RESPONSABILIDADE CIVIL
DIREITO AO BOM NOME
RESPONSABILIDADE DO DIRETOR DO JORNAL
OBRIGAÇÃO DE IMPEDIR A PUBLICAÇÃO
PROGRAMA TELEVISIVO
Sumário

I – A responsabilidade do director do jornal apelante advém da omissão do seu dever de garante, legalmente imposto, traduzido na obrigação de impedimento de publicação da notícia constitutiva de crime.
II – O director do jornal pode ser responsabilizado civilmente, desde que demonstrada a sua culpa na publicação do escrito, por omissão dos deveres impostos por lei de obstar a essa publicação violadora do direito ao bom nome de outrem.
III - O tribunal pode inferir o conhecimento e aprovação pelo director da publicação periódica de notícia nele inserida, por lhe caber a responsabilidade última pela determinação do conteúdo respectivo, a menos que se provasse que nada teve que ver com ela, por quaisquer ponderosas razões circunstanciais.
IV – Tratando-se de programa televisivo que não foi previamente gravado a operadora de televisão, não pode ser responsabilizada.

Texto Integral

Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
H instaurou ação declarativa com processo comum em 17/07/2018 contra J, C, SA e OR, pedindo que sejam «os RR. solidariamente condenados a pagar ao A. a quantia de 39.000,00 euros, com juros desde a citação e até efectivo e integral pagamento, e a 2ª R. condenada a divulgar, no mesmo horário e relevo, a sentença condenatória que vier a ser proferida.».
Alegou, em síntese:
- foi casado com a ré J até 13/01/2013;
- nos dias 11, 12 e 13 de Agosto de 2013 o jornal C e a TV publicaram e exibiram peças em que é possível identificar o autor com entrevistas à ré onde esta lhe, falsamente e com o único objectivo de o difamar, agressões físicas e verbais, retratando-a como vítima de violência doméstica,
- os 2ª e 3º réus não tentaram ouvir o autor sobre essas imputações;
- a actuação dos réus manchou a sua imagem, reputação e prestígio na cidade onde mora e junto da entidade patronal, dos amigos e familiares, sentindo-se por isso ofendido e magoado.
*
A ré J contestou, pugnando pela improcedência da acção, tendo invocado, em resumo:
- atento o prazo de 3 anos previsto no art.º 498º nº 1 do Código Civil, o alegado direito à indemnização prescreveu;
- mesmo que os factos integrassem crime de difamação, não é aplicável prazo superior nos termos do nº 3 daquele normativo pois o autor não apresentou queixa crime;
- os factos que relatou são verdadeiros;
- apenas pretendeu fazer valer os seus direitos por a Segurança Social ter cessado o pagamento do RSI com fundamento em ter sido fixada pelo tribunal pensão de alimentos a pagar pelo autor aos dois filhos,
- havendo interesse e utilidade pública nessa notícia;
- impugna os alegados danos.
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Os réus C, SA e OR contestaram, invocando, em
resumo:
- devem ser absolvidos da instância por serem partes ilegítimas;
- atento o prazo de 3 anos previsto no art.º 498º nº 1 do Código Civil, o alegado direito à indemnização prescreveu;
- mesmo que os factos integrassem crime de difamação, não é aplicável prazo superior nos termos do nº 3 daquele normativo pois o autor não apresentou queixa crime;
- o réu OR não teve conhecimento prévio das entrevistas e publicações, não podendo ser pessoalmente responsabilizado;
- a ré C não pode ser automaticamente responsabilizada pelos actos praticados pelos seus jornalistas.
*
O autor respondeu às excepções.
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No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva.
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Realizada a audiência final, foi proferida sentença em 26/07/2021 com este dispositivo:
«Pelo exposto, julgando parcialmente procedente por parcialmente provada decide o Tribunal condenar os Réus J, C, S.A. e OR, solidariamente, no pagamento ao Autor H, da quantia de 15.000,00 € (quinze mil euros).
Absolve-se os RR. do demais peticionado.
Nos termos do art.º 34º da Lei da Imprensa mais se determina a publicação da presente decisão, por extracto, do qual devem constar apenas os factos provados, a identidade do Autor e dos RR. e a indemnização fixada.».
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Inconformados, apelaram os três réus.
Tendo subido os autos ao Tribunal desta Relação, foi proferida decisão sumária em 30/06/2023 com este dispositivo:
«Anular a douta sentença de 26 de Julho de 2021 e determinar que a Exma. Senhora Juiz a quo proceda ao conhecimento e decisão da exceção de prescrição invocada pelas partes.».
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Em 02/12/2022 foi proferida nova sentença em que foi julgada improcedente a excepção de prescrição e foi consignado que «No demais dá-se por integralmente reproduzida a sentença proferida.», tendo aí sido efectivamente reproduzido o respectivo texto.
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Novamente inconformados, apelaram todos os réus.
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- Apelação da ré J –
A recorrente terminou a alegação com estas conclusões:
«a) Vai o presente Recurso interposto da douta sentença (…) que condenou a ora recorrente J, no pagamento ao Autor H, numa indemnização, a título solidário com os demais Réus, no montante de 15.000,00 €, acrescida dos juros de mora desde a citação até integral pagamento.
b) Entende a Meritíssima Juiz a quo que, não se verifica a exceção da prescrição, por um lado e, por outro lado, a Ré, ora recorrente, nas entrevistas dadas ao C e à TV nos dias 11, 12 e 18 de Agosto de 2013 Ofendeu o Crédito e o Bom nome do Recorrido, pelo que o dano sofrido é indemnizável.
c) Porém, a douta decisão recorrida, padece dos seguintes vícios:
i. Não específica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
ii. Os fundamentos estão em oposição com a decisão;
iii. Incorre em violação do disposto no artigo 498.º n.º 1 e 3 porquanto verifica-se a prescrição do direito do Autor.
d) Quanto à execção da PRESCRIÇÃO, o Recorrido H veio pedir a condenação da recorrente J no pagamento de uma indemnização decorrente de responsabilidade civil extracontratual, alegando, para tanto, ter existido uma conduta por parte da Ré, lesiva do direito ao bom nome em resultado das entrevistas publicadas nos dias 11, 12 e 18 de Agosto de 2013 no Jornal C e da entrevista no TV.
e) A recorrente excecionou que, por força do disposto no artigo 498.º n.º 1 do Código Civil, o Autor deveria ter instaurado a ação no prazo de 3 anos, isto é, até ao dia 18 de agosto de 2016.
f) Mas mesmo que se pudesse enquadrar, penalmente, e objetivamente, a relação material controvertida no crime de difamação, previsto pelo disposto no artigo 180.º do Código Penal, a verdade é que o Autor não o provou nestes autos, não apresentou qualquer queixa-crime contra a recorrente por tais factos (e só em processo penal deveriam tais factos ter sido enquadrados, diga-se, penalmente) nem os factos que estão em causa preenchem tal tipo legal de crime, ao contrário do que se decide na douta sentença recorrida, como adiante também se irá alegar.
g) A douta sentença entendeu dever-se aplicar o disposto no n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil porque os factos são passíveis de responsabilidade criminal e, sendo assim, aplica-se o prazo prescricional de 5 anos.
h) Entendeu o douto tribunal a quo que o Autor alegou e provou os factos alegados.
i) Todavia, com o devido respeito, face à factualidade que ficou provada, não se chega a tal conclusão, uma vez que ter-se-ia de alegar e demonstrar que os factos praticados pela Ré J foram praticados com dolo, isto é, deveria o Autor ter demonstrado e provado os elementos típicos do crime que alega (elementos objetivos e subjetivos),o que não se verificou.
j) Nos termos do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/06/2007 (proc. n.º 11/04.7TBTBU.CI in www.dgsi.trc) refere-se que “Coloca-se a questão de saber se, para efeitos de aplicação do artigo 498.º n.º 3 do Código Civil, basta a mera alegação em abstrato de que os factos alegados na petição inicial consubstanciam determinado crime, com o prazo de prescrição mais longo, ou se é necessária a comprovação concreta. Em princípio, tal apreciação será feita em face da alegação da petição inicial, mas se os factos forem contestados, deve ser remetida para a decisão final, pois o autor deve provar que o facto ilícito constitui efetivamente crime, não bastando a mera eventualidade de o ser”.
k) Não se provando que nos factos alegados consubstanciam crime, o prazo de prescrição é de 3 anos, pelo que a acção deveria ter sido instaurada até ao dia 18 de agosto de 2016, pelo que o direito do autor já se encontra prescrito, pelo que a douta sentença recorrida incorre em violação no disposto do artigo 498.º n.º 1 e 3 do Código Civil., pelo que deverá a mesma ser revogada.
l) Por outro lado a douta sentença incorre em falta de fundamentação de facto e de direito e contradição entre a fundamentação e a decisão:
m) Ao contrário do que é decidido não existem factos e provas que permitem concluir que a recorrente teve intenção de difamar o Autor nem isso deverá ser extraído dos títulos colocados pelo Jornal ou da forma como o Jornal quis explorar as suas declarações, sendo certo que a recorrente em qualquer das entrevistas dadas ao JORNAL C houve intenção de DIFAMAR ou DENEGRIR O BOM NOME do recorrido;
d) Não tendo ficado demonstrado/provado que a recorrente tivesse essa INTENÇÃO criminosa, ou que estão preenchidos os pressupostos do CRIME DE DIFAMAÇÃO E CALÚNIA COM PUBLICIDADE.
e) A verdade é que, do teor OBJETIVO das entrevistas dadas ao JORNAL C não está evidenciado um DOLO/INTENÇÃO DOLOSA por parte da recorrente e, por maioria de razão, a prática de um crime de PUBLICIDADE E CALÚNIA através de meio de comunicação social, como conclui a Meritíssima Juiz a quo.
f) Pelo contrário, do que resulta provado, nomeadamente dos PONTOS 7 (Teor das entrevistas), 9 (entrevista de 11/08/2013) 11 (entrevista de 12/08/2013) 14 (“O foco da notícia é a indignação da alegada vítima perante a perda do RSI…), 38 a 45 que a intenção da Recorrente era falar do seu caso concreto no
contexto de que as vítimas de violência doméstica não têm apoios por parte do Estado face à situação de fragilidade económica e psicológica.
g) Houve preocupação em não mostrar a cara, em não revelar os nomes.
h) Por outro lado, a ora recorrente não mentiu, tendo em conta a factualidade provada e devidamente contextualizada nos autos (Cfr. Docs.2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 da contestação que se dão por reproduzidos).
i) Relativamente às 3 peças constantes no Jornal “C” dos dias 11, 12 e 18 de agosto de 2013 não está evidenciado que a recorrente tenha tido intenção, penalmente relevante, para denegrir o bom nome, imagem e honra do recorrido.
j) O conteúdo de tais peças, à data da entrada da acção, haviam sido publicadas há mais de 5 anos, e terão de ser analisadas de forma objetiva e tal qual como elas estão redigidas e compostas, sendo que o Autor esperou 5 anos para apresentar esta acção e nunca apresentou qualquer denúncia pelos factos alegados.
k) Do teor das reportagens não se retira que a Ré fizesse qualquer imputação ao Autor, nem há qualquer intenção por parte da ré em “atacar” o autor, difamá-lo ou ofendê-lo na sua honra, dignidade e consideração pessoal nem o seu conteúdo é suscetível de ofender o Autor.
l) Na motivação da douta Sentença, refere-se, aliás, na apreciação do depoimento do Jornalista JP (Autor da Notícia do JORNAL C) o mesmo referiu que “no seu entender abordava mais a questão da falta de apoios do estado”, sendo certo que não é de imputar à recorrente o “aproveitamento” do seu depoimento por parte do Jornal, seja na feitura dos “TITULOS” ou no enquadramento da notícia mais vocacionada para a temática da violência doméstica que, como se sabe, sendo uma problemática atual, vende muitos jornais (muito embora, é inegável ser uma temática de interesse público).
