CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
DESPEDIMENTO
SALÁRIOS INTERCALARES
DEDUÇÕES
PRESTAÇÃO DE PROTECÇÃO NA MATERNIDADE
Sumário


Para o cômputo das as retribuições que o trabalhador deixar de auferir, a que alude o n.º 1 do artigo 390.º do Código do Trabalho, não entram as retribuições relativas ao período em que, por motivo que não lhe é imputável, como por uma gravidez de risco, o trabalhador não podia exercer a sua actividade, recebendo o competente subsídio por parte da Segurança Social.

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP01..., C.R.L., também nos autos melhor identificada, pedindo que seja:

a) Declarado que a celebração dos sucessivos contratos a termo, certo ou incerto, constantes desta petição, salvo aqueles que, como deles consta, se destinaram à substituição dos professores neles identificados, careceu de fundamento legal válido, pelo que a estipulação do prazo é nula, e que a A. é trabalhadora efectiva da Ré desde o início do ano lectivo de 2016/2017, configurando a declaração de caducidade um despedimento ilícito.
b) Sem prejuízo de a A. poder vir a optar pela indemnização, deve a Ré ser condenada a reintegrá-la no seu posto de trabalho e a pagar-lhe todos os salários e subsídios vencidos desde a data do despedimento até à efectiva reintegração, salários e subsídios que, neste momento, ascendem a € 3.582,64, sendo:
b.1) Salário do mês de Setembro de 2021, no valor de € 1.173,00.
b.2) Subsídio de alimentação € 298,50.
b.3-144 horas de trabalho semanal não pago no ano lectivo de 2018/2019, no valor de € 2.111,14.
c) Condenada a Ré a pagar à A. 109 horas de formação não dada, o que ascende a € 1.452,90.
d) Condenada a Ré a pagar à A. quantia de € 7.500,00, a título de indemnização por danos morais.

Para a hipótese de a A. de vir a optar pela indemnização em substituição da reintegração:
a) Declarado que a celebração dos sucessivos contratos a termo, certo ou incerto, constantes desta petição, salvo aqueles que, como deles consta, se destinaram à substituição dos professores neles identificados, careceu de fundamento válido, pelo que a estipulação do prazo é nula, e que a A. é trabalhadora efectiva da Ré desde o início do ano lectivo de 2016/2017, configurando a declaração de caducidade um despedimento ilícito.
b) Condenada a Ré a pagar à A. uma indemnização pelo despedimento ilícito, indemnização calculada à razão de 60 dias de salário por cada ano de trabalho ou fracção, até à data do trânsito em julgado da decisão, o que, até ao momento, ascende a € 14.076,00.
c) Condenada a Ré a pagar à A. todos os salários e subsídios vencidos desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, salários e subsídios que, neste momento, ascendem a € 3.582,64, sendo:
c.1) Salário do mês de Setembro de 2021, no valor de € 1.173,00.
c.2) Subsídio de alimentação € 298,50.
c.3-144 horas de trabalho semanal não pago no ano lectivo de 2018/2019, no valor de € 2.111,14.
d) Condenada a Ré a pagar à A. 109 horas de formação não dada, o que ascende a € 1.452,90.

Alega para tanto, e muito em síntese, que esteve ao serviço da ré, ininterruptamente, desde o ano lectivo de 2016/2017 e até 31.08.2021, como professora, além de ter exercido os cargos de directora de turma e outros que refere.
 A 2.08.2021 a ré enviou-lhe uma carta, a comunicar a caducidade do contrato de trabalho a termo certo, com efeito reportado a 31.08.2021, quando a autora já era trabalhadora efectiva, v.g. por força da nulidade do termo aposto nos contratos de trabalho a termo certo que outorgou com a ré e que identifica.
 A declaração de suposta “caducidade do contrato” foi uma mera retaliação (designadamente por a autora ter requerido a sua admissão como cooperadora) e consubstancia um despedimento ilegal, agravado pelo facto de a autora estar à data grávida, o que havia comunicado à ré a 29.06.2021. 
A autora foi confrontada com o despedimento quando toda a sua vida estava organizava tendo em vista manter o seu posto de trabalho na ré, o que lhe provocou grande sofrimento e ansiedade e prejudicou a evolução da gravidez.
Em todo o tempo em que trabalhou para a ré esta apenas lhe proporcionou 6 horas de formação.

Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se a conciliação.
A ré apresentou contestação para, também muito em resumo, defender-se por excepção, invocando a presunção de aceitação do despedimento por parte da autora, pois que aceitou as compensações que foi recebendo pelo término dos diversos contratos de trabalho a termo, nomeadamente a relativa ao contrato que cessou, por verificação do termo, a 31.08.2021, sem nunca as devolver à ré, pelo que não pode vir agora impugnar o despedimento, acrescendo que age em abuso de direito, uma vez que ao longo do tempo aceitou as compensações, bem sabendo que as mesmas eram devidas devido à existência de contratos de trabalho a termo.
Por impugnação a ré impugnou parte da matéria alegada pela autora e alegou a sua própria versão dos factos, tendentes a demonstrar, designadamente, que houve efectivamente um aumento excepcional da sua actividade que justificou a contratação a termo da autora, mormente em 01.9.2018, e que foi a autora que por sua livre iniciativa não frequentou nenhuma acção de formação que a ré proporcionou.
Pese embora o contrato de trabalho da autora tenha cessado, por caducidade, a 31.08.2021, esta foi colocada no ensino público, pelo que, caso o despedimento se considere ilícito, terão de ser feitas as deduções do art. 390.º, n.º 2 do Cód. do Trabalho.
Deduziu reconvenção, pedindo que caso se venha a decidir estarmos perante um contrato sem termo desde 22.09.2016, as compensações que à autora foram pagas no valor de 3.448,41 Eur. (três mil, quatrocentos e quarenta e oito euros e quarenta e um cêntimo) lhe sejam devolvidas.

A autora apresentou resposta em que, no fundamental, reafirma a posição já vertida no articulado inicial e refuta as excepções deduzidas pela ré.

Em sede de despacho saneador decidiu-se julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência:
“- declarar que o contrato que a autora e a ré celebraram no dia 31.08.2018 não era válido e se converteu num contrato de trabalho por tempo indeterminado;
- declarar que a autora é trabalhadora da ré, pelo menos, desde o dia .../.../2018;
- declarar que a autora foi ilicitamente despedida pela ré desde 31.08.2021.”

Prosseguindo os autos, veio a realizar-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré a:
i. Reconhecer que a autora é sua trabalhadora desde o ano lectivo de 2016/2017, reportando-se a sua antiguidade a 21.09.2016;
ii. Reintegrar a autora no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e da antiguidade ora fixada;
iii. Pagar à autora os salários e os subsídios de férias e de Natal vencidos desde 1.10.2021 até à sua efectiva reintegração, e sobre os quais incidem as deduções fiscais e contributivas, a que se encontram sujeitos os trabalhadores, e aos quais serão ainda deduzidas as compensações pagas à autora, no valor de 3.448,41 Eur. (três mil, quatrocentos e quarenta e oito euros e quarenta e um cêntimo);
iv. Pagar à autora o valor de 179,25 Eur. (cento e setenta e nove euros e vinte e cinco cêntimos), correspondente ao subsídio de alimentação de Fevereiro de 2021 e de metade de Abril de 2021;
v. Pagar à autora o valor de 1.452,90 Eur. (mil quatrocentos e cinquenta e dois euros e noventa cêntimos), pelas horas de formação não ministradas;
vi. Pagar à autora os juros de mora vencidos e vincendos, a calcular à taxa supletiva legal, devidos desde a citação, sobre as quantias referidas de iii. a v..
Mais decide o Tribunal absolver a ré dos demais pedidos efectuados, mormente quanto ao alegado trabalho semanal não pago no ano lectivo de 2018/2019 e quanto à indemnização por danos não patrimoniais.
Custas a cargo da autora e ré, na proporção de 1/5 para 4/5.
Registe e notifique.”

Inconformada com esta decisão, dela veio a ré interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):

“I - Não se conforma a Recorrente com a condenação em [p]agar à autora os salários e os subsídios de férias e de Natal vencidos desde 1.10.2021 até à sua efectiva reintegração, e sobre os quais incidem as deduções fiscais e contributivas, a que se encontram sujeitos os trabalhadores, e aos quais serão ainda deduzidas as compensações pagas à autora, no valor de 3.448,41 Eur. (três mil, quatrocentos e quarenta e oito euros e quarenta e um cêntimo), sem que outras deduções tivessem sido plasmadas;
II - A sentença recorrida enferma de erro de julgamento, no que a matéria de facto concerne, e quanto à matéria de direito, à discordância da Recorrente prende-se com a subsunção dos factos à Lei e interpretação dessas mesmas normas;
III - A sentença recorrida viola, frontalmente, e faz, cremos, uma errada interpretação das disposições legais constantes do artigo 390.º, n.º 2, alíneas a) e c) do Código do Trabalho (C.T.) e do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.);
IV - A Apelante considera incorretamente julgado o facto 33 da factualidade dada como provada;
V - Os concretos meios probatórios, constantes do processo que impunham decisão sobre o aludido ponto da matéria de facto impugnado diversa da recorrida, são os o email remetido ao processo, a 26/maio/2022, pelo Instituto da Segurança Social do qual consta o extrato de remunerações da Autora constante de fls. … dos autos e email remetido ao processo, a 26/outubro/2022, pelo Instituto da Segurança Social do qual consta o extrato de remunerações da Autora constante de fls. … dos autos;
VI - Das aludidas comunicações efetuadas pelo Instituto da Segurança Social consta, para o que agora interessa, que desde que cessou o contrato de trabalho com a Recorrente a 31/agosto/2021, a Recorrida no dia 01/setembro/2021 foi colocada no Agrupamento Vertical de Escolas de ... com quem teve vínculo laboral até 31/agosto/2022 e que entre 01/setembro/2022 e 05/setembro/2022 esteve a receber subsídio de desemprego;
VII - Consta, ainda, que a Recorrida recebeu desde 01/setembro/2021 até setembro/2022 um total de EUR. 16.799,11€ a título de equivalência por prestação de proteção na maternidade, paternidade e adoção e desemprego total;
VIII - E que no período de tempo que mediou entre 01/setembro/2021 e 31/agosto/2022, a Recorrida recebeu do Agrupamento Vertical de Escolas de ... um total de EUR. 3.767,81€: em Novembro/2021 a quantia de EUR. 509,12€ referente ao subsídio de Natal; em junho/2022, a quantia de EUR. 1.536,90€ referente ao subsídio de férias; em agosto/2022, a quantia de EUR.1.023,20€ referente ao subsídio de Natal e em agosto/2022, a quantia de EUR. 698,59€, relativos a remunerações referentes a férias pagas e não gozadas por cessação do contrato de trabalho;
IX - Em cumprimento do artigo 640.º, n.º 1, al. c) do C.P.C., sustenta a Recorrente que respeitando o valor da prova documental deve o facto 33 ser alterado passado a ter simplesmente o seguinte teor:
- A autora foi colocada no Agrupamento Vertical de Escolas de ... no ano lectivo de 2021/2022 (1.09.2021 a 31.08.2022).
X - Devem, ainda, ser incluídos dois factos novos provados relativos aos recebimentos que a mesma auferiu durante esse período, a saber:
- Entre 01/setembro/2021 e setembro/2022 a autora recebeu EUR. 16.799,11€ a título de equivalência por prestação de proteção na maternidade, paternidade e adoção e desemprego total;
- Entre 01/setembro/2021 e 31/agosto/2022, a Recorrida recebeu do Agrupamento Vertical de Escolas de ... um total de EUR. 3.767,81€, assim discriminado: em Novembro/2021 a quantia de EUR. 509,12€ referente ao subsídio de Natal; em junho/2022, a quantia de EUR. 1.536,90€ referente ao subsídio de férias; em agosto/2022, a quantia de EUR.1.023,20€ referente ao subsídio de Natal e em agosto/2022, a quantia de EUR. 698,59€, relativos a remunerações referentes a férias pagas e não gozadas por cessação do contrato de trabalho.
XI - O Tribunal a quo ignorou a existência nos autos de elementos que davam conta da existência de rendimento proveniente de salários para efeito para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho;
XII - O concreto meio probatório, constante do processo que impunha decisão sobre o aludido ponto da matéria de facto impugnado diversa da recorrida, é o email remetido ao processo, a 26/outubro/2022, pelo Instituto da Segurança Social do qual consta o extrato de remunerações da Autora constante de fls. … dos autos;
XIII - Do aludido documento consta que a Recorrida, desde 06/setembro/2022 até à data da prolação da sentença, Janeiro/2023, teve vínculo laboral com o Agrupamento de Escolas ..., onde esteve a trabalhar, auferindo, nomeadamente, no mês de Setembro/2022, o montante de EUR. 808,04€ relativo a 15 dias a meio;
XIV - Em cumprimento do artigo 640.º, n.º 1, al. c) do C.P.C., sustenta a Recorrente que respeitando o valor da prova documental deve ser acrescentado à factualidade dada como provada o seguinte facto:
- A autora tem vínculo laboral ao Agrupamento de Escolas ... desde Setembro/2022.
XV - A alteração à decisão da matéria de facto levará a uma diferente fundamentação de facto e, naturalmente, de direito da decisão, o que determina a dedução ao montante que a Recorrente terá de pagar a título de salários intercalares - além do sentenciado valor de EUR. 3.448,41 (três mil, quatrocentos e quarenta e oito euros e quarenta e um cêntimo) relativo às compensações pagas à Recorrida pelo término dos contratos a termo - de todas as importâncias que a Recorrida auferiu, desde 01/setembro/2021 até à data em que foi reintegrada pela Recorrente, sejam as recebidas a título de salário do Agrupamento Vertical de Escolas de ... e do Agrupamento de Escolas ... quer sejam as recebidas a título de equivalência por prestação de proteção na maternidade, paternidade e adoção e desemprego total;
XVI - Foi intenção do legislador ao fixar as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 do artigo 390.º do CT que o trabalhador fosse indemnizado em função do dano que em concreto sofreu, limitando a respetiva indemnização ao dano efetivo, consequente da perda do trabalho e consequente da perda de remuneração;
XVII - Que é assim defende o Prof. Jorge Leite in Escritos Jurídico-Laborais, Coimbra Editora, pág. 228 onde se pode ler que [o] trabalhador, por força da compensatio lucri cum danno, não pode ser colocado numa situação mais vantajosa do que aquela em que estaria, se o empregador tivesse cumprindo pontualmente o contrato de trabalho e que o reconhecimento ao trabalhador, ilicitamente despedido, do direito a receber os salários intercalares, estando este a desempenhar outra actividade remunerada, que o despedimento tornou possível, ou a receber subsídio de desemprego, equivaleria a reconhecer-lhe o direito a obter um ganho superior ao que lhe era devido caso não tivesse sido despedido;
XVIII - Tal raciocínio tem respaldo no instituto da responsabilidade civil do qual resulta que não é objetivo da responsabilidade civil que o beneficiário enriqueça;
XIX - A ser como decidido em 1.ª instância, a Recorrida não obstante embolsar os salários intercalares, ainda auferiu no período compreendido entre 1/setembro/2021 e 31/agosto/2022 mais de EUR. 20.000,00€ do Agrupamento Vertical de Escolas de ... e a título de equivalência por prestação de proteção na maternidade, paternidade e adoção e desemprego total;
XX - Além disso desde Setembro/2022 pelo vínculo laboral que a Recorrida detinha com o Agrupamento de Escolas ... sempre recebeu salário;
XXI - As regras indemnizatórias ditam que nas situações em que o trabalhador tiver obtido algum rendimento resultante da cessação do contrato de trabalho, o valor desse mesmo benefício deverá ser deduzido, por forma, a que se proceda ao ressarcimento dos danos sem conceder benefícios injustificados ao mesmo;
XXII - O escopo do estabelecido no artigo 390.º do C.T. é impedir a acumulação de rendimentos - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 154/06.2TTMTS-C.P1.S1 in Direito em Dia onde se lê que [a] evolução legislativa reflete a preocupação (decorrente do princípio geral da proibição do enriquecimento sem causa/locupletamento à custa alheia) de evitar situações de dupla fonte de rendimentos, socialmente injustificadas e eticamente reprováveis, visando aproximar, tanto quanto possível, o montante decorrente da condenação a perceber do prejuízo concretamente suportado pelo trabalhador, para que o mesmo não “receba duas vezes”;
XXIII - No mesmo sentido pode ler-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 14/11/2011, e disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/a2a2a4ac675761bb802579560057b200?OpenDocument que [s]e a trabalhadora, após o despedimento, estiver em baixa médica demonstrada, não tem direito a receber as retribuições intercalares uma vez que, por força da ilicitude do despedimento, tudo se passa como se estivesse ao serviço efectivo da entidade patronal. E sendo assim, estamos ou perante faltas justificadas, sem retribuição, ou perante a suspensão do contrato de trabalho – razão pela qual não pode, sob pena de enriquecimento ilegítimo, receber simultaneamente o subsídio de doença e as retribuições;
XXIV - Por fim sempre se dirá que uma interpretação das alíneas a) e c) do artigo 390.º, n,º 2 do Código do Trabalho no sentido de não serem deduzidos aos denominados salários intercalares todas as importâncias que a Recorrida auferiu, desde 01/setembro/2021 até à data em que foi reintegrada pela Recorrente, sejam as recebidas a título de salário do Agrupamento Vertical de Escolas de ... e do Agrupamento de Escolas ... quer sejam as recebidas a título de equivalência por prestação de proteção na maternidade, paternidade e adoção e desemprego total, viola frontalmente o Princípio da Igualdade consagrado no artigo 13.º, n.º 1 da CRP;
XXV - Na interpretação do tribunal recorrido, o que é fundamentalmente igual é tratado arbitrariamente como desigual pois não se efetuando as aludidas deduções, aqueles trabalhadores que sempre trabalharam recebiam apenas os seus salários e a Recorrida, que sendo reintegrada passaria a ocupar posição igual à daqueles, receberia a dobrar, inconstitucionalidade que aqui vai expressamente invocada, nos termos e para todos os legais efeitos.”

A recorrida apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso, pois, e em suma:
“A-A decisão não merece qualquer censura.
B-A pretensão da Recorrente não se inscreve nem na letra nem no espírito do artº. 390º. do Código do Trabalho.”

E interpôs recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões:
“A-Foi alegado e deveria ter sido dado como provado que a gravidez da Recorrente era de risco.
B-Assim o nº. 20 dos factos dados como provados deveria ter a seguinte redacção “20-A 02.08.2021 a autora estava de baixa médica, por gravidez de risco, o que havia comunicado à ré a 29.06.2021”.
C-Funda-se a alteração no alegado em 56 da p.i. e no documento aí junto com o nº.15, bem como no facto dado como provado sob o nº.33 em que a Senhora Juiz Recorrida refere a “gravidez de risco” da Recorrente.
D-Resultou dos depoimentos das 4 testemunhas, acima referidos, que a Recorrente teve que recorrer a cuidados médicos de psiquiatria, o que apesar de não alegado deveria ter sido considerado provado.
E-Está provado que a Recorrente tinha toda a sua vida organizada tendo em vista continuar a trabalhar na Recorrida, tal como aliás, o veio a demonstrar optando pela reintegração.
F-A Recorrente foi despedida por motivo grosseiramente ilícito e gratuito e claramente violador do dever de solidariedade fundador de uma cooperativa.
G-Tal situação provocou-lhe sofrimento e ansiedade e obrigou-a a recorrer cuidados médicos da área da psiquiatria, como resulta dos depoimentos das 4 testemunhas acima referidas.
H-O pedido de indemnização por danos morais deveria ter sido julgado procedente.
I-Foi violado o disposto no artº. 496º. do C. Civil.”

A ré contra-alegou, tendo concluído:
“I - O recurso subordinado interposto, por carecer de qualquer fundamento de facto ou de direito, deve improceder totalmente;
II - O método adotado pela Recorrente no seu recurso invocando um conjunto diversificado de depoimentos prestados na audiência de julgamento procedendo a um resumo de cada parte dos depoimentos que lhe interessa, da sua própria autoria e sem qualquer garantia de que os mesmos reproduzam com fidedignidade os depoimentos assim retratados, não satisfaz a exigência legal da indicação dos concretos meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida;
III - O recurso da impugnação da decisão da matéria de facto fundada nos depoimentos testemunhais prestados na audiência de discussão e julgamento deve ser liminarmente rejeitado;
IV - Não sendo rejeitado liminarmente o recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, à cautela sempre se aduz que os motivos invocados pela Apelante não demonstram a aptidão, suficiência e a necessária segurança para concluir pela existência de erro de apreciação uma vez que pretende a Recorrente, nomeadamente, que seja dada como provado um facto - que a Recorrente teve de recorrer a tratamentos de psiquiatria - que nem alegado foi;
V - No que concerne à aplicação do direito aos factos, ou seja, à peticionada condenação da Recorrida no pagamento de uma indemnização por danos morais, nada ficou provado além de contrariedades e incómodos normalmente associados ao fim de qualquer uma relação laboral;
VI - A Recorrente no mesmo mês em que foi despedido foi colocada noutra escola a lecionar;
VII - Não ficou provado que o estado de gravidez de risco, anterior ao despedimento, tenha piorado com o despedimento;
VIII - Não há quaisquer danos provados que mereçam a tutela do direito, muito menos no valor manifestamente excessivo que foi peticionado, de resto, tal como vem sendo decidido pelas mais altas instâncias dos nossos tribunais.”

Admitidos ambos os recursos na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da procedência do recurso principal, interposto pela ré, nos termos que refere, e da improcedência do recurso, subordinado, apresentado pela autora.

Tal parecer não mereceu qualquer resposta.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:

Recurso principal:
a) Impugnação da matéria de facto;
b) Se à quantia que a recorrente foi condenada a pagar à recorrida a título de salários intercalares devem ser efectuadas deduções não determinadas na decisão recorrida (quantias recebidas pela recorrida, após o despedimento, a título de retribuições e a título de equivalência por prestação de protecção na maternidade);

Recurso subordinado:
a) Impugnação da matéria de facto;
b) Se a autora tem direito a uma indemnização por danos não patrimoniais.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que na decisão recorrida se consideraram provados e não provados são os seguintes (dando-se concomitantemente nota das alterações resultantes da decisão sobre a impugnação da matéria de facto):
“Factos provados:
1. A autora tem como habilitações literárias o Mestrado em Ensino de História e Geografia no 3.º ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário - Grupos de Recrutamento 400 e 420.
2. A ré trata-se de uma cooperativa, titular do Externato ..., estabelecimento de ensino, de educação e formação, tendo por objecto (...) ministrar a educação pré-escolar e escolar no âmbito do sistema educativo, cursos técnicos e de formação profissional e a educação extraescolar.
3. A autora foi admitida ao serviço da ré por contrato de trabalho a termo incerto, em 29.02.2016, para substituir a professora BB, com um horário de 22 horas semanais, contrato que cessou em 22.03.2016, data em que a referida professora voltou ao trabalho.
4. A 02.05.2016 a ré celebrou novamente com a autora, com início nesse dia, outro contrato de trabalho a termo incerto, com 22 horas semanais, para substituir a professora CC, que se encontrava doente, contrato que cessou em 23.05.2016, data em que a referida professora regressou ao trabalho.
5. Com data de 21.09.2016, mas com início a 22.09.2016, a ré celebrou com a autora um contrato de trabalho, a termo certo, com um horário de 10 horas semanais de ensino profissional (História da Cultura e das Artes), cujo termo ocorreria a 31.08.2017.
6. Nesse contrato não foi invocada qualquer justificação para que o mesmo fosse celebrado a termo certo.
7. Em 19.04.2017, foi acordado verbalmente entre as partes que a autora passaria e leccionar a disciplina de História, do ensino regular, com um horário de 22 horas semanais, o que ocorreu até 31.08.2017, deixando de leccionar o ensino profissional.
8. Em 01.09.2017 e com início nesse dia, a ré celebrou com a autora um contrato de trabalho, a termo certo, com o horário de 12 horas semanais, na disciplina de Geografia, cujo termo ocorreria em 31.08.2018.
9. Nenhuma razão foi invocada para a celebração do contrato a termo.
10. A 1.10.2017 foi feito um aditamento ao referido contrato, que passou a prever 20 horas semanais, na referida disciplina.
11. E em 19.04.2018, até 31.08.2018, foram ainda atribuídas à autora mais 2 horas semanais na disciplina da História da Cultura e das Artes.
12. Com data de 31.08.2018 e com início em 01.09.2018, a ré celebrou com a autora um novo contrato de trabalho, a termo certo, com um horário médio de 22 horas semanais e com o seu termo previsto para 31.08.2019.
13. Para o que foi invocado pela ré, na respectiva cláusula quinta, “um acréscimo excepcional de actividade …”.
14. Não obstante o horário indicado, o horário praticado, durante todo esse ano lectivo, foi de 25 horas semanais, sendo 22 horas na disciplina de História e 3 horas na disciplina de Geografia.
15. Nos anos lectivos imediatos (2019/2020 e 2020/2021) a autora continuou ao serviço da ré, sempre com horário completo.
16. No ano lectivo de 2019/2020 a autora lecionou, semanalmente, 26 horas de História e no ano lectivo de 2020/2021 lecionou, semanalmente, 22 horas de História e 2 horas de Geografia.
17. A autora esteve ao serviço da ré, ininterruptamente, desde o ano lectivo de 2016/2017 e até 31.08.2021, como professora, além de ter exercido os cargos de directora de turma, de coordenadora dos directores de turma do 2.º e 3.º ciclos, e integrou a equipa multidisciplinar de apoio à educação inclusiva (EMAEI).
18. Com data de 2.08.2021 a ré enviou à autora uma carta, a comunicar a sua intenção de “não proceder à renovação do Contrato de Trabalho … que teve início em 1 de Setembro de 2018” e que, por tal facto “o mesmo caducará em 31 de Agosto de 2021 …”.
19. Tal comunicação foi determinada pelo facto de previamente, a 12.11.2020, a autora ter requerido a sua admissão como cooperadora da ré, o que foi recusado a 10.05.2021, confirmada em Assembleia Geral de 21.06.2021, anunciando a autora à ré que iria proceder à instauração de processo judicial, assim como outros professores que requereram a atribuição desse estatuto e o viram recusado.
20. A 2.08.2021 a autora estava de baixa médica, por gravidez, o que havia comunicado à ré a 29.06.2021. (conforme determinado infra, este número tem agora a seguinte redacção: 20 - A 02.08.2021 a autora estava de baixa médica, por gravidez de risco, o que havia comunicado à ré a 29.06.2021)
21. Na data em que recebeu a comunicação referida em 18., além de estar grávida, a autora tinha a sua vida organizava tendo em vista manter o seu posto de trabalho na ré.
22.Tal comunicação provocou-lhe sofrimento e ansiedade
23. Para o grupo de Geografia em que a autora se integra, no ano lectivo de 2018/2019 a ré admitiu, a professora DD (14.09.2018 a 5.07.2019), e no ano lectivo 2019/2020 além de ter de novo contratado a referida DD (1.09.2019 a 31.08.2020) a professora EE (1.09.2019).
24. Para os anos de 2020/2021 e de 2021/2021 foi contratada a professora FF, para a disciplina de Geografia, com horário completo.
25. Também para Geografia no ano de 2021/2022, a ré contratou GG, com o horário de 6 horas e que já foi acrescido de mais 2 horas.
26. A ré não liquidou à autora o subsídio de alimentação referente ao mês de Fevereiro/2021 e metade do subsídio de refeição de Abril/2021.
27. A ré não proporcionou formação à autora durante os anos em que aquela lhe prestou o seu trabalho, com excepção de 6 horas no “projecto ...”.
28. A 31.08.2021 a ré pagou à autora, através de transferência bancária, o valor de 2.111,40 Eur. (dois mil, cento e onze euros e quarenta cêntimos), a título de “compensação por caducidade” do contrato de trabalho cessado a 31.08.2021.
29. Também a 31.08.2017 e a 31.08.2018 a ré pagou à autora, através de transferência bancária feita para o IBAN de que dispunha da mesma, o valor de 635,63 Eur. (seiscentos e trinta e cinco euros e sessenta e três cêntimos) e de 701,38 Eur. (setecentos e um euros e trinta e oito cêntimos), respectivamente, as compensações devidas pelo término dos contratos de trabalho a termo celebrados em 2016 e 2017.
30. A distribuição de serviço efectuada pela ré à autora, no ano lectivo 2018/2019, foi feita tendo por base a média de 22 horas lectivas por semana, sem considerar a componente não lectiva, para 34 semanas lectivas em 38 semanas possíveis no ano.
31. Após o referido em 28., a autora solicitou à ré a indicação de IBAN para fazer a devolução, uma vez que não aceitava aquela quantia, nem a comunicação da “caducidade do contrato” que entendeu ser um despedimento ilícito, que a ré nunca o forneceu.
32. As turmas são constituídas entre fins de Junho e Julho sendo os horários elaborados em Agosto.
33. A autora foi colocada no Agrupamento Vertical de Escolas de ... no ano lectivo de 2021/2022 (1.09.2021 a 31.08.2022), mas atenta a gravidez de risco e o nascimento do filho, esteve de baixa e de licença de maternidade, pelo que nunca ali trabalhou, auferindo somente como rendimento o referente à protecção na maternidade. (conforme determinado infra, é suprimido o segmento “auferindo somente como rendimento o referente à protecção na maternidade)

34. Do mês de Outubro de 2021 ao mês de Julho de 2022 (ambos inclusive), a Segurança Social pagou à recorrida a título de equivalência por prestação de protecção na maternidade a quantia (total) de € 13.689,30 e, referente a 5 dias do mês de Setembro de 2022 e a título de equivalência por prestação de desemprego total, foi paga à recorrida a quantia de € 296,14. (aditado à matéria de facto, conforme determinado infra)
35. O Agrupamento Vertical de Escolas de ... pagou à recorrida:
em Novembro/2021 a quantia de EUR. 509,12€ referente ao subsídio de Natal;
em Junho/2022, a quantia de EUR. 1.536,90€ referente ao subsídio de férias;
em agosto/2022, a quantia de EUR.1.023,20€ referente ao subsídio de Natal;
e em agosto/2022, a quantia de EUR. 698,59€, relativos a remunerações referentes a férias pagas e não gozadas por cessação do contrato de trabalho. (aditado à matéria de facto, conforme determinado infra)
36. A recorrida trabalhou para o Agrupamento de Escolas ... pelo menos 15 dias e meio do mês de Setembro de 2022, Agrupamento esse que pagou à autora, pelo menos, esses dias de trabalho, no montante de € 808,04. (aditado à matéria de facto, conforme determinado infra)

