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EMBARGOS DE EXECUTADO
NOTA DISCRIMINATIVA DAS CUSTAS DE PARTE
NOTIFICAÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário
I- A mera notificação eletrónica (via CITIUS) à contraparte, de requerimento dirigido ao tribunal, no qual se reclama o pagamento de custas de parte, não cumpre o disposto no nº 1 do art.º 25 do Regulamento das Custas Processuais (e no nº 1 do art.º 31º da Portaria 419-A/2009 de 17 de abril), e, como tal, não se pode equiparar tal notificação a interpelação para pagamento. II- É necessária uma notificação autónoma, feita pelo credor das custas de parte, de forma direta à parte devedora, a exigir-lhe o pagamento das custas de parte (para além da notificação feita ao tribunal). III – Sendo o título executivo, no qual se baseou a execução, um título executivo complexo, formado pela sentença condenatória em custas, e pela nota discriminativa de custas de parte, faltando a notificação ao devedor das custas, a exigir-lhe o pagamento, não se formou o título executivo. IV- Na ausência de título executivo, a execução não pode prosseguir, devendo ser julgada extinta.
Texto Integral
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Anizabel Sousa Pereira
2º Adjunto: Margarida Alexandra Gomes
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A executada “EMP01..., Unipessoal, Lda.” veio deduzir Embargos de Executado (e à penhora) contra os exequentes, AA, BB, CC, e DD, pedindo que aexecução seja declarada extinta por inexistência de título executivo, e que os exequentes sejam condenados como litigantes de má-fé e, em consequência, condenados no pagamento de quantia não inferior a € 5.000,00 euros. Alega para tanto (e no que ao presente recurso importa) que os exequentes apresentam como título executivo a sentença proferida no processo n.º 4193/18...., que correu termos no Juízo Central Cível ..., e a Nota discriminativa de Custas de Parte.
Segundo os exequentes, no dia 25 de Abril de 2022, os co-réus BB e esposa, e CC e esposa, apresentaram a sua nota discriminativa de custas de parte, que não mereceu qualquer reclamação por parte da autora, declaração que não é correta, uma vez que a A., ora Embargante, não foi notificada da nota discriminativa de Custas de parte através do CITIUS, nem o seu mandatário – que apenas recebeu essa notificação via email da mandatária dos Exequentes -, motivo pelo qual ficou a Embargante impedida de reclamar no processo, da referida nota discriminativa.
Assim sendo, não existe título executivo.
Ainda assim, por emails datados de 4 e 5 de maio de 2022, o mandatário da Embargante enviou à mandatária dos Exequentes uma reclamação relativa à nota discriminativa de custas de parte, pelo que não é a Embargante responsável pelo pagamento da quantia de € 2.000,00, a título de “valores efetivamente pagos pela parte vencedora a título de encargos com deslocações, adiamentos de diligências, fotocópias, telefonemas,” nem o regulamento das custas processuais prevê a liquidação de tais valores.
Por outro lado, os valores reclamados a título de taxas de justiça pagos são falsos e errados. Com efeito, o Exequente BB apenas liquidou, a título de taxas de justiça, a quantia de € 1.377,00; os restantes exequentes dispunham de Proteção Jurídica, pelo que não liquidaram quaisquer taxas.
Conclui que a presente execução apenas tem como objetivo prejudicar e empobrecer a Embargante, usando os exequentes os meios judiciais de forma dolosa, pelo que devem os mesmos ser condenados como litigantes de má-fé, em montante não inferior a € 5.000,00.
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Os embargados/exequentes contestaram os Embargos, sustentando que apresentaram como título executivo a sentença proferida e confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães no Processo 4193/18...., na qual foi a Embargante condenada a pagar todas as custas de parte e processuais.
Assim, os Embargados, no dia 24 de abril de 2022, às 23.34h, reclamaram e apresentaram a sua nota discriminativa de custas de parte via CITIUS, com a ref.ª ...16, no referido Processo Judicial, tendo o requerimento sido notificado à embargante, como consta do mesmo sistema CITIUS.
A Embargante foi ainda notificada do despacho judicial que diz que o requerimento de reclamação à conta de custas foi notificado aos mandatários das outras partes do processo e não mereceu qualquer reação, não assistindo à Embargante qualquer fundamento na oposição à execução por si apresentada, pois em sede própria devia ter reclamado da conta de custas, e não utilizar a oposição à execução para o fazer.
Finalmente, dizem que em momento algum agiram de má fé, pois só reclamam valores que lhe são devidos pela Embargante, e que provêm de uma sentença judicial.
Pelo contrário, dizem que é a Embargante quem está a «alterar a verdade dos factos», sendo esta quem deve ser condenada a pagar aos Embargados uma indemnização de valor nunca inferior a 5.000,00 euros.
Pedem, a final, que seja indeferia a oposição, mantendo-se a execução e as penhoras realizadas.
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Tramitados regularmente os autos, foi proferida a final, a seguinte decisão:
“Pelo exposto, decido (…): Julgar improcedentes os presentes embargos de executado e, em consequência, determino o prosseguimento da execução contra a ora embargante (…); Julgar improcedente a presente oposição à penhora e, em consequência, determino a manutenção da penhora efetuada nos autos de execução (…). Custas pela embargante/opoente…”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a embargante interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:
“a) A Apelante, salvo o devido respeito e melhor opinião em contrário, discorda da douta Sentença ora recorrida (…), b) que decidiu julgar improcedente a presente acção, pois entende-se que a mesma padece de vícios, porquanto procede a uma incorreta interpretação das normas jurídicas aplicadas e incorrecta interpretação e análise da documentação existente nos autos com influência decisiva na decisão proferida. c) A cada uma das partes compete, por um lado, o ónus de alegação dos factos que sustentam a sua pretensão e, por outro lado, o ónus da prova desses mesmos factos. d) As provas documentais comprovativas dos factos que se alegam devem ser apresentadas com os articulados. e) O que sucedeu nos presentes autos. f) Deve se atribuído valor probatória aos documentos n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ...0, ...1, ...2, ...3, ...4 e ...5 da Petição Inicial de Embargos e, em consequência, dever ser dado como não provados os pontos 3., 4. e 5. dos factos provados. g) Deve ser dado como provado o ponto 1. da matéria de facto não provada. h) A Apelante não foi notificada através do CITIUS da Nota Discriminativa de Custas de parte que os Embargados/Recorridos juntaram sob os docs. n.ºs ... e ... da Petição Inicial da Acção Executiva. i) Conforme se pode verificar da análise dos documentos n.ºs ..., ..., ... e ... da Petição Inicial de Embargos de Executado, que se tratam de impressões do Histórico do processo n.º 4193/18.... que correu termos no Juízo Central Cível ... – Juiz ..., o mandatário dos Embargantes/Recorrentes não foi notificado através do portal CITIUS da nota discriminativa de custas de parte. j) O mandatário da Apelante não foi notificado através da plataforma CITIUS da nota discriminativa de custas de parte. k) Por tal facto ficou a Apelante impedida de reclamar no processo declarativo da referida nota discriminativa. l) Não tendo a Apelante sido notificada da Nota Discriminativa de Custas de Parte, não existe título. m) Não é o título executivo, certo, líquido e exequível. n) Não é a Apelante responsável pelo pagamento da quantia de € 2.000,00 a título de “valores efetivamente pagos pela parte vencedora a título de encargos com deslocações, adiamentos de diligências, fotocópias, telefonemas, nem o regulamento das custas processuais prevê a liquidação de tais valores. o) Os valores reclamados a título de taxas de justiça pagos são errados. p) O Embargado/Recorrido BB apenas liquidou a título de taxas de justiça a quantia de € 1.377,00, conforme demonstram os documentos n.ºs ..., ... e ... da Petição Inicial de Embargos de Executado. q) Os restantes exequentes dispunham de Protecção Jurídica pelo que não liquidaram quaisquer taxas, conforme demonstram os documentos n.ºs ...0, ...1, ...2 e ...3 da Petição Inicial de Embargos de Executado. r) Todas as restantes quantias liquidadas pelos exequentes foram-no a título de multas pelo que não podem ser reclamadas à parte vencida, conforme demonstram os docs. n.ºs ...4 e ...5, da Petição Inicial de Embargos de Executado. s) O douto Tribunal “a quo” deveria ter atribuído valor probatório à prova documental apresentada pela Apelante. t) Ao não o fazer cometeu o douto Tribunal “a quo” mais um grave erro de apreciação da prova documental, prova esta que emana dos próprios autos, razão pela qual não poderia nem pode haver qualquer dúvida acerca do seu valor probatório e origem. u) Deveria o douto Tribunal “a quo” ter dado como provado que a nota discriminativa violou o disposto no art.º 26.º, do R. C. P, bem como o art.º 25.º, n.º 1, do R. C. P. v) O douto tribunal “ a quo” (deveria) ter decido pela condenação por litigância de má-fé dos Recorridos, em virtude de os Recorridos terem cobrado valores que tinham perfeito conhecimento que não lhes eram devidos, conforme comprovam os (documentos) 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15 da Petição Inicial de Embargos. x) A sentença recorrida deve ser anulada e julgados procedentes os Embargos…”.
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Os embargados vieram Responder ao Recurso interposto, pugnando pela sua improcedência.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir no presente recurso (por ordem lógica de conhecimento), são as seguintes:
I- A de saber se a matéria de facto deve ser alterada, de acordo com a prova documental existente nos autos; II - Se a A/embargante foi efetivamente notificada pelos RR/embargados, da nota discriminativa das custas de parte; e III- Se é de condenar os recorridos como litigantes de má-fé.
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Foram dados como provados na primeira instância os seguintes factos: “1.- A “EMP01..., Unipessoal, Ldª”, intentou a ação comum contra EE (…), FF (…), GG (…), HH (…), BB (…) e mulher, AA (…), e CC (…) e mulher, DD (…). 2.- Essa ação foi julgada improcedente por douto Ac. do V.T.R.G., já transitado em julgado, e a autora foi condenada nas custas processuais e custas de partes. 3.- No âmbito dessa ação, a ilustre mandatária juntou aos autos o requerimento com a REFª: ...16, datado de 24-04-2022, com a seguinte menção expressa: “Mandatários nos termos do artigo 221º C.P.C. Nome: Mandatário - II Notificado por via Electrónica Nome: Mandatário - JJ Notificado por via Electrónica Nome: Mandatário - KK Notificado por via Electrónica” 4.- Esse requerimento deu entrada via citius e consta que foi assinado pela ilustre mandatária dos então réus e agora exequentes. 5.- Em anexo a este requerimento consta uma nota discriminativa de custas de partes, nos termos da qual, os ora exequentes reclamam da ora executada, na qualidade de parte vencida, o valor do montante devido pela parte vencida a título de custas de parte de 6.284,00 euros, conforme requerimento junto a esses autos, consultado via citius, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 6.- No âmbito dessa ação comum, foi proferido no passado dia 15-06-2022, o seguinte douto despacho: “Requerimentos de 17.05.2022 e 18.05.2022 – referências 809,317,316 e 321: Os co-réus apresentam 3 requerimentos a fazer alusão a uma suposta “reclamação da conta de custas”. Para além de não compreendermos a necessidade de se apresentar 3 requerimentos a dizer exactamente a mesma coisa, a verdade é que não existe qualquer “reclamação à conta de custas”. A referência que os co-réus referem diz respeito ao requerimento de 25.04.2022. Esse requerimento foi notificado aos mandatários das outras partes do processo e não mereceu qualquer reacção. Assim, nada a ordenar quanto a este tema. ...., ds.” 7.- Os ilustres mandatários das partes foram notificados do teor do referido despacho no passado dia 15-06-2022. 8.- Após a prolação do referido despacho, nenhum dos mandatários dirigiu qualquer requerimento a essa ação. 9.- No Âmbito da ação executiva procedeu-se à penhora do veículo com a matrícula ..-PO-.., marca ..., modelo ..., propriedade da executada, conforme resulta do auto de penhora junto aos autos, tendo-lhe sido atribuído o valor de € 10.000,00 pela Sr.ª Agente de Execução. 10.- Os exequentes opuseram-se à substituição da penhora efetuada no âmbito dos autos de execução. Não se provaram os demais factos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos factos provados ou estejam em contradição com estes, nomeadamente, os seguintes: 1.- Em momento algum o mandatário dos Embargantes foi notificado através da plataforma CITIUS da nota discriminativa de custas de parte. 2.- O veiculo penhorado tem o valor comercial de € 12.500,00”.
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I- Da impugnação da Matéria de facto:
Considera a Apelante que o tribunal recorrido procedeu a uma incorreta interpretação e análise da documentação existente nos autos, com influência decisiva na decisão proferida, devendo ser atribuído valor probatório aos documentos n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ...0, ...1, ...2, ...3, ...4 e ...5 da Petição Inicial de Embargos, e em consequência serem dados como não provados os pontos 3, 4 e 5 dos factos provados, e como provado o ponto 1 da matéria de facto não provada.
Vejamos: Para dar como assente a matéria de facto descrita, considerou o tribunal recorrido (na respetiva motivação), o seguinte: “…Para além dos factos firmados pelo acordo das partes, expressos nos respetivos articulados, o tribunal formou a sua convicção na conjugação do histórico do processo n.º 4193/18...., com o teor dos documentos juntos aos autos pelas partes (…). Os factos não provados resultaram da inexistência de qualquer prova quanto à sua ocorrência. E quanto à prova documental junta pela embargante, é nosso entendimento que a mesma não prejudica os atos certificados pelo citius no que diz respeito à notificação em crise…”. E de facto, a documentação referida pela recorrente, por si junta aos autos com a petição de embargos (prints do histórico do CITIUS, donde consta o registo dos atos processuais das partes durante o período em causa), não vem contrariar os documentos analisados e valorados pelo tribunal, e que o levaram a dar como assente a matéria de facto provada.
Efetivamente, o que consta dos pontos 3, 4 e 5 da matéria de facto assente, é a reprodução fiel do que se encontra documentado no histórico do processo, no programa informático CITIUS, que consultamos: 3.- “…a ilustre mandatária juntou aos autos o requerimento com a REFª: ...16 (...) 4.- Esse requerimento deu entrada via citius e consta que foi assinado pela ilustre mandatária dos então réus e agora exequentes. 5.- Em anexo a este requerimento consta uma nota discriminativa de custas de partes, nos termos da qual, os ora exequentes reclamam da ora executada, na qualidade de parte vencida, o valor do montante devido pela parte vencida a título de custas de parte de 6.284,00 euros, conforme requerimento junto a esses autos, consultado via citius, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos”.
Esse documento anexo, cujo teor é dado por reproduzido no ponto 5 da matéria de facto provada, é dirigido ao Sr. Juiz do Processo, nos seguintes termos: “EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA COMARCA ... (…) BB e esposa AA, CC e esposa DD, na qualidade de co-réus nos presentes autos, vêm RECLAMAR E APRESENTAR NOTA DISCRIMINATIVA DE CUSTAS DE PARTE, elaborada nos termos do disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Processuais, em que é autora EMP01..., UNIPESSOAL, LDA, devidamente identificada nos autos, com os seguintes fundamentos: 1. Quantias efetivamente pagas pela parte vencedora e vencida a título de taxas de justiça: 2.397,00 euros + 1.377,00 euros = 3.774,00 euros. 2. Quantias efetivamente pagas pela parte vencedora a título de encargos com deslocações, adimentos de diligências, fotocópias, telefonemas: 2.000,00 euros; 3. Quantia paga a título de honorários a mandatária da parte vencedora: 8.000,00euros. 4. Assim, a parte vencida terá de pagar a título de custas de parte à parte vencedora a seguinte quantia: a) Os valores da taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do caimento: 100% de 2.397,00 euros; b) Os valores efetivamente pagos pela parte vencedora a título de encargos com deslocações, adimentos de diligências, fotocópias, telefonemas: 2000,00 euros; c) 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial: 3.774,00 euros *50%= 1.887,00 euros. d) Assim, o montante devido pela parte vencida a título de custas de parte é de 6.284,00 euros. Pede Deferimento Valor: 6.284,00 euros A Mandatária LL”
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Nenhum reparo temos assim a fazer à matéria de facto dada como provada, que se limitou a reproduzir o teor dos documentos constantes do registo histórico do CITIUS, e que os documentos juntos aos autos pela embargante não têm o poder de contrariar.
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O mesmo já não se passa com o facto dado como não provado em 1, do qual consta que “Em momento algum o mandatário dos Embargantes foi notificado através da plataforma CITIUS da nota discriminativa de custas de parte”, pois consideramos que a prova desse facto se retira com segurança dos documentos existentes nos autos.
Efetivamente, analisado o registo histórico do CITIUS, do mesmo consta apenas o que ficou a constar dos pontos 3, 4 e 5 da matéria de facto provada, ou seja, que a mandatária dos RR juntou aos autos um requerimento, com um documento anexo, que acima transcrevemos na íntegra – documento esse dirigido ao tribunal, do qual consta a nota discriminativa das custas de parte -, tendo dado conhecimento desse requerimento (e do documento anexo) ao mandatário da embargante.
Nada mais existe naquele registo, nomeadamente que o mandatário da A tenha sido notificado (diretamente) daquela nota discriminativa das custas de parte, pelo que aquele facto não poderia ser levado à matéria de facto “não provada”, ou seja, que “Em momento algum o mandatário dos Embargantes foi notificado através da plataforma CITIUS da nota discriminativa de custas de parte.”
Logrou de facto a embargante provar, o facto por si alegado, que o seu mandatário não foi notificado através da plataforma CITIUS, da nota discriminativa de custas de parte, sendo esse facto muito relevante em termos de decisão jurídica, uma vez que é precisamente nesse facto que a embargante estriba a sua pretensão, dizendo que não foi interpelada, via CITIUS, para pagar (ou reclamar) as custas de parte. Procedem assim nesta parte as alegações da recorrente, devendo ser acrescentada à matéria de facto provada o facto descrito em 1 da matéria de facto não provada - “Em momento algum o mandatário dos Embargantes foi notificado através da plataforma CITIUS da nota discriminativa de custas de parte.”
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II - Da questão da notificação à A/embargante, da nota discriminativa das custas por parte, dos RR/embargados:
Defende a embargante que não foi notificada, através da plataforma CITIUS, da Nota Discriminativa de Custas de parte, pelo que não existe o título executivo no qual os exequentes baseiam a execução. E assiste-lhe razão, desde logo pela alteração a seu favor da matéria de facto (não provada). Ainda assim, a situação carece de esclarecimento.
A sentença recorrida elegeu como uma das questões a decidir, “determinar se o requerimento dirigido pelos ora exequentes, no passado dia 24-04-2022, foi ou não notificado ao ilustre mandatário da ora executada”.
E deu-lhe uma resposta positiva, considerando que o sistema CITIUS certificou que o ilustre mandatário foi notificado por via eletrónica do teor do apontado requerimento (cfr. artigo 13.º da portaria n.º 280/2013, de 26.8), acrescentando-se que “…dos dizeres desse requerimento, resulta claramente que os vários ilustres mandatários da então autora foram devidamente notificados do teor do requerimento apresentado pelos ora exequentes, via citius, no passado dia 24-04-2022. Neste cenário, e não tendo sido ilidida a presunção dessa notificação, apenas nos resta ajuizar (…) que o ilustre mandatário da ora embargante foi efetivamente notificado dessa nota discriminativa de custas de parte e não reagiu, em tempo, à mesma. Neste contexto, é nosso entendimento que a embargante tem de reembolsar o valor dessas despesas e custas que os exequentes suportaram nessa ação comum e cujo valor não foi objeto de qualquer reclamação, em tempo, por parte da embargante…”.
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Mas não podemos concordar com esta posição do tribunal recorrido.
Efetivamente, nos termos do art.º 132º do CPC (na redação que lhe foi dada pelo DL nº 97/2019 de 26-07-2019), epigrafado “Processo eletrónico”, inserido no Título relativo aos “Atos Processuais”, “O processo tem natureza eletrónica, sendo constituído por informação estruturada constante do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais e por documentos eletrónicos (nº1). A tramitação dos processos, incluindo a prática de atos escritos, é efetuada no sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça (nº2)”.
E nos termos do artigo 144.º do mesmo Código, epigrafado “Apresentação a Juízo dos atos processuais”, e inserido na Secção relativa aos “Atos das partes”, “Osatos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no nº 1 do artigo 132º, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição.”
Acrescenta depois o artigo 221.º n.º1, também do CPC, epigrafado “Notificações entre os mandatários das partes” que “Nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes após a notificação da contestação do réu ao autor, são notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respetivo domicílio profissional, nos termos do artigo 255º.”
Este último preceito, epigrafado “Notificações entre os mandatários”, inserido na Divisão relativa às “Notificações entre os mandatários das partes”, prevê, por sua vez, que “As notificações entre os mandatários judiciais das partes são realizadas por via eletrónica nos termos definidos na portaria prevista no nº2 do art.º 132º, devendo o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no 3º dia posterior ao da elaboração, ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja”.
A Portaria mencionada nos preceitos legais citados, é a Portaria nº 280/2013, de 26 de agosto (que veio revogar a anterior Portaria n.º 114/2008, de 6 de fevereiro), definindo-se no seu art.º 1º, epigrafado “Objeto e âmbito”, que a mesma “…regulamenta a tramitação eletrónica dos processos nos tribunais judiciais”, prevendo-se no seu artigo 5.º, epigrafado “Sistema informático de suporte à atividade dos tribunais e registo de utilizadores”, que “A apresentação de peças processuais e documentos por transmissão eletrónica de dados por mandatários judiciais é efetuada através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, no endereço eletrónico https://citius.tribunaisnet.mj.pt, de acordo com os procedimentos e instruções aí constantes” (nº1).
O artigo 13.º nº1 da mesma Portaria, intitulado “Requisitos da transmissão eletrónica de dados” preceitua ainda que “O sistema informático de suporte à atividade dos tribunais assegura:a) A certificação da data e hora de expedição; b) A disponibilização ao utilizador de cópia da peça processual e dos documentos enviados com a aposição da data e hora de entrega certificada; c) A disponibilização ao utilizador de mensagem nos casos em que não seja possível a receção, informando da impossibilidade de entrega da peça processual e dos documentos através do sistema informático”.
E estipula, por fim, o art.º 26.º da mesma Portaria, epigrafado “Notificações eletrónicas entre mandatários”, que “O sistema informático de suporte à atividade dos tribunais assegura, mediante indicação do mandatário notificante, a notificação por transmissão eletrónica de dados automaticamente após a apresentação de qualquer peça processual ou documentos através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais (nº1). Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o mandatário notificante fica dispensado do envio de qualquer cópia ou duplicado à contraparte da peça processual ou documento entregue através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais e de juntar aos autos documento comprovativo da data de notificação à contraparte” (nº 2).
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Ora, foi com base nestes normativos legais (e nos documentos existentes nos autos), que se considerou na sentença recorrida queo sistema informático CITIUS certificou que o mandatário da A foi notificado por via eletrónicado teor do requerimento apresentado nos autos pelos então réus, no dia 24-04-2022, e que foi também o mesmo notificado da nota discriminativa de custas de parte que acompanhava o dito requerimento, não tendo reagido, em tempo, à mesma (de acordo com o registo informático do CITIUS). E nada temos a objetar a esta constatação do tribunal recorrido, uma vez que as notificações entre mandatários judicias foram bem efetuadas, com respeito por todas as formalidades legais acima mencionadas, conforme se comprova pelo registo informático do CITIUS. Ainda assim, não podemos aderir à conclusão que foi tirada pelo tribunal recorrido dessas notificações – de que a embargante tem de reembolsar o valor dessas despesas e custas, que os exequentes suportaram nessa ação comum, e cujo valor não foi objeto de qualquer reclamação em tempo, por parte da embargante.
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Isto porque, a questão a equacionar e a resolver nos autos é outra, e bem distinta: O que importa apurar é se, perante a lei, os RR notificaram corretamente a A da nota discriminativa de custas de parte, para lhe poderem exigir o valor das despesas que suportaram com o processo.
Vejamos:
Nos termos do art.º 527.º do CPC, o qual contém uma regra geral em matéria de custas, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito”, descrevendo-se no Capítulo seguinte algumas Regras especiais, entre elas a prevista no artigo 529.º, relacionada com a abrangência das custas processuais, na qual se prevê que “As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (nº1). As custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais (nº4)”.
Ainda relacionado com as Custas de parte, o art.º 533.º estipula, como regra especial, que “Sem prejuízo do disposto no n.º 4, as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento, e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais. (nº1) Compreendem-se nas custas de parte, designadamente, as seguintes despesas: a) As taxas de justiça pagas; b) Os encargos efetivamente suportados pela parte; c) As remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efetuadas; d) Os honorários do mandatário e as despesas por este efetuadas (nº2). As quantias referidas no número anterior são objeto de nota discriminativa e justificativa, na qual devem constar também todos os elementos essenciais relativos ao processo e às partes (nº3)”.
Resulta assim dos preceitos legais transcritos que havendo condenação da parte em custas, elas abrangem também as Custas de parte, que consistem na devolução, pela parte perdedora à parte vencedora, das despesas por ela tidas com o processo, nos termos definidos no Regulamento das Custas Processuais.
O Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008 de 26 de Fevereiro (e que sofreu as alterações da Lei n.º 43/2008, de 27.8; do DL n.º 181/2008, de 28.8; e da Lei n.º 64-A/2008, de 31.12), prevê, no seu art.º 25º, relativo às “Custas de parte”, epigrafado “Nota Justificativa” (na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 86/2018, de 29/10), que “Até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas (nº1)”.
Do nº 2 do citado art.º 25º constam ainda os elementos que devem constar daquela nota justificativa: “…a) Indicação da parte, do processo e do mandatário ou agente de execução; b) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efetivamente pagas pela parte a título de taxa de justiça; c) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efetivamente pagas pela parte a título de encargos ou despesas previamente suportadas pelo agente de execução; d) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º; e) Indicação do valor a receber, nos termos do presente Regulamento”.
O art.º 26.º do citado Regulamento vem depois determinar o respetivo Regime das Custas de parte, preceituando que “As custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas (…)(nº1), e que elas “…são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora (…) (nº2)”, preceituando-se ainda no artigo 26.º-A do mesmo Regulamento, intitulado “Reclamação da nota justificativa”, que “A reclamação da nota justificativa é apresentada no prazo de 10 dias, após notificação à contraparte, devendo ser decidida pelo juiz em igual prazo e notificada às partes (nº1)”.
Ainda relacionada com as Custas de parte, a Portaria n.º 419-A/2009 de 17 de Abril (com as alterações que lhe foram introduzidas pela Portaria n.º 82/2012, de 29/03, e pela Portaria n.º 284/2013, de 30/08), que “Regula o modo de elaboração, contabilização, liquidação, pagamento, processamento, e destino das custas processuais, multas e outras penalidades”, estipula, no seu art.º 31º, intitulado “Procedimento das partes”, que “As partes que tenham direito a custas de parte devem enviar para o tribunal e para a parte vencida a respetiva nota discriminativa e justificativa, nos termos e prazos previstos no artigo 25.º do RCP (nº 1)”.
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Resulta assim dos preceitos legais transcritos, cremos que de forma clara, que a parte que tenha direito a custas de parte, deve elaborar uma nota discriminativa dessas custas de parte, e enviá-la à parte contrária (assim como ao tribunal e ao agente de execução, se for o caso), solicitando-lhe o pagamento. No fundo, de acordo com a lei, pode revelar-se necessário o envio de três notas discriminativas de custas de parte: uma à própria parte; outra ao tribunal; e outra ao agente de execução. Uma dessas notificações é certa, e mais do que justificada: a notificação à parte contrária, a solicitar-lhe o pagamento, possibilitando-lhe essa notificação a reclamação sobre os montantes constantes da respetiva nota discriminativa.
Como bem se decidiu no Ac. da RP de 09-01-2017 (disponível em www.dgsi.pt), que impressiona pela clareza de raciocínio, “…Uma coisa é a notificação ao mandatário, do requerimento apresentado em Tribunal que continha a nota de custas de parte. Neste caso, haverá apenas um ato processual - o envio ao tribunal da nota de custas de parte - de que se deu conhecimento à parte contrária. Outra, é a notificação diretamente ao mandatário da parte contrária dessa nota de custas, também ela apresentada ao Tribunal, havendo neste caso dois atos praticados, um perante o Tribunal, e outro perante a parte (ainda que, repete-se, o tratamento das situações possa não vir a ser divergente)”. “…A forma mais evidente de cumprir o que se encontra estabelecido na lei consiste em praticar um ato processual em relação a cada um dos sujeitos que deva receber a comunicação. Assim, a parte remeterá a respetiva nota discriminativa e justificativa para o tribunal; depois, ou ao mesmo tempo, remeterá a mesma nota para a parte vencida e, quando for o caso, elabora outra comunicação e envia-a para o agente de execução. Nesta hipótese, haverá três atos processuais distintos relativos à comunicação da nota discriminativa e justificativa…”.
Ora, como vimos da análise dos autos, os exequentes não cumpriram o determinado na lei,pois apenas remeteram a nota discriminativa e justificativa das custas de parte ao tribunal(documento que anexaram ao requerimento de 24.4.2022), dirigindo esse documento ao Sr. Juiz, e notificaram a parte contrária dessa remessa, procedimento que não cumpre, em nosso entender, a finalidade prevista na lei.
Seguindo muito de perto o raciocínio exposto (de forma muito clara) no citado Ac. RP de 09-01-2017, diremos que quando no n.º 1 do artigo 25.º do RCP (e no art.º 31º da Portaria n.º 419-A/2009 de 17 de Abril) se dispõe que as partes remetem para o tribunal e para a parte vencida, a respetiva nota discriminativa e justificativa, o intérprete e destinatário da norma adquire a convicção, de que a parte vencida receberá da parte vencedora uma comunicação, pessoal e autónoma, distinta das comunicações também previstas quanto ao tribunal e ao agente de execução, a ela dirigida pessoalmente, a solicitar-lhe diretamente o pagamento das quantias discriminadas na nota que lhe está a enviar.
Só assim a parte responsável pelo pagamento das custas de parte, poderá considerar cumprido, quanto a si, o disposto no n.º 1 do citado artigo 25.º do RCP; caso contrário, ficará à espera da tal comunicação autónoma e pessoal, a si dirigida diretamente, deixando passar o prazo de uma possível reclamação que se propusesse fazer (nos 10 dias previstos no citado art.º 26.º-A do RCP), com os efeitos nefastos de ver consolidado o pedido efetuado pela parte contrária.
Esta nos parece ser a interpretação mais correta e mais justa da lei: a de que a parte credora das custas de parte deve remeter uma comunicação dirigida pessoalmente à parte devedora (ao seu advogado) exigindo o pagamento, só então se iniciando o prazo para a impugnação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte.
Ademais, afigura-se-nos que a comunicação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, é uma verdadeira interpelação para pagamento, a qual, ainda que feita de modo tácito, tem de ser pessoal e inequívoca quanto à exigência do pagamento imediato.
Ora, como é bom de ver, esse desiderato da lei não é cumprido com a mera comunicação à parte (devedora) de que foi remetida ao tribunal a nota discriminativa e justificativa das custas de parte; essa comunicaçãonão configura uma exigência de pagamento imediato, e por isso não vale como declaração tácita.
Podemos assim afirmar, que não obstante o mandatário da parte vencida tenha acesso ao CITIUS, e tenha conhecimento, por essa via, da reclamação (das custas de parte) apresentada pela parte contrária, a lei não se basta com esse conhecimento, exigindo antes que a notificação lhe seja feita, não pelo tribunal, ou por via CITIUS, mas pela própria parte vencedora que lhe está a exigir o pagamento (Ac. RP de 18.4.2017, também disponível em www.dgsi.pt).
Efetivamente, como bem se assinalou no citado Ac. RP de 9.1.2017, “não é o mesmo que declarar à parte «estou-lhe a exigir, desde já, esta quantia, pague-me», mas apenas comunicar-lhe a quantia que comunicou ao processo como sendo a devida”.
Um último argumento se pode ainda aduzir, em abono da tese que defendemos: o de que as custas de parte não se incluem na conta de custas, como decorre do art.º 30º, nº 1, da citada Portaria 419-A/2009.
Estamos, de facto, perante duas realidade diferentes. Enquanto na conta de custas judiciais, estabelece-se a chamada relação jurídica tributária, de tipo obrigacional, resultante da lei e da atividade jurisdicional, desenvolvida ou encabeçada pelo Estado - sujeito ativo -, e pelos utentes do serviço de justiça vencidos - sujeitos passivos -, cujo objeto imediato e mediato se consubstancia, respetivamente, na vinculação ao respetivo pagamento e na prestação pecuniária correspondente (Ac. do STJ de 5.2.2004, disponível em www.dgsi.pt), na reclamação das custas de parte, essa relação é estabelecida diretamente entre as próprias partes, como se preceitua no art.º 26.º do RCP, de que elas são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, fazendo assim todo o sentido, que seja a parte vencedora a interpelar diretamente a parte vencida para o seu pagamento.
Em conclusão, pelas razões expostas, temos de convir que a interpretação que defendemos (com apoio na jurisprudência citada), é a que tem mais apoio no texto da lei; a que gera menos dúvidas na mente do destinatário a quem a lei se dirige; e não tem aptidão para gerar prejuízos às partes, caso estas sigam uma interpretação que o tribunal possa considerar indevida (no caso de falta de reclamação, no prazo de 10 dias, da nota discriminativa apresentada, a contar da data da comunicação).
Daí que tenhamos que concordar com a Apelante, de que a mesma não foi notificada (através da plataforma informática do CITIUS) da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 25.º do RCP.
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III- Da inexistência de título executivo:
E perante essa constatação, conclui a Apelante que inexiste título executivo para sustentar a execução que lhe foi movida pelos exequentes.
E com razão, adiantamos já, uma vez que sem a interpelação para pagamento, não se pode dizer que a obrigação exequenda se tenha constituído, e se tenha consolidado o título executivo dado à execução.
Mas vejamos melhor:
Como bem se assinalou na sentença recorrida, “O título executivo determina os fins e limites da execução, ou seja, o tipo de ação, o seu objeto, bem como a legitimidade ativa e passiva, e por isso, constitui um pressuposto específico do processo de execução – artigo 703.º do CPC (…). A exequibilidade de uma pretensão depende de fatores intrínsecos (respeitantes "à inexistência de qualquer vício material ou exceção perentória que impeça a realização coativa da prestação") e extrínsecos (respeitantes à incorporação da pretensão num "documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade de realização coativa da prestação não cumprida" - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, LEX, 1997, pag. 607) (…). A enumeração dos títulos executivos é taxativa, conforme resulta da previsão do artigo 703.º do CPC, sendo que a sentença condenatória faz parte dessa enumeração. Baseando-se a execução a que os presentes embargos correm por apenso, em douto acórdão condenatório, transitado em julgado, os embargos à execução apenas poderão ser sustentados nas situações previstas nas alíneas do artigo 729.º, do C.P.C., as quais são taxativas. Dispõe assim o artigo 729.º do Código de Processo Civil que, «[fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes: a) Inexistência ou inexequibilidade do título (…) As custas de parte integram-se na condenação judicial por custas (cfr. arts. 527.º n.º 1, 529.º n.º1, 607.º n.º6, todos do C.P.C., e 26 n.º1, do R.C.P.) devendo a execução ser instaurada pela parte, tratando-se (…) de um título executivo complexo, constituído pela sentença e comprovativo da notificação da nota de custas de parte. No caso em apreço, considerando que o título executivo é composto por um douto acórdão condenatório, transitado em julgado e pela nota de custas parte. Note-se que a nota de custas não é mais do que o “reembolso de certas despesas em que a parte vencedora incorreu e relativamente às quais tem o direito de ser compensada pela parte vencida, na proporção do decaimento” (…).
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É indiscutível que o título executivo se apresenta como requisito essencial da ação executiva, e há-de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, isto é, documento suscetível de por si próprio revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência da obrigação em que assenta a formulação da pretensão exequenda.
Nesse pressuposto, o título executivo, para além de provar a relação obrigacional existente entre exequente e executado, também se perfila como condição necessária, mas suficiente, da ação executiva, desde que preencha os requisitos externos de exequibilidade que a lei prevê.
Por isso se diz que o título executivo é condição necessária e suficiente da ação. Necessária, porque não há execução sem título; suficiente porque, perante ele, deve ser dispensada qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere.
Em suma: o título executivo é um pressuposto da ação executiva, na medida em que confere ao direito à prestação invocada, um grau de certeza e exigibilidade que a lei reputa de suficientes para a admissibilidade de tal ação.
Segundo José Lebre de Freitas (“A Ação Executiva depois da Reforma”, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Abril de 2004, pág. 70), o título executivo é um documento que constitui o meio legal de demonstração da existência do direito do exequente, ou que estabelece, ainda que de forma ilidível, a existência daquele direito. Ele constitui, ademais, a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites daquela (art.º 10º, nº 5 do C. P. Civil).
Por outro lado, a fase declarativa dos embargos de executado, estruturalmente extrínseca à ação executiva, configura-se como uma contra-execução, destinada à declaração da sua extinção, sob o fundamento de inexistênciada obrigação exequenda, do título executivo, ou da ineficácia deste último. Assim, os fundamentos dos embargos de executado podem ser de natureza substantiva, relativos à própria obrigação exequenda, ou de natureza processual concernentes à inexistência ou inexequibilidade do título executivo.
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No caso dos autos, como bem se anotou na sentença recorrida, estamos perante um título executivo complexo, constituído pela sentença (ou acórdão), transitada em julgado, que condenou a parte em custas (nas quais se incluem as custas de parte), e pela nota discriminativa das custas de parte (Ac. RC, de 20.4.2016, disponível em www.dgsi.pt).
Efetivamente, como se anotou no Ac. do STJ de 05.5.2011, “…a exigência e a aceitação de títulos executivos complexos é hoje uma realidade inquestionável (…).Conforme a obrigação exequenda seja simples ou complexa (esta ocorre, em regra, nas relações jurídicas com mais de duas partes, embora também possa ter lugar nas obrigações bilaterais), também o(s) título(s) executivo(s) pode(m) ser simples ou complexo(s). Estaremos perante título(s) executivo(s) simples quando a obrigação esteja incorporada num só documento ou num conjunto de documentos de idêntica natureza, como acontece quando são dadas à execução várias letras de câmbio, livranças ou cheques, em que cada um deles incorpora uma das prestações exequendas e todos eles juntos titulam a globalidade do crédito reclamado pelo exequente. Mas já estaremos perante título(s) executivo(s) complexo(s) quando a obrigação exequenda exija vários documentos para a sua verificação/demonstração, documentos esses que, podendo ser de natureza diversa, se complementam entre si e nos seus conteúdos e levam à demonstração do crédito/obrigação exequendo…”.
Retira-se dos ensinamentos do transcrito acórdão do Supremo, que nos títulos executivos complexos, é necessária a existência e validade do conjunto dos documentos que titulam a obrigação exequenda complexa, para que o título seja válido e existente; faltando algum desses documento, inexiste o título.
Como ali se refere, “É notório que (…) os documentos juntos, suporte da causa de pedir complexa, se articulam e complementam numa relação lógica. Complementaridade tão flagrante quanto se percebe que cada um deles só por si não tem força executiva, e a sua ausência faz indubitavelmente soçobrar a do outro, mas juntos asseguram eficácia a todo o complexo documental como título executivo…”.
No caso dos autos, apesar da decisão transitada em julgado, que condenou a executada nas custas processuais, tornava-se necessário aos exequentes demonstrar, que procederam à liquidação das custas de parte, e que interpelaram a responsável para o seu pagamento. Só assim se formaria o título executivo (complexo) capaz de sustentar a ação executiva contra ela instaurada.
Tendo-se concluído que a parte devedora das custas não foi notificada da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 25.º do RCP – sendo essa notificação essencial para a sua interpelação -, isso equivale a dizer que não se chegou a formar o título executivo (no seu todo), faltando um dos documentos que o compõem.
Conclui-se, por conseguinte, que a presente execução não tem título executivo, sendo certo que a falta de título executivo implica a extinção da execução.
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III – Da litigância de má-fé dos embargados/recorridos.
Conclui ainda a embargante que “O douto tribunal “a quo” (deveria) ter decidido pela condenação por litigância de má-fé dos Recorridos, em virtude de (…) terem cobrado valores que tinham perfeito conhecimento que não lhes eram devidos, conforme comprovam os (documentos) 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15 da Petição Inicial de Embargos”.
Mas não vemos como poderia o tribunal recorrido ter decidido tal questão a favor da embargante – e contra os embargados –, dado ter considerado improcedentes os embargos (na sua totalidade), concluindo-se ademais “…que a embargante tem de reembolsar o valor dessas despesas e custas que os exequentes suportaram nessa ação comum, e cujo valor não foi objeto de qualquer reclamação, em tempo, por parte da embargante”.
Ou seja, contrariamente ao defendido pela embargante, o tribunal recorrido considerou que os valores reclamados pelos exequentes na execução lhes eram devidos, pelo que não faria sentido condená-los como litigantes de má fé.
Em sede de recurso, a apreciação dessa questão perde utilidade, dado que a Apelação é procedente, sendo ainda certo que, também contrariamente ao alegado pela embargante, não ficou demonstrado nos autos que os embargados tenham cobrado quaisquer valores à embargante.
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IV- DECISÃO:
Por todo o exposto, julga-se a Apelação procedente,revoga-se a decisão recorrida, e julga-se extinta a execução. Custas da Apelação pelos recorridos (art.º 527º nº1 e 2 do CPC). Notifique
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Sumário do Acórdão:
I- A mera notificação eletrónica (via CITIUS) à contraparte, de requerimento dirigido ao tribunal, no qual se reclama o pagamento de custas de parte, não cumpre o disposto no nº 1 do art.º 25 do Regulamento das Custas Processuais (e no nº 1 do art.º 31º da Portaria 419-A/2009 de 17 de abril), e, como tal, não se pode equiparar tal notificação a interpelação para pagamento.
II- É necessária uma notificação autónoma, feita pelo credor das custas de parte, de forma direta à parte devedora, a exigir-lhe o pagamento das custas de parte (para além da notificação feita ao tribunal).
III – Sendo o título executivo, no qual se baseou a execução, um título executivo complexo, formado pela sentença condenatória em custas, e pela nota discriminativa de custas de parte, faltando a notificação ao devedor das custas, a exigir-lhe o pagamento, não se formou o título executivo.
IV- Na ausência de título executivo, a execução não pode prosseguir, devendo ser julgada extinta.