m) Das declarações de parte da Ré também resulta que “As entrevistas apenas tinham como objetivo expor este problema da segurança social e das vítimas de violência doméstica, e não ofender o autor. Entende também que o Autor não é identificável porque, na verdade ele não tem amigos e ninguém o conhece como seu marido”.
n) A verdade é que a douta sentença, muito embora conclua que a conduta da autora consubstancia a prática de um crime de difamação, não resultou provado os elementos típicos do crime (tanto era essencial o a prova dos pressupostos do crime para se aferir se o direito do Autor PRESCREVEU).
o) Pelo contrário, e em violação do princípio do ónus da prova (quem alega tem que provar), refere que foi a recorrente quem não provou que não teve intenção de difamar.
p) A verdade é que, mesmo que se admitisse que, do ponto de vista objetivo poderia cair no enquadramento violação do direito à honra, a verdade é que não se demonstrou nem se provou o ELEMENTO SUBJETIVO DO CRIME DE DIFAMAÇÃO (não cabia à recorrente a prova da sua “não intenção”, mas ao recorrido, facto que este não demonstrou nem provou.)
q) Face aos factos provados a douta sentença recorrida não teve em conta:
i. O Contexto da entrevista e da notícia;
ii. Os factos relatados pela recorrente são totalmente verdadeiros;
iii. Interesse e Utilidade pública da notícia.
r) Quanto à Dia 11 de agosto de 2013 (Jornal C, não foi da responsabilidade da recorrente a elaboração do texto da entrevista, dos títulos, dos quadros ou colocação de dados estatísticos relativos à temática da “violência doméstica” e a recorrente não se identifica, não mostra a cara, não nomeia ninguém, nem sequer o nome do autor (CFR. facto provado em 8), o que está em contradição com a alínea e) dos FACTOS NÃO PROVADOS
s) Aliás, para se enquadrar a conduta da recorrente eventualmente, num crime de difamação, este exige que a imputação do facto ou a formulação do juízo ofensivos da honra tenham por objeto uma pessoa identificada ou identificável, o que aqui não foi o caso.
t) Mas mesmo assim, não há qualquer intenção da Ré em relatar as agressões de que foi vítima mas tão só o facto de a Segurança Social lhe ter cessado o pagamento do Rendimento Social de Inserção (RSI) de que necessitava para o seu sustento e dos seus dois filhos, com o fundamento de que o tribunal de Santarém fixou a pensão de alimentos a pagar pelo Autor aos seus dois filhos, no âmbito da regulação das responsabilidades parentais.
u) Em concreto, o que a Ré pretendeu exteriorizar (isso é claro no texto da notícia e resulta do depoimento do jornalista JP e das DECLARAÇÕES DA RÉ) é que, a decisão da Segurança Social iria agravar a sua situação económica, que já era precária, violando os seus direitos a uma vida digna e o direito à segurança social (PONTOS 38 a 42 dos FACTOS PROVADOS)
v) De todo o modo, a recorrente não mentiu, nem inventou factos sobre a sua situação pessoal (embora, repita-se, não mostrou a cara não identificou o recorrido nem proferiu quaisquer nomes).
w) Na verdade, em virtude das agressões de que foi vítima, levaram a RECORRENTE a abandonar a sua casa de morada de família no dia 24 de Janeiro de 2013 levando consigo os seus dois filhos, menores de idade.
x) E foram essas agressões que sofreu por parte do recorrido, nessa data, que a levou a ganhar coragem para sair de casa e apresentar queixa junto da PSP de Santarém, queixa essa que deu origem a um processo-crime (NUIPC 63/13.9PBSTR), no âmbito do qual foi-lhe atribuído, por força da lei, o Estatuto de Vítima – CFR.Doc. 2. Da douta Contestação.
y) Já anteriormente a Ré tinha apresentado outras queixas por agressões por parte do Autor, no entanto, a Ré acabou por desistir das queixas ou escusar-se a depor, tendo sido arquivadas, por falta de provas e não, como afirma o Autor, por serem inventadas ou falsas.
z) E foi neste contexto que a Ré deu a entrevista ao C, isto é, no sentido de tentar defender o seu DIREITO À SEGURANÇA SOCIAL, dando a conhecer a situação de injustiça de que estava a ser vítima, e não para difamar ou proferir juízos sobre a pessoa do autor.
aa) E foi por isso que a Ré, no intuito de fazer-se valer dos seus direitos, denunciou também esta situação junto do OBSERVATÓRIO DOS DIREITOS HUMANOS, no seguimento da qual veio proferir RELATÓRIO, em Março de 2014, pronunciando-se no sentido de que a Segurança Social, fez uma interpretação inconstitucional do artigo 16.º da Lei n.º 13/2003 e pôs em causa o direito à segurança social da Ré, conforme está vertidos nos doutos fundamentos desse Relatório (CFR. Doc. 5 junto com a Contestação).
bb) O relatório do ODH foi publicitado nos diversos meios de comunicação social e está disponível no sítio da internet do observatório www.observatoriodireitoshumanos.net, estando publicamente divulgado (Doc.
6, 7 e 8).
cc) ESTE FACTO FOI ALEGADO EM SEDE DE CONTESTAÇÃO (CFR. ARTIGO 38.º) SOBRE O QUAL A DOUTA SENTENÇA TAMBÉM NÃO SE PRONUNCIOU, pelo que, face ao alegado e ao comprovado pelos Docs. 5, 6, 7 e 8 deverá o mesmo ser dado por provado e integrado na matéria de facto.
dd) Face ao exposto para além de não ficar provado que a Ré teve intenção de difamar o Autor, por outro lado ficou demonstrado que não houve qualquer intenção, na entrevista ao C, do dia 11 de Agosto de 2013, de imputar qualquer juízo de valor relativamente ao Autor ou sequer difamá-lo na sua honra e consideração.
ee) Quanto à entrevista de 12 de Agosto 2013 (Jornal “C”), também aqui não há qualquer intenção difamatória ou sequer juízo de valor relativamente à pessoa do Autor, sendo que a recorrente também não identifica o Autor, não mostra a cara nem se identifica a ela (CFR. ponto 11 dos factos provados).
ff) Mais uma vez, diga-se, que a entrevista surgiu no seguimento da decisão da Segurança Social em cortar o RSI.
gg) Mas, mesmo sem se identificar ou sequer imputar qualquer juízo relativamente à pessoa do Autor, a Ré NÃO MENTIU ao afirmar que sofreu agressões por parte do Autor, quer as relativas ao dia 24 de Janeiro de 2013, quer as do dia 10 de Agosto de 2013, das quais a Ré apresentou as respetivas queixas-crime.
hh) Quanto à entrevista do dia 18/08/2013 também ela apenas quis dar destaque ao facto de a Segurança ter cortado o Rendimento Social de Inserção, dando por reproduzido o já alegado quanto à entrevista do dia 11/08/2013, não existindo qualquer imputação à pessoa do autor.
ii) De todo o modo, mesmo que o Autor pretenda levar os factos alegados na douta p.i. como tendo sido praticados pela Ré para o difamar, a verdade é que não foram inventados pela Ré, tanto assim que, à data dos factos, já havia apresentado as respetivas queixas-crime, e tinha, de facto, o Estatuto de Vítima (CFR pontos 43 e 44 dos factos provados).
jj) Por outro lado, foi dado por PROVADO que a recorrente foi, nomeadamente, absolvida no âmbito do processo n.º 452/18.2T9STR (FACTO 45 dos factos provados).
kk) Na verdade, a douta sentença proferida nestes autos em sede de processo crime, foi junta pela recorrente no seu requerimento de 23/11/2020 (Ref.ª 37232838), no âmbito da qual consta o seguinte:
 “Por outro lado, e conforme consta dos autos, o livro foi publicado em 2017. Antes corre termos em Juízo
Criminal o processo n.º 911/14.6PBSTR, no qual foi proferido despacho de acusação contra a arguida e o assistente em que ambos são acusados de crime de violência doméstica, referente a factos ocorridos, indiciariamente, em 2013, 2014, 2015. Contudo, em sede de instrução, foi proferida decisão instrutória que decidiu pela não pronúncia dos arguidos. Desta coube recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Évora qual manteve esta decisão de não pronuncia por douto acórdão de 6/11/2018, data esta posterior à publicação do livro e muito depois de 2013, data que a arguida fixa como o final da violência doméstica.
Neste sentido, não podemos desprezar esta factualidade, pois é reveladora da legítima convicção da arguida sobre essa mesma factualidade por si denunciada, traduzida numa acusação e só decidida em sentido contrário em data posterior à publicação do livro que continha a frase alegadamente difamatória.
Assim, tudo indica que a arguida escreveu a mencionada frase, tendo em conta o contexto antes descrito,
com clara intenção de realizar interesses legítimos, cuja conduta não é punível – artigo 180.º do Código Penal. Mas, sempre se dirá que a arguida não provou a verdade dos factos imputados, que o não foram, dado que esta exigência legal é cumulativa com a realização de interesses legítimos.
É facto que não foi obtida prova dos factos pela improcedência do recurso da decisão de não pronuncia, o
que ocorreu em data posterior à da publicação do livro. Mas até lá a arguida teve fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira. Esta conclusão mostra-se reforçada pelo facto de a própria arguida também ter sido acusada de violência doméstica, o que poderia levar à sua desmotivação de sustentar a convicção de existência de violência doméstica em sua própria defesa. Manteve tal convicção que manifestou na frase que escreveu, apenas para, de forma genérica e inspirada no apelo público à denuncia de violência doméstica por parte das mulheres vítima desse flagelo, procurar alerta e ajuda. Não a imputou ao assistente, nem revelou qualquer tipo de dolo exigível para preenchimento do elemento subjectivo do tipo penal de crime de difamação. “
ll) Assim, entendemos, mais uma vez que, face à factualidade dada por provada e à que ainda deveria ter sido dada por provada (o alegado no artigo 38.º da contestação da ora recorrente e comprovada pelos Docs. 5 a 8 da Contestação), a conduta da recorrente não consubstancia a prática de um crime de difamação, pelo que já PRESCREVEU o direito do Autor recorrido, face ao disposto no
artigo 498.º n.º 1 do C.C., sendo que o Autor não provou nem demonstrou a prática de um ilícito criminal por parte da recorrente, pelo que não poderia beneficiar do prazo mais longo previsto no nº 4 do mesmo dispositivo.
mm) Em face do exposto, face aos factos que ficaram provados, é evidente que o AUTOR não provou que a conduta da recorrente consubstancia um ilícito criminal, nomeadamente não demonstrou nem provou o elemento subjetivo do crime de difamação p. e p. artigo 180.º do Código Penal, pelo que, para além de não ser indemnizável, não pode beneficiar do prazo mais longo da Prescrição a que se refere o disposto no n.º 4 do artigo 498.º do Código Civil.
nn) Pelo que deverá a douta sentença ser revogada, substituindo-a por outra que absolva a Recorrente do pedido.».
*
- Apelação dos réus C, SA e OR –
Os réus terminaram a alegação com estas conclusões:
«1. (…)
2. (…)
3. Deste modo, considerou o Tribunal a quo em síntese:
i) Condenação da Ré C, S.A., com fundamento de que as empresas que desenvolvem a atividade jornalística e os jornalistas que nela operaram devem ser rigorosos e objetivos na averiguação da veracidade dos factos ou acontecimentos relatados, sobretudo quando sejam suscetíveis de afetar direitos de personalidade;
ii) Condenação do Réu OR, ao abrigo do artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Imprensa;
iii) Condenação dos Réus C, S.A e OR por terem permitido a publicação e emissão das entrevistas em causa, nos moldes em que as mesmas foram dadas;
iv) Repercussões a nível pessoal e pessoal do Autor na sequência da publicação das notícias.
4. Porém, vêm os Recorrentes invocar a existência de nulidade da sentença, por falta de fundamentação quanto à matéria de facto, assim como, impugnar a decisão proferida quanto à matéria de facto e quanto à matéria de direito.
