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ACIDENTE DE TRABALHO
ACIDENTE IN ITINERE
INTERVALO PARA ALMOÇO
Sumário
É acidente de trabalho, in itinere, aquele que ocorre dentro do intervalo para o almoço, no percurso para um estabelecimento que dista das instalações da empregadora cerca de 200/300 metros, e onde a sinistrada pretendia tomar café, aproveitando para confraternizar com as colegas de trabalho, depois de ter tomado o almoço, que trouxera de casa, nas instalações da empregadora.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
AA, com os sinais dos autos, participou ao competente Juízo do Trabalho ter sido vítima de um acidente de trabalho quando trabalhava para EMP01..., Lda., que melhor identificou, e sendo seguradora EMP02..., ..., S.A. – Sucursal em Portugal, também nos autos melhor identificada.
Decorrida a fase conciliatória do processo, as partes não chegaram a acordo, uma vez que, quer a seguradora, quer a entidade patronal, não aceitaram a existência do acidente, a sua caracterização como acidente de trabalho, o nexo causal entre o mesmo e as lesões e bem assim o resultado do exame médico-legal.
A sinistrada AA, representada pelo Ministério Público, requereu, dando entrada da petição inicial, a abertura da fase contenciosa do processo contra a seguradora EMP02..., ..., S.A. – Sucursal em Portugal e EMP01..., Lda., formulando o seguinte pedido:
“deverá a presente ação ser julgada procedente, por provada, e em consequência serem as Rés condenadas a pagar ao Autor, na medida da responsabilidade de cada uma delas:
A. A Ré Seguradora:
- €136,66 de pensão anual e vitalícia, com início a 10-04-2021, nos termos do disposto nos artigos 48.º, n.ºs 2 e 3, alínea c), 50.º, 71.º, n.º 1 a 3, 75.º, n.º 1 e 79.º, n.ºs 4 e 5 da Lei n.º 98/2009, de 04/09;
- a quantia de €2096,65 por incapacidades temporárias nos termos do disposto nos artigos 48.º, n.ºs 2 e 3, alíneas d) e e), 50.º, 71.º, n.º 1 a 3, 75.º, n.º 1 e 79.º, n.ºs 4 e 5 da Lei n.º98/2009, de 04/09, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa de 4%, desde o seu vencimento até integral pagamento;
- a quantia de € 20,00 a título de despesas com as deslocações ao GML de Braga e a este Tribunal, que aceitou pagar, nos termos do disposto nos artigos 25.º, n.º 1, alínea f) e 39.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa de 4%, desde o seu vencimento até integral pagamento;
- juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias reclamadas, calculados à taxa de 4%, devidos desde o dia seguinte ao da alta até integral pagamento artigo 135.º do Código do Processo do Trabalho e Portaria n.º 291/03, 08/04.
B. A Ré EMP01..., Ld.ª:
- €1,54 de pensão anual e vitalícia, com início a 10-04-2021, nos termos do disposto nos artigos 48.º, n.ºs 2 e 3, alínea c), 50.º, 71.º, n.º 1 a 3, 75.º, n.º 1 e 79.º, n.ºs 4 e 5 da Lei n.º 98/2009, de 04/09;
- a quantia de €23,63 por incapacidades temporárias nos termos do disposto nos artigos 48.º, n.ºs 2 e 3, alíneas d) e e), 50.º, 71.º, n.º 1 a 3, 75.º, n.º 1 e 79.º, n.ºs 4 e 5 da Lei n.º 98/2009, de 04/09, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa de 4%, desde o seu vencimento até integral pagamento;
- juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias reclamadas, calculados à taxa de 4%, devidos desde o dia seguinte ao da alta até integral pagamento artigo 135.º do Código do Processo do Trabalho e Portaria n.º 291/03, 08/04.”.
Alegou, para o efeito, e em síntese, ter sofrido um acidente de trabalho no dia ... de Dezembro de 2020, pelas 12 horas e 50 minutos, quando trabalhava, como costureira, para EMP01..., Lda., mediante a retribuição anual ilíquida de € 9.871,20, ocorrido nas seguintes circunstâncias: quando após ingerir o almoço que trouxe de casa, em local destinado para o efeito, situado no interior das instalações ré empregadora, saiu daquelas instalações acompanhada por outras colegas de trabalho, e dirigiram-se, como habitualmente, ao estabelecimento “EMP03...”, situado a cerca de 200/300 metros das mesmas, para tomarem café e assim terminarem a sua refeição, no momento em que efectuavam esse percurso, a pé, a autora tropeçou, caindo ao solo, sofrendo fractura da tacícula radial direita e luxação interfalângica proximal do 3.º dedo da mão direita, que lhe determinaram 112 dias de incapacidade temporária absoluta, e se consolidaram clinicamente em 9 de Abril de 2021, com rigidez da interfalângica proximal do 3.º dedo da mão direita, a que perito médico do GML atribuiu uma IPP de 2 %.
Mais alegou que a sua entidade empregadora tinha a responsabilidade infortunística transferida para a ré Seguradora, através de contrato de seguro válido, pela retribuição anual ilíquida de € 9.761,20, e que despendeu a quantia de € 20 em transportes, nas suas deslocações para comparência obrigatória ao GML de Braga e ao Tribunal, para a realização de exame médico e tentativa de conciliação, respectivamente.
Ambas as rés contestaram.
A ré Seguradora, aceitando a transferência da remuneração da sinistrada através de contrato de seguro de apólice n.º ...68, pela retribuição anual de € 9.761,20, enjeitou a sua responsabilidade por considerar que o acidente descrito ocorreu dentro do período temporal destinado ao descanso para almoço, em que a Autora não está vinculada à prestação do trabalho, sendo livre de dispor do seu tempo e em sítio distinto do seu local de trabalho, isto é, teve origem numa interrupção do seu trabalho, para satisfação de uma necessidade pessoal.
A ré EMP01..., Lda. admitindo que a Autora era efectivamente sua trabalhadora à data dos factos descritos na petição inicial, alegou não conseguir determinar as circunstâncias em que o acidente ocorreu uma vez que tal sucedeu fora das suas instalações.
Foi realizado exame médico por junta médica e, entretanto, proferida decisão determinando que a sinistrada:
» esteve afectada dos seguintes períodos de incapacidade temporária:
- incapacidade temporária absoluta de 112 dias, desde o dia .../.../2020 a .../.../2020;
» está clinicamente curada, sendo portadora de sequelas que determinam uma incapacidade permanente parcial de 1 % ( 0,01), desde o dia seguinte ao da consolidação das lesões, ocorrida em .../.../2021.
Prosseguindo os autos, realizou-se a audiência final e foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Face ao exposto, julga-se a presente acção procedente, e, em consequência:
A. condena-se a Ré “EMP02..., ..., S.A. – Sucursal em Portugal” a pagar à Autora AA:
» a pensão anual de € 68,33 com início em 10.04.2021, a que corresponde o capital de remição de € 988,74 (€ 68,33 x 14,470), a que acrescem juros legais à taxa legal de 4% contados desde o dia a seguir à alta até efectivo e integral pagamento (cfr. artigos 50.º, n.º 2 da Lei 98/2009, de 4/09 e 805.º, n.º 2, a), 806.º e 559.º do Código Civil);
» a quantia de € 2.096,65, relativamente a indemnização por incapacidades temporárias sofridas, acrescida de juros desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até efectivo e integral pagamento;
» a quantia de € 20, a titulo de despesas de deslocação, acrescida de juros de mora desde a data da realização da diligência de não conciliação até integral pagamento.
B. a “EMP01..., Lda.” a pagar à Autora AA:
» a pensão anual de € 0,77 com início em 10.04.2021, a que corresponde o capital de remição de € 11,14 (€ 0,77 x 14,470), a que acrescem juros legais à taxa legal de 4% contados desde o dia a seguir à alta até efectivo e integral pagamento (cfr. artigos 50.º, n.º 2 da Lei 98/2009, de 4/09 e 805.º, n.º 2, a), 806.º e 559.º do Código Civil);
» a quantia de € 23,63 relativamente a indemnização por incapacidades temporárias sofridas, acrescida de juros desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até efectivo e integral pagamento.
» Custas da acção a suportar pelos responsáveis, na proporção da responsabilidade. (Cfr. Artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)
Valor da acção alterado nos termos do artigo 120.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho: € 3.140,16 (cfr. artigos 297.º, n.º 1, 299.º, n.º 1, 306.º do Código de Processo Civil e artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho).
Notifique.”
Inconformada com esta decisão, dela veio a ré seguradora interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam com as seguintes conclusões (transcrição):
“1. A Recorrente não se conforma com a douta sentença de fls. ..., que considera o pedido do Autor procedente por provado e, consequentemente, na condenação ali aplicada.
2. Salvo melhor opinião, a sentença recorrida no que respeita ao percurso valorativo da prova produzida, fez uma errada apreciação dos meios disponíveis e uma incorrecta interpretação e aplicação da lei.
3. Entende a Recorrente que, salvo melhor opinião, o supra concreto ponto 16) dos factos provados foi erradamente julgado, no que respeita ao segmento "para tomarem café e assim terminarem a sua refeição.” existindo nos autos, elementos suficientes para proceder à alteração destes factos.
4. O Tribunal a quo formou a sua convicção acerca das circunstâncias do acidente no depoimento das testemunhas.
5. Contudo, da prova produzida resulta manifestamente evidente que o Autor, tomou a decisão voluntária e consciente de após ter tomado a sua refeição no refeitório da sua Entidade Empregadora, sair do seu local de trabalho para tomar café.
6. Portanto, Autor por sua única iniciativa e satisfação de uma necessidade estritamente pessoal, dirigir-se a um estabelecimento comercial para aí consumir café.
7. Caberia ao Autor fazer prova das condições da máquina do café, se fosse esta a razão que levou o mesmo à deslocação a um estabelecimento comercial o que, in casu, não ocorreu.
8. É inequívoco que o Autor, ao deslocar-se a um estabelecimento comercial com os seus colegas de trabalho, desconectou-se de modo próprio da sua atividade laboral.
9. Assim, impunha-se que o Tribunal a quo considerasse que o Autor actuou por forma a satisfazer uma necessidade pessoal, tendo este criado um risco associado àquela deslocação ao estabelecimento comercial para a toma do café, risco este que era totalmente desnecessário.
10. Salvo devido respeito, a sentença ora impugnada padece de manifesto erro de julgamento, quer quanto à realidade factual, como quanto à aplicação do direito, devendo ser alterada, nos precisos termos ora invocados.
11. O evento em apreço não se subsume à previsão das alíneas a) a h) do n.º1 do artigo 9.º nem alíneas a) a f) do n.º2 da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro e, portanto, não pode ser qualificável como acidente de trabalho, nem tão pouco, in itinere.
12. Com relevância para esta questão, chama-se à colação o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17 de Novembro de 2016, Processo n.º 987/14.6T8VNF.G1.
13. Não pode a aqui Recorrente ser responsabilizada por um ato/conduta adoptada pelo Autor relacionada com a esfera privada exclusiva do mesmo e que em nada está relacionada com a sua actividade profissional.
14. Salvo melhor opinião, pelo supra exposto, não pode ser outra interpretação a efectuar que não a absolvição da aqui Recorrente.”
A recorrida apresentou contra-alegação, pugnando, conforme conclusões infra, pela improcedência do recurso:
1. (…)
5. A recorrente continua a não aceitar a caracterização do acidente em causa como de trabalho.
6. Assim, argumenta que a prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento e a prova documental que apresentou impõe que, no ponto F, dos factos provados deve ser excluído o segmento final, ou seja, a parte em que o Tribunal a quo considerou que a autora e as suas colegas para concluírem a sua refeição de almoço resolveram tomar café em estabelecimento exterior às instalações da ré EMP01..., Lda., a qual colocou à sua disposição uma máquina de vending onde aquelas podiam adquirir tal bebida.
7. Salvo o devido respeito, da sua análise, em nosso modesto entender, retira-se precisamente o contrário.
8. Com efeito, de forma convergente, escorreita e credível, as testemunhas presenciais do acidente foram peremptórias na descrição dos seus hábitos durante a pausa para almoço.
9. Habitualmente usam as instalações da ré EMP01..., Lda. para almoçarem e, após, não obstante a máquina de vending ali existente, deslocam-se ao exterior, concretamente, ao estabelecimento que usa o nome comercial EMP03... para tomarem café e, aproveitando o tempo ainda disponível, conversarem, confraternizando.
10. Uma das testemunhas inquiridas disse, inclusive, que, pontualmente, até a refeição de almoço nesse estabelecimento tomam, na medida em que o mesmo também serve diárias.
11. Considerando estes depoimentos não se percebe o sentido das alegações da recorrente quando, não obstante a habitualidade deste comportamento, reconhecida pelo Tribunal a quo, que não põe em causa, insiste em considerar que o tomar café não pode ser entendido como o acto que põe fim à refeição do almoço, como no caso destes autos.
12. Com efeito, como bem sublinhou o Tribunal a quo, é tradicional os portugueses terminarem a refeição, quer do almoço, quer do jantar, com o café.
13. Para quem diariamente tem tal hábito, a refeição não está completa sem ele.
14. A questão é que, no caso dos autos, como sucede igualmente com outros cidadãos comuns, por uma questão de gosto, nem sempre o café é tomado no local em que tomam a sua refeição.
15. Argumenta a recorrente, escudando-se num aresto de 2016, proveniente deste Juízo de Trabalho (Ac. TRG, de 17 de Novembro – Proc. n.º 987/14....), que o acidente, em discussão nestes autos, não deve ser considerado de trabalho por a recorrida, tal como na situação ali apreciada, poder ter tomado o café no interior das instalações da ré EMP01..., Lda., adquirindo-o na máquina de vending, nelas, disponível.
16. Salvo o devido respeito por melhor opinião, a existência de uma máquina de vending colocada nas instalações da Ré à disposição da recorrida e das suas colegas de trabalho não é fundamento bastante para considerar que a sua deslocação visava a satisfação de uma necessidade estritamente pessoal.
17. Entendemos, tal como o Tribunal a quo que, em Portugal, efectivamente, a refeição termina com o café, não podendo a recorrente ou qualquer trabalhador ficar desprotegido quando há habitualidade no acto de sair do seu local de trabalho, durante as suas pausas, para satisfazer tal necessidade.
.... O percurso que a recorrente e as suas colegas de trabalho fizeram é aquele que diária e normalmente, pelas mesmas, é utilizado, merecendo, portanto, protecção porquanto durante o período de trabalho.
19. Não nos parece que o legislador, ao estender o risco infortunístico aos acidentes in itinere, quisesse conter a responsabilidade da entidade empregadora apenas e tão só aos acidentes que ocorrem nos locais por aquela controlados, pelo contrário, entendeu que há situações fora deles que carecem de protecção.
20. A toma de café, após a refeição de almoço, como referido pelo Tribunal a quo, na esteira do entendimento do Sr. Conselheiro Júlio Gomes, já começa a ter acolhimento jurisprudencial em arestos mais recentes, contrariando a tese invocada pela recorrente.
21. Como bem assinalado pelo o Sr. Conselheiro, podem igualmente considerar-se necessidades atendíveis “as necessidades fisiológicas, de tomar um café ou um pequeno-almoço no caminho para o trabalho ou de almoçar findo o trabalho e antes de regressar a casa, de comprar medicamentos numa farmácia ou enviar uma carta registada, de levar ou ir buscar os filhos à escola ou ao jardim infância”.
22. Em conformidade com o supra exposto, como supra adiantado, entendemos que os argumentos apresentados pela recorrente se mostram desactualizados e não merecem acolhimento.
23. Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, cremos que a decisão sob censura não merece qualquer reparo, pugnando, por conseguinte, a recorrida pela sua confirmação.”
O recurso foi admitido na espécie própria e com o adequado regime de subida.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II OBJECTO DO RECURSO
Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 640.º, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:
a) Impugnação da matéria de facto; b) Se o acidente a que se reportam os autos constitui um acidente de trabalho. III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido considerou provados e relevantes para a decisão da causa:
“A. A Autora AA nasceu em .../.../1975.
B. No dia ... de Dezembro de 2020, a Autora trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da sua entidade empregadora, “EMP01..., Lda.”
C. A Autora tinha como horário regular de trabalho, de segunda a sexta-feira, as 8 horas às 17 horas, com intervalo para almoço das 12 horas e 30 minutos às 13 horas e 30 minutos.
D. A Autora tinha a categoria profissional de costureira, e auferia a retribuição anual global bruta de € 9.871,20 (€ 635 x 14 + € 79,20 x 11 + € 10 x 11– salário base, subsídio de alimentação e prémio de mérito).
E. A Ré“EMP01..., Lda.” havia transferido para a Ré “EMP02..., S.A.” a sua responsabilidade infortunística pelos acidentes de trabalho sofridos pelos seus trabalhadores, entre os quais o Autora, através de contrato de seguro de acidentes de trabalho válido e eficaz titulado pela apólice n.º ...68, pela retribuição anual global bruta de € 9.761,20 (€ 635 x 14 + € 79,20 x 11).
F. No dia ... de Dezembro de 2020, por volta das 12 horas e 50 minutos, a Autora após ingerir o almoço que trouxe de casa, em local destinado para o efeito, situado no interior das instalações Ré “EMP01..., Lda.”, na Rua ..., ..., ..., saiu daquelas instalações acompanhada por outras colegas de trabalho, e dirigiram-se, como habitualmente, ao estabelecimento “EMP03...”, situado a cerca de 200/300 metros das mesmas, na Rua ..., daquela freguesia ..., para tomarem café e assim terminarem a sua refeição. (alterado, conforme determinado infra, suprimindo-se o segmento “e assim terminarem a sua refeição”)
G. Quando efectuavam esse percurso, a pé, a Autora tropeçou, caindo ao solo.
H. O local de trabalho da Autora dispõe de máquina de café.
I. Como consequência directa e necessária do acidente descrito em G. a Autora sofreu fractura da tacícula radial direita, sem desvio, e luxação interfalângica proximal do 3.º dedo da mão direita.
J. As lesões referidas em I. determinaram à Autora, de forma necessária e directa cento e doze (112) dias de incapacidade temporária absoluta (ITA), no período de 19 de Dezembro de 2020 a 9 de Abril de 2021. K. As lesões consolidaram-se em 9 de Abril de 2021.
L. A Autora ficou a padecer das seguintes sequelas: rigidez discreta da interfalângica proximal do 3.º dedo da mão direita.
M.A Autora padece actualmente de uma incapacidade permanente parcial (IPP) fixável em 1 %.
N. A autora despendeu € 20,00 em transportes com deslocações obrigatórias ao GML de Braga e a este Tribunal.” IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO - Da impugnação da matéria de facto:
Pretende a recorrente que o ponto F) dos factos provados - o qual, deixa-se já consignado, corresponde integralmente ao que foi alegado pela autora/recorrida no artigo 6.º da petição inicial - foi erradamente julgado, devendo considerar-se não provado o último segmento dessa alínea, isto é a parte em que consta “e assim terminarem a sua refeição.”, porquanto, e em suma, não foi feita prova «que o comportamento/acção do Sinistrado ao “tomar café” tenha sido com o intuito de “terminar a sua refeição”».
A apelante refere também que que pretende a «eliminação da afirmação “para tomarem café».
Mas ressalta de toda a fundamentação do recurso que verdadeiramente a recorrente não põe em causa que a autora/recorrida (que é o que no caso verdadeiramente importa) e as colegas de trabalho saíram do local de trabalho para tomarem café, como quando alega, por ex., “(…) já que da prova produzida resulta manifestamente evidente que o Autor, tomou a decisão voluntária e consciente de após ter tomado a sua refeição no refeitório da sua Entidade Empregadora, sair do seu local de trabalho para tomar café, (…)”, ou “O alegado evento dos autos ocorreu aquando do percurso a um estabelecimento comercial, para aí o Autor tomar café.”
Nem se vislumbra qualquer razão para não considerar provado que a recorrida e colegas de trabalho se deslocavam para o “EMP03...” a fim de aí tomarem café.
Entendemos, por outro lado, que a recorrente deu suficiente cumprimento aos ónus a que alude o art. 640.º do CPC.
Vejamos então a motivação do Tribunal recorrido quanto à prova da factualidade constante da alínea F):
“Quanto aos factos provados sob os Pontos F. a H. teve-se em atenção o depoimento das testemunhas BB, CC e DD, todas colegas da Autora, que, de forma credível e segura, esclareceram terem almoçado com a Autora, no trabalho, numa mesa, com a refeição que trazem de casa, e que, foram tomar café à “EMP03...”, a cerca de 200 metros, conforme fazem habitualmente, e que no trajecto que fazem para tomarem o café a Autora tropeçou e caiu. Todas estas testemunhas confirmaram que no local onde almoçam tem uma máquina de café, mas que não tomam café na mesma, sendo que a testemunha CC referiu que esse café não presta. Também a testemunha EE, administrativo financeiro da Ré empregadora confirmou a existência de um refeitório (com capacidade para cerca de metade dos trabalhadores) e uma máquina de café nas instalações, referindo que por vezes acontece estar avariada, desconhecendo, porém, se no dia do acidente era esse o caso. A testemunha FF, administrativa da Ré empregadora confirmou a participação do acidente que, por ter ocorrido durante o período de trabalho, achavam que podia/devia ser um acidente de trabalho.”
A matéria em causa - e assim terminarem a sua refeição – contende (e independentemente da relevância desse rigor de conceitos para o desfecho, no caso concreto, da acção), a montante, com o conceito que se tenha de refeição: esta compreende, ou não, o café tomado no final da ingestão dos alimentos que o precedem? Vale o mesmo: toma-se o café (por reporte ao almoço, por ex., como no caso dos autos) para terminar a refeição ou após a refeição?
Esta é questão que não contende com a prova efectuada, sim com aquilo que se entenda significar o vocábulo «refeição».
Não obstante, o Tribunal recorrido efectivamente considerou (também) provado o segmento “e assim terminarem a sua refeição”.
Ora assim sendo – constando essa matéria nesta sede, de enunciação dos factos provados - entendemos que tem razão a recorrente quando precisa que o que está em causa (naquela fracção dos factos provados) é se «foi feita prova «que o comportamento/acção do Sinistrado ao “tomar café” tenha sido com o intuito de “terminar a sua refeição”». (realce nosso)
Com efeito, parece ser já esse o sentido dessa alegação pela autora - isto é, que para a própria autora tomar café nas circunstâncias em causa significava terminar a refeição/que, para ela, a refeição só terminava com a toma do café -, e é nesta dimensão que a matéria pode ser objecto de prova.
Ponto é, assim, que essa conclusão tirada pelo Tribunal a quo, se possa fundar nos depoimentos daquelas testemunhas, referidas pelo mesmo Tribunal.
Ora, o que resulta dos depoimentos das testemunhas mencionadas na dita motivação dos factos, a cuja audição procedemos, é que a recorrida, como as outras colegas de trabalho que a acompanhavam aquando do acidente (as três primeiras testemunhas) tomavam habitualmente/”todos os dias” café, por ocasião do almoço, no café EMP03... (ou porque lá tomavam o almoço, e assim também o café, ou porque tomavam o almoço nas instalações da empregadora mas deslocavam-se lá para tomar o café), e que também aproveitavam essa deslocação ao café EMP03... para “desanuviar”, para conversarem/confraternizarem.
Apenas a primeira testemunha, GG, muito próxima da recorrida, pois que para além de colega de trabalho é também cunhada da autora, referiu que foram tomar o café para “terminar o almoço”, mas fê-lo por forma que se não afigurou espontânea, mas algo forçada.
As outras testemunhas nada referiram a propósito.
Assim, aquele segmento não tem de facto sustentação na prova, mormente na indicada pelo Tribunal recorrido, suprimindo-se da al. F) dos factos provados o segmento “e assim terminarem a sua refeição”.
- Dacaracterização do acidente como acidente de trabalho:
Estabelece o artigo 8.º da LAT (Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro; Lei que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais), delimitando o que é, basicamente, acidente de trabalho:
“Conceito 1 - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte. 2 - Para efeitos do presente capítulo, entende-se por: a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador; b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho. c) No caso de teletrabalho ou trabalho à distância, considera-se local de trabalho aquele que conste do acordo de teletrabalho.”
Sucede que o artigo 9.º da mesma Lei contém a Extensão do conceito:
“1 - Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido: a) No trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, nos termos referidos no número seguinte; b) Na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para o empregador; c) No local de trabalho e fora deste, quando no exercício do direito de reunião ou de actividade de representante dos trabalhadores, nos termos previstos no Código do Trabalho; d) No local de trabalho, quando em frequência de curso de formação profissional ou, fora do local de trabalho, quando exista autorização expressa do empregador para tal frequência; e) No local de pagamento da retribuição, enquanto o trabalhador aí permanecer para tal efeito; f) No local onde o trabalhador deva receber qualquer forma de assistência ou tratamento em virtude de anterior acidente e enquanto aí permanecer para esse efeito; g) Em actividade de procura de emprego durante o crédito de horas para tal concedido por lei aos trabalhadores com processo de cessação do contrato de trabalho em curso; h) Fora do local ou tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pelo empregador ou por ele consentidos. 2 - A alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajectos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador: a) Entre qualquer dos seus locais de trabalho, no caso de ter mais de um emprego; b) Entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho; c) Entre qualquer dos locais referidos na alínea precedente e o local do pagamento da retribuição; d) Entre qualquer dos locais referidos na alínea b) e o local onde ao trabalhador deva ser prestada qualquer forma de assistência ou tratamento por virtude de anterior acidente; e) Entre o local de trabalho e o local da refeição; f) Entre o local onde por determinação do empregador presta qualquer serviço relacionado com o seu trabalho e as instalações que constituem o seu local de trabalho habitual ou a sua residência habitual ou ocasional. 3 - Não deixa de se considerar acidente de trabalho o que ocorrer quando o trajecto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito. 4 - No caso previsto na alínea a) do n.º 2, é responsável pelo acidente o empregador para cujo local de trabalho o trabalhador se dirige.” (sublinhamos)
Cuidemos então de analisar os factos à luz destas normas jurídicas.
A recorrente diz que a recorrida dirigiu-se ao estabelecimento comercial identificado nos autos para aí consumir café “por sua única iniciativa e satisfação de uma necessidade estritamente pessoal” e que, por isso, o acidente não pode ser caracterizado como acidente de trabalho, in itinere.
Sendo certo que dos factos se extrai que foi por sua iniciativa que a recorrida se dirigiu (na companhia das colegas) ao “EMP03...” para aí tomar café, e que podemos concordar que se trata da satisfação de uma necessidade estritamente pessoal, já nos merece as maiores reservas que isso afaste a caracterização do acidente como de trabalho.
Comecemos por analisar o que deve entender-se por «refeição», a que se refere o artigo 9.º/2 alínea e) da LAT quando usa esse termo.
“A lei não define, obviamente, o que seja “refeição”, havendo aqui que atender à adequação social e às concepções sociais dominantes. Assim a norma não restringe a sua tutela ao almoço do trabalhador, bem podendo aplicar-se também a um lanche ou a um jantar. Do mesmo modo, pode não ser claro ou inequívoco quando é que uma refeição deve considerar-se concluída.”, observa Júlio Manuel Vieira Gomes[1].
Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora[2], refeição é o “conjunto de alimentos que se tomam a certas horas do dia; alimento; repasto; acto de refazer as forças com a ingestão de alimentos; acto de tomar alimentos”, sendo o café a “bebida preparada com a semente do cafezeiro”.
Entendemos, pois e nesta esteira, que quando se toma café por ocasião do almoço (tal como por ocasião do jantar, por ex.) o café integra a refeição, o que, de resto, parece ser o que entende o comum das pessoas, o sentido que normal e comummente se atribui ao café tomado nestas circunstâncias, faz parte da refeição.
Ora a recorrida, juntamente as outras trabalhadoras em questão, suas colegas de trabalho, saíram das instalações da ré depois de tomarem a refeição que trouxeram de casa a fim de irem tomar café, conforme fazem habitualmente e, naturalmente, aproveitarem para “desanuviar”/confraternizar.
Neste contexto factual, e atenta aquela noção de «refeição» a que aderimos, não nos parece sequer forçado dizer que o café seria o terminus da refeição (para o que não releva o ter-se considerado como não provado o segmento da matéria de facto acima delimitado).
É certo que a recorrida pretendia tomar café num local diferente daquele em que consumira o almoço que trouxera de casa (refeitório existente nas instalações da empregadora), que para isso teria de deslocar-se cerca de 200/300 metros, no que necessariamente teria de despender alguns minutos. Mas, convenhamos, tudo sucede num curto raio de acção e num curto espaço de tempo, até porque tudo conformado pelo intervalo do almoço.
Mas mesmo que não se perfilhe este entendimento, e que se entenda que o ir tomar café nas ditas circunstâncias não pode ser entendido como fazendo ainda parte da refeição, o percurso em causa merece, a nosso ver, a protecção resultante daquelas citadas e sublinhadas normas da LAT.
Concordamos com Pedro Miguel dos Reis Portugal Lima quando escreve que “A extensão do conceito (art.º 9.º) está estruturada numa divisão: por um lado, regula o acidente in itinere no n.º 1. al. a), e n.ºs 2, 3 e 4, por outro lado, as restantes alíneas do n.º 1 não se reconduzem àquela figura, representando antes situações autónomas. O acidente in itinere estende-se aos acidentes ocorridos no trajeto entre dois polos pré-determinados pela lei por atenção ao seu papel relevante no desenrolar da vida e prestação do trabalho (por esse trajeto representar algo acessório mas essencial para a execução da prestação, sendo socialmente digno de proteção).”[3]
Com efeito, parece-nos correcto o entendimento, que em vários arestos se vem patenteando, de fazer uma interpretação abrangente do percurso a al. e) do n.º 2 do art. 9.º da LAT (aliás, em consonância com o disposto no n.º 3 do mesmo artigo ao consagrar uma “válvula de escape” para as interrupções ou desvios de percurso), sendo igualmente protegidos outros trajectos também socialmente dignos de proteção.
Exemplo dessa orientação, parece-nos, o Ac. RE de 11-10-2011[4], de cujo Sumário consta: “I – No domínio da Lei n.º 100/97, de 13-09 (LAT) e do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30-04 (RLAT), deve qualificar-se um acidente in itinere (também designado de trajecto ou de percurso) como acidente de trabalho se ocorrer no trajecto normalmente utilizado de ida e regresso entre o local de trabalho e o local de refeição, durante o período ininterrupto habitualmente gasto pelo trabalhador, mesmo quando esse trajecto tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador.
II – É de considerar como acidente de trabalho, o sofrido pelo trabalhador que, tendo um período de interrupção para almoço entre as 13.00h e 14.00h, foi almoçar a casa (que distava do local de trabalho cerca de 4.400 metros e do local do acidente cerca de 4.900 metros) e, seguidamente, foi tomar café onde habitualmente o ia tomar, e ia almoçar, tendo, para tanto, passado junto ao seu local de trabalho e, cerca das 14.00h, após tomar café, “relaxado” um pouco e percorrido cerca de 1.000 metros, quando regressava ao local de trabalho, no seu veículo automóvel, sofreu o acidente que o vitimou mortalmente.
E em cuja fundamentação se escreveu: “Como se extrai da matéria de facto, após o almoço o sinistrado provinha da sua casa para o trabalho: nesse trajecto passou junto ao seu local de trabalho e dirigiu-se ao café restaurante “A EMP04...”.
No regresso, após tomar o café e percorrer cerca de 1.000 metros em direcção ao local de trabalho, deu-se o acidente.
O referido café restaurante era o local onde o sinistrado habitualmente tomava as suas refeições de almoço, quando não se deslocava a casa para almoçar; mas mesmo quando almoçava em casa – como sucedeu no dia dos factos – deslocava-se àquele café restaurante para aí beber café e relaxar “um pouco” antes de voltar ao trabalho, fazendo-o pelo trajecto onde se deu o acidente.” (realce nosso)
E também o Ac. RL de 29-04-2020[5], lendo-se no respectivo Sumário: “Tendo o acidente ocorrido quando a sinistrada regressava do supermercado onde se dirigira para comprar alimentos para o seu almoço e encontrando-se no percurso que cumpria habitualmente entre o local onde se abastecia para o almoço e o local de trabalho, impõe-se concluir que o acidente em causa é de caracterizar como acidente de trabalho.”
Não se olvida que tem vindo a ser defendida pela jurisprudência a posição (que, aliás, entendemos correcta) de que “A caracterização de um acidente como de trabalho in itinere pressupõe sempre que exista uma ligação ao trabalho, isto é, uma conexão ou causalidade com a prestação laboral ou, pelo menos, com a relação laboral.”[6]
Mas é essa conexão com a relação laboral que no caso cuidamos existir. Conquanto no intervalo para almoço, período em pode o trabalhador actuar segundo a sua livre vontade, o certo é que o acidente ocorreu nas imediações das instalações da entidade empregadora, onde a recorrida estivera a almoçar, e quando esta pretendia tomar um café, veja-se esta atitude como um terminar da refeição ou não, precisão que, como dissemos supra, não se afigura relevante.
Como é consabido, quem toma habitualmente café, como a autora, sente essa necessidade.
E o facto de poder tomar café no refeitório da entidade empregadora não se afigura relevante para o caso.
A recorrida bem podia simplesmente não gostar (quiçá com boas razões) do café que aí podia adquirir, como também querer aproveitar para desanuviar, desentorpecer as pernas, conversar com as colegas, tudo propósitos que se afiguram legítimos e, essencialmente, que – no caso, e atenta designadamente a curta distância (das instalações onde a recorrida tomou o almoço) a que se situava o “EMP03...” - não implicam para a entidade empregadora qualquer responsabilidade injustificada e/ou desproporcionada.
Chegados aqui, podemos concluir que embora a fundamentação aduzida pelo Tribunal recorrido não mereça a nossa inteira concordância (particularmente quando se invoca o desconhecimento “se a referida máquina de café estava em funcionamento”, e “se o refeitório em apreço tinha condições para a conclusão da refeição com a toma do café”), seguramente concordamos quando aí se discorre que “Considerando-se, como se considerou na jurisprudência citada que “o hábito de tomar café após a refeição se pode considerar como um ato para satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães citado) e que “o tomar café após a refeição do almoço se apresenta como um acto corrente, socialmente aceite e que até, ao menos em muitas situações, contribui para o bem-estar e harmonia de quem o toma (…)” e, outrossim, estamos de acordo com a decisão a que chegou.
V - DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da recorrente.
Notifique.
Guimarães, 26 de Outubro de 2023
Francisco Sousa Pereira (relator)
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Vera Maria Sottomayor (com voto vencido)
Voto vencido
Em conformidade com a posição por mim assumida em situação idêntica, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17 de Novembro de 2016, Processo n.º 987/14.6T8VNF.G1, disponível in www.dgsi.pt, o qual subscrevi, como 2.ª Adjunta, não caracterizaria o acidente a que os autos se reportam como acidente de trabalho.
O caso tem a ver com uma deslocação para tomar café, após a refeição, sendo certo que da factualidade provada resulta que no local onde se toma a refeição (cantina) existe uma máquina de café, podendo por isso a sinistrada tomar café no mesmo local onde almoça.
O que releva para efeitos de considerar como de trabalho o acidente in itinere é que ocorra uma conexão relevante entre o trajeto e o trabalho e tal conexão deve ser analisada em termos de necessidade de realização do percurso.
O alargamento do conceito de acidente de trabalho, ao abranger a deslocação entre o local de trabalho e o de refeição, bem como ao incluir no trajecto normal de deslocação do trabalhador, relevante para qualificar como acidente de trabalho, os desvios determinados por necessidades atendíveis do trabalhador, deve ser interpretado de forma a que os riscos abrangidos, em alargamento ao conceito normal, decorram de um comportamento normal adequado a satisfazer as necessidades que surjam das circunstâncias excecionais que justificam o alargamento.
Assim, afigura-se-nos desadequado que o trajecto para o local de uma mesma refeição, abranja vários locais, pela multiplicidade do risco que tal implica, de forma imprevisível, já que não é expectável que alguém tome uma mesma refeição em diversos locais. O conceito deve ser assim interpretado de acordo com o que será normal para satisfação da necessidade de alimentação. O art.º 9.º da NLAT não pretende alargar o conceito de acidente de trabalho a mais do que um trajecto entre o local da refeição e o local de trabalho, não se aceitando assim que se inclua nessa tutela o trajecto ulterior à refeição tomada nas instalações do empregador (cantina) para um acto de mero convívio social, para descontrair ou até ocupar o tempo antes de retomar o trabalho, como seja o de tomar o café no estabelecimento próprio para o efeito.
Acresce dizer que o acto de ir tomar café levado a cabo pela autora levou-a a assumir um trajeto autónomo de ida e de regresso e não uma interrupção ou desvio de outro trajeto, não estando assim também contemplado pelo n.º 3 do art.º 9.º da NLAT.
Por outro lado, o facto de tomar a refeição dentro das instalações do empregador e também aí poder tomar café conduz-nos à conclusão de que o acto de sair das instalações para se deslocar a um estabelecimento de café corre por sua conta e risco, não tendo assim qualquer conexão atendível com a prestação de trabalho, nem é de considerar como interrupção ou desvio no trajeto normal, que não existe.
Como se refere no citado Acórdão deste Tribunal de 17.11.2016, “Pode dizer-se que a “autoridade patronal cede a partir do momento em que o trabalhador disponha livremente da sua autonomia”, como acontece no caso presente, em que podendo tomar o café na cantina a trabalhadora decide, para ocupar o tempo disponível, para descontrair, para conviver, deslocar-se a um estabelecimento fora das instalações para tomar café.”
Em suma, não responsabilizaria a Seguradora pela conduta adoptada pela Autora relacionada com a sua esfera privada e sem qualquer conexão com a sua actividade profissional.
[1] O acidente de trabalho – O acidente in itinere a sua descaracterização, Coimbra Editora, pág. 196. [2] 7.ª Edição. [3] Que Autoridade no Trabalho? Reflexões para a Superação de uma teoria, Dissertação (conducente ao grau de Mestre) https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/42460/1/Pedro%20Lima.pdf, pág. 37 [4] Proc. 412/05.3TTFAR.E1, João Luís Nunes, www.dgsi.pt; a propósito deste acórdão, na ob. citada e a pag.s 197, em nota, refere Júlio Gomes: “Sem ironia, diremos que o acórdão desenvolve uma espécie de teoria jurídica da refeição completa que deixa, no entanto, algumas dúvidas: como resolver a situação se o trabalhador almoçasse na cantina e fosse apenas tomar o café fora da empresa? Seria ainda o culminar da refeição?” [5] Proc. 3112/16.5T8BRR.L1-4, Celina Nóbrega, www.dgsi.pt [6] Cf., a título de exemplo, Ac. RP de 22-10-2018, Proc. 1039/15.7T8PNF.P1, Jerónimo Freitas, www.dgsi.pt