EMBARGOS DE EXECUTADO
EXCEPÇÕES
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
INTERVENÇÃO PROVOCADA
Sumário

I - A impugnação pauliana tanto pode ser invocada, sob a forma de acção, como sob a forma de excepção.
II - Nos embargos de executado, se o exequente/embargado, na contestação, pretende formular pedido de impugnação pauliana, deve requerer que sejam admitidos a intervir terceiros, alegadamente compradores do bem, mediante o incidente da intervenção principal provocada, por aplicação subsidiária do artº 466, n.1 do Código de Processo Civil, dada a particular natureza dos embargos de executado.
III - Se não for requerida, pelo exequente/embargado, a intervenção principal provocada de terceiros, a quem, alegadamente, o executado vendeu, após a condenação, o bem nomeado à penhora, e se não forem alegados os requisitos legais da impugnação pauliana, não pode conhecer-se tal pretensão do exequente.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Por apenso à Execução de Sentença para Pagamento de Quantia Certa que, [pelo valor de € 98.501,78], lhe move o exequente:

B.........., [processo pendente no .. Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de ..........] vieram:

C..........
D..........; e,
E...........

Deduzir Embargos de Executado, alegando em síntese, que apenas o património do devedor no caso a executada C.......... responde pela dívida exequenda.

A este propósito referem que aquela executada não é dona de ½ indivisa do prédio urbano nomeado à penhora, pelo exequente, e inscrito na matriz sob o artigo 2.800.

Na verdade, a executada nunca possuiu tal prédio urbano, já que o mesmo pertence a D.......... e E.......... .

Estas últimas, por sua vez, nada devem ao exequente, como se pode verificar, da decisão que serve de base à execução.

Concluíram pela procedência dos embargos, com a restituição da posse do prédio urbano às comproprietárias.

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Por despacho proferido a fls. 6, datado de 19 de Setembro de 2003, foram os embargos de executado admitidos liminarmente e foi ordenada a notificação do exequente para os contestar, nos termos do disposto no artigo 817°, nº2 do Código de Processo Civil.

O exequente/embargado contestou.

Alegou, no essencial, que as embargantes D......... e E......... não têm legitimidade para apresentarem embargos de executado; não estão devidamente representadas por advogado; não procederam ao pagamento da taxa de justiça inicial e não beneficiam do apoio judiciário.

A propósito do prédio nomeado à penhora, refere que o mesmo se encontra inscrito na Conservatória de Registo Predial em nome da executada e do exequente, como sendo titulares do direito de propriedade de ½ indivisa para cada um.

Sucede que a executada, para se furtar ao cumprimento da obrigação exequenda, doou a sua metade às suas filhas, D......... e E.........., por escritura notarial de 10.7.1998.

Aproveitou, ainda, o exequente, a contestação de embargos, para nela deduzir pedido de impugnação pauliana,

Concluiu pedindo a condenação da embargante, ou embargantes, como litigantes de má-fé.
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No despacho saneador, além de ter sido julgada procedente a excepção da ilegitimidade das embargantes D......... e E.........., pelo facto de não serem executadas, foram julgados improcedentes os embargos por se ter entendido que os fundamentos invocados não se ajustam ao que o executado pode opor, (em sede de embargos), quando o título executivo é uma sentença judicial e, quanto ao pedido de impugnação pauliana, formulado pelo exequente/embargado, na contestação dos embargos, foi tal pedido julgado inadmissível por se ter entendido que a “…impugnação pauliana configura no nosso ordenamento jurídico uma acção declarativa, com uma tramitação própria e requisitos muito específicos e apertados, designadamente quanto à alegação da matéria de facto e quanto às regras do ónus da prova.
Em face do acima expendido, e mesmo que fosse admissível pedido reconvencional, nunca seria possível admitir tal pedido nessa mesma sede…”.
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Inconformado recorreu o embargante que, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1 – Foi indicado à penhora o único bem que se conhece, como pertencente à executada;

2 – Este bem foi doado, entretanto, às suas filhas D......... e E..........;

3 – Foi ordenada a penhora de tal bem;

4 – Estas notificadas vieram pedir o levantamento da penhora e a restituição da sua posse;

5 – Daqui a legitimidade de se deduzir nos presentes autos a impugnação pauliana, já que é aqui que é levantado o problema da validade da doação.