5. Mais invocam a prescrição, que o Tribunal a quo julgou erradamente, salvo o devido respeito, improcedente.
6. Entendem os Recorrentes, que o Tribunal a quo considerou como não provados os factos elencados nas alíneas a), b), c), d) sem fundamentar tal decisão, pelo que, existe falta absoluta de fundamentação que justificam a decisão final quanto às referidas alíneas, que impossibilitam o conhecimento das razões que levaram à decisão final.
7. Pelo exposto, deve a sentença recorrida ser considerada nula, por manifesta falta de fundamentação de facto no que respeita aos factos referidos nas alíneas a), b), c), d) dados como não provados na sentença recorrida, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, nulidade que desde já se invoca.
8. Caso assim não se entenda, sempre se diga que, o direito exercido pelo Autor no âmbito da presente ação encontra-se prescrito.
9. Os presentes autos têm por objeto notícias publicadas e transmitidas entre os dias 11 e 18 de agosto de 2013, portanto, divulgadas, aquando a apresentação da contestação dos Recorrentes (08.10.2018) há pelo menos 5 anos e 2 meses.
10. Nos termos do n.º 1, do artigo 498.º do CC o direito a exigir uma indemnização com fundamento na responsabilidade civil extracontratual prescreve no prazo de 3 anos contados da data que o lesado teve conhecimento do alegado facto ilícito.
11. Pelo que, na eventualidade da existência de algum facto ilícito, o que apenas se admite como mero dever de patrocínio, apenas até 11 a 18 de agosto de 2016 poderia o Autor acionar os Réus para fazer valer os seus direitos.
12. A presente ação deu entrada no dia 17 de julho de 2018, tendo os Réus sido citados no dia 20 de julho de 2018.
13. Conforme já decidiu o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal da Relação de Lisboa, e como decorre dos artigos 323º a 325º CC, o ato interruptivo da prescrição tem natureza pessoal, só afetando a pessoa a que se dirigiu e, assim, sobre que se refletiu de modo direto.
14. Assim, tendo a ação dado entrada em juízo apenas no dia 17 de julho de 2018, a interrupção da prescrição relativamente aos Recorrentes, nos termos do n.º 2 do artigo 323.º do CC, ocorreu no dia 20 de julho de 2018 (data da citação), sendo manifesto que à data, o direito da Autor já há muito havia prescrito.
15. Mais se refira que, manifestamente, in casu, não é aplicável a ressalva do n.º 3 do artigo 498.º do CC, quando refere que “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”.
16. Desde já se refira que a questão supra enunciada nem deveria ser colocada nos presentes autos uma vez que o Autor, volvidos mais de 5 anos da ocorrência dos factos, vem intentar a presente ação fundando a sua pretensão numa alegada conduta – que a ser potencialmente integradora de um crime de crime de publicidade e calunia cometido através de meio de comunicação social p. e p. pelo artigo 183º nº 2 do C.P., (conforme alega no artigo 30º da petição inicial - o qual desde já se impugna para todos os efeitos) - corresponderia a um prazo de prescrição criminal de 5 anos nos termos e para os efeitos do artigo 112º nº1 alínea c) do Código Penal (CP), o qual também já decorreu.
17. Não obstante, o artigo 498º, nº 3, do CC estabelece um alargamento do prazo prescricional em atenção à qualidade de ilícito criminal do facto gerador de responsabilidade civil e na medida em que aquele beneficie de um prazo de prescrição criminal superior ao prazo-regra de 3 anos do artigo 498º nº 1, do CC.
18. A sentença proferida no âmbito do Processo nº 927/14.2PBSTR que correu termos no Juiz 2 da Instância Local criminal de Santarém junta à petição inicial como Doc. 4, condena a Ré J, pela prática de quatro crimes de difamação com base em factos diferentes dos que constam nos presentes autos.
19. A verdade é que os Recorrentes nunca foram parte do processo criminal instaurado pelo Autor, não tendo o mesmo apresentado queixa contra eles ou deduzido pedido de indemnização cível, razão pela qual, o alargamento do prazo prescricional, aqui não opera.
20. “Para poder beneficiar do prazo mais longo de prescrição, nos termos do disposto no n° 3 do artigo 498° do Código Civil, deve o autor provar que o facto ilícito em questão constitui efectivamente crime, não bastando a mera eventualidade de o ser» - cfr. Acórdão do STJ de 6/10/2005, Proc.05B2397, disponível in www.dgsi.pt.
21. In casu, a mera alegação da existência de uma conduta típica e ilícita sem qualquer comprovação da sua verificação não justifica o alargamento do prazo prescricional.
22. Cremos, pois, estar a razão com a jurisprudência que refere a necessidade de prova da matéria de facto integradora do crime de prazo prescricional mais longo, para efeitos do disposto no art.º 498º, nº 3, do CC.
23. Assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13.01.2011, Processo nº.1014/09.0TBSTR-B-E1, entre outros, elenca algumas decisões judiciais sobre esta temática: Ac. RL de 7/10/2008, Proc. 6760/2008-7; Ac. RC de 26/6/2007, Proc.11/04.7TBTBU.C1; Ac. RE de 27/9/2007, Proc. 1489/07-2.
24. Posto isto, não se pode conferir aos factos alegados pelo Autor qualquer tutela penal, razão pela qual se encontra prescrito o direito que o Autor pretende exercer através dos presentes autos quanto aos ora Recorrentes.
25. No entanto, no presente caso, não existem dúvidas que entre a data dos factos invocados na ação como geradores de responsabilidade civil (publicação das peças jornalísticas), as datas da instauração da presente ação e da respetiva citação dos RR. (que constitui facto interruptivo da prescrição, nos termos do art.º 323º, nº 1, do CC, sem necessidade de consideração do regime excecional previsto no nº 2 dessa disposição legal) decorreram mais de 3 anos, prescrevendo assim sem sombra de dúvida, o direito do Autor.
26. Encontrando-se prescrito o direito que o Autor pretende exercer através dos presentes autos e deverão os Recorrentes ser absolvidos do pedido com as devidas consequências legais.
27. Caso assim não se entenda, sempre se diga que, em sede de contestação, os Recorrentes, invocaram a ilegitimidade passiva pelo facto de o Autor ter intentado a presente ação apenas contra o diretor e a entidade proprietária das publicações em causa, sem ter chamado à presente demanda os autores das notícias objeto dos presentes autos.
28. Sobre esta exceção, pronunciou-se o Tribunal a quo no despacho saneador, proferido a 20.05.2019, tendo decidido pela improcedência da referida exceção.
29. Nos termos do artigo 29.º, n.º 2, da Lei da Imprensa e do regime geral da responsabilidade civil extracontratual, o autor da imagem ou escrito respondem civilmente pelos danos que tenham praticado.
30. Para além da responsabilidade do autor, poderá ainda a empresa jornalística responder, nos termos do n.º 2 do artigo 29º da Lei da Imprensa, “no caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal”.
31. O que significa que, nos termos do referido preceito, a responsabilidade das empresas jornalísticas pressupõe sempre, a responsabilidade do “autor” da imagem ou do texto”. É um pressuposto prévio e essencial, aferir da responsabilidade do “autor” do texto ou da imagem.
32. Acontece que, a presente ação não foi intentada contra os autores das notícias em causa e estando as empresas jornalísticas legalmente impedidas de influenciar ou determinar o conteúdo das suas publicações, deveria a atuação do autor das notícias ser objeto de análise, e este parte no processo, para aferir da procedência ou improcedência da ação. O que não sucedeu.
33. Só depois de se ter apurado que, o autor das notícias atuou de forma ilícita, culposa e adequada a provocar determinado dano, se poderia aferir da responsabilidade da Ré C, nomeadamente da existência dos pressupostos específicos do n.º 2 do artigo 29º da Lei da Imprensa.
34. Assim, entendem os Recorrentes que, uma vez que o autor do escrito, (pessoa responsável nos termos do n.º 2 do artigo 29º da Lei da Imprensa) não é parte nos presentes autos, não poderá o Tribunal aferir se estes praticaram qualquer facto adequado a gerar o dever de indemnizar a Autora.
35. Face ao exposto, estamos perante uma situação de ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário, nos termos do artigo 33.º do CPC, devendo os Recorrentes serem absolvidos da instância, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 278.º do CPC, tendo, por isso, o Tribunal a quo violado as disposições previstas nos artigos 29.º, n.º 2 da Lei de Imprensa e do artigo 33.º, do CPC.
36. Caso assim não se entenda, no que à impugnação da matéria de facto diz respeito, deverá ser alterada a redação do ponto 5 dos factos provados da sentença recorrida.
37. Corresponde à verdade que o Recorrente OR, à data dos factos, exercia funções de diretor no Jornal “C” e no serviço de programas “TV”.
Porém, a parte referente a “competindo-lhe orientar, superintender e determinar os seus conteúdos” advém da Lei de Imprensa, mais concretamente, a alínea a), do artigo 20.º, e não propriamente da prova que foi produzida em sede de audiência de julgamento.
38. Neste sentido, requerem os Recorrentes a alteração do ponto 5 dos factos considerados como provados, devendo o mesmo passar a ter a seguinte redação: “O 3.º R. era, em agosto de 2013, Diretor do “C” e Diretor Geral da “TV”, decorrendo desse tipo de funções e nos termos legais, orientar, superintender e determinar os seus conteúdos.”
39. Por outro lado, requerem os Recorrentes que deverá ser reapreciada a prova e em consequência alterada a resposta dada aos pontos 23, 24 e 25 dos factos provados e a alínea m) dos factos não provados da sentença recorrida.
40. O Tribunal a quo ao considerar que nenhum dos Recorrentes procurou confirmar os factos relatados pela Ré J junto do Autor, parte do pressuposto de que eram os Réus OR e C, S.A. que teriam de exercer o contraditório.
Porém, essa premissa não está correta!
41. Não eram os Recorrentes que teriam de confirmar a veracidade dos factos relatados pela Ré J, nem de exercer o contraditório junto do Autor, mas sim, o jornalista autor da notícia em causa. Não cabia (nem cabe!) a estes Recorrentes o exercício do contraditório.
42. O contraditório e/ou a confirmação da veracidade dos factos deverá ser exercido pelo jornalista, autor da notícia em causa, e não pelo diretor do periódico ou pela entidade propriedade do respetivo órgão de comunicação social.
43. No que respeita ao diretor, ora Recorrente OR, não é por exercer funções de direção que lhe cabe exercer o contraditório das notícias escritas pelos jornalistas.
44. Legalmente, não compete ao diretor do periódico exercer o contraditório das notícias dos jornalistas que as escrevem. Nem sequer o mesmo faria sentido o diretor exercer o contraditório por notícias que não são da sua autoria. Se o fizesse estaria a colocar em causa a liberdade de criação do próprio jornalista e a sua independência, direitos, esses, legalmente previstos nos artigos 6.º, alíneas a) e d), 7.º e 12.º, do Estatuto do Jornalista (Lei n.º 1/99, de 13 de janeiro).
45. No que concerne à Recorrente C, S.A., ainda menos sentido faz ter de ser esta entidade a exercer o contraditório, quando a mesma se encontra legalmente impedida de intervir em conteúdos editoriais.
46. O pressuposto de que o Tribunal a quo considera é contrário ao legalmente estipulado, pois, na verdade, a Constituição da República Portuguesa, a Lei de Imprensa e o Estatuto dos Jornalistas separam o “poder económico” da “liberdade editorial” proibindo que as empresas detentoras das publicações interfiram nos conteúdos daquelas.
47. Não cabendo, por isso, à empresa proprietária da publicação, orientar, superintender nem determinar o conteúdo do jornal ou a atuação dos seus jornalistas, o que a lei, aliás, sempre lho proibiria.