Factos não provados:

Não se provaram, com relevância à decisão, quaisquer outros factos, mormente:
1. Apesar do referido em 14. a ré só pagou à autora 22 horas em cada semana.
2. A comunicação feita pela ré prejudicou a evolução da gravidez da autora.
3. O subsídio de alimentação referente ao mês de Fevereiro/2021 foi pago, em 01.04.2021, mediante transferência bancária para a conta da autora.
4. Em Abril de 2021 a autora deu aulas ao 3.º ciclo presencialmente, e ao secundário, cujos alunos ainda estavam em casa, via online, mas nas instalações da ré, onde a cantina estava aberta, pelo que o subsídio de alimentação era pago em espécie.
5. A autora sempre afirmou que a celebração de contratos de trabalho a termo era a situação que melhor servia os seus interesses e que lhe era benéfica, uma vez que sendo admitida no ensino público em cada ano lectivo não precisava de cessar o contrato de trabalho com a ré, recebia as compensações devidas, trabalhava perto de casa, a tempo parcial, e podia cumular, como cumulou, o horário praticado na ré com horários parciais no serviço público, para adquirir tempo de serviço, nem tinha de cumprir o préaviso.
6. O actual Conselho de Administração da ré, em exercício de funções desde 2018, contratou a autora, mediante contrato de trabalho a termo certo, motivado por acréscimo excepcional da sua actividade, com início a 01.09.2018.
7. A sucessiva contratação a termo sempre foi motivada pelo acréscimo excepcional da actividade da ré, após a cessação do contrato da autora, uma vez que só após tal sabia o número exacto de alunos que iria ter no ano lectivo seguinte, sendo a constituição das turmas feita no mês de Agosto e nos primeiros dias do mês de Setembro.
8. Só no início de Setembro a ré sabia quantos trabalhadores teria de recrutar.
9. A colocação do dia 01.09.2018 como data do início do contrato foi feita a pedido da autora para que, assim, tivesse mais tempo de serviço contabilizado para efeitos de acesso ao ensino público, mas a mesma só foi contratada a 07.09.2018.
10. A ré fez caducar o contrato de trabalho celebrado com a autora, pelo facto da mesma se encontrar a dar história, e ter regressado ao seu posto de trabalho, no ensino de história, uma professora com maior antiguidade, HH, que deixou o Conselho de Administração, tendo a autora recusado dar a disciplina de Geografia.
11. Todos os anos a ré facultou à autora, como a todos os seus trabalhadores, o plano de formação que detinha para docentes e não docentes.
12. Foi a autora quem, por sua livre iniciativa, não frequentou nenhuma acção de formação, nem nunca entregou à ré os respectivos certificados de comparência.
      13. Auferindo [a autora/recorrida] somente como rendimento o referente à protecção na maternidade. (conforme determinado infra, é aditado este segmento aos factos não provados)

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
           
Da impugnação da matéria de facto (começando pela impugnação efectuada pela recorrente empregadora e avançando depois para a impugnação constante do recurso subordinado, apresentado pela trabalhadora):

A Apelante empregadora considera incorretamente julgado o facto n.º 33 da factualidade dada como provada, entendendo que este deve passar a ter a seguinte redacção: 33. A autora foi colocada no Agrupamento Vertical de Escolas de ... no ano lectivo de 2021/2022 (1.09.2021 a 31.08.2022).
Pugna ainda para que sejam aditados aos factos provados, os seguintes:
- Entre 01/setembro/2021 e setembro/2022 a autora recebeu EUR. 16.799,11€ a título de equivalência por prestação de proteção na maternidade, paternidade e adoção e desemprego total;
- Entre 01/setembro/2021 e 31/agosto/2022, a Recorrida recebeu do Agrupamento Vertical de Escolas de ... um total de EUR. 3.767,81€, assim discriminado: em Novembro/2021 a quantia de EUR. 509,12€ referente ao subsídio de Natal; em junho/2022, a quantia de EUR. 1.536,90€ referente ao subsídio de férias; em agosto/2022, a quantia de EUR.1.023,20€ referente ao subsídio de Natal e em agosto/2022, a quantia de EUR. 698,59€, relativos a remunerações referentes a férias pagas e não gozadas por cessação do contrato de trabalho.
- A autora tem vínculo laboral ao Agrupamento de Escolas ... desde Setembro/2022.

Fundamenta o invocado erro no julgamento da matéria de facto, na documentação remetida aos autos pela Segurança Social através dos e-mail de 26 de Maio de 2022 e de 26 de Outubro de 2022, documentos esses que não foram impugnados por qualquer forma, discorrendo que atenta a informação plasmada em tais documentos está feita a prova quer de que não é verdade que “atenta a gravidez de risco [da recorrida] e o nascimento do filho, esteve de baixa e de licença de maternidade, pelo que nunca ali trabalhou, auferindo somente como rendimento o referente à protecção na maternidade” (matéria que consta do n.º 33 dos factos provados) quer da verificação dos factos que quer ver aditados.

Entendemos que a recorrente deu suficiente cumprimento aos ónus previstos no art. 640.º do CPC.

Vejamos então.

O ponto 33. Dos factos provados tem a seguinte redacção: A autora foi colocada no Agrupamento Vertical de Escolas de ... no ano lectivo de 2021/2022 (1.09.2021 a 31.08.2022), mas atenta a gravidez de risco e o nascimento do filho, esteve de baixa e de licença de maternidade, pelo que nunca ali trabalhou, auferindo somente como rendimento o referente à protecção na maternidade.

Perscrutando os documentos identificados pela recorrente, provindos da Segurança Social, e que realmente não foram impugnados, apenas o último segmento daquele número (auferindo somente como rendimento o referente à protecção na maternidade) se mostra, aliás directa e claramente, contrariado pela informação fornecida pela Segurança Social.
Com efeito informou esta entidade que foi pago à recorrida, pelo Agrupamento Vertical de Escolas de ...:
em Novembro/2021 a quantia de EUR. 509,12€ referente ao subsídio de Natal;
em Junho/2022, a quantia de EUR. 1.536,90€ referente ao subsídio de férias;
em agosto/2022, a quantia de EUR.1.023,20€ referente ao subsídio de Natal;
e em agosto/2022, a quantia de EUR. 698,59€, relativos a remunerações referentes a férias pagas e não gozadas por cessação do contrato de trabalho.

Na motivação da decisão recorrida discorreu-se nos termos seguintes:
“Já a matéria do ponto 33 fica demonstrada através da informação remetida pela Segurança Social a 26.05.2022 e a 26.10.2022, junta de fls. 59 e 63 a 66 verso.
Toda a matéria levada aos pontos 1 a 27 e 31 a 33 dos factos provados foi corroborada pela própria autora, nas declarações que prestou em audiência de julgamento, as quais se nos afiguraram relevantes, por espontâneas, claras e circunstanciadas, bem como, na medida do conhecimento revelado, pelo teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas II, JJ, KK, LL, MM e NN, bem ainda OO e PP, sendo que estas duas apesar de arroladas pela ré, na generalidade do que relataram e depurados os seus depoimentos, acabaram por igualmente corroborar a versão da autora.
(…)
Estes depoimentos secundaram ainda a afirmação relativa à circunstância de no ano lectivo de 2021/2022 a autora não ter auferido rendimentos de trabalho, o que já resultava da documentação junta, já que apesar de colocada no ensino público, em ..., esteve de baixa médica, situação que já ocorria quando ainda trabalhava na ré, em face de uma gravidez de risco, seguindo-se o gozo da licença de maternidade, período em que auferiu somente os respectivos subsídios de doença e de protecção à maternidade.”

Ora, não podemos concordar com este iter motivador da convicção da M.ª Juíza a quo.

Efectivamente, constando de forma expressa, e clara, aquela informação dos autos, que a recorrida não impugnou, nem os depoimentos das ditas testemunhas contrariaram, não pode deixar-se de ter por adquirido que a recorrida recebeu tais importâncias, com aquela razão de ser, e reportando-se, pois, à relação laboral que se estabelecera entre a recorrida e o Agrupamento Vertical de Escolas de ... (trata-se de retribuições em sentido amplo, que é o contemplado no art. 390.º/1 do CT, entendimento esse, aliás, perfilhado na decisão recorrida, e o que não vem questionado em nenhum dos recursos).
Suprime-se, assim, o segmento “auferindo somente como rendimento o referente à protecção na maternidade da redacção do n.º 33 do elenco dos factos provados, matéria que transita para os factos não provados.

Prosseguindo a análise há que dizer, em primeiro lugar, que é perfeitamente irrelevante a factualidade que a recorrente pretende ver aditada com referência ao mês de Setembro de 2021 porquanto, conforme consta do dispositivo da sentença impugnada, a recorrente foi condenada a pagar à recorrida “os salários e os subsídios de férias e de Natal vencidos desde 1.10.2021” (sublinhamos), sendo que nesta parte a decisão não foi objecto de recurso.
Se a recorrente não tem que pagar a «retribuição de tramitação» respeitante a esse período – 01 a 30 de Setembro de 2021 -, é a nosso ver óbvio e incontroverso que relativamente a tal período também não pode deduzir qualquer importância que a recorrida, no que tange ao mesmo período de tempo, eventualmente tenha auferido “e que não receberia se não fosse o despedimento”.
Como assim - é acto que, no caso, se revela perfeitamente inútil -, e nessa parte, não se procederá à reapreciação da prova.[1]

Assinala-se também desde já que a recorrente em sede de contestação alegou que “no mês de Agosto de 2021, a Autora foi colocada no ensino público, numa escola na área geográfica de ...”, requerendo que fossem pedidas informações à Segurança Social quanto às remunerações auferidas pela autora após a data do despedimento, e solicitando que (caso viesse a ser condenada no pagamento das retribuições de tramitação) fossem feitas as deduções previstas no art. 390.º/2 a) e b) do CT.

Dito isto, os documentos em questão provam que entre 01/setembro/2021 e setembro/2022 a autora recebeu EUR. 16.799,11€ a título de equivalência por prestação de proteção na maternidade, paternidade e adoção e desemprego total ?
Como resulta do que supra já dissemos, no que tange ao mês de Setembro de 2021 nem interessa nem vamos apreciar a questão.
Quanto ao mais, e analisado o extracto de remunerações junto pela Segurança Social, e os valores que do mesmo constam como pagos à recorrida, resulta que, nos meses de Outubro de 2021 ao mês de Julho de 2022 (ambos inclusive), foi paga à recorrida a título de equivalência por prestação de protecção na maternidade a quantia de € 13.689,30 e, referente a 5 dias do mês de Setembro de 2022 e a título de equivalência por prestação de desemprego total, foi paga à recorrida a quantia de € 296,14.
É esta factualidade, pois, que se considera provada, aditando-se ao rol dos factos provados.

E dos mesmos documentos extrai-se, com a segurança necessária, que entre 01/setembro/2021 e 31/agosto/2022, a Recorrida recebeu do Agrupamento Vertical de Escolas de ... um total de EUR. 3.767,81€, assim discriminado: em Novembro/2021 a quantia de EUR. 509,12€ referente ao subsídio de Natal; em junho/2022, a quantia de EUR. 1.536,90€ referente ao subsídio de férias; em agosto/2022, a quantia de EUR.1.023,20€ referente ao subsídio de Natal e em agosto/2022, a quantia de EUR. 698,59€, relativos a remunerações referentes a férias pagas e não gozadas por cessação do contrato de trabalho ?
           
Do que acima já se disse com referência à impugnação do ponto 33. da matéria de facto, decorre outrossim, sem qualquer dúvida, que está provado que foi pago à recorrida, pelo Agrupamento Vertical de Escolas de ...:
em Novembro/2021 a quantia de EUR. 509,12€ referente ao subsídio de Natal;
em Junho/2022, a quantia de EUR. 1.536,90€ referente ao subsídio de férias;
em agosto/2022, a quantia de EUR.1.023,20€ referente ao subsídio de Natal;
e em agosto/2022, a quantia de EUR. 698,59€, relativos a remunerações referentes a férias pagas e não gozadas por cessação do contrato de trabalho, que é a factualidade que se mostra relevante no caso e que, assim, igualmente se adita ao elenco dos factos provados.

Extrai-se ainda dos mesmos documentos, sem margem para qualquer dúvida razoável, que a autora tem vínculo laboral ao Agrupamento de Escolas ... desde Setembro/2022 ?
A informação que, a propósito, consta da dita documentação, é que o identificado Agrupamento de Escolas pagou à recorrida, a título de pagamento da remuneração base de 15 dias e meio de trabalho do mês de Setembro de 2022, a quantia de € 808,04.
Donde, e à luz das regras da experiência, apenas se considera provado que a recorrida trabalhou para o Agrupamento de Escolas ... pelo menos 15 dias e meio do mês de Setembro de 2022, Agrupamento esse que pagou à autora, pelo menos, esses dias de trabalho, no montante de € 808,04, matéria esta que também se adita à lista dos factos provados.

Relativamente à impugnação da matéria de facto efectuada pela autora, no recurso subordinado:
           
Como resulta da transcrição supra, sob o nº. 20 da factualidade tida como provada, está assim considerado que “A 02.08.2021 a autora estava de baixa médica, por gravidez, o que havia comunicado à ré a 29.06.2021”.
Ora a recorrente/autora pretende que no facto dado como provado nesses termos, se acrescente que a gravidez era de risco, passando o n.º 20 dos factos provados a ter a seguinte redacção:
20-A 02.08.2021 a autora estava de baixa médica, por gravidez de risco, o que
havia comunicado à ré a 29.06.2021.

Adrede, diz que a Mm.ª Juiz a quo omitiu, seguramente por lapso, o facto de se tratar de gravidez de risco, o que alegou em 56.º da p.i. e resulta do certificado de incapacidade temporária (baixa médica) que a recorrente enviou à recorrida com a sua comunicação de 29/06/2021, documentos esses que foram juntos com a p.i., como  doc....5 sendo que, aliás, no facto dado como provado sob o nº. 33, a Mm.ª Juiz refere-se à “gravidez de risco” da recorrente, tal como para esse facto remete a recorrida nas suas alegações no recurso principal.

O referido doc. ...5 da petição inicial é constituído, no que aqui releva, por um e-mail enviado pela agora recorrente à agora recorrida (nas pessoas de QQ EMP01... e de NN), no dia 29 de Junho de 2021, através do qual a autora dava conhecimento de que se encontrava de baixa médica, tendo enviado à recorrente, em anexo a esse e-mail, o certificado de incapacidade temporária para o trabalho, de 29/6 a 28/7 de 2021, por gravidez de risco clínico, conforme assinalado no respectivo campo desse certificado.

A ré e aqui recorrida, tomando posição quanto a esse documento (art. 50.º da contestação), limitou-se a dizer que o impugna “com o sentido e o alcance que a Autora deles pretende extrair”.

Nem impugna o seu recebimento/conhecimento, nem o teor do mesmo.

Assim, não pode duvidar-se que já desde 29.6.2021 a recorrida teve conhecimento da situação de gravidez de risco vivenciada pela autora, nem existe qualquer razão para duvidar da exactidão do facto assim comunicado pela recorrida à recorrente.

O número 20 dos factos provados passa, pois, a ter a redacção proposta pela autora/recorrente.

Na conclusão D) do recurso subordinado a recorrente afirma que Resultou dos depoimentos das 4 testemunhas, acima referidos [II, JJ, KK e LL, todos professores na EMP01... no período temporal em questão], que a Recorrente teve que recorrer a cuidados médicos de psiquiatria, o que apesar de não alegado deveria ter sido considerado provado.

Na resposta a este recurso a recorrida EMP01... alegou, a nosso ver com inteira pertinência:
“A delimitação do âmbito probatório do recurso em caso de reapreciação da prova gravada deve ser feita preferencialmente por referência à numeração temporal do registo áudio de cada um dos concretos excertos que se invoquem como fundamento da discordância, com identificação da hora, dos minutos e dos segundos de início e de fim de cada uma dessas passagens da gravação, embora se admita que também possa ser feita pela transcrição desses concretos excertos em termos de ficar claro para o tribunal de recurso quais as concretas partes de que depoimentos devem ser ponderadas e analisadas na reapreciação da matéria de facto.
Pelo que, o método adotado pela Recorrente no seu recurso invocando um conjunto diversificado de depoimentos prestados na audiência de julgamento procedendo a um resumo de cada parte dos depoimentos que lhe interessa, da sua própria autoria e sem qualquer garantia de que os mesmos reproduzam com fidedignidade os depoimentos assim retratados, não satisfaz a exigência legal da indicação dos concretos meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida e, no caso de prova gravada, das concretas passagens da gravação a analisar pelo tribunal de recurso, pelo que, o recurso interposto pela Apelante – quanto à impugnação da decisão da matéria de facto – fundado nos depoimentos testemunhais prestados na audiência de discussão e julgamento deve ser liminarmente rejeitado.”

Efectivamente a recorrente não deu cumprimento ao ónus de indicar as passagens da gravação, nem tampouco procedeu à transcrição dessas passagens, mas efectuou sumulas do que entendeu relevante para a sua pretensão.
Sucede que nos termos do art. 640.º, n.º 1 al. b), do CPC (aplicável por força do art. 1.º/2 a) do CPT), o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto deve, além do mais, especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, sendo que, dispõe o número 2, al. a), do mesmo artigo:
“No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (sublinhamos)

O recurso é, pois, inadmissível nesta parte, indo rejeitado.

Sempre se dirá que para além de não ter sido dado cumprimento ao art. 72.º/1 do CPT, e não obstante se trate aqui de matéria que não exige especiais conhecimentos, v.g. técnico-científicos (está em causa tão só se a recorrente teve que recorrer a cuidados médicos de psiquiatria), o certo é que a recorrente não junta qualquer documento pertinente para a prova que pretende fazer, o que a ser verdade o que, agora, alega facilmente poderia juntar, sendo que, por outro lado, os depoimentos testemunhais que traz à colação, e ainda que possam autorizar as mencionadas sumulas efectuadas pela recorrente, não seriam bastantes para determinar/impor a pretendida alteração da decisão de facto: a testemunha KK nada disse de relevante, a testemunha JJ mostrou-se periclitante acerca dessa matéria, e não se percebe a solidez das declarações a esse propósito emitidas pelas restantes duas testemunhas indicadas.

Se à quantia que a recorrente empregadora foi condenada a pagar à recorrida a título de salários intercalares devem ser deduzidas as quantias recebidas pela recorrida, após o despedimento, a título de retribuições e a título de equivalência por prestação de protecção na maternidade:
           
Na decisão recorrida discorreu-se:
Face à ilicitude do despedimento, e face à posição assumida pela autora, deve a entidade empregadora indemnizar a trabalhadora por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados e reintegrá-la no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade. – cfr. arts. 389.º, n.º 1 e 391.º do Código do Trabalho.
Além disso, terá a entidade empregadora que pagar as retribuições que a autora deixou de auferir desde a data do despedimento (ou desde os 30 dias anteriores à propositura da acção, como aqui será o caso, por a acção não ter sido posta nos trinta dias subsequentes ao despedimento) até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, de acordo com o estatuído no art. 390.º do Código do Trabalho.
Porém, a tal valor deverão ser descontadas as compensações que à autora foram pagas no término dos contratos de trabalho celebrados com a ré, mormente a 31.08.2021, a 31.08.2018 e a 31.08.2017, no valor global de 3.448,41 Eur. (três mil, quatrocentos e quarenta e oito euros e quarenta e um cêntimo).
Pretendia ainda a ré que fosse descontado o valor dos salários que a autora recebeu neste interregno de tempo, porém, e tal como resulta do ponto 33 dos provados, no ano lectivo de 2021/2022 (1.09.2021 a 31.08.2022), a autora esteve de baixa e de licença de maternidade, pelo que só auferiu como rendimento o referente ao subsidio de doença e à protecção na maternidade.”

Não aderimos ao entendimento sufragado neste último parágrafo, quer porque por força da alteração da matéria de facto são outros os pressupostos fácticos que cumpre analisar, quer porque a nosso ver sempre o enquadramento jurídico não é inteiramente correcto.

Assim, sob os pontos 35 e 36 dos factos provados está assente:
35. O Agrupamento Vertical de Escolas de ... pagou à recorrida:
em Novembro/2021 a quantia de EUR. 509,12€ referente ao subsídio de Natal;
em Junho/2022, a quantia de EUR. 1.536,90€ referente ao subsídio de férias;
em agosto/2022, a quantia de EUR.1.023,20€ referente ao subsídio de Natal;
e em agosto/2022, a quantia de EUR. 698,59€, relativos a remunerações referentes a férias pagas e não gozadas por cessação do contrato de trabalho.
36. A recorrida trabalhou para o Agrupamento de Escolas ... pelo menos 15 dias e meio do mês de Setembro de 2022, Agrupamento esse que pagou à autora, pelo menos, esses dias de trabalho, no montante de € 808,04.

É fora de dúvida que a trabalhadora/recorrida auferiu estas importâncias em razão da cessação do contrato que manteve com a recorrente, e que não receberia se não fosse o despedimento, i. é, que se trata de importâncias (em princípio) relevantes para efeitos da dedução prevista na al. a) do n.º 2 do art. 390.º do CT.

Afigura-se, todavia, que nem é este o argumento que fundamentalmente está em causa.
Com efeito, estabelece o n.º 1 do art. 390.º do CT que numa situação de despedimento ilícito como a que aqui está em causa “o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.”

As retribuições que o trabalhador deixa de auferir são, naturalmente, as que receberia se o contrato de trabalho, ao invés de ter cessado pelo despedimento, se tivesse mantido.

Ora, se o contrato de trabalho se tivesse mantido a autora não receberia da ré as retribuições respeitantes ao período (e no que agora interessa averiguar) de Outubro/2021 até, pelo menos, 31 de Agosto de 2022, isto porque, durante todo esse período, a autora não esteve a trabalhar, mas sim de baixa médica e de licença de maternidade – cf. número 33 dos factos provados e art.s 296.º/1 e 295.º/1 do CT.

Como se defendeu em Ac. RP de 19-05-2014[2], e na síntese do respectivo sumário:
“I - Face ao disposto no n.º 1 do artigo 390.º do Código do Trabalho, em caso de despedimento ilícito, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento;
II - Porém, se nesse período, ou em parte desse período, ainda que se mantivesse o contrato de trabalho, por motivo que não lhe é imputável, maxime, por doença, o trabalhador não podia exercer a actividade, tal significa que em relação ao período em causa o não cumprimento da obrigação por parte do trabalhador não é imputável à empregadora, e, por consequência, que esta não deve suportar a sua contraprestação (pagamento da retribuição);”
           
Como escreveu Júlio Manuel Vieira Gomes[3] (conquanto não à luz da legislação actual, mas o que para o caso a nosso ver não releva: o que difere é que em vez de estar em causa as retribuições até à data da sentença, como então, estão agora em causa as retribuições até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento), “Esta indemnização corresponde, no fundo, ao ressarcimento de um lucro cessante.”

A recorrida refere que “De facto, vista a citada disposição [n.º 2 do art. 390.º do CT], a Recorrida não recebeu qualquer subsídio de desemprego, já que assim não podem considerar-se as prestações sociais decorrentes da sua gravidez de risco nem os subsídios decorrentes da maternidade, prestações que, aliás, a Recorrente, apesar de o despedimento ser grosseiramente ilícito, também não tem que devolver à Segurança Social.”
           
Salvo o devido respeito, tem razão no que diz mas não é esse o ponto.

Não está efectivamente em causa deduzir (ao montante que a recorrente haja de pagar à recorrida a título de «retribuições de tramitação») as importâncias que a Segurança Social pagou à recorrida e a que alude o n.º 34 dos factos provados, para o que, à luz do disposto no art. 390.º do CT, não vislumbramos fundamento legal, mas sim a não contabilização nesse mencionado montante, a que se reporta o numero 1 do mesmo artigo, de salários referentes ao período de Outubro de 2021 a Agosto de 2022, ambos inclusive.

É este o enquadramento jurídico que nos parece correcto, e o Tribunal não está vinculado ao direito invocado pelas partes para sustentarem as suas pretensões – art. 5.º/3 do CPC.

Ante o exposto, temos de concluir que a recorrida (para além da relativa ao mês de Setembro/2021) não tem direito às retribuições relativas ao período que mediou entre Outubro de 2021 a Agosto de 2022.

Da indemnização da autora por danos não patrimoniais:

A este propósito consignou-se na sentença recorrida:
“O art. 496.º, n.º 1 do Código Civil estabelece que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Segundo o art. 562.º do Código Civil, na reparação do dano vigora o princípio da reconstituição natural. Não sendo tal possível, deve o tribunal fixar uma indemnização em dinheiro, nos termos do art. 566.º, n.º 1 do Código Civil, de acordo com a teoria da diferença: o valor daquela deve corresponder à diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos – n.º 2 da norma. Caso não seja possível averiguar do valor exacto dos danos, o tribunal recorrerá à equidade, dentro dos limites que tiver por provados (art. 566.º, n.º 3).
Para o cálculo do valor dos danos não patrimoniais, diz-nos o art. 496.º, n.º 3 do Código Civil que deve o tribunal proceder equitativamente, tendo em conta as circunstâncias referidas no art. 494.º - o grau de culpa do agente, a situação económica deste e a do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Alegou a autora e provou que na data em que recebeu a comunicação do despedimento, estava grávida e tinha a sua vida organizava tendo em vista manter o seu posto de trabalho na ré, pelo que tal comunicação lhe provocou sofrimento e ansiedade.
Ora, no despedimento ilícito, importa considerar que, estando em causa uma cessação da relação laboral que não foi pretendida pelo trabalhador, é natural que este se sinta revoltado, magoado e/ou ansioso. Por outro lado, é igualmente normal que estes sentimentos gerem tristeza e provoquem algum sofrimento ao trabalhador despedido/dispensado.
Porém, a indemnização por danos não patrimoniais não foi admitida pelo legislador em termos gerais, mas apenas para situações excepcionais que justifiquem a tutela do direito, deve exigir-se uma conduta especialmente censurável do empregador e que os danos não patrimoniais sofridos pelo trabalhador sejam especialmente graves, não se confundindo com aqueles que sempre ocorrem em situações idênticas.
No caso dos autos, a única diferença apurada em relação a outras situações, é o estado de gravidez da autora, porém, apesar de a autora ter alegado, não provou, que aquela comunicação da suposta caducidade do contrato, teve qualquer reflexo negativo na evolução da sua gravidez. - cfr. ponto 2 dos não provados.
Pelo que, os alegados danos não patrimoniais correspondem àqueles que são habituais em situações de despedimento ilícito, não ocorrendo qualquer particularidade que justifique a atribuição de uma indemnização específica para o seu ressarcimento.”

Concordamos com este entendimento, sendo que a alteração na redacção do ponto 20 dos factos provados não tem a virtualidade, por falta de relevância (a autora/recorrente   já se encontrava com uma gravidez de risco, sendo que, como se nota na sentença, a mesma não provou que a comunicação da suposta caducidade do contrato – que, apesar de ter aposto um termo nulo, estava assim formalizado (n.º 12 dos factos provados) - teve qualquer reflexo negativo na evolução da sua gravidez), de o alterar.

Diz a recorrente que “(…) a gravidez quando qualificada como de risco é-o tanto para a mãe como para o filho, pelo que, só por si, tal facto, como é do conhecimento geral, é gerador de preocupação, ansiedade, angústia, sofrimento”. Mesmo que assim seja, tal facto, em si, não pode imputar-se à recorrida.

O ter-se provado que a comunicação da caducidade do contrato/despedimento provocou sofrimento e ansiedade à recorrente nada esclarece ou concretiza quanto à sua dimensão, v.g. se se prolongaram ou não no tempo e se implicaram ou não o recurso a cuidados médicos, isto é não permite aferir em que medida, nomeadamente se de forma grave, o despedimento se reflectiu negativamente na vida da autora.

Por isso que nos parece acertada a afirmação do Tribunal a quo de que “os alegados danos não patrimoniais correspondem àqueles que são habituais em situações de despedimento ilícito, não ocorrendo qualquer particularidade que justifique a atribuição de uma indemnização específica para o seu ressarcimento.”

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação da autora e, na procedência parcial do recurso principal, confirmando em tudo o mais a decisão recorrida, alterar o ponto iii. do dispositivo que passa a ter a seguinte redacção:
iii. [condeno a ré a] Pagar à autora os salários e os subsídios de férias e de Natal vencidos desde 01.9.2022 até à sua efectiva reintegração, e sobre os quais incidem as deduções fiscais e contributivas, a que se encontram sujeitos os trabalhadores, e aos quais serão ainda deduzidas as compensações pagas à autora, no valor de 3.448,41 Eur. (três mil, quatrocentos e quarenta e oito euros e quarenta e um cêntimo);
Custas da apelação da ré por ambas as partes, na proporção de metade por cada uma.
Custas da apelação da autora a cargo da mesma recorrente.
Notifique.

Guimarães, 26 de Outubro de 2023

Francisco Sousa Pereira (relator)
Vera Maria Sottomayor
Antero Veiga



[1] Cf. neste sentido Ac. STJ de 14-07-2021, Proc. 65/18.9T8EPS.G1.S1, Fernando Baptista, e Ac. RE de 24-02-2022, Proc. 556/20.1T8PTG.E1, Paula do Paço,  ambos in www.dgsi.pt
[2] Proc. 816/09.2TTVNF.P3, João Nunes, www.dgsi.pt; Cf., em sentido que se afigura concordante, Ac.s STJ de 04-05-2011, Proc. 444/06.4TTSNT.L1.S1, Fernandes da Silva, e de 27-10-2016, Proc. n.º 808/09.1TTBCL.P1.S1, Ribeiro Cardoso, www.dgsi.pt
[3] In Algumas observações críticas sobre a jurisprudência recente em matéria de retribuição e afins, IV Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Almedina, pág. 73.