repartisse os lucros comos demais arguidos em proporções não apuradas, alguma organização existia até pela forma como a droga se encontrava escondida e parafernália de objetos utilizados para repartir e acomodar a droga.
Resulta todavia que o arguido foi surpreendido na posse de três tipos diferentes de droga e que pelo menos em duas datas distintas, pelo que o comportamento não é ocasional.
Não se apurou que o arguido fazia disso modo de vida. Contudo, a qualidade do estupefaciente, o seu peso e o número de doses que aquelas quantidades permitiam obter, permite concluir considerar-se que a ilicitude do seu comportamento não pode considerar-se a acentuadamente diminuída à do artigo base do tráfico de estupefacientes (art. 21º).
A ilicitude exigida neste tipo legal do art. 25º tem de ser, não apenas diminuta, mas mais do que isso, consideravelmente diminuta, pelo desvalor da ação e do resultado, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a quantidade ou a qualidade das plantas ou substâncias estupefacientes, como factos-índice a atender numa valoração global, não isolada, de que a configuração da ação típica não prescinde, em que a quantidade não é o único nem, eventualmente, o mais relevante. 1 Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no Processo nº 7/10.0PEBJA. S1 de: 12-03-2015 in www.dgsi.pt:
Como se pode ler no Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 14.10.2020, «O tipo de crime de tráfico de menor gravidade pressupõe a formulação de um juízo de substancial ou acentuada diminuição do desvalor da acção e menor dimensão e expressão do ilícito, assente numa análise global e interdependente das circunstâncias específicas da acção concreta (nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações).»
Num esforço de concretização dos exemplos padrão constantes no artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) tem realçado que na caracterização da imagem global do facto se devem considerar circunstâncias tão distintas quanto a forma concreta de execução (isolada, ou com recurso a intermediários), no caso os factos dão conta não se tratar de ato isolado, o número de consumidores contactados, o período de duração temporal da atividade, a perigosidade e quantidade das substâncias detidas e disseminadas, vimos que a quantidade e a perigosidade é elevada, dado que além da droga é canábis temos presente heroína e cocaína e a quantidade, no seu conjunto é relevante 2.793.472.1g, permitindo a elaboração de 14.985 doses, além de que embora a sofisticação ou complexidade dos meios utilizados não seja por aí além, tem associada a detenção de várias armas e munições.
O STJ concluiu no Acórdão de 23-11-2011 que a integração dos factos no crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, deverá respeitar os seguintes critérios (transcrição):
a)-A actividade de tráfico é exercida por contacto directo do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet);
b)-Há que atentar nas quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto;
c)-O período de duração da actividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como “abastecedor”, a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado;
d)-As operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas;
e)-Os meios de transporte empregues na dita actividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos;
f)-Os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes;
g)-A actividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita;
h)-Ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art.º 24.º do DL 15/93.
Em todo o caso, a imagem global da ilicitude do comportamento do recorrente terá de resultar da interligação das várias circunstâncias relevantes e no seu significado unitário em termos de ilicitude, “não se mostrando suficiente que um dos factores interdependentes indicados na lei seja idóneo em abstracto para qualificar o facto como menos grave ou leve, devendo valorar-se complexivamente todas as circunstâncias”.
A jurisprudência publicada neste âmbito pode encontrar-se coligida por Pedro Vaz Patto no Comentário das Leis Penais Extravagantes, Volume 2, Universidade Católica, 2011, pp 512-513.
(…)
A jurisprudência considerou preenchida a previsão do citado artigo 25.º, nas seguintes situações: a venda, por um dealer de rua, sem meios sofisticados, durante seis meses, de heroína e cocaína, com apreensão de 43 doses de heroína, com o peso de 15,798 g, e de 31 doses de cocaína, com o peso de 9,803 g (Ac. do STJ de 5.3.2009, proc. n.º 09P312, onde se afirma tratar-se de uma situação "de fronteira", mas ainda dentro do campo de aplicação do artigo 25.°); a detenção de 33 embalagens de heroína com o peso de 7,578 g (Ac. do STJ de 1.6.2003, proc. n.º 03P3188); a detenção de 47 g de heroína (Ac. do STJ de 8.11.2007, proc. n.º 07P3164); a detenção de 27 g de heroína e cocaína (Ac. do STJ de 18.5.2006, proc. n.º 06P1388); a venda de 195 g de heroína e cocaína e detenção para venda de 12,62 g de heroína e cocaína (Ac. do STJ de 13.02.2003, proc. n.º 03P167); a venda de 173 g de heroína em cinco meses, sendo metade do produto da venda para consumo (Ac. do STJ de 20.10.99, proc. n.º 918/99, 3.ª secção, citado no acórdão anterior); a detenção isolada de 63 doses de heroína e 25 doses de cocaína (Ac. do TRP de 10.10.2007, proc. n.º 0714610); a detenção de 35,875 gr, de heroína, 11,865 g de cocaína e 65,825 g de haxixe, destinados à venda, mas também ao consumo do arguido, no âmbito de uma atividade sem qualquer estrutura organizativa, desenrolada durante um período de três meses (Ac. TRC de 23.05.2012, proc. n.º31/11.5PEVIS.C1, todos acessíveis in www.dgsi.pt).
Por outro lado, como exemplos de casos em que a jurisprudência afastou a possibilidade de integração na menor gravidade, optando pela condenação do agente pelo crime matricial do artigo 21º do Decreto-Lei 15/93, o Autor indica os seguintes casos: a detenção de 128 g de cocaína (Ac. do STJ de 4.7.2007, proc. Nº 07P2313), a detenção de 16 g de cocaína e 20 g de heroína (Ac. do STJ de 9.4.08, proc. nº 08P113), a venda regular durante mais de seis meses contínuos de 4 g e 150 g de haxixe em cada transação (Ac. do STJ de 2.10.8, proc. nº 08P2497), a detenção para venda de 78 g de cocaína (Ac. do STJ de 12.07.06, proc. nº 06P1410), a detenção de 61 embalagens de heroína e 201 embalagens de cocaína, com apreensão de objetos em ouro e 1240 € provenientes da venda de droga (Ac. do STJ de 19-10-06, proc. nº 06P1043), a detenção para venda de 40 g de heroína e 19 g de cocaína, com apreensão de bens provenientes da venda de droga no valor de 3445 € (Ac. do STJ de 10.05.06, proc. nº 06P1190), a detenção de 50 g de heroína, sendo que pelo menos metade se destinava a venda a terceiros e sendo que o agente custeava, com os proventos do tráfico, todas as suas despesas pessoais, incluindo uma renda de casa no valor de 700 € (Ac. do STJ de 8.3.06, proc. nº 06P185, a detenção de 55 g de heroína com venda regular a dois consumidores (Ac. do STJ de 14.11.02, proc. nº 03P3240, todos in www.dgsi.pt, a detenção de 169 doses individuais de heroína com o peso de 7,210 g (Ac. do STJ de 1.3.01 CJ.STJ, IX,1, p. 234), a detenção de 24 embalagens de heroína, com o peso de 28,814 g e de 25 embalagens de cocaína, com o peso de 7,210 g (Ac. do STJ de 2.4.08, CJ-STJ, XVI, 2, p.183), a detenção de 36 embalagens de heroína com o peso de 79,902 g e de 57 embalagens de cocaína com o peso de 32,512 g (Ac. do STJ de 4.6.08, CJ-STJ, XVI, 2, p.247.
Nesta questão colocada pelo recorrente a problemática suscitada remete-nos para a subsunção legal dos factos ao tipo de tráfico de estupefacientes base ou ao privilegiado, tendo em conta os factores a que o julgador pode, e deve, recorrer, nomeadamente, como se consigna no art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, os meios utilizados, a modalidade ou circunstâncias da ação, a qualidade ou quantidade do produto estupefaciente.
Com efeito, enquanto o art 21.º do referido diploma legal define a infração base do crime de tráfico, pois é aqui «que o legislador desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo, abarcando uma multiplicidade de estádios que vão desde a fabricação até à disseminação ilícita do estupefaciente, e estabelece a moldura penal abstracta»[2], o art. 25.º «refere-se ao tráfico de menor gravidade, fundamentado na diminuição considerável da ilicitude do facto revelada pela valoração em conjunto dos diversos factores, alguns dos quais o preceito enumera a título exemplificativo (meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade e quantidade das plantas, substâncias ou preparados).
Para aquilatar do preenchimento do tipo legal do art. 25.º haverá de se proceder a uma “valorização global do facto”, não devendo o intérprete deixar de sopesar todas e cada uma das circunstâncias a que alude aquele artigo, podendo juntar-lhe outras – cf. Ac. do STJ de 07-12-1999, Proc. n.º 1005/99.
A tipificação do art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, parece ter o objetivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade, considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e frequência desta), encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art. 21.º.
Ao indagar do preenchimento do tipo legal do art. 25.º, haverá que proceder a uma valorização global do facto, sopesando todas e cada uma das circunstâncias aí referidas, para além de outras (cf. Ac. deste Supremo Tribunal de 02-11-2006, Proc. n.º 3388/06). O que se torna necessário é que ilicitude do facto se mostre diminuída de forma considerável, ou seja, como diz a lei, consideravelmente diminuída.»[3]

A distinção teórica entre o tipo de tráfico base e o privilegiado não suscita grande controvérsia. O problema coloca-se, naturalmente, ao nível da sua concretização, no sentido de sabermos quando, perante a factualidade que nos é apresentada, podemos afirmar que se mostra especialmente diminuída a ilicitude do facto.

Ora, considerados numa visão global os factos provados e não provados com relevância para esta questão, haverá que convir que tais circunstâncias, se reconduzem a um crime de tráfico do crime base do art. 21º.
O conjunto factual em causa concentra algumas circunstâncias que nos aproximam de uma ilicitude mais relevante, pressuposta pelo tipo base, foram apreendidos diferentes tipos de estupefacientes, cocaína, heroína e canábis que permitiam a venda de 13 400 doses de canábis,1616 doses de cocaína e 22 doses de heroína, juntamente com dinheiro, balança, mais de uma centena de sacos translúcidos, 2 máquinas eletrónicas de contagem de notas e ainda a faca e tábua para cortar e dosear canábis a que se juntam quatro armas de disparo e dezenas de munições.
Temos a circunstância do estupefaciente detido se destinar à cedência a terceiros, não estando reservada uma qualquer parcela ao consumo pessoal do arguido – o que evidencia a natureza meramente lucrativa da atividade.
E verifica-se que o arguido não era um mero depositário a quem alguém recorria para guardar droga. Isto resulta claramente do facto de ter consigo máquinas de contagem de dinheiro, balança, faca e tábua para dosear canábis e sacos translúcidos para acomodar a droga. E ainda pelo facto de se deslocar em viaturas onde se encontrava estupefaciente em quantidades relevantes, deslocando-se igualmente para o recolher, com foi o caso da garagem nos factos ocorridos em 23.07.22.
Estas circunstâncias apontam indubitavelmente para um crime de tráfico puro do tipo base do artº 21 da lei da droga.

Da medida da pena.
A propósito da medida da pena, diz a este mesmo propósito o Prof. Germano Marques da Silva In Direito Penal Português, 3, pág. 130 que «a pena será estabelecida com base na intensidade ou grau de culpabilidade (...). Mas, para além da função repressiva medida pela culpabilidade, a pena deverá também cumprir finalidades preventivas de protecção do bem jurídico e de integração do agente na sociedade. Vale dizer que a pena deverá desencorajar ou intimidar aqueles que pretendem iniciar-se na prática delituosa e deverá ressocializar o delinquente».
Estabelece o artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal que “A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
Por seu turno, estabelece o artigo 71 n.º 1 do Código Penal que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente
e as exigências da prevenção.”
E o n.º 2 deste artigo estabelece que “Na determinação concreta da pena o tribunal atenta a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como a violação dos deveres impostos aos agentes;
b) A intensidade do dolo e a negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”
O artigo 40.º do supramencionado diploma legal aponta dois critérios a ponderar, conjuntamente, na aferição do quantum exato de pena aplicável. São eles: a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, constituindo a culpa o limite inultrapassável da medida da pena.
Para além disso, a pena, na sua execução, deverá sempre ter um carácter socializador e pedagógico (artigo 40º, 1, in fine do Código Penal).
A pena deverá, assim, constituir resposta às exigências de prevenção, tendo em conta na sua determinação certos fatores que, não fazendo parte do tipo legal de crime, tenham relevância para aquele efeito, estejam esses fatores previstos ou não na lei e sejam eles favoráveis ou desfavoráveis ao agente (artigo 71º, 2 do Código Penal).
Tendo presente o teor do acórdão a quo no que respeita aos critérios de estabelecimento da medida da pena nomeadamente “Prevendo-se em alternativa a pena privativa e a pena não privativa da liberdade, há que dar preferência à segunda, desde que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, designadamente, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – cfr. arts. 40 e 70 do Código Penal.
No caso, pese embora a ausência de antecedentes criminais por parte do arguido FF, o certo é que o crime em causa, para além da gravidade, traduzida na quantidade de armas e munições, encontra-se associado a um crime de tráfico de estupefacientes, de natureza igualmente grave.
Entende-se, por isso que a proteção de bens jurídicos e reintegração do arguido não ficarão acautelados com a aplicação de uma pena não detentiva, pelo que se optará por uma pena de prisão.
(…)
Resulta do disposto no art. 40, n.ºs 1 e 2, do Código Penal que a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na comunidade, sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
No caso são elevadas as necessidades de prevenção geral relativamente a todos os crimes, atentas as consequências nefastas associadas a este tipo de criminalidade, a sua frequência e o alarme social causado.
Quanto a exigências de prevenção especial, há que atentar que o arguido FF não tem antecedentes criminais. Acresce que o mesmo descende de agregado familiar com uma dinâmica referenciada como normativa e que lhe proporcionou as condições necessárias para um desenvolvimento ajustado, quer ao nível dos afetos, quer da transmissão de valores adequados à vida em sociedade. E, não obstante tenha protagonizado um percurso escolar desinvestido, encetou trajetória laboral com registo de regularidade e que se mostrou apenas condicionada por constrangimentos causados pelos recentes contactos com o Sistema de Administração da Justiça Penal. Em meio livre continua a dispor do apoio da sua família de origem e da sua companheira, relacionamento que conserva desde há alguns anos e que se constitui como elemento de suporte ao seu projeto de vida.
(…)
Na ilicitude e culpa dos arguidos:
Quanto ao arguido FF:
- considerar-se-á quanto ao crime de tráfico de estupefacientes a natureza do estupefaciente e ação provada e, por outro lado, a quantidade de estupefaciente e quanto ao crime de detenção de arma proibida, além da circunstância de estar associado ao crime de tráfico de estupefacientes (tornando a mesma de maior perigosidade), o número de armas e munições efetivamente detidas pelo arguido.
(…)

Com base nestes elementos, e atendendo ao critério do art. 71, n.º 1, do Código Penal e aos fatores de determinação da pena enunciados no n.º 2 do mesmo preceito, considera-se que as penas a aplicar se deverão situar pouco acima do limite mínimo.
Reputa-se, assim, adequado aplicar:
- ao arguido FF a pena de 4 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes e de 2 anos de prisão pela prática do crime de detenção de arma proibida.
- a cada um dos arguidos GG e HH, a pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 9,00€, considerando as respetivas situações económicas.
*
Nos termos do n.º 1, do art. 77 do Código Penal “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena”. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Significa isto, no caso concreto, que a moldura do concurso é entre 4 anos e 6 meses e 6 anos e 6 meses de prisão.
Na fixação da pena única são considerados, em conjunto os factos e a personalidade do agente.
Escreve Figueiredo Dias, em As Consequências Jurídicas do Crime, p. 291: «Tudo deve passar-se (...) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (...) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta»
No caso, além do já referido, é de considerar que os factos foram cometidos no mesmo contexto, sendo certo que o arguido, porém, não tinha qualquer condenação anterior, tendo ainda suporte familiar.
Neste contexto, entende-se adequada a pena única de 5 anos e 4 meses de prisão.”

No caso em apreço e como é salientado por numerosa jurisprudência, o tráfico de estupefacientes, como tipo legal de crime, viola uma pluralidade de bens jurídicos: a vida, a saúde física e mental e a liberdade; acelera desmedidamente o aumento da criminalidade e põe em causa, perigosamente, a segurança e estabilidade social. Não podem, assim, os tribunais usar de excessiva brandura na punição dos crimes de tráfico de estupefacientes.
Prima facie, surge a necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, atinente à necessidade de tutela das expectativas da comunidade na manutenção ou reforço da vigência da norma infringida – prevenção geral positiva – que postulam um limiar mínimo abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem colocar em causa a sua função tutelar.

A finalidade de ressocialização do agente visa promover a sua reintegração na comunidade, tendo o desiderato de indicar a medida exata da pena, que se adeque às exigências de socialização do delinquente.
Sendo que a culpa constitui o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas.

Tendo presente estes critérios e a matéria fáctica dada por provados, uma vez que é primário, tem consciência crítica do desvalor da sua conduta entende-se por justa e proporcional à conduta do recorrente e tendo presente a moldura penal abstrata a pena que lhe foi fixada, a qual ultrapassa em apenas 06 meses o limite mínimo.

No que diz respeito à pena fixada para a detenção de armas proibidas é patente que o Tribunal a quo teve em consideração para a escolha e medida da pena aplicada ao arguido todos os critérios referidos nos artigos 40º, 41º e 71º, do Código Penal, conjugados com os factos que se provaram em audiência de julgamento.
A este respeito disserta o tribunal a quo “No caso, pese embora a ausência de antecedentes criminais por parte do arguido FF, o certo é que o crime em causa, para além da gravidade, traduzida na quantidade de armas e munições, encontra-se associado a um crime de tráfico de estupefacientes, de natureza igualmente grave.
Entende-se, por isso que a proteção de bens jurídicos e reintegração do arguido não ficarão acautelados com a aplicação de uma pena não detentiva, pelo que se optará por uma pena de prisão.

Realmente não pode ignorar-se a quantidade de armas que o arguido detinha bem como a sua associação ao tráfico de estupefacientes. Foram apreendidas juntamente com a droga, e a propósito refere o tribunal a quo que se transcreve “Conforme se provou, o arguido FF, atuando de forma livre, voluntária e consciente, tinha na sua posse no dia 13 de julho de 2022 as seguintes armas e munições:
- 22 munições de arma de fogo, de percussão central, classe A, das quais 21 (vinte e uma) de calibre.38 Special+P, com projétil do tipo SJHP, fabricadas por “... (...)” em Israel e 1 (uma) de calibre .32 H&R Magnum, com projetil do tipo JHP, de marca “Federal Cartridge (FC)” e origem americana, com projétil expansivo, melhor descritas do exame n.° 651/2022, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos;
- 20 munições de arma de fogo, de percussão central, classe B, de varias marcas, calibre .38 Special, melhor descritas do exame n.° 652/2022, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos;
- 53 munições de arma de fogo, de percussão central, de Classe B, da marca CBC, das quais vinte e oito de calibre .32 Smith & Wesson (S&W) e vinte cinco de calibre.32 Smith & Wesson Long (S&W long), todas fabricadas pela “... (...)” e origem brasileira, melhor descritas do exame n.° 653/2022, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos;
- 15 munições de arma de fogo, de percussão central, de classe C, da marca CBC, de calibre.44-40 Winchester Center Fire (.44W) e fabricadas na “... (...)”, de origem brasileira, melhor descritas do exame n.° 654/2022, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos;
- 31 munições de arma de fogo, de percussão central, de classe D, de calibre 12 Ga, constituídas por cartucho, fulminante, carga propulsora e carga de projétil ou de múltiplos projeteis (com diâmetro inferior a 4,5mm), de varias marcas e origens, melhor descritas do exame n.° 655/2022, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos;
- 1 arma de fogo longa, semiautomática com depósito, que após cada disparo, se carrega automaticamente e que não pode, mediante uma única acção sobre o gatilho, fazer mais de um disparo, de percussão central, de marca P. Beretta, modelo ... Silver Mallard, calibre 12GA, com um cano, de classe D, melhor descrita no exame n.° 647/2022, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos, - esta arma foi furtada conforme inquérito NUIPC 229/20.5PBLMG;
- 1 arma de fogo longa, de repetição, com depósito fixo, que após cada disparo, é recarregada pela ação do atirador sobre um mecanismo que transporta e introduz na camara nova munição, retirada do depósito, de percussão central, de marca Mossberg, modelo ..., de calibre 12 GA, com um cano de interior liso, de classe C, melhor descrita no exame n.° 648/2022, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos;
- 1 arma de fogo de repetição, com deposito fixo, que apés cada disparo, é recarregada pela ação do atirador sobre um mecanismo que transporta e introduz na câmara nova munição, retirada do depósito, de percussão central, arma de fogo longa, carabina de repetição, de marca “Winchester”, modelo ..., de calibre nominal.45 Colt e origem americana, com o n.° da arma rasurado, com um cano estriado, de classe A, modificada, melhor descrita no exame n.° 649/2022, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos - esta arma foi furtada conforme inquérito NUIPC 844/08.5PAMAI;
- 1 arma de fogo longa, semiautomática, com depósito, que após cada disparo, se carrega automaticamente e que não pode, mediante uma única acção sobre o gatilho, fazer mais de um disparo, de percussão central, de marca Fabarm, modelo ..., com um cano de alma lisa, que foi cortado e encurtado, arma modificada, de classe A, melhor descrita no exame n.º 650/2022, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos – esta arma foi furtada conforme inquérito NUIPC 844/08.5PAMAI (reportagem fotográfica de fls. 557-558);
- na mala do carro veículo automóvel de matrícula ..-..-PT, duas munições calibre 38 Special.
Atento o armamento (uma arma da classe C e outra D e duas outras modificadas) e munições apreendidos ao arguido FF, que não tinha qualquer licença de uso e porte de arma.
São quatro armas de fogo, duas delas semiautomáticas e 141 munições. Fez bem o tribunal em optar por pena detentiva e em fixar a pena de dois anos de prisão. Pena que se situa para cá da metade da pena abstrata e próxima de 1/3 da pena superando-a apenas em 04 meses.
Por outro lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo há muito que «Em matéria de medida concreta da pena, apesar de se mostrar hoje afastada a concepção da medida da pena concreta, como a «arte de julgar» substituída pela de autêntica aplicação do direito, aceitando-se a sindicabilidade da correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa e a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.»[4]

No mesmo sentido, entre outros, entendeu-se no acórdão da Relação de Coimbra de 05-04-2017[5] que:
«I - No quadro da moldura penal abstracta, a fixação [da pena] estabelece-se entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente: entre estes limites satisfazem-se as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.
II - Relativamente à determinação do quantum exacto de pena [só] será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada.»

Esta jurisprudência reflete a ideia, que perfilhamos, de que a alteração da medida concreta da pena em sede de recurso deve respeitar a zona de liberdade do julgador em 1.ª Instância ao fixar o quantum da pena, desde de que se situe entre os referidos limites que satisfazem as necessidades de prevenção especial (o mínimo necessário à salvaguarda das expectativas comunitárias e o máximo balizado pela culpa do agente) e não ocorra violação das regras da experiência comum ou manifesta desproporção na pena aplicada.

No caso concreto nenhuma censura deve recair sobre a fixação da medida concreta da pena relativamente ao crime de detenção de arma proibida pelas razões indicadas.

Tendo presente que o arguido recorrente FF nasceu em .../.../1997, resulta que à data da prática factos dos autos tinha idade inferir a 30 anos, pelo que se encontra abrangido pela Lei n º 38-A/2023 DE 02 de agosto, lei do perdão das penas e amnistia de infrações.

Tal lei no seu artigo 3º n º 1 estabelece o perdão de um ano de prisão a todas as penas de prisão até 08 anos.
O perdão genérico extingue a pena, no todo ou em parte (cfr. art. 128º, n.º 3, do C.P.).
O crime de detenção de arma proibida não faz parte do catálogo dos crimes excecionados da presente lei, tal como resulta do seu art.7º, pelo que está abrangido pelo perdão.
Por sua vez, o tráfico de estupefacientes do art. 21º do D/L n º 15/93 de 22 de janeiro não está abrangido pela Lei em causa, constituindo uma das exceções, art. 7º, n º1,” Não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na lei”, al.f) “ix) Crimes de tráfico de estupefacientes, previstos nos artigos 21.º, 22.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas;
Estamos perante uma situação de coexistência entre crimes excludentes do perdão e da amnistia com crimes deles não excludentes (art. 7º, n.º 3):
O preceito visa apenas esclarecer que, estando em causa vários crimes, a exclusão da amnistia e do perdão quanto a um ou alguns deles não prejudica a aplicação da amnistia e do perdão relativamente a algum ou alguns dos outros, verificados que estejam os necessários requisitos.
Contudo, em caso de cúmulo jurídico, haverá sempre que ter em conta que o perdão incide sobre a pena única aplicada (cfr. art. 3.º, n.º 4, da Lei em análise) determinada de acordo com as regras estabelecidas nos arts. 77.º e 78.º do C.P. e, assim, mesmo que englobando penas parcelares aplicadas por crimes excluídos do perdão e penas parcelares aplicadas por crimes dele não excluídos. Deste modo, nesses casos, o perdão não é afastado pela circunstância de no cúmulo jurídico estarem englobadas, para além de penas parcelares aplicadas por crimes dele não excluídos, pelo menos outra pena parcelar aplicada por crime dele excluído.
Não foi essa a solução implementada pela Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, que, nos casos de condenação em cúmulo jurídico, determinou que não havia que aplicar qualquer perdão à pena única desde que naquele estivesse englobada pelo menos uma pena parcelar aplicada pela prática de um crime excludente do perdão e, assim, mesmo que também englobasse outras penas parcelares aplicadas pela prática de outros crimes que não determinavam a sua exclusão (cfr. art. 2.º, n.ºs 3 e 6).
Deste modo, nos cúmulos jurídicos de penas a realizar que englobem penas parcelares correspondentes a crimes excluídos do perdão e penas parcelares dele não excluídos, não existe qualquer desvio às regras dos arts. 77.º e 78.º do C.P., sendo o perdão estabelecido pela Lei em apreço, se a ele houver lugar, aplicado à pena única. Ver Notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude de Pedro Brito Online, agosto de 2023 | 37
Convém ter presente que as leis de amnistia e perdão mais recentes continham preceitos semelhantes ao art. 3.º n.º 4 e ao art.º 7.º, n. 3, o que não impediu que se firmasse o entendimento de que, em caso de cúmulo jurídico de penas parcelares aplicadas por crimes excluídos do perdão e penas parcelares aplicadas por crimes dele não excluídos fossem todas elas englobadas e se aplicasse o perdão na pena única fixada, sem qualquer alteração das regras dos arts. 77.º e 78.º do C.P. que nenhuma das leis de perdão e de amnistia legitima.
Contudo, no caso de cúmulo jurídico de penas parcelares aplicadas por crimes não abrangidos pela amnistia, em que apenas um deles não está excluído do perdão, afigura-se que a conjugação dos arts. 3.º, n. 4, e 7.º n.º 3, da Lei em análise impõe que a medida do perdão a incidir sobre a pena única não pode ser superior à pena parcelar aplicada pelo crime que determina a aplicação do perdão. Vide acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 29-11-2000, processo n.º 10861, relator Manuel Braz, in www.datajuris.pt.
Por outro lado, ainda no caso de cúmulo jurídico de penas parcelares aplicadas por crimes não abrangidos pela amnistia, em que apenas um deles está excluído do perdão, afigura-se que a conjugação dos arts. 3.º, n.º 4, e 7.º, n.º 3, da Lei em apreço impõe que o remanescente da pena única resultante da aplicação àquela do perdão não pode ser inferior à pena parcelar aplicada pelo crime excluído do perdão. Vide acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 29-11-2000, processo n.º 10861, relator Manuel Braz, in www.datajuris.pt.
É certo que a pena única sobre a qual incide o perdão é uma nova e autónoma pena que se distingue das penas parcelares. Contudo, seria ilógico aplicar um perdão na pena única em medida superior à medida da pena parcelar aplicada pelo único crime que demanda a aplicação de tal benefício. Por outro lado, perante um único crime, caso o mesmo esteja excluído do perdão, entendeu o legislador que a respetiva pena não deveria ser reduzida. Desta forma, seria ilógico que, após a aplicação do perdão à pena única, o condenado tivesse que cumprir um remanescente inferior à medida da pena parcelar aplicada pelo único crime excluído de tal benefício.

Tendo presente o disposto no n.º 1, do art. 77º do Código Penal “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena”. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Significa isto, no caso concreto, que a moldura do concurso se situa entre os quatro anos e seis meses e os seis anos e seis meses anos de prisão.
Na fixação da pena única são considerados, em conjunto os factos e a personalidade do agente.
Escreve Figueiredo Dias, em As Consequências Jurídicas do Crime, p. 291: «Tudo deve passar-se (...) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (...) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta»
No caso, além do já referido, é de considerar que os factos foram cometidos no mesmo contexto, sendo certo que o arguido, porém, não tinha qualquer condenação anterior, tendo ainda suporte familiar pelo que tendo presente os critérios jurisprudenciais e doutrinários, que se subscrevem, da decisão a quo, neste contexto, entende-se adequada, justa e proporcional pena única de cinco anos e quatro meses de prisão.
Esta pena aproxima-se mais do seu limite mínimo do que do seu máximo, pois situa-se abaixo da metade daquela moldura do cumulo e próximo do seu terço.

Em suma, a medida concreta da pena única apurada pelo tribunal a quo nada tem de excessiva e afigura-se adequada à sua culpa e a satisfazer, ainda suficientemente, as necessidades da prevenção geral (positiva) – que apela à consciencialização comunitária da importância social do(s) bem(ns) jurídico(s) tutelado(s) e contribui para a recuperação ou o fortalecimento da confiança da comunidade na efetiva tutela penal dos bens jurídicos postos em causa – e da prevenção especial – que visa a readaptação social do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa).
Sobre esta pena única haverá que incidir o perdão de um ano ficando fixada em quatro anos e quatro meses.

Da suspensão.

Determina o art. 50º nº 1 do Código Penal: “ O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, á sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Trata-se de um poder-dever que vincula o julgador, que terá de decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os citados pressupostos (Cfr. Ac. RC. de 20/11/1997 in CJ, 1997 Tomo 5, p. 3).
O Prof. Figueiredo Dias, in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, Ano 124, pág. 68, referindo-se ao pressuposto material de aplicação do instituto diz que é necessário que: “O tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognostico favorável relativamente ao comportamento do delinquente”, no sentido de que a pena suspensa baste para afastar o delinquente da criminalidade, acrescentando que, “para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto – o tribunal atenderá às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto”.
A suspensão da execução da pena é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser decretada se (e somente se), o julgador concluir que a simples censura do facto e ameaça da pena realizam de forma adequada as finalidades da punição, isto é a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, tal como aponta o art. 40º nº 1 do Código Penal.
A aplicação desta medida de exceção (suspensão) não é automática, sendo essencial a demonstração de que das circunstâncias que acompanharam a infração, se não induza perigo da prática de novos crimes, sempre sem olvidar os fins das penas e nomeadamente as necessidades da prevenção.
Tendo o recorrente sido condenado na pena de 05 anos e 04 meses de prisão (pena esta que acaba de ser mantida), desde já adiantamos que a resposta não pode deixar de ser negativa, por não ser legalmente admissível a pretendida suspensão da execução dessa pena.
Independentemente de saber quais são os pressupostos materiais de que depende a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, do citado normativo legal resulta que o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.
Ora, no caso em análise, tendo sido aplicada ao recorrente uma pena superior a 5 anos de prisão, inverificado está esse pressuposto formal para que, porventura, se pudesse enveredar pela suspensão da execução da pena de prisão.
Nessa medida, não sendo legalmente admissível a suspensão da execução da pena, terá o arguido e recorrente que cumprir, em clausura, a respetiva pena de prisão que lhe é cominada, isto sem prejuízo do perdão de que beneficiará.
Naufraga, assim, também esta pretensão do recorrente.
*
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido FF, mantendo a decisão a quo.
Contudo, por força da aplicação da lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto, perdoa-se-lhe um ano de prisão à pena única apurada, passando a pena de prisão, que terá de cumprir, a quatro anos e quatro meses de prisão não suspensa na sua execução.
Custas crime por parte do arguido que se fixa em 4 UCs.

Sumário da responsabilidade do relator.
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Porto, de 11 de outubro de 2023
(Texto elaborado e integralmente revisto pelo relator, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas eletrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Paulo Costa
Lígia Figueiredo
Luís Coimbra
José Carreto – Presidente da Secção
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[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, vejam-se os acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Cf. Ac. do STJ de 02-04-2008, Proc. n.º 3874/07 - 3.ª Secção, in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos).
[3] Cf. o Ac. do STJ de 03-09-2008, Proc. n.º 2192/08 - 3.ª Secção, in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos). No mesmo sentido, vide os Acs. do STJ de 02-10-2008, Proc. n.º 1314/08 - 5.ª Secção, e de 17-04-2008, Proc. n.º 571/08 - 3.ª Secção, ambos in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos) decidindo-se, neste último, que no caso do art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, «Trata-se, como é entendido na jurisprudência e na doutrina, de um tipo caracterizado por menor gravidade em razão do grau de ilicitude em relação ao tipo fundamental do art. 21.º. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos. A essência da distinção entre os tipos fundamental e de menor gravidade reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), mediada por um conjunto de circunstâncias objectivas que se revelem em concreto, e que devam ser conjuntamente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão (rectius, para a revelação externa) quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental, cuja gravidade bem evidente está traduzida na moldura das penas que lhe corresponde. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude».
A densificação da noção de “ilicitude considerável diminuída”, tendo, embora, como referências ainda a indicação dos critérios da lei, está fortemente tributária da intervenção de juízos essencialmente prudenciais, permitidos (e exigidos) pela sucessiva ponderação da praxis judicial perante a dimensão singular dos casos submetidos a julgamento. A qualificação diferencial entre os tipos base (art. 21.º, n.º 1) e de menor intensidade (art. 25.º) há-de partir, como se salientou, da consideração e avaliação global da complexidade específica de cada caso – em avaliação, não obstante, objectiva e com projecção de igualdade, e não exasperadamente casuística ou fragmentária. A construção da ilicitude e a “considerável diminuição” há-de, assim, resultar da imagem global do facto no que respeita, naturalmente, à intervenção do recorrente na actividade que está em causa e aos limites da sua intervenção no contexto que a matéria de facto revela.»
[4] Cf., entre muitos outros, acórdão de 11-10-2007, Proc. n.º 07P3171, acessível in www.dgsi.pt.
[5] Cf. Proc. n.º 47/15.2IDLRA.C1, acessível in www.dgsi.pt.