48. Nos termos do artigo 14.º, n.º 1, alínea f) do Estatuto do Jornalista (Lei n.º 1/99, de 13 de janeiro) o dever de em “atribuir as opiniões recolhidas aos respetivos autores. “é um dever do jornalista, e não um dever do diretor ou da entidade proprietária do órgão de comunicação social.
49. Aliás, é referido pela Ré J que única pessoa com quem falou do Jornal “C” foi com o jornalista JP, nunca tendo falado com o diretor OR ou qualquer outra pessoa (depoimento e declarações de parte na audiência de julgamento de 09 de novembro de 2020, com uma duração de 45 minutos e 13 segundos, de 15:56:57 a 16:42:10, mais concretamente aos minutos 01:51:18 a 01:52:17 e 01:59:55 a 02:01:02).
50. Mas mesmo que assim não se entenda, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, sempre se diga que, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, o contraditório foi exercido, tanto no que concerne às notícias publicadas no Jornal “C”, como na entrevista transmitida no serviço de programas “TV”, tendo sido feita prova suficiente nesse sentido, tendo o Tribunal a quo feito uma errada apreciação da prova produzida, mais concretamente, dos depoimentos prestados pelas testemunhas JP e CR, assim como da prova documental junta aos presentes autos.
51. As notícias datadas de 11 e 12 de agosto publicadas no Jornal “C” encontram-se assinadas pelo jornalista JP, o qual se limitam a relatar factos descritos de forma expressa e direta por parte da Ré J.
52. Em sede de audiência de julgamento, JP, explicou que foi a Ré J que entrou em contacto com o próprio e que, no momento da entrevista, apresentou-lhe cópias de várias queixas crimes que tinha apresentado contra o Autor H, assim como documentação que atestava a veracidade dos factos que lhe eram relatados, tendo ainda referido que falou com o pai da J que asseverou a veracidade dos factos relatados por esta e que tentou contactar o Autor H, conforme depoimento prestado na audiência de julgamento de 17 de maio de 2021, (…)
53. Ora, naturalmente que, se o jornalista faz o que está ao seu alcance para ouvir a parte contrária, mas por fatores absolutamente estranhos às ações que promove, não consegue concretizar tal contacto, não lhe pode ser imputado o desrespeito pelo dever em referência. Face ao exposto, não temos dúvidas que o contraditório junto do Autor foi exercido.
54. Quanto à entrevista transmitida na “TV”, decorreu por livre e espontânea vontade da Ré J e a mesma não se centra nas alegadas agressões de que foi vítima, mas sim da insuficiência dos apoios sociais à disposição das vítimas de violência doméstica. A presença da Ré J em estúdio visava relatar a atitude da Segurança Social que lhe retirou o RSI após verificar que esta se encontrava a receber pensão de alimentos paga pelo pai aos filhos menores.
55. E por ser este o enfoque central da entrevista, NG – um dos apresentadores do programa – refere que foram efetuadas tentativas de contacto à Segurança Social para recolha do contraditório, embora estas não tenham sido bem-sucedidas.
56. Por isso, no que concerne à entrevista divulgada na “TV” o contraditório a ser feito não deveria ser com o Autor, mas sim, com a Segurança Social, conforme os apresentadores fizeram. Assim também o refere a Deliberação da ERC/2016/223 (CONTJOR) (doc. 5 junto com a petição inicial).
57. A verdade é que o modus operandi do Jornal “C” e do serviço de programas “TV” é o exercício do contraditório, assim o referiram as testemunhas CR (depoimento prestado na audiência de julgamento de 17 de maio de 2021, …. à data dos factos, diretor adjunto Jornal “C” e da “TV”, no qual exercia funções com maior enfoque neste último serviço de programas e PS (depoimento na audiência de julgamento de 17 de maio de 2021, …  à data dos factos, chefe de redação do Jornal “C”.
58. Deste modo, face ao que foi exposto, o Tribunal a quo parte da premissa errada de que é o diretor OR e a entidade proprietária C, S.A, que deveria contactar o Autor ao abrigo do exercício do contraditório e quem deveria verificar pela veracidade dos factos alegados pela Ré J.
59. O contraditório e/ou a confirmação da veracidade dos factos é um dever do jornalista, autor da notícia/entrevista em causa. Só a ele lhe cabe este dever, sob pena de violação do dever de independência, autonomia e criação da atividade jornalística de cada jornalista.
60. Entendemos, por isso, que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação dos depoimentos prestados pelas testemunhas JP, CR e PS, assim como, da deliberação da ERC (doc. 5 da p.i).
61. Face ao supra exposto, considerando a prova produzida, não poderia o Tribunal a quo ter dado como provado os factos 23, 24 e 25 dos factos provados, pelo que devem ser alteradas as respostas dadas aos respetivos factos passando os mesmos a considerar-se como não provados.
62. Assim como, não deveria o Tribunal a quo ter dado como não provado a alínea m), pelo que deve ser alterada a resposta dada ao respetivo facto passando o mesmo a considerar-se como provado com a seguinte redação “Os jornalistas do Jornal “C” e do serviço de programas “TV” procuraram confirmar as afirmações da 1.ª Ré antes de as publicarem”.
63. Entendeu ainda o Tribunal a quo considerar como provado os pontos 31, 32, 33, 34 e 35 dos factos provados da sentença recorrida, no entanto, entendem os Recorrentes que para além de o Tribunal a quo ter feito uma errada valoração do depoimento prestado por MRS e das declarações de parte do Autor, a verdade é que nem sequer teve em consideração o historial da relação entre o Autor e a Ré J.
64. Ora, é necessário esclarecer o Tribunal ad quem que as desavenças entre o Autor e a Ré J tiveram início no verão de 2005, encontrando-se desde essa altura em “guerra judicial”.
65. Desde 2013 que a Ré J foi presença constante nos órgãos de comunicação social, para além do “C” e da “TV”, a mesma também foi presença na S no programa “…”, não olvidando que a mesma escreveu e publicou um livro com o título “Conversas do G e da MR”, no qual alegava que era vítima de violência doméstica.
66. De facto, e conforme também foi referido pelo Autor em declarações de parte (depoimento na audiência de julgamento de 09 de novembro de 2021, … e pela Ré J (depoimento e declarações de parte na audiência de julgamento de 09 de novembro de 2021, … a Ré enviou várias cartas às chefias militares do Autor, e ainda fez várias publicações no seu perfil na rede social Facebook, antes de 2013, ou seja, anterior às publicações das entrevistas em causa.
67. Não há, por isso, dúvidas que os factos eram públicos e que não foi mediante as notícias em causa que terceiros tiveram conhecimento dos mesmos.
68. E se o Autor é “facilmente identificável como o visado das notícias”, admitindo-se apenas por mero dever de patrocínio, sempre se diga que não é em consequência das publicações em causa, mas sim, por todo o historial que remonta desde o ano de 2005.
69. E se efetivamente o Autor sentiu os danos que o Tribunal a quo deu como provados, admitindo-se também apenas por mero dever de patrocínio, não é em consequência das publicações em causa, mas sim, de todos os processos judiciais, de todas as desavenças entre o casal e de todas as implicações que os mesmos tiveram na vida pessoal e profissional do Autor desde 2005.
70. A testemunha MRS, valorada pelo Tribunal a quo, chegou mesmo a referir que não identificou o Autor nas notícias em causa e que nem sequer conhecia a J. De facto, a referida testemunha só soube que as notícias se referiam a H em conversa com o próprio e não propriamente por o ter identificado nas mesmas (cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento de 23 de novembro de 2020, …).
71. O Autor H referiu que um colega apenas o identificou nas notícias porque tinha-lhe contado o que se estava a passar e porque assistiu a uma discussão. Aliado ao facto de a Ré J ter enviado cartas para o seu posto de trabalho e ter feito publicações na rede social Facebook (cfr. declarações de parte prestadas na audiência de julgamento de 09 de novembro de 2021, …).
72. Ora, daqui podemos concluir que o Autor não foi identificado pela fotografia ou pelo texto das notícias, mas sim, porque as pessoas já sabiam dos contornos da sua relação com a Ré J. Terceiros tinham conhecimento das várias cartas, mensagens, emails e publicações na rede social Facebook, que tiveram início em janeiro de 2013 (antes das notícias).
73. Mas mais. Em declarações de parte da Ré J, a mesma referiu que ninguém em Santarém a identificou nas notícias, nem sequer ao Autor H (declarações de parte prestadas na audiência de julgamento de 09 de novembro de 2020, …).
74. Assim, podemos concluir que: (i) O Autor não é facilmente identificável como o visado nas notícias, quando a Ré J utiliza um nome fictício e surge numa fotografia de costas, sendo que a única referência que é feita na notícia é “um militar de carreira do Exército Português”; (ii) Mesmo que se entenda que o Autor é facilmente identificável, o que não se concede, sempre se diga que é em consequência de todo o historial que remonta desde 2005, desde envio de cartas, e-mails, publicações no Facebook e publicação de um livro; (iii) Não foi feita prova dos danos que o Tribunal a quo deu como provados, quando o Autor nem sequer foi capaz de os concretizar.
75. Condenar os Réus ao pagamento de uma indemnização ao Autor por notícias cujo dano não foi possível apurar é fazer com que os Réus paguem por todas as eventuais repercussões que o Autor alegadamente sofreu por todos estes anos de “guerra judicial” com a Ré J.
76. Ao se entender que efetivamente o Autor sofreu os alegados danos, o que não se concede, tal responsabilidade só pode ser imputada à Ré J.
77. Face ao exposto, considerando a prova produzida, não poderia o Tribunal a quo ter dado como provado os factos 31, 32, 33, 34 e 35 dos factos provados, pelo que devem ser alteradas as respostas dadas aos respetivos factos passando os mesmos a considerar-se como não provados.
78. Entendeu ainda o Tribunal a quo considerar como provado o ponto 47 e como não provado as alíneas o) e p) da sentença recorrida, o que salvo o devido respeito, entendem os Recorrentes, que não foi corretamente valorada a prova produzida nos presentes autos, tendo sido produzida prova suficiente para se concluir que os Réus OR e C, S.A. não tiveram conhecimento prévio das notícias e da entrevista em causa. Além de que, conforme veremos, o Tribunal a quo nem sequer teve em consideração a prova documental junta aos presentes autos.
79. Foi explicado pelas testemunhas PS e CR, o processo de funcionamento do Jornal “C”, desde a redação do texto jornalístico, à sua edição, até à sua publicação. Tendo ainda sido referido a existência de uma hierarquia, o qual asseveram com clareza a plena autonomia das chefias intermédias, assim como, quem seria a pessoa responsável pela edição e a aprovação do texto final para publicação. O mesmo se dizendo relativamente ao serviço de programas “TV”.
80. Em sede de contestação, os Recorrentes procederam à junção de uma declaração do diretor dos Recursos Humanos a atestar que o diretor OR, nos dias 10 e 11 de agosto e 17 e 18 de agosto de 2013 se encontrava em gozo de folgas, conforme documento 1. Porém, o Tribunal a quo na sua motivação não teve em consideração a referida prova, nem sequer faz qualquer referência a este documento.
81. As notícias em causa nos presentes autos referem-se aos dias 11, 12 e 18 de agosto de 2013, respetivamente, domingo, segunda-feira e domingo.
82. Nas datas da elaboração das notícias em causa, assim como na data da publicação das mesmas, o Réu OR encontrava-se de folga (doc. 1 junto com a contestação).
Estando de folga no dia da preparação das notícias, sábado, assim como no dia da publicação, domingo, não teve conhecimento prévio das mesmas.
83. E o mesmo se diga quanto à notícia publicada na segunda-feira e preparada no domingo, data em que o Réu OR também se encontrava de folga. Pelo que, toda e qualquer possibilidade de se opor à publicação das peças jornalísticas em causa nos presentes autos, caso assim o entendesse, foi naturalmente afastada. Com o que, não lhe foi concedida oportunidade para apreciar da pertinência dessa divulgação.
84. Não obstante, veja-se ainda o depoimento das testemunhas PS (à data dos factos exercia funções de chefe de redação e à data da audiência de julgamento diretor-adjunto) e CR (à data dos factos exercia funções de diretor-adjunto e à data da audiência de julgamento diretor executivo), os quais não foram corretamente valorados pelo Tribunal a quo.
85. As referidas testemunhas asseveraram que as notícias em causa foram publicadas na secção “Sociedade”. Tendo as notícias sido da autoria de um jornalista de Santarém, o mesmo reportou a situação ao editor da região centro (editor de Viseu), sendo este o responsável pela secção. Referiram ainda que é o editor de Viseu que informa o editor da secção de Lisboa que, posteriormente, decide se determinada notícia vai ser publicada.
86. Acrescentaram ainda que, este processo não passa pelo diretor OR, tendo as referidas testemunhas asseverado que o mesmo folga todos os fins-de-semana, à exceção no dia das eleições legislativas. Mas mesmo que o diretor estivesse presente na redação, este tipo de notícias não vai ao seu conhecimento, nem ao seu, nem dos diretores-adjuntos, pois o tema em si não implica que a direção faça uma outra análise, quando na verdade, este tema já passou por dois editores – o de Viseu e o de Lisboa,
pois são notícias que o editor do jornal tem autonomia e competência, sendo o editor que revê e publica o texto.
87. Concluíram que, se os textos passassem por eles, os mesmos não suscitariam qualquer dúvida e seriam publicados.
88. No que se refere em concreto à entrevista transmitida na “TV”, foi referido que nas reuniões preparatórias do programa em questão não se encontra presente nenhum membro da direção, pois cada programa tem uma equipa de produção que fornece aos apresentadores o conteúdo para as conversas estabelecidas no programa.
89. Quanto à alegada intervenção da C, S.A. foi referido por ambos que a administração não tem qualquer intervenção, nem no Jornal “C”, nem no serviço de programas “TV”, existindo uma separação entre o poder editorial e o poder financeiro.
90. A testemunha PS (depoimento na audiência de julgamento de 17 de maio de 2021, …) e a testemunha CR (depoimento na audiência de julgamento de 17 de maio de 2021, …).
91. Assim, ao contrário do entendimento seguido na sentença recorrida e em conformidade com o depoimento das testemunhas PS e CR, assim como, pelo documento 1 junto com a contestação, foi feita prova suficiente que os Réus OR e C, S.A. não tiveram conhecimento prévio da publicação das entrevistas em causa nos presentes autos.
92. Face ao supra exposto, considerando a prova produzida, não poderia o Tribunal a quo ter dado como provado o facto 47 dos factos provados, pelo que deve ser alterada a resposta dada ao respetivo facto passando o mesmo a considerar-se como não provado.
93. Assim como, não deveria o Tribunal a quo ter dado como não provado os factos das alíneas o) e p), pelo que devem ser alteradas as respostas dadas aos respetivos factos passando os mesmos a considerar-se como provados.
94. Por fim, entendeu ainda o Tribunal a quo considerar como não provados as alíneas a), b), c) d), e) e n).
95. Porém, o Tribunal a quo não valorou corretamente as declarações proferidas pela Ré J, nem o depoimento prestado pela testemunha JP na audiência de julgamento, pelo facto de ter sido referido por ambos que o tema central das notícias era a perda de RSI por parte da Ré J .
96. A Ré J foi assertiva ao referir que foi “dar estas entrevistas pela minha indignação como vítima dos processos que estavam a acontecer que tinha um direito, que eu tinha, era uma maneira de recomeçar a minha vida depois de sair de casa, sem dinheiro sem nada, não é, sem trabalho.”, “pronto eu estava zangada, porque o Estado tinha prometido que ajudaria e não ajudou, era um direito que eu tinha, como era um direito que eu tinha na altura ter uma casa”, Pronto fiquei zangada com o Estado, o Estado deveria ajudar e não ajudou, quando estão lá os direitos, aliás está nos direitos quando apresentamos uma queixa.” (…).
97. O mesmo foi confirmado pela testemunha JP que referiu: “portanto o meu interesse neste caso nem foi tanto a violência doméstica, foi a falta de apoio. Acho que é isso que a J primeiro conta na primeira entrevista, que é a falta de apoio das vítimas de violência doméstica que têm de sair de casa.” (…).
98. A verdade é que tanto a Ré J (a entrevistada) como o jornalista testemunha JP (o entrevistador) referem que o tema central das notícias publicadas no Jornal “C” era relatar o facto de a Segurança Social ter cessado o pagamento do Rendimento Social de Inserção à Ré e não a circunstância de a mesma ter sido vítima de alegadas agressões por parte do Autor.
99. A Deliberação da ERC/2016/223 (CONTJOR) (doc. 5 junto com a petição inicial), que o Tribunal a quo não teve em consideração neste caso, também vai no sentido de que o foco das notícias é a falta de apoios económicos que são prestados às alegadas vítimas.
100. Deste modo, entendemos que o Tribunal a quo valorou de forma errada o depoimento da Ré J e da testemunha JP, assim como a deliberação da ERC, quando é referido qual o tema central das notícias em causa e qual era a intenção da Ré J em dar as entrevistas.
101. Face ao exposto, não deveria o Tribunal a quo ter dado como não provado os factos das alíneas a), b), c), d) e e), pelo que devem ser alteradas as respostas dadas aos respetivos factos passando os mesmos a considerar-se como provados.
102. No que se refere à impugnação da matéria de direito, o Tribunal a quo ao condenar o Réu OR, violou as disposições previstas nos artigos 29.º, n.º 2, da Lei de Imprensa e 70.º, n.º 2, da Lei da Televisão.
103. Foi referido pelas testemunhas CR (depoimento na audiência de julgamento de 17 de maio de 2021,… ) e PS (depoimento na audiência de julgamento de 17 de maio de 2021… ) que o Réu OR, na qualidade de diretor do Jornal “C” e serviço de programas “TV” não teve conhecimento prévio das notícias em causa, nem qualquer envolvimento e intervenção nas mesmas, tendo explicado a estrutura do Jornal e a forma de funcionamento do mesmo.
104. Além de que o mesmo se encontrava de folga na data de elaboração das notícias e da transmissão televisiva em causa, conforme doc. 1 junto com a contestação.
105. Não obstante, sempre se diga que, mesmo que o Réu OR, tivesse tido conhecimento e não se tivesse oposto à publicação das entrevistas em causa, o mesmo não poderia ser civilmente responsável nos termos do artigo 29.º, n.º 2, da Lei de Imprensa e nos termos do artigo 70.º, n.º 2, da Lei da Televisão.
106. O artigo 29º da Lei de Imprensa, define os pressupostos da responsabilidade civil em matéria de ilícitos de imprensa, e na verdade, em parte alguma está prevista a responsabilidade objetiva do Diretor do periódico, pelos textos que sejam publicados, mesmo quando este tenha tido conhecimento prévio do seu conteúdo e não se tenha oposto à sua publicação.
107. O conhecimento do Diretor da publicação apenas poderá relevar para aferir da eventual responsabilidade solidária da empresa jornalística, no pagamento dos danos que tenham sido, efetivamente, provocados pelos escritos, não se prevendo qualquer responsabilidade do próprio diretor da publicação.
108. Assim o refere: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 4822/06.06TVLSB; Tribunal da Comarca de Lisboa, processo n.º 590/07.7TVLSB, 1ª secção, 7ª Vara Cível; Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 6160/05-2, de 17.09.2009: J. M. COUTINHO RIBEIRO - “A Nova Lei da Imprensa”, Coimbra Editora, 1995; MARIA MANUEL BASTOS e NEUZA LOPES, Comentário à Lei de Imprensa e ao Estatuto do Jornalista.
109. O diretor, aqui Recorrente OR, não sendo o autor dos textos em causa, não pode ser pessoalmente responsabilizado por quaisquer danos provocados pelos mesmos, uma vez que, nos termos da lei, apenas responde o próprio autor e a empresa proprietária, no caso de a notícia ter sido publicada com o conhecimento e sem oposição do seu diretor, mas nunca o Recorrente enquanto Diretor do jornal, ao contrário do entendimento seguido pelo Tribunal a quo.
110. Os Recorrentes entendem que, nos autos foi feita prova, que o Recorrente OR, diretor do C e da TV, não conhecia o escrito e imagens dos autos, não tendo o mesmo sido considerado procedente pelo Tribunal a quo.
111. Mas, independentemente dessa circunstância, entendem os Recorrentes que o n.º 2, do artigo 29º, da Lei de Imprensa, não contém qualquer presunção de culpa do diretor de publicação, relativamente à publicação de eventuais ilícitos.
112. Em parte alguma da lei se impõe ao Diretor, que tenha “conhecimento” prévio dos artigos antes dos mesmos serem publicados. O artigo 20.º, n.º 1, da Lei de Imprensa não consagra um dever especial do diretor da publicação em conhecer antecipadamente o teor de todos os conteúdos da mesma.
113. A lei não diz que o diretor tem de aprovar todos os artigos, ou sequer conhecê-los antecipadamente, como algumas interpretações mais radicais, sugerem. Diz apenas que lhe cabe, orientar, superintender e determinar, o que são coisas diferentes!
114. Porque não nos podemos olvidar que, num jornal diário, de expansão nacional, não é humanamente possível exigir-se que o seu diretor conheça antecipadamente, o conteúdo de todas as edições.
115. No limite encerra aquele preceito, aquilo que, relativamente à temática da responsabilidade criminal do diretor, o Prof. Figueiredo Dias, qualificou de “presunção natural”, ou seja, o magistrado deverá guiar-se por aquilo que a sua experiência de vida e senso comum, determinam.
116. A não ser assim, o n.º 2, do artigo 29.º, da Lei de Imprensa, seria materialmente inconstitucional, por excessivo e desproporcionado, para os diretores de publicações, violando o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º, da Constituição da República Portuguesa.
117. Razões pelas quais o Recorrente OR deveria ter sido absolvido. Pelo que, ao condenar o Réu OR, solidariamente com os restantes, ao pagamento à Autora da indemnização fixada, violou o tribunal a quo o disposto no n.º 2 do artigo 29.º da Lei da Imprensa, devendo a decisão recorrida ser alterada e substituída por outra que absolva o Réu OR do pedido.
118. No que se refere à responsabilidade do Recorrente OR no que concerne à entrevista transmitida no serviço de programas “TV”, sempre se diga que ficou provado que aquele não fez as entrevistas a J nem acompanhou a entrevista televisiva feita pela TV (cfr. ponto 46 dos factos provados da sentença recorrida).
119. A verdade é que em consonância com a Lei da Televisão (Lei n.º 27/2007, de 30 de julho) e no âmbito da responsabilidade civil, não há qualquer tipo de imputação de responsabilidade ao Diretor, não existindo, sequer, qualquer responsabilidade presumida.
120. Nem sequer, ao contrário do que ocorre na Lei de Imprensa (artigo 29º, nº 2), onde a ação ou omissão do diretor, é determinante da responsabilidade civil da empresa jornalística, no domínio da televisão, essa conduta não é sequer valorada.
121. Porém, estamos perante um programa que foi transmitido em direto, e por isso, nem sequer se pode aplicar a previsão do artigo 70.º, n.º 2, da Lei da Televisão.
122. Neste sentido, nunca poderia o Tribunal a quo ter condenado o Recorrente OR, enquanto diretor do serviço de programas “TV”, uma vez que o mesmo não tem qualquer responsabilidade, presumida, muito menos pessoal.
123. Será ainda de referir que, conforme já foi referido na parte de impugnação da matéria de facto que, o Tribunal a quo ao partir do pressuposto de que o diretor não auscultou ou confrontou o Autor com as declarações da Ré J, viola a disposição prevista no artigo 20.º, da Lei da Imprensa, assim como, o artigo 14.º do Estatuto do Jornalista.
124. Pelo que, ao condenar o Réu OR, solidariamente com os restantes, ao pagamento à Autora da indemnização fixada, violou o tribunal a quo o disposto no n.º 2 do artigo 29.º da Lei da Imprensa, o artigo 70.º, n.º 2, da Lei da Televisão, o artigo 20.º, da Lei da Imprensa e o artigo 14.º do Estatuto do Jornalista, devendo a decisão recorrida ser alterada e substituída por outra que absolva o Réu OR do pedido.
125. No que se refere à alegada responsabilidade da Ré C, S.A., conforme foi referido pelas testemunhas PS (… ) e CR (depoimento na audiência de julgamento de 17 de maio de 2021,…), a administração não tem qualquer intervenção nos conteúdos editoriais, quer do Jornal “C”, quer no serviço de programas “TV”.
126. O Tribunal a quo ao referir que a C, SA tem o “poder de determinar” o texto ou a entrevista, está a defender algo que é contrário à constituição, à Lei de Imprensa, à Lei da Televisão e ao Estatuto do Jornalista.
127. A C, SA, enquanto entidade proprietária de órgão de comunicação social não deve (nem pode!) intervir em conteúdos editoriais. Se o fizesse estaria a violar a lei!!
128. A Constituição da República Portuguesa, a Lei da Imprensa e da Televisão e o Estatuto dos Jornalistas preveem a separação entre o poder económico e a liberdade editorial, proibindo que as empresas detentoras das publicações, através da sua administração, interfiram nos conteúdos daquelas.
129. Não cabe à empresa proprietária da publicação ou do serviço de programas, orientar, superintender nem determinar o conteúdo do jornal, pelo que não foi a Recorrente quem alegadamente expôs, reproduziu, incumbiu ou lançou no comércio qualquer a notícia objeto dos presentes autos.
130. Em bom rigor, nenhum jornalista, antes de publicar ou de decidir transmitir determinada notícia, se dirige à administração a solicitar a aprovação da mesma.
131. Neste sentido, o Tribunal a quo ao decidir condenar a C, S.A. viola a disposição prevista no artigo 38.º, da CRP.
132. Sem conceder, nos termos do artigo 29.º, da Lei de Imprensa, as empresas jornalísticas apenas podem ser responsabilizadas no caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação: com o conhecimento e sem oposição do diretor ou seu substituto legal.
133. Em primeiro lugar, considerando o atendimento ao pedido de alteração à resposta dada à matéria de facto, e passando a constar da mesma que o Réu OR não teve conhecimento prévio da publicação da notícia em causa, nem da transmissão televisiva, e consequentemente agiu com o cuidado que devia e lhe era possível, ficando tal facto provado, nunca poderá a Ré C responder por quaisquer danos provocados pelas publicações.
134. Pelo que, sem mais, deve a mesma ser absolvida do pedido, uma vez que não se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a sua responsabilidade, nos termos do n.º 2 do artigo 29.º da Lei da Imprensa.
135. No que respeita à transmissão da entrevista da Ré J no serviço de programas “TV”, nos termos do artigo 70.º, n.º 2, da Lei da Televisão, deverá a Recorrente C, S.A. ser absolvida do pedido.
136. Ora, ao abrigo da referida disposição legal não temos dúvidas que o Tribunal a quo não poderia condenar a Recorrente C, S.A. como o fez, porque condenou-a quanto a um dos ilícitos praticado em programa não gravado, mas antes, transmitido em “direto”.
137. Por tudo o supra exposto deve a Ré C, enquanto proprietária do jornal “C” e do serviço de programas “TV”, ser absolvida do pedido uma vez que não se encontram preenchidos os requisitos previstos no n.º 2, do artigo 29.º, da Lei da Imprensa, nem do n.º 2, do artigo 70.º, da Lei da Televisão, dos quais depende a sua responsabilidade por textos inseridos no referido periódico e de transmissões televisivas, respetivamente.
138. Aqui chegados, importa abordar a questão da licitude ou ilicitude das notícias e reportagem em causa nos presentes autos para aferir da responsabilidade dos Réus OR e C, S.A.
139. Antes de mais sempre se diga que os factos relatados nas entrevistas em causa nos presentes autos são do conhecimento público, que remontam a 2013 e que foram transmitidos pela sua interveniente direta, ora Ré J.
140. Tendo sido confirmados os factos objeto dos presentes autos, e sendo a fonte fidedigna enquanto alegada vítima de dificuldades financeiras e de violência doméstica, foi decidido justificadamente publicar-se a notícia.
141. Ora, a divulgação, pela imprensa, de notícias de factos verdadeiros ao abrigo do princípio da boa-fé exclui a ilicitude duma conduta passível de violação do bom nome e crédito do autor, enquanto imputando a este, factos que não se provou ter cometido e em si lesivos da sua reputação, revestindo alguma complexidade.
142. A notícia aqui em causa faz apenas uma narração objetiva de factos que lhe foram transmitidos por parte da Ré J, além de que, a gravidade dos temas aqui em causa gritam por um inegável interesse jornalístico.
143. A publicação aqui em causa não pretendeu revestir qualquer sensacionalismo, mas unicamente demonstrar e, sobretudo, criar no público uma compaixão pela situação em que a 1ª R. se encontrava uma vez que foi a própria a querer “dar a cara”.
144. Com a notícia aqui em causa pretendeu-se alertar expor os problemas relacionados com as entidades públicas, dificuldades financeiras e num segundo plano, a violência doméstica.
145. Por outro lado, não podem os RR. ver-se impedidos de publicar factos que possuem interesse público. Em virtude do direito à informação e à liberdade de imprensa que se encontram constitucionalmente previstos no nosso ordenamento jurídico.
146. Inexistindo qualquer violação por parte dos RR. de qualquer direito de personalidade do A., é manifesto que estes não praticaram qualquer facto ilícito, soçobrando naturalmente os restantes pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
147. O direito do público a ser informado tem como parâmetro a utilidade social da notícia, ou seja, deve restringir-se aos factos e acontecimentos que sejam relevantes para a vivência social, sendo certo que a importância social da notícia deve ser integrada pela verdade do facto noticiado ou pela seriedade do artigo de opinião, o que pressupõe a utilização pelo jornalista de fontes de informação fidedignas, tanto quanto possível, diversificadas, por forma a testar e controlar a veracidade dos factos.
148. “O interesse público ou relevância social de um facto pode determinar a prevalência do direito à liberdade de expressão e informação sobre o direito ao bom-nome e reputação.” (Ac. TRL de 28-06-2007; www.dgsi.pt)
149. Entendem os Recorrentes que as notícias objeto dos presentes autos relatam factos que são relevantes e com interesse público, os quais chegaram ao conhecimento dos jornalistas por fontes idóneas, tendo sido esta elaborada de forma bem moderada e manifestamente adequada aos factos que relata, onde não se ultrapassam os limites impostos à Liberdade de Expressão e de Imprensa pelo que não se vislumbra que com ela, como pretende a Autora tenha violado os seus direitos de personalidade.
150. Na verdade, as notícias em causa não fazem juízos de valor, limitando-se a relatar factos concretos proferidas por um terceiro. Em causa estão factos com claro relevo social cuja divulgação é legitimada pelo direito/dever de informação que impende sobre os jornalistas.
151. A liberdade de expressão em sentido amplo constitui um indispensável instrumento de controlo, de aperfeiçoamento e de reforma das instituições policiais e jurisdicionais. Assim o prevê a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) no seu artigo 19º, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no número 1, do artigo 10º e ainda o Estatuto do Jornalista, no seu artigo 6º.
152. Motivo pelo qual, entendem os Recorrentes que não foi praticado qualquer facto ilícito, porque o exercício correto da liberdade de imprensa, corresponde ao exercício regular de um direito, que por sua vez, é uma causa justificativa do mesmo.
153. Considerando o pedido de alteração da matéria de facto, no que respeita à resposta dada aos pontos 31, 32, 33, 34 e 35 dos factos provados, passando os mesmos a não provados, caí por terra o pressuposto dos danos.
154. Mas caso assim não se entenda, por mero dever de patrocínio, sempre se diga que não é alegado um único e concreto dano que tenha sido diretamente provocado pelos Recorrentes ao Autor na sequência das entrevistas em, inexistindo nexo de imputação entre o agente, ora Recorrentes, e os alegados factos ilícitos.
155. Certo é que a responsabilidade relativamente aos danos jamais poderá ser assacada aos Recorrentes, pois se algum dano existe, o que não se concede, foi causado pela Ré J.
156. De facto, os danos que o Autor invoca, mais não são do que elementares consequências e o resultado de todo o historial que teve início em 2005.
157. No caso dos presentes autos, resulta evidente que, tendo em conta os “danos” concretamente alegados, para além de não existir, qualquer vínculo causal entre as notícias e a produção destes, estes não têm a gravidade ou intensidade adequada ou merecedora de qualquer indemnização.
158. Sendo ainda de referir que nenhuma das testemunhas descreveu concretamente que repercussões as notícias em causa tiveram na vida pessoal e profissional do Autor.
159. Nos termos do n.º 2, do artigo 487º, do CC, a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um “bonus pater familiae”, em face das circunstâncias do caso concreto, por referência a alguém medianamente diligente, representando um juízo de reprovação e de censura ético-jurídica, por poder agir de modo diverso. Cabendo ao “lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão”, o que o Autor não logrou fazê-lo.
160. Tendo sido respeitados todos os deveres deontológicos e legais que obrigam um jornalista no âmbito da sua profissão, pelo que a conduta em análise não pode ser culposa nem sequer negligente.
161. Na verdade, nunca foi intenção dos Réus ofender o Autor na sua honra ou no seu bom nome, mas tão só relatar factos de interesse público, na sequência de informações recolhidas por fontes que a jornalista, autora da notícia, considerou como fidedignas.
162. Tendo em conta o supra exposto, nenhuma responsabilidade pode ser assacada aos Réus, a título de responsabilidade civil pois não se encontram preenchidos os requisitos previstos no artigo 483.º do Código Civil, o qual cabia ao Autor provar nos termos do artigo 487.º do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida. Pois só se assim se fará a costumada Justiça!».
*
O autor não contra-alegou, mas apresentou escrito nestes termos:
«notificado da interposição de recurso dos RR. e das suas quilométricas conclusões, vem dizer que a douta sentença recorrida interpretou corretamente os factos e aplicou devidamente o direito, pelo que não pretende contra-alegar.».
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos apelantes, sem prejuízo de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são:
1 - excepção de ilegitimidade passiva
2 - excepção de prescrição
3 - se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto (nas duas apelações)
4 –
a) na apelação da ré J:
. se há falta de fundamentação de facto e de direito e se há contradição entre a fundamentação e a decisão
 . se a ré J não cometeu facto ilícito
b) na apelação dos réus OR e C, SA
.  se o réu OR não pode ser pessoalmente responsabilizado
. se a ré C, SA não pode ser responsabilizada pela publicação dos textos no jornal C
. se a ré C, SA não pode ser responsabilizada pela exibição do programa televisivo na TV
. se os danos alegados pelo apelado não são merecedores de indemnização
*
III – Fundamentação
A) Na sentença recorrida vem dado como provado:
1. O A. e a 1ª R. casaram em 16/03/2003.
2. O A. e a 1ª Ré encontram-se separados de facto desde 25 de Janeiro de 2013.
3. Já tendo sido decretado o respetivo divórcio.
4. A 2ª R. é proprietária do Jornal “C”, um jornal diário e da “TV”, canal de televisão.
5. O 3º R. era, em Agosto de 2013, Diretor do “C” e Diretor Geral da “TV”, competindo-lhe orientar, superintender e determinar os seus conteúdos.
6. O “C” é o jornal líder de mercado em Portugal.
7. Em 11, 12 e 18 de Agosto, o Jornal C publicou três peças juntas a fls. 15 e 16 cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos.
8. Na primeira dessas peças, intitulada “Foge de Agressor para passar fome”, conta com declarações de “Ang” (nome fictício), de 47 anos, licenciada e pós-graduada, mulher que se apresenta como alegada vítima de violência doméstica que relata ter fugido do seu marido para não morrer à pancada, correndo agora o risco de morrer à fome. A peça é ilustrada com uma fotografia da mulher de costas para a câmara, com a legenda: «Ang abandonou o lar em Janeiro com os filhos menores».
9. Pode ler-se na referida peça: «“Fugi do meu marido para não morrer de pancada e agora corro o risco de morrer à fome”. O desabafo é de Ang (nome fictício), que em Janeiro deste ano abandonou o lar e pôs um ponto final em quase oito anos de agressões físicas, verbais e psicológicas. Hoje, com dois filhos menores a seu cargo, lamenta mal conseguir sobreviver com os apoios que o Estado concede às vítimas de violência doméstica. “A revolta que sinto é muito grande. Às vezes, até penso que o melhor era ter ficado em casa”, afirma a mulher, de 47 anos, pós-graduada no desemprego, e vítima silenciosa de um militar de carreira do Exército Português.
Depois de ter apresentado queixa do marido às autoridades e denunciado o caso à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), foi morar com os filhos para uma casa arrendada em Santarém. Recebe 229 euros do Rendimento Social de Inserção (RSI) e um abono de família de 83 euros dos menores. As refeições são dadas por uma instituição de solidariedade. “Alguém acha isto suficiente para criar duas crianças?”, questiona Ang, acrescentando que o dinheiro não chega “sequer para a renda, quanto mais para comida e outras despesas”, como a farmácia ou a escola. Mas o caso piora. O Tribunal de Santarém fixou a pensão de alimentos que o ex-marido terá que garantir aos filhos: 130 euros por cada um, que têm 4 e 5 anos. Porém, a partir do momento em que começar a receber estes 260 euros, perde o direito ao Rendimento Social de Inserção. “Nunca me conformarei com esta injustiça. Perco o único apoio que tenho por um direito que os meus filhos têm”, explica a mulher, que se queixa ainda da justiça ser cega e insensível ao fixar um valor tão baixo. “Não quero uma pensão de alimentos milionária, quero apenas algo que nos permita viver com o mínimo de dignidade, ainda por cima sem o RSI”, lamenta».
10. No dia 12 de Agosto de 2013 o C, com uma chamada de primeira página publica – “Militar arranca dedo à mulher” – que remete para a página 21 da edição.
11. O texto interior tem a mesma fotografia do dia anterior de uma mulher de costas que não é possível identificar. A fotografia é legendada com o seguinte texto: «vítima perdeu parte da cabeça do dedo anelar direito e teve de ser assistida no Hospital».
12. A noticia em causa intitula-se «Militar arranca dedo à mulher” também no corpo do
jornal, e no seu pós-título refere-se «Vitima de violência doméstica agredida quando tentava reaver bens pessoais».
13. Pode ler-se no texto da referida peça: «Ang, a vítima de violência doméstica que saiu de casa com dois filhos menores para não morrer às mãos do marido, em Santarém, foi alvo de mais uma agressão por parte do ainda marido, um militar de carreira do Exército. Ang perdeu parte da cabeça do dedo anelar direito por causa de um pontapé que o agressor desferiu na mão. O episódio ocorreu sábado, quando se deslocou à sua antiga casa para reaver alguns bens pessoais que deixou quando abandonou o lar, e que só serão divididos no final do processo de divórcio. “Tinham-me dito que ele se andava a desfazer das minhas coisas e fui ver se era verdade”, contou a mulher ao C, acrescentando que o homem lhe vedou, de imediato, o acesso à residência. Quando Ang estava com a mão debaixo da porta da garagem, tentando impedir que se fechasse, o marido desferiu, segundo o seu relato, um pontapé, que o atingiu na mão e lhe levou parte do dedo. A mulher acabou por ser assistida no Hospital de São José, em Lisboa, onde esteve quatro horas para lhe suturarem o dedo. A briga entre o casal foi presenciada por um dos filhos, que, segundo Ang, também foi atingido. A agressão deu origem a mais uma queixa-crime na PSP».
14. Na terceira peça publicada pelo C, com data de 18 de Agosto de 2013, encontra-se escrito que «J, 47 anos, vítima de violência doméstica durante oito anos, saiu do anonimato (nesta peça deixa de figurar como Ang, nome fictício que lhe fora dado anteriormente) para denunciar que o Estado lhe retirou o Rendimento Social de Inserção». A alegada vítima de violência doméstica, residente em Santarém e ex-mulher de um militar, sublinha que lhe foi retirado o Rendimento Social de Inserção (RSI), no valor de 229€, após começar a receber a pensão de alimentos, no valor de 130€/filho (perfazendo um total de 260€). Acresce a este valor 83€/mês a título de abono de família. O foco da notícia é a indignação da alegada vítima perante a perda do RSI. A peça dá ainda nota de que no dia anterior em entrevista à TV, J tinha afirmado que sentia dificuldade em encontrar emprego por excesso de habilitações ao ser pós-graduada em Psicologia. Tendo confidenciado já ter trabalhado em limpezas. Encontra-se «zangada e triste com o Estado porque a pensão de alimentos dos filhos é para gastar com eles».
15. Na imagem que ilustra a peça é já possível identificar a alegada vítima, a 1ª Ré, que é fotografada de frente para a câmara.
16. Na véspera da notícia de 18 de Agosto de 2013, a R. J esteve presente em programa de televisão da TV.
17. Neste programa exibido pela TV, o “Despertar C”, a 1ª Ré, J, esteve com os apresentadores M e G.
18. M começa por introduzir o tema, dizendo que tem em estúdio alguém que tem sido «uma vítima da vida». No seu testemunho diz ter sido casada durante 10 anos e estar agora separada de facto, do relacionamento com o seu marido nasceram duas crianças, cujos nomes prefere não dizer porque «Santarém é uma cidade pequena».
19. Prossegue, referindo que em 2005 começou a ser vítima de agressões que se agravaram num «passado recente» em relação à data da entrevista. Motivo pelo qual começou a pensar em sair daquela situação. Questionada por NG sobre a razão pela qual não pôs fim mais cedo àquela situação, afirma ter sentido uma dependência emocional em relação ao agressor. Por outro lado, também era difícil conseguir «juntar dinheiro» para conseguir sair. Afirma J que «ao apanhar um agressor…como psicóloga…talvez haja a tentação, ao início, de tentar mudar aquela pessoa». Segundo diz, cada vez estava mais envolvida naquela situação, havia ameaças e preocupação com o bem estar dos filhos. Caso decida sair, a vergonha social associada à assunção de que se é vítima de violência doméstica. M intervém e pergunta a J qual foi o momento decisivo. Ao que aquela responde ter existido um somatório de motivos, salientando o facto de as brincadeiras dos filhos evidenciarem uma imitação do comportamento do pai. Descreve que o seu marido só vinha a casa ao fim de semana e os filhos à quinta começavam a temer a chegada do pai, porque este «vinha aos gritos».
20. Antes de sair de casa, J procurou informar-se sobre as ajudas que teria ao seu dispor. Após a saída pediu a regulação das responsabilidades parentais no tribunal, processo que demorou três meses. Foi-lhe atribuído também o estatuto de vítima de violência doméstica quando apresentou queixa na PSP. De acordo com esse estatuto teria direito ao apoio ao arrendamento e habitação social (mas em Santarém não há), teria ainda direito ao RSI e a apoio psicológico. M sublinha que este estatuto é atribuído perante a queixa, sem que seja provada a existência de uma situação de violência doméstica. (…)
21. J salienta que valeu a pena porque ganhou paz. Esteja a casa como estiver, está bem, não há ninguém a impor nada, nem a ralhar. O que a preocupa no momento é não ter emprego e precisar de sustentar os seus filhos. A única resposta que o Centro de Emprego lhe dá é que «tem que procurar emprego», mas J tem dois filhos de quem tem de tomar conta, dificultando, por exemplo, a possibilidade de trabalhar por turnos.
22. No final, NG agradece a J ter vindo partilhar a sua história e tê-lo feito de cara descoberta.
23. Nenhum dos outros RR. conhece o Autor nem o auscultou ou sequer informou ou confrontou sobre o conteúdo das publicações ou da ida da sua mulher ao programa ou o respectivo tema.
24. O A. não foi convidado pelos RR. a apresentar a sua versão dos factos nem lhe dada oportunidade de os desmentir.
25. Os 2º e 3º RR optaram por ouvir apenas a versão da história da 1ª Ré.
26. A Entidade Reguladora da Comunicação Social, quanto ao C, considerou verificar-se a violação dos deveres ético legais aplicáveis à atividade jornalística e alertou o jornal a cumprir escrupulosamente os deveres legais e deontológicos do jornalismo e a respeitar os direitos fundamentais dos visados nas notícias, designadamente o seu direito ao bom nome e à imagem e à presunção da inocência;
27. A Entidade Reguladora da Comunicação Social quanto à TV, sublinhou a importância da preservação da presunção da inocência e garantia do direito ao bom nome dos visados, sendo de aprofundar em situações futuras o papel dos moderadores que, no caso em apreço, fizeram notar que os factos relatados não se encontravam provados, minorando a lesão ao bom nome do queixoso.
28. O A. é militar de carreira, e em Agosto de 2013 tinha o posto de Major de Cavalaria.
29. Atualmente tem o posto de Tenente Coronel.
30. O A. é pessoa séria, respeitada e considerada na cidade de Santarém onde vive.
31. O A. é facilmente identificável como o visado das notícias por todos quanto o conheçam ou à R. J.
32. As notícias foram comentadas entre conhecidos, colegas militares e mesmo
desconhecidos que vendo o A., sobre isso comentaram.
33. O A. sentiu-se triste, diminuído, ofendido, humilhado e ultrajado.
34. Sentiu-se envergonhado e constrangido, exposto, apontado e acusado.
35. Foi abordado por familiares, colegas, amigos e seus conhecidos, e até desconhecidos, que o interpelaram sobre os factos dos jornais e conteúdo do programa televisivo.
36. Todas as queixas apresentadas pela 1ª Ré contra o A. resultaram na absolvição deste ou no arquivamento dos autos.
37. A 1ª Ré foi condenada pela prática de 4 crimes de difamação sobre o ora A. por sentença proferida no Processo Comum Singular nº 927/14.2PBSTR que correu termos no Juiz 2 da Instância Local criminal de Santarém, e já transitada em julgado
(Da contestação da Ré J):
38. A Ré saiu de casa com os seus dois filhos, tendo sido acolhida numa casa abrigo que lhe foi providenciada pela APAV.
39. A Ré passou a viver com dificuldades depois de ter saído de casa uma vez que, até aí dependeu economicamente do Autor.
40. Por via do Estatuto de vítima que lhe foi atribuído, no dia 24/01/2013, que a Ré, requereu o RSI (rendimento social de inserção), que lhe foi atribuído a partir de Fevereiro de 2013, no montante de 247,80€ mensais.
41. Em Abril de 2013 o Juízo de Família de Menores da Comarca de Santarém, no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais dos seus dois filhos menores, fixou uma pensão de alimentos a pagar, a cada um deles, pelo Autor, no montante de 130€.
42. Por via desta decisão judicial que a Segurança Social veio proceder à cessação do RSI a pagar à Ré: “Ter-se verificado que o rendimento do conjunto do agregado familiar a considerar, para efeitos de atribuição da prestação, passarem a ser superiores ao valor do RSI (al. a) do artigo 22.º e al. c) do n.º 1 do artigo 6.º)”
43. Na data das entrevistas, estavam pendentes as seguintes queixas-crime:
a) NUIPC 63/2013 relativamente às agressões do dia 24 de Janeiro de 2013;
b) NUIPC 600/13.9PBSTR, relativamente à agressão do dia 10 de Agosto de 2013.
44. Anteriormente já a Ré tinha apresentado queixas crime por agressões do Autor (NUIPC 544/05.8GEALR, 464/05.6GCACB, 407/12.0PBSTR)
45. A 1ª Ré foi não pronunciada e absolvida no âmbito dos processos 250/18.3T9STR e 452/18.2T9STR instaurados pelo A..
(Da contestação dos RR. C, SA e OR):
46. O R. OR não fez entrevistas a J, não escreveu os textos publicados, e não acompanhou a entrevista televisiva feita pela TV.
47. Faz parte das funções de OR, ainda que delegadas, aprovar e autorizar a publicação dos textos que são publicados e das entrevistas realizadas.
48. O tema da violência doméstica está pré-autorizado pois faz parte da linha editorial daquela publicação.
49. O Jornal C é um jornal diário de grande divulgação.
50. A 1ª Ré deslocou-se a outros programas televisivos “…” e “…” apresentando-se como vítima de violência doméstica.
51. Dois dos artigos do C são da autoria de JP.
52. No programa televisivo “…” decorreu uma entrevista à 1ª Ré por livre e espontânea vontade desta.
*
B) E vem dado como não provado
a) Nas entrevistas concedidas a intenção da Ré foi apenas de relatar o facto de a Segurança Social lhe ter cessado o pagamento do Rendimento Social de Inserção (RSI).
b) E o foco da notícia é esse mesmo, e não a circunstância de ter sido vítima de
agressões por parte do Autor.
c) Em concreto, o que a Ré pretendeu exteriorizar é que, a decisão da Segurança Social iria agravar a sua situação económica, que já era precária, violando os seus direitos a uma vida digna e o direito à segurança social.
d) Não houve qualquer intenção por parte da Ré de imputar qualquer juízo de valor relativamente ao Autor.
e) O Autor não é identificável pelas entrevistas feitas pela 1ª Ré.
f) A Ré foi agredida pelo Autor a 24 de Janeiro de 2013 e 10 de Agosto de 2013.
g) No dia 24 de Janeiro de 2013 o Autor “entrou pela garagem da moradia …batendo insistentemente na porta que dá acesso ao andar da moradia, sendo que seguidamente e sem que nada o fizesse prever foi agredida com vários murros e pontapés em várias partes do corpo, nomeadamente na parte frontal do crânio (testa), zona essa onde se podia vislumbrar um hematoma, sentindo bastantes dores na zona afetada e em várias partes do corpo.”
h) E, por via destas agressões, a Ré necessitou de tratamento hospitalar, tendo dado entrada no Hospital Distrital de Santarém pelas 21h28, sob o episódio de urgência 13008708.
i) No dia 10 de Agosto de 2013, por ter tido conhecimento de que o Autor andava a desfazer-se dos bens do casal, a Ré deslocou-se à vivenda de ambos e saltou o muro para ver se as coisas ainda se encontravam lá.
j) O Autor viu e tentou colocá-la no exterior, deu-lhe um pontapé na mão e, ao fechar o portão da garagem feriu-a no dedo anelar direito que ficou parcialmente
amputado.
k) O Autor, embora residisse em Santarém à data dos factos era (e é) totalmente
desconhecido em Santarém.
l) O Autor não tem quaisquer amigos em Santarém e não era conhecido como marido da Ré.
m) O 2º e 3º R. procuraram confirmar as afirmações da 1º Ré antes de as publicarem.
n) A entrevista à TV foca-se apenas nas questões financeiras que afetavam a 1ª Ré e nas críticas à segurança social e ao estado, pelo facto de perder o RSI assim que começou a receber pensão de alimentos.
o) Os RR. OR e C, SA não tiveram conhecimento prévio à publicação das entrevistas.
p) Se tivessem tido conhecimento das entrevistas da 1ª Ré os RR OR e C, SA teriam se oposto à sua publicação ou emissão.
*
C) Da excepção de ilegitimidade passiva - impugnação da decisão proferida em 20/06/2019
Sustentam os apelantes C, SA e OR que há preterição de litisconsórcio necessário passivo porque não foi também demandado também o autor das notícias no jornal C, JP invocando o disposto nos art.º 29º nº 2 da Lei da Imprensa e o art.º 33º do CPC (Código de Processo Civil).
Na decisão recorrida expôs-se:
«O normativo legal do artigo 29º, nº 2, da Lei da Imprensa, não determina como condição da efectivação da responsabilidade da proprietária da publicação, que autor do texto seja demandado, conjuntamente com aquela, previsão que, aliás, pouco sentido faria, tratando-se, «in casu», de uma obrigação de natureza solidária, cujo cumprimento pode ser exigido, na totalidade, quer ao autor do escrito, quer à proprietária da revista, atento o preceituado pelo artigo 512º, nº 1, do CC, inexistindo, na hipótese em apreço, uma situação de litisconsórcio necessário passivo.».
O art.º 29º da Lei da Imprensa prevê:
«1 - Na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observam-se os princípios gerais.
2 - No caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado.».
Por sua vez, os art.º 30º, 32º e 33º do CPC (Código de Processo Civil) estatuem:
Art.º 30º
«1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.»
Art.º 32º
«1 - Se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a ação respetiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados; mas, se a lei ou o negócio for omisso, a ação pode também ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal, nesse caso, conhecer apenas da respetiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade.
2 - Se a lei ou o negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade.».
Art.º 33º
«1 - Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
2 - É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
3 - A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.».
E os art.º 512º, 513º e 514º do CC (Código Civil) estabelecem:
Art.º 512º
«1. A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles.
2. A obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de os devedores estarem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias, ou de ser diferente o conteúdo das prestações de cada um deles; igual diversidade se pode verificar quanto à obrigação do devedor relativamente a cada um dos credores solidários.».
Art.º 513º
«A solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.».
Art.º 514º
«1. O devedor solidário demandado pode defender-se por todos os meios que pessoalmente lhe competem ou que são comuns a todos os condevedores.
(…)».
Portanto, estando em causa a invocação de responsabilidade solidária nos termos do art.º 29º nº 2 da Lei da Imprensa, inexiste litisconsórcio necessário passivo, pelo que bem decidiu a 1ª instância ao julgar improcedente a excepção de ilegitimidade passiva.
*
D) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
- na apelação da ré J-
Pretende a apelante que seja dado como provado o que alegou no art.º 38º da contestação:
«E foi por isso que a Ré, no intuito de fazer-se valer dos seus direitos, denunciou também esta situação junto do OBSERVATÓRIO DOS DIREITOS HUMANOS, no seguimento da qual veio proferir RELATÓRIO, em Março de 2014, pronunciando-se no sentido de que a Segurança Social, fez uma interpretação inconstitucional do artigo 16.º da Lei n.º 13/2003 e pôs em causa o direito à segurança social da Ré, conforme está vertidos nos doutos fundamentos desse Relatório (Doc. 5).».
Só no ano de 2017 foi constituída a associação «ODH – Observatório dos Direitos Humanos, Associação Colaborativa», conforme se verifica no Portal da Justiça (on line).
Ora, a alegada queixa da apelante que terá dado origem ao escrito intitulado “Relatório” da autoria de «jurista relatora do Observatório dos Direitos Humanos» terá sido apresentada em 18 de Outubro de 2013, ou seja, 2 meses depois da publicação dos textos e da entrevista em causa nestes autos, sendo certo que esse escrito contém apenas a opinião/parecer da pessoa que o subscreveu.
Portanto, não são factos relevantes para a decisão da causa.
Improcede a impugnação.
*
- na apelação dos réus C, SA e OR –
Sustentam os apelantes que a sentença não fundamenta a decisão quanto às alíneas a), b), c) e d), impossibilitando o conhecimento das razões desse julgamento e por isso é nula nos termos do art.º 615º nº 1 al. b) do CPC.
Nessas alíneas vem dado como não provado:
«a) Nas entrevistas concedidas a intenção da Ré foi apenas de relatar o facto de a Segurança Social lhe ter cessado o pagamento do Rendimento Social de Inserção (RSI).
b) E o foco da notícia é esse mesmo, e não a circunstância de ter sido vítima de agressões por parte do Autor.
c) Em concreto, o que a Ré pretendeu exteriorizar é que a decisão da Segurança Social iria agravar a sua situação económica, que já era precária, violando os seus direitos a uma vida digna e o direito à segurança social.
d) Não houve qualquer intenção por parte da Ré de imputar qualquer juízo de valor relativamente ao Autor.».
O art.º 615º do CPC estabelece, na parte que ora interessa:
«1 - É nula a sentença quando:
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…)».
Portanto, esta causa de nulidade da sentença não se refere à omissão dos fundamentos que foram decisivos para julgar provados ou não provados os factos.
Ainda assim, lembremos a 1ª instância expôs na «Motivação»:
«(…) na verdade, pelo número de entrevistas, textos, divulgações públicas, que foram efectuados pela 1ª Ré ao longo de vários anos, facilmente se pode constatar que o impacto foi notório (sendo o A. reconhecido até no supermercado), e que a 1ª Ré viu nesta exposição pública, uma forma fácil de agredir e enxovalhar o seu marido.
(…)
Lidos os textos dos jornais, e visionada a intervenção da 1ª Ré no programa televisivo da TV, temos por inequívoco que a sua intenção não é relatar a falta de apoios do Estado para as vítimas de violência doméstica ou a retirada do RSI (facto não provado em n)), mas sim propalar e divulgar factos e acusações contra o Autor com vista a denegrir a sua imagem junto de todos. Em qualquer um dos textos ou das entrevistas, o cerne da questão é a violência doméstica, e o alarme social que o tema suscita, o que é aguçado pelo facto de o A. ser militar de carreira do Exército. Temos por certo que caso a intenção dos RR fosse apenas denunciar a questão da falta de apoio do Estado ou de retirada do RSI não eram necessárias referências que permitem identificar a pessoa do Autor, não era necessário dizer que mora em Santarém, que é militar de carreira, que lhe arrancou um dedo ou que fugiu de casa para não morrer de pancada. Quem pretende denunciar falta de apoio do Estado não precisa de imputar a prática de factos ilícitos (que desconhece que são ou não verdadeiros) através de meios de comunicação social, a um terceiro a quem não é sequer dada a possibilidade de se defender.».
Resulta deste segmento da sentença que esses são os fundamentos decisivos para a 1ª instância ter julgado não provados aqueles factos. Por isso, nem é caso de aplicar o art.º 662º nº 1 al. d) do CPC, que prevê que a Relação deve determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Em suma, improcede esta arguição de nulidade da sentença.
*
Entendem os apelantes que o ponto 5 deve ser alterado, julgando-se provado:
«O 3º R. era, em Agosto de 2013, Diretor do “C” e Diretor Geral da “TV”, decorrendo desse tipo de funções e nos termos legais, orientar, superintender e determinar os seus conteúdos.».
Dizem que o segmento “competindo-lhe orientar superintender e determinar os seus conteúdos” advém da Lei da Imprensa e não da prova produzida em julgamento.
Porém, só factos e não referências à lei podem ser julgados provados ou não provados.
Além disso, a 1ª instância expôs na «Motivação»:
«Provados, por acordo das partes, encontram-se os factos:
- 1) a 6), corroborados também pelos documentos juntos a fls. 273 a 276 que atestam a propriedade do C e do C TV, bem como o cargo exercido por OR».
Portanto, a convicção da 1ª instância não se formou com a prova produzida na audiência final.
Improcede a impugnação.
*
Sustentam os apelantes:
- a matéria dos pontos 23, 24 e 25 deve ser julgada não provada
- não deve ser julgada não provada a matéria da alínea m,
- e deve ser julgado provado:
«Os jornalistas do Jornal “C” e do serviço de programas “TV” procuraram confirmar as afirmações da 1ª Ré antes de as publicarem.».
Vem dado como provado:
«23. Nenhum dos outros RR. conhece o Autor nem o auscultou ou sequer informou ou confrontou sobre o conteúdo das publicações ou da ida da sua mulher ao programa ou o respectivo tema.
24. O A. não foi convidado pelos RR. a apresentar a sua versão dos factos nem lhