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ARRENDAMENTO HABITACIONAL
RENOVAÇÃO
Sumário
I- O artigo 1096.º do Código Civil não tem carácter imperativo, pois é permitido às partes excluírem a renovação automática; porém, já impõe imperativamente que, caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos.
Texto Integral
Relatora: Anizabel Sousa Pereira
Adjuntos: Maria Amália Santos e Margarida Pinto Gomes
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I- Relatório:
EMP01... SA, com sede no Edifício ..., ..., Avenida ..., ..., apresentou contra AA, residente na Rua ..., ... andar lado ..., ..., procedimento especial de despejo.
Juntou com o seu requerimento, entre o mais, cópia do contrato de arrendamento bem como da notificação remetida ao requerido nos termos da qual ela, requerente, comunicou ao demandado a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento em causa.
Regularmente citado, deduziu o requerido oposição, invocando a ineptidão do requerimento inicial, por violação do disposto no art. 15.º-B/2, als. e) e 3 NRAU, e requerendo, subsidiariamente, o deferimento da desocupação do locado, alegando, para tanto, que o locado constitui a casa de morada de família dele e da sua filha, estudante universitária, sendo ele, demandado, quem suporta sozinho, com um vencimento de €1.400 mensais, todas as despesas de alimentação, educação, saúde e transporte da sua filha.
Foi exercido o contraditório.
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Considerando o teor da oposição deduzida e tendo sido cumprido o contraditório quanto à matéria de excepção deduzida na oposição, foi entendido pelo Tribunal a quo estar em condições de conhecer de imediato do mérito da causa, nos termos previstos na I parte do art. 15.º-H/3 NRAU., pelo que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, o Tribunal julga a oposição deduzida totalmente improcedente.”
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É desta decisão que vem interposto recurso pelo R.
O R terminou o seu recurso formulando as seguintes conclusões ( que se transcrevem):
“O aqui recorrente declina, de forma lapidar, a sentença ora recorrida.
A qual erroneamente e sem qualquer fundamento válido e lógico, indeferiu, liminarmente, a oposição ao despejo bem como o requerimento de diferimento da desocupação para momento posterior,
Resultante de uma manifesta, clara e inequívoca errónea apreciação fáctica e jurídica realizada pelo Tribunal a quo, violadora do Artigoº 65º da Constituição da República Portuguesa.
A sentença recorrida olvida os princípios que norteiam as mais elementares práticas processuais civis, proferiu uma Decisão violadora do direito à habitação do recorrente e da sua filha,
Indeferindo erroneamente o requerimento de diferimento da desocupação do imóvel em causa nos autos, ao total arrepio do Direito e da Justiça!
E como é sabido impõe-se numa Decisão como na presente, ter-se na devida consideração uma ductilidade entre a Lei, os Direitos e a Justiça, como diz Gustavo Zagrebelsky, professor de Direito Constitucional da Universidade de Turim, na Obra “O Direito Dúctil de Gustavo Zagrebelsky”.
Com o devido respeito que nos merece, o Tribunal a Quo, deveria ter atuado com superior prudência, na medida em que, “quem decide não são os “jurissapientes”, mas os jurisprudentes”, como diz Alexandre Nieto e Agostin Gorillho in “Las Limitaciones del conhecimento jurídico, pag. 19.
Tudo isto a significar, nessa conformidade, que não proferiu, como se impunha, e impõe, uma decisão com a necessária segurança, conscienciosa e prudente, limitando-se, a conceituais considerações deliberadamente dissociadas do real, da realidade do caso sub judice bem dolorosa e angustiante para o Recorrente e para a sua filha..
E imperioso e necessário, que se faça luz sobre o pertinente circunstancialismo, que nessa sede teve lugar, o que, inelutavelmente, conduzirá à conclusão da procedência do pedido formulado pelo aqui Recorrente bem como do seu deferimento de desocupação posterior, contrariamente ao decidido na sentença, ora recorrida.
Já que tal sentença fez tábua rasa de tudo o por ele alegado em sede de oposição ao despejo, valorando apenas o alegado pela Recorrida, fazendo um total mutismo ao alegado pelo aqui Recorrente.
Em primeira linha, o requerimento de despejo deveria ter sido rejeitado, por ineptidão, em virtude de não preencher o requisito da al. e), f) do n.º2 e o n.º3 do Art.15º-B da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro,
Que, para além de contraditório, é parco e infundado no que concerne aos fundamentos do despejo alegados pela recorrida.
Já que a recorrida alegou que em 01/05/2017 a anterior proprietária Solução Arrendamento – Fundo de Investimento Fechado para Arrendamento Habitacional celebrou com o aqui recorrente um contrato de arrendamento para habitação permanente com prazo certo, ao abrigo do disposto nos artigos 1095.º e seguintes do Código Civil com duração de cinco anos, com início em 01/05/2017 e termo em 30/04/2022.
No contrato de arrendamento celebrado resulta da cláusula 3, ponto 3.1 que: “o senhorio poderia opor-se à renovação automática do contato mediante comunicação, remetida ao aqui recorrente, por Carta registada com aviso de receção com antecedência mínima de 120 dias do termo do prazo de duração inicial. “
Só que o senhorio proprietário Solução Arrendamento – Fundo de Investimento Fechado para Arrendamento Habitacional vendeu o imóvel locado à aqui Recorrida em 01/02/2021,
E, desde aquela data, o aqui recorrente passou a pagar tempestivamente, como sempre pagou, a renda à aqui recorrida, mediante transferência bancária para uma conta titulada por ela, sem nunca ficar com rendas em atraso, pagando pontualmente a renda conforme ficou contratualmente estipulado entre as partes.
Cumprindo ponto por ponto aquilo a que se obrigou aquando da celebração do contrato de arrendamento habitacional, só que a Recorrida em 04/04/2022 remeteu uma carta registada com aviso de receção ao aqui recorrente a opor-se à renovação do contrato de arrendamento,
Tal oposição à renovação com tal data não era apta a produzir os efeitos que a recorrida lhe queria atribuir, não sendo, portanto, válida nem eficaz, com violação manifesta ao preceituado na alínea b) do n.º1 doa artigo 1097.º do CC, já que a recorrida não cumpriu a comunicação ao arrendatário com antecedência mínima dos 120 dias.
Tal oposição à renovação da recorrida mereceu resposta do aqui recorrente que, por carta regista e datada de 29/04/2022 informou a aquela que tal oposição à renovação não era apta a produzir os efeitos,
Não sendo válida nem eficaz, por inobservância grosseira do preceituado no na alínea b) do n.º1 doa artigo 1097.º do CC, uma vez que ela não remeteu tal oposição dentro do prazo legalmente estabelecido, ou seja, com antecedência mínima dos 120 dias,
E consequentemente o contrato de arrendamento renovar-se-ia, como se renovou, em 01/05/2022 por um período de, pelo menos mais três anos nos termos do artigo 1096.º n.º 1 do Código Civil.
Apesar disso, a aqui recorrida, não satisfeita, e apesar do contrato de arrendamento ser ter renovado, voltou a remeter em 17/05/2022 nova missiva de oposição à renovação do contrato de arrendamento ao recorrente.
Como a recorrida não exerceu a renovação no prazo legal, o mesmo renovou-se pelo menos por mais três anos, dai concluindo que não podia ser validamente exercida a oposição à renovação a não ser em 30/04/2025.
A recorrida de forma reiterada continuou a insistir na oposição à renovação do contrato de arrendamento, alegando que o mesmo tinha o seu termo em 30/04/2023 designado o dia 01/05/2023 para o recorrente proceder à entrega do imóvel, livre e alodial de pessoas e bens.
O aqui recorrente não poderia aceitar tal oposição, uma vez que o contrato de arrendamento habitacional renovou-se automaticamente, pelo menos, até 30/04/2025, e não desocupo o imóvel na data estipulada pela recorrida, ou seja, em 30/04/2023, uma vez que o contrato de arrendamento está em vigor.
Razão pela qual andou mal a sentença ora recorrida em considerar que a oposição à renovação tem-se por validamente exercida, com consequente cessação do contrato de 30/04/2023 por caducidade.
Pelo que, se tem de concluir que in casu, a sentença recorrida errou na aplicação do Direito, e na subsunção dos factos ao Bom Direito, devendo ser revogada e substituída por outra decisão que V/Exas., douta e superiormente proferirão e que decida em sentido contrário.
Também em sede de oposição ao despejo, requereu-se o diferimento da desocupação, uma vez que o imóvel em causa constitui a casa de morada de família do recorrente e da sua filha que tem dezanove anos, estudante do Ensino Superior na Universidade de Arquitetura em ....
Já que a filha do aqui recorrente sempre viveu apenas com ele, vivendo ambos do vencimento do recorrente, muito menos este dispõe de residência alternativa para, de momento, os albergar, e aqui recorrente assumiu sozinho todas as despesas inerentes à edução e saúde da sua filha.
Como também é ele, e só ele, que arca com as despesas em alimentação, vestuário e normais despesas da vida quotidiana quer para si, quer para a sua filha.
Estando responsável pelo pagamento de todas aquelas despesas, conjuntamente com as despesas de vestuário, alimentação, despesas do quotidiano (água, gás, luz, alimentação, telemóvel, renda, despesas médicas e medicamentosas e todas as despesas escolares da filha), e com todos estes encargos não lhe é possível proceder à entrega imediata do locado,
O recorrente vive com a sua filha no locado supra identificado auferindo um rendimento que não lhe permite suportar o valor que atualmente peticionam a título de rendas, já que, como e facto notório que não carece de alegação nem de prova, A inflação, o preço cavalgante das rendas que hoje se pratica, o recorrente não consegue arrendar uma casa que seja adequada as suas possibilidades económico-financeiras.
Para além disso, a filha está no 1.º ano de arquitetura na universidade ..., arcando este com as despesas escolares, propinas, alimentação, deslocação, em valor nunca inferior a € 300,00 mensais.
O recorrente não consegue, atualmente, atendendo os encargos que tem, encontrar uma solução habitacional mais aproximada com os seus rendimentos, face ao aumento exponencial do preço das rendas, não consegue uma habitação condigna, apesar dos esforços e da vida parcimoniosa que faz.
O que o impossibilita de obter, neste preciso momento, uma habitação, na cidade ..., próxima do seu local de trabalho.
Assim, de acordo com a factualidade supra explanada, não se encontra, o aqui Recorrido por razões sociais imperiosas e económicas, nas condições necessárias para entregar, de imediato, o locado,
Razão pela qual, andou mal a sentença ora recorrida em não lhe ter diferido o pedido de desocupação do imóvel arrendado para habitação, pelo prazo mínimo de 6 (seis) meses.
A lei prevê, no n.º 1 do artigo 864.º do CPC, para entrega de coisa imóvel arrendada que, por razões sociais imperiosas, o juiz difira para momento posterior - sendo que o diferimento, nos termos do n.º 4 do art.º 865.º não pode exceder o prazo de 5 meses a contar da data do trânsito em julgado da decisão que o conceder - a desocupação do imóvel,
Devendo ser tomadas em consideração as exigência da boa-fé, a circunstância de o recorrente não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que com ele habitam, a sua idade, estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas.
O que pressupõe a verificação de pelo menos um dos fundamentos condicionantes taxativamente previstos nas als. a) e b) do art.º 864.º.
O Tribunal a quo deveria apreciar as primeiras, no uso do poder discricionário que a lei lhe concede (cf. n.º 4, in fine do art.º 152.º do CPC), se verificada uma de duas situações atinentes à pessoa do arrendatário a saber: a) carência de meios, a qual se presume relativamente a beneficiário do subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção; b) ser portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60% (cf. n.º 2 do art.º 864.º).
Sendo que o arrendatário encontra-se numa situação de carência de meios, tanto mais que arca sozinho com todas as suas despesas e da sua filha.
Também não se pode ignorar que o preço que atualmente se pratica a nível de rendas não se compagina com o salário que o recorrente aufere.
Muito menos quando se está a criar e educar sozinho uma filha.
Nem se pode olvidar que o direito à habitação goza de justificada tutela constitucional -cf. art.º 65.º da CRP, que proclama, no seu art.º 1.º “Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”.
A situação do recorrente preenche o conceito de razões sociais imperiosas, assistindo-lhe, assim, o direito que pretende ver reconhecido o diferimento da desocupação, já que detêm a qualidade de arrendatário, a quem o legislador entendeu conferir, de forma exclusiva e nos estreitos termos definidos pelas als. a) e b) do n.º 1 do art.º 864.º, a tutela legal.
Assim tal diferimento deverá deferido por um período não inferior a 180 (Cento e oitenta dias) dias, para se dar ao ora Recorrente, a possibilidade de encontrar uma nova habitação e refazer sua vida, sem o risco máxime de cair na desgraça.
Ainda para mais quando tal diferimento, não afeta, de maneira alguma, o direito fundamental à habitação do atual proprietário.
Assim, é por demais evidente que a Decisão recorrida viola o disposto no Artigoº 65º da Constituição da República Portuguesa.
Nessa conformidade, atento tudo o supra exposto, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e ser a Decisão de que se recorre imediatamente revogada, e por sua vez, ser proferida nova decisão que defira o requerimento de diferimento da desocupação apresentado pelo ora Recorrente,
Conforme V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores certamente decidirão, Fazendo, como sempre, a habitual, sã e devida Justiça Material.
Termos em que e nos melhores de Direito deverão V/Exas., Venerandos Desembargadores:
Julgar totalmente procedente o recurso interposto pelo aqui Recorrente,
E, no mais e sem prescindir,
Julgar Totalmente procedente o pedido de deferimento da desocupação do locado para momento posterior, Com o que farão inteira Justiça”
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A A. respondeu ao recurso, concluindo pela falta das respetivas razões invocadas pelo R.
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito suspensivo.
O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido, após os vistos.
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II. Questões a decidir.
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
A- da ineptidão do requerimento inicial;
B- o incumprimento da antecedência legal prevista no 1097.º do CC;
C- a imperatividade do artigo 1096.º do CC quanto ao prazo de renovação do contrato;
D- Diferimento da desocupação do locado
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III. Fundamentação de facto.
Consta da sentença o seguinte:
“ Para apreciação da questão sub iudice há a considerar a seguinte factualidade, comprovada documentalmente:
a) Por documento particular datado de 01.05.2017 Solução de Arrendamento – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para arrendamento habitacional cedeu ao requerido e a BB o gozo do imóvel sito na Rua ..., ... andar lado ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...32 e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...88.º, contra o pagamento de uma renda mensal de €280;
b) Lê-se na cláusula 2.1. do documento referido em a) que “O arrendamento é celebrado por prazo certo, ao abrigo do disposto nos artigos 1095.º e seguintes do Código Civil com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU) e terá a duração de 5 (cinco) anos, com início em 1 de Maio de 2017 e termo em 30 de Abril de 2022 e renovar-se-á por iguais e sucessivos prazos de 1 (um) ano, salvo se for denunciado por qualquer das partes nos termos da cláusula 3.”;
c) Lê-se na cláusula 3.1. do documento referido em a) que “O senhorio poderá opor-se à renovação automática do contrato mediante comunicação, remetida ao Arrendatário por carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de 120 dias do termo do prazo de duração inicial do contrato, ou de qualquer uma das suas eventuais renovações.”;
d) Em 05.12.2018 foi celebrado um aditamento ao acordo mencionado em a), nos termos do qual o mesmo foi revogado em relação a BB, mantendo-se em relação ao requerido;
e) O direito de propriedade incidente sobre o imóvel identificado em a) encontra-se registado em nome da requerente pela Ap. ...07 de 01.02.2022, por compra a Solução de Arrendamento – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado;
f) Por carta registada datada de 28.06.2022 remetida para a morada indicada em a) a requerente, através da sua procuradora, comunicou ao requerido que se opunha à renovação do acordo mencionado em a), designando o dia 01.05.2023 para recepção do imóvel;
g) A carta mencionada em f) foi devolvida com a indicação “Não reclamada.”;
h) Por carta registada datada de 10.08.2022 e recepcionada pelo requerido em 26.08.2022 a requerente, através da sua procuradora, comunicou ao requerido que se opunha à renovação do acordo mencionado em a), designando o dia 01.05.2023 para recepção do imóvel”.
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A- Da ineptidão do requerimento inicial:
O recorrente, sem rebater concretamente a análise feita na sentença quanto a esta questão, limitou-se a invocar os argumentos que tinha alegado na oposição e que foram apreciados na sentença nos seguintes termos:
“ Invocou o R. a ineptidão do requerimento inicial por violação do disposto no art. 15.º-B/2/al. e) e 3 NRAU.
Começando pela análise do último normativo, lê-se no mesmo que “Havendo pluralidade de arrendatários ou constituindo o local arrendado casa de morada de família, o requerente deve ainda identificar os nomes e domicílios de todos os arrendatários e de ambos os cônjuges, consoante o caso.”
Ora, o R. não alega qualquer facto que permita concluir pela violação deste preceito, designadamente que é casado e que o seu cônjuge reside consigo no locado.
Aliás, se algo parece resultar da alegação constante da oposição é que o R. residirá sozinho no locado com a sua filha (cfr. arts. 36.º, 37.º, 39.º e 40.º da oposição).
Por outro lado, no contrato de arrendamento celebrado e cuja cópia foi junta aos autos o R. é identificado como sendo solteiro.
Tanto basta para indeferir a invocada ineptidão do requerimento inicial com fundamento no disposto no art. 15.º-B/3 NRAU.
Quanto à invocada violação do preceituado no art. 15.º-B/2/al. e) NRAU, igualmente se adianta, desde já, que a mesma se não verifica.
Prescreve este normativo que “No requerimento deve o requerente indicar o fundamento do despejo e juntar os documentos previstos no n.º 2 do artigo 15.º.”
Ora, a requerente indicou no seu requerimento inicial o fundamento do despejo: falta de entrega do locado findo o prazo de duração do contrato, na sequência de oposição à renovação do mesmo.
Questão distinta é a de efectivamente se verificar (ou não) esse motivo.
Contudo, tal questão contende com o mérito da causa e não com a ineptidão do requerimento inicial.”
Concordamos com a apreciação feita na sentença, neste particular.
Com efeito, e sem grandes delongas, dir-se-á o seguinte: não se vislumbra como sustentar a violação do nº3 do art. 15º B do NRAU quando no contrato de arrendamento celebrado facilmente se verifica que o R. é identificado como sendo solteiro e, por outro lado, do teor da sua oposição, este afirma que reside no imóvel apenas com a sua filha, estudante de arquitetura na Faculdade de ... e porventura ali a residir atualmente.
Igualmente consideramos que, da análise do requerimento de despejo, este se encontra fundamentado, tendo ainda sido juntos todos os documentos necessários e previstos no art.º 15.º-B/2/al. e) NRAU, conforme analisado na sentença.
Pelo exposto e nada mais se impondo dizer, improcede a apelação neste particular.
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E o que dizer acerca do alegado incumprimento do art. 1097º do CC e sobre a alegada imperatividade do art. 1096º na parte respeitante à renovação mínima de três anos, conforme sustentado pelo recorrente e ao contrário da análise feita na sentença?
O tribunal a quo considerou válida a oposição à renovação do contrato efetuada ao Recorrente, entendendo que a Autora, na qualidade de senhoria, impediu a renovação do contrato de arrendamento em causa, mediante a comunicação escrita que enviou ao Réu no dia 26 de agosto de 2022 e que, na sequência dessa comunicação, o contrato de arrendamento se extinguiu no dia 30 de abril de 2023, conforme prazo de renovação anual, contratualmente previsto.
É contra este entendimento que se insurge o Recorrente sustentando que a Lei n.º 13/2019, de 12.02 veio dar nova redação ao artigo 1096º do Código Civil e que, caso houvesse oposição à renovação do contrato, a renovação nunca poderia ser inferior a três anos e o contrato apenas findaria em 30.04.2025.
Diga-se, desde já, que, ainda que se sustentasse a tese da sentença, nunca esteve em causa qualquer incumprimento do art. 1097º,nº1 do CC a respeito dos prazos ali previstos para efetuar a oposição à renovação, quando a senhoria fez tal oposição ( última oposição feita pela senhoria e que anulou as feitas anteriormente até ali e, por isso, não se fez constar na matéria dada como provada) em agosto de 2022 para ter efeitos em 30-04-2023.
Vejamos, então, de que lado está a razão.
Antes, porém, convém não olvidar que quer a sentença, quer o recorrente convergem quanto à qualificação do contrato em causa- de arrendamento habitacional- e com início em 01.05.2017 e termo em 30.04.2022 e ainda quanto à imediata aplicação da lei nova, isto é da Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro, nos termos do artigo 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil, por se tratar de questão que regula sobre o conteúdo da relação jurídica do arrendamento, aplicando-se, assim, às relações de arrendamento já constituídas e que se mantém, por se tratarem de contratos de execução duradoura. Ou seja, é inequívoco que quando ocorreu a primeira renovação do contrato- em 01-05-2022 já estava em vigor a Lei 13/2019 e a senhoria em agosto envia a carta para o réu avisando da oposição à renovação porquanto considerava terminado o contrato após decorrer um ano estipulado no contrato para a renovação, ou seja, terminaria em 30-04-2023. Esta foi a posição seguida na sentença e contra a qual se insurge o réu porquanto considera que o contrato se renovou em 01.05.2022 por um limite mínimo de 3 anos, pelo que terminaria no ano de 2025 e não seria eficaz e válida aquela oposição da senhoria ocorrida em agosto de 2022.
Tudo isto porque divergem nas suas posições no que se refere à interpretação das normas previstas nos artigos 1096.º e 1097.º do Código Civil, na versão que foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, seguindo, respetivamente, as posições divergentes na doutrina e jurisprudência acerca desta temática.
De um lado temos a posição que defende o seguinte: artigo 1096.º do Código Civil não tem carácter imperativo, pois é permitido às partes excluírem a renovação automática; porém, já impõe imperativamente que, caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos. Ou seja, o legislador permite às partes que convencionem um contrato de arrendamento urbano para habitação pelo período de um ou dois anos, não renovável. Mas, caso seja convencionada uma cláusula de renovação automática, terá de obedecer ao disposto neste normativo, ou seja, o contrato sofre uma renovação automática de 3 anos. Esta a posição defendida maioritariamente na doutrina por Maria Olinda Garcia ( in Julgar on line, Março de 2019) e Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde e António Barrosos Ramalho Rodrigues (In “Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano”, Revista de Direito Civil, Ano IV (2019), n.º 2, Coimbra, Edições Almedina, 2019, pp. 302 e 303.) , José António de França Pitão e Gustavo França Pitão (In Arrendamento Urbano Anotado, 2-ª Edição, Quid Iuris, 2019, pp. 375 e 376.) e Edgar Alexandre Martins Valente (In Arrendamento Urbano - Comentário às Alterações Legislativas Introduzidas ao Regime Vigente, Coimbra, Edições Almedina, 2019, pp. 31 e 32.).
Na jurisprudência também, cremos, maioritária, é defendida esta posição, entre outros, nos Acórdãos da Relação de Guimarães de 08-04-2021, proc. n.º 795/20.5T8VNF.G1, e de 11-02-2021, proc. n.º 1423/20.4T8GMR.G1, e de 23-03-2023, proc.1824/22.3T8VCT.G1 e da Relação de Évora, de 25-01-2023, proc. nº 3934/21.5T8STB.E1, e da RP de 08-05-2023, proc. 1598/22.8YLPRT.P1 e de 15-06-2023, proc. 944/22.9T8VCD.P1, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-01-2023, proc. 7135/20.1T8LSB.L1.S1, todos in www.dgsi.pt.
A segunda posição defende o seguinte: entende que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes - e menores - dos supletivamente fixados pela lei.
“Assim, os contratos com duração de um ano que, findo o seu prazo de duração, se renovaram pelo mesmo período e o completaram antes de entrar em vigor a nova lei, continuam a renovar-se pelo mesmo período depois disso; mas aqueles que ainda não consumiram esse período de renovação terão de prosseguir no tempo já decorrido até perfazer o triénio de duração para que ocorra uma nova renovação (…).Naturalmente, este entendimento é aplicável, não apenas às renovações supletivas, mas também as convencionadas nas mesmas condições.”.
Esta posição é defendida por Pinto Furtado (In Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2021, pp. 656 a 657) e por Jéssica Rodrigues Ferreira, in Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, Revista Electrónica de Direito, Fevereiro 2020, n.º 1 (vol. 21), DOI 10.24840/2182-9845_2020-0001_0005, e conforme é assinalado por esta última autora é igualmente defendida por Isabel Rocha, Paulo Estima, in Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência, 5.ª edição, Porto Editora, 2019, página 286.
Na jurisprudência é defendida esta posição, entre outros, nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 17-03-2022, proc. n.º 1423/20.4T8GMR.G1, e de 10-01-2023, proc. nº 1278/22.4YLPRT.L1-7.
Neste último acórdão a argumentação aduzida poderia sintetizar-se em 3 argumentos: “ i. Se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus); ii. A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redacção do nº 1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao artigo 1097º; iii. Na lógica da tese referida em I, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos) e nesse caso o disposto no nº 3 do artigo 1097º não faria qualquer sentido porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos.”.
E se esta argumentação é valiosa, ainda mais o será a contra-argumentação que é feita impressivamente no supra citado AC da RP de 15-06-2023, relator Aristides Rodrigues de Almeida e com a qual concordamos na íntegra e que, por isso, passamos a citar pela clareza de exposição e à mingua de mais qualquer argumento:
“ O argumento a maiori ad minus não vale aqui porque uma coisa é o arrendatário saber à partida que o contrato não se renova e, portanto, saber antecipadamente de que vai ter necessidade de encontrar nova habitação para o final do prazo estipulado no contrato (i.e., sabe logo quando vai ter essa necessidade) e, outra coisa é ele saber que o contrato se renova mas estar nas mãos do senhorio decidir unilateralmente se a renovação ocorrerá realmente (por efeito da oposição à renovação), caso em que o arrendatário não só não tem a estabilidade de saber com o que conta, como pode, se a renovação for por curto período, encontrar-se perante a necessidade de arranjar nova habitação num curto espaço de tempo, o que pode ser difícil (como presentemente é público).
Sendo assim justifica-se que a lei deixe na disposição das partes acordar a renovação do contratou ou afastá-la, mas também se justifica que tendo havido acordo sobre a renovação a lei limite de algum modo o período de duração da renovação para impedir a instabilidade que advém para o arrendatário e os riscos que ele corre de se encontrar, por força do exercício do direito potestativo do senhorio de oposição à renovação, confrontado com a necessidade de num curto espaço de tempo arranjar nova habitação (e se ele é arrendatário, o normal será que necessite novamente de recorrer a esse mercado para arranjar habitação). O facto de se poder o mais não significa nessas circunstâncias que se possa o menos porque a situação criada não é afinal um menos, pode bem ser um mais de instabilidade.
Todas as normas que se ocupam dos períodos de duração do contrato e/ou das suas renovações, do direito de oposição à renovação, dos prazos para o exercício desse direito e dos prazos em que o contrato se extingue são normas que visam proteger a posição do inquilino e a estabilidade do arrendamento, conforme pretendia a Lei nº 13/2019, recordando-se que não é por acaso que ela é de 2019, momento em que no mercado imobiliário em Portugal se observava já uma preocupante falta de acesso ao comum dos cidadãos, face ao montante que atingiram os valores das rendas e os preços de aquisição. Nessa medida, não é por essa preocupação ter conduzido também à alteração do n.º 3 do artigo 1097.º que a alteração do n.º 1 do artigo 1096.º deixa de visar a mesma finalidade do legislador e de a tornar viável.
É verdade que a soma das duas normas faz com que o n.º 3 do artigo 1097.º do Código Civil seja aparentemente pouco útil, uma vez que se as partes estipularem a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (período mínimo inicial imperativo de um ano, mais a renovação imperativa de três anos). Todavia, se bem vimos, o que há aqui é uma falta de utilidade da norma, não uma contradição.
Com efeito, uma coisa é a renovação do prazo de duração, outra coisa é a oposição à renovação pelo senhorio. Aquela desde que esteja prevista no contrato opera de forma automática, excepto se o arrendatário não o desejar, e por isso, no momento da renovação o arrendatário fica a saber até que altura pode contar com aquela habitação, independentemente da vontade do senhorio. Já a oposição à renovação pelo senhorio é uma mera possibilidade que o arrendatário não controla; só quando recebe a comunicação de oposição do senhorio é que o arrendatário fica a saber que terá de arranjar nova habitação, colocando-se o problema do tempo de que ela passa a dispor para o fazer e das consequências pessoais, familiares e profissionais da eventualmente de ele só arranjar nova habitação noutro local e com outro custo.
Nessa medida, a fixação do período pelo qual o contrato se renova e a fixação do momento em que a oposição do senhorio à renovação produz efeitos são aspectos diferenciados e suscitam preocupações distintas, o que justifica que o legislador os tenha abordado em dois momentos separados (ainda que, concordamos, sem a técnica legislativa adequada que exigia a comparação do âmbito das normas para detectar os seus campos de sobreposição e os eliminar).
Logo, mesmo reconhecendo aquela falta de utilidade do n.º 3 do artigo 1097.º, não vemos que isso seja suficiente para recusar aquilo que o legislador consagrou no n.º 1 do artigo 1096.º: a existência de um período mínimo imperativo de (nova) duração do contrato no caso de renovação, desde que as partes tenham acordado essa renovação. Da mesma forma que não vemos como possível interpretar o n.º 3 do artigo 1097.º à contrário sensu e, a partir dessa interpretação, concluir que aquela imperatividade só vale para a primeira renovação ou cessa quando tiverem decorrido mais de três anos sobre a celebração do contrato (era um regime legal possível, mas não encontra consagração na letra da lei).”
Ora, revertendo para o caso sub judicio, a renovação não pode ocorrer pelo prazo de 1 ano que havia sido fixado no contrato pois que este prazo é inferior ao prazo mínimo de renovação de três anos imperativamente fixado no art. 1096º, nº 1, do CC, na redação introduzida pela Lei 13/2019, de 12.2, aplicável por força do disposto no art. 12º, nº 2, 2ª parte, do CC.
Como tal, resta concluir que a renovação do contrato tem a duração de mínima de 3 anos, desde 01-05-2022 até 30-04-2025.
Logo, a oposição à renovação comunicada pela senhoria não é válida para a data para que foi comunicada (e a nova data em que isso é possível ainda não foi alcançada), só ocorrerá em 2025, tudo conforme sustentado pelo recorrente e ao contrário do consignado na sentença recorrida.
Por tudo o exposto, o recurso procede quanto a esta questão.
Por essa razão, não se conhecerão das restantes questões suscitadas, por inutilidade.
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam as Juízes desta 3ª secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação, e consequentemente, em alterar a sentença recorrida, devendo considerar-se inválida e ineficaz a oposição à renovação do contrato recebida pelo arrendatário por carta datada de 28.06.2022, mantendo-se o contrato em vigor e, em consequência, julgar improcedentes os pedidos formulados.
As custas da ação são da integral responsabilidade da Autora/Recorrida e as custas do presente recurso são da responsabilidade do Recorrente e da Recorrida na proporção de 1/5 e 4/5 ( cfr. art. 527º do CPC).
Guimarães, 26 de outubro de 2023
Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
Maria da Conceição Bucho
Margarida Pinto Gomes