6 – Violou, assim, a decisão recorrida o disposto nos artigos 610°, 611° e 612° do Código Civil e mais legislação aplicável, além do caso julgado anteriormente, que ordenou a penhora do bem em causa, despacho esse transitado em julgado.

Termos em que, deve dar-se provimento ao recurso, ordenando-se o prosseguimento dos autos para apreciação da impugnação pauliana, e sempre mantendo-se a penhora já ordenada anteriormente, que foi ordenada por despacho transitado em julgado, pois assim se decidindo se fará Justiça.

Não houve contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a matéria de facto relevante é a que se aludiu no relatório.

Importa, ainda, considerar provado que:

- por sentença judicial transitada em julgado, a ora executada foi condenada a pagar ao ora exequente a quantia exequenda e juros, já que este, na qualidade de fiador de vários empréstimos concedidos à executada C.........., pagou, em sede executiva, ao mutuante “Banco X..........”, tendo em acção sequente exigido da executada aquilo que solveu na qualidade de garante.

- por despacho de 4.6.2003 foi ordenada a penhora de ½ indivisa que a executada possui no imóvel nomeado à penhora.

Vejamos:

Os embargos de executado não se destinam a contestar o requerimento executivo, sendo antes: “Acções declarativas estruturalmente autónomas, porém instrumental e funcionalmente ligadas às acções executivas – nelas correndo por apenso – pelas quais o executado pretende impedir a produção dos efeitos do título executivo” - cfr. “Curso de Processo Executivo Comum”, de Remédio Marques, págs. 150-151, e, “inter alia”, Ac. do STJ, de 29.2.1996, in CJSTJ, 1996, I, 102.

A lei estabelece quais os fundamentos dos embargos de executado – [agora na vigência da Reforma Executiva – designados por oposição], quando a execução se baseia numa sentença – art. 813º do Código de Processo Civil, ou decisão arbitral – art. 814º – ou noutro título – art. 815º do referido diploma.

No caso em apreço, o ora recorrente, pretendeu invocar fundamento enquadrável na al. g) do citado art. 813º que considera como fundamento da oposição baseada em sentença:

“Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento…”.

Alegadamente, o pedido de impugnação pauliana, formulado pelo exequente/embargado na contestação, funda-se no facto de, posteriormente à sentença exequenda, a executada ter vendido às referidas D......... e E.......... – ao que consta suas filhas – a metade indivisa nomeada à penhora.

É certo que não juntou a pertinente escritura de compra e venda mas tal facto seria suprível por convite do julgador – art. 508º do Código de Processo Civil – visando documentar tal alienação.

Mas será que, em sede de embargos de executado, o exequente/embargado confrontado com a alegação de que o bem que nomeou à penhora foi vendido, após a constituição do seu crédito, pode formular pedido de impugnação pauliana?

Não curamos agora de saber se, no caso, foram alegados os factos pertinentes a tal tipo de pedido.

O art. 610º do Código Civil, define os requisitos gerais da impugnação pauliana nos seguintes termos:

“Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:
a) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.”

A acção de impugnação pauliana consiste na faculdade concedida por lei ao credor, de atacar os actos do seu devedor que realizados, dolosamente, façam perigar a satisfação do seu crédito.

Ao contrário do regime legal que vigorava no Código de Seabra, em que tal acção era considerada uma “acção rescisória” ou “anulatória”, já que o art. 1404º estipulava que:
“Rescindido o acto ou contrato, revertem os bens ao cúmulo dos bens do devedor, em benefício dos seus credores”, a lei actual, diversamente, estabelece, no art. 616º, nº1, do Código Civil: “Que julgada procedente a impugnação o credor tem o direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei”.

Os actos gratuitos ou onerosos praticados em desfavor do credor são intrinsecamente válidos, todavia, o credor impugnante tem direito à restituição dos que forem necessários à satisfação do seu crédito, podendo directamente agredir o património de quem estiver obrigado à restituição.

Vaz Serra, in “Responsabilidade Patrimonial”, estudo publicado no BMJ-75-5 e segs. escreveu:

“A acção pauliana é dada aos credores para obterem, contra um terceiro, que procedeu de má-fé ou se locupletou, a eliminação do prejuízo que sofreram com o acto impugnado. Daqui resulta o seu carácter pessoal ou obrigacional. O autor na acção exerce o crédito de eliminação daquele prejuízo...
O efeito da acção deve ser uma simples consequência da sua razão de ser e, por isso, parece dever limitar-se à eliminação do prejuízo sofrido pelo credor, deixando o acto, quanto ao resto, tal como foi feito” – obra citada, pág.287.

Tanto assim é que, nos termos do art. 616º, nº4, do Código Civil os efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido.

Não se está, assim, perante uma declaração de nulidade com a inerente respristinação do “statuo quo ante” que, permitiria a todos os credores do devedor, executar o património deste - cfr. neste sentido Ac. do STJ, de 28.3.96, in CJSTJ, 1996, I, 159, e desta Relação de 19.5.97, in CJ 1997, III, 188, sumariando-se naquele: “A impugnação pauliana reveste um carácter pessoal, já que os seus efeitos aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido”.

Também os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, 4ª edição, pág.634, nota 5, acentuam o carácter pessoal da acção de impugnação pauliana a partir do preceituado no art. 616º, nº4.

Mas respondendo à questão, afirmamos que o pedido de impugnação pauliana pode, em tese, ser formulado nos embargos, sejam de terceiro sejam de executado.

A impugnação pauliana tanto pode actuar sob a forma de acção como sob a forma de excepção – arts . 610° a 618° do Código Civil - cfr. neste sentido Almeida Costa in “Direito das Obrigações” 5ª edição [“Realizada a penhora, na sequência da nomeação do exequente, sobre determinados bens doados a um terceiro, este deduz os embargos previstos no art. 1037° do Código de Processo Civil. Se o embargado/exequente alegar e provar os requisitos das als. a) e b) do art. 610° do Código Civil, os embargos improcedem em resultado da procedência da impugnação pauliana, invocada como excepção, subsistindo a penhora sobre os bens situados no património do terceiro-adquirente (art. 616º,nº1, do Código Civil). Observe-se, em todo o caso, que a terminologia é susceptível de reparos, porquanto se mostra inadequado, no direito processual moderno, aludir a uma impugnação (meio de defesa directa) que pode funcionar por via de excepção (meio de defesa indirecta)”], pág. 718, em nota de rodapé e Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, 4ª edição, em nota ao art.616º do Código Civil [“A impugnação pauliana só é exercitável pela via judiciária, como facilmente se compreende, aliás, quer pela repercussão dos seus efeitos no património do devedor e do adquirente, quer pelo seu interesse para os demais credores do devedor e do terceiro adquirente. Tanto pode ser exercida por meio de acção, como por via de excepção, podendo o devedor (ou terceiro) obstar ao seu prosseguimento, mediante a satisfação do direito do credor lesado”]

“Tanto a simulação, como a impugnação pauliana, são excepções invocáveis pelo embargado na contestação” - Acórdão da Relação do Porto, de 1.1.1980, in CJ, Ano V, Tomo I, pág.10.

Na contestação dos embargos de executado, o embargado, invocou a excepção peremptória da impugnação pauliana, por a executada, nos embargos à execução, ter alegado que o bem nomeado à penhora lhe não pertence, por o ter vendido, supostamente, após a sua condenação.

Pretende (o exequente), caso seja procedente a excepção, evitar a venda dos bens penhorados, concertada de má-fé (no caso o acto é oneroso) entre o executado vendedor e terceiros compradores, alegadamente mancomunados, com o desiderato de esvaziar o património do devedor, de bens que respondem pela dívida.

Mas, se antes referimos que, em tese geral, o pedido de impugnação pauliana poderia ser formulado pelo embargado, o certo é que questões de índole processual podem conduzir à inviabilidade de tal pretensão.

Vejamos em concreto.

Sendo a execução apenas possível, em regra, contra quem figure como devedor no título – art. 55º, nº1, do Código de Processo Civil – para que o pedido de impugnação pauliana produza o seu efeito útil normal tem que haver litisconsórcio necessário passivo – art. 28º, nº2, do Código de Processo Civil – ou seja, têm de ser demandados o devedor-executado-alienante e o comprador ou compradores e alegados os requisitos das als. a) e b) do art.610º do Código Civil.

No caso em apreço as alegadas compradoras foram julgadas parte ilegítima e, correctamente, já que não eram partes no título executivo.

Mas poderiam elas intervir nos embargos mediante o incidente da intervenção principal provocada requerida pelo embargado?

Se assim se admitisse estaria transposto tal óbice, elas seriam parte no processo e, estabelecido o contraditório, poder-se-ia apreciar tal pedido.

O actual art. 325º do Código de Processo Civil, após a Reforma introduzida pelo DL 392-A/95, de 12.12, define o âmbito da intervenção provocada do seguinte modo:

“1. Qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2. Nos casos previstos no artigo 31º-B, pode ainda o autor chamar a intervir o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido.
3. O autor do chamamento alega a causa do chamamento justifica o interesse que através dele, pretende acautelar.”

Após a Reforma do Código de Processo Civil, que aboliu os anteriores incidentes de nomeação à acção, chamamento à autoria e à demanda, a latitude do art. 325º do diploma adjectivo é, agora, maior.
Na base do incidente está o direito de fazer intervir, ao lado, ou como associados dos AA. ou dos RR., quem tiver interesse semelhante ao do litigante com quem se pretende a associação.

Tal interesse tem que ver, directamente, com os fundamentos da acção, devendo a parte que requer a intervenção ter presente o condicionalismo do art. 320º do citado Código de Processo Civil.

Em casos excepcionais, nos embargos de executado e, particularmente, quando o embargante pretende formular pedido de impugnação pauliana devem ser admitidos a intervir terceiros, mediante o incidente da intervenção principal provocada, até por aplicação subsidiária do art. 466º, nº1, do Código de Processo Civil que estabelece no seu nº1 - “São subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da acção executiva”.

Sendo os embargos de executado indissociáveis da acção executiva, o normativo em causa tem neles campo de aplicação.

Nos embargos, porque ligados funcionalmente à execução [e, como ensina Lopes Cardoso, in “Manual da Acção Executiva, 3ª edição, pág. 275,] uma vez que “…apresentam a figura quase perfeita duma acção dirigida contra o exequente, em que este toma a posição de réu passando a denominar-se “embargado” e em que o executado é autor com o nome de “embargante” […]”, não se pode afirmar, em termos absolutos, a inadmissibilidade de intervenção de terceiros.
É que as normas do processo de declaração não são incompatíveis com a finalidade visada pelos embargos na espécie em apreço.

Falamos de embargos e não de execução.

Neste sentido o douto Acórdão do STJ, de 1.3.2001, in CJSTJ, Ano IX, Tomo I, págs.136 a 139:

“Não será de rejeitar in limine a possibilidade de, nos embargos de executado, dada a sua natureza e finalidade, ser pedida a intervenção principal de terceiros, desde que seja indispensável para conferir eficácia à oposição neles deduzida contra a execução”.

Todavia, no caso em apreço, o ora apelante nem sequer requereu a intervenção provocada – art. 325º, nº1, do Código de Processo Civil – das alegadas compradoras (à executada), do bem que nomeou à penhora.

Nem se diga que, admitida tal intervenção de terceiros, que não figuram no título executivo, este estenderia a sua força a quem não detém legitimidade passiva (em sede executiva); importa não esquecer que estamos perante embargos de executado e que, como vimos, por lhes ser inerente a estrutura de “acção” dirigida contra o exequente, a este deve ser reconhecido o direito de formular pretensão de impugnação pauliana, já que tanto a pode exercitar, por via da acção ou de excepção, nunca em sede reconvencional, por os embargos o não consentirem.

Porque o embargante não fez ingressar, na oposição deduzida, terceiros com quem “discutiria” a ineficácia da venda, alegadamente feita para o prejudicar, não pode deixar de ser confirmada a decisão recorrida, ainda que com fundamentação com ela não coincidente.

Decisão:

Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se o saneador-sentença recorrido.

Custas pelo apelante.

Porto, 29 de Novembro de 2004
António José Pinto da Fonseca Ramos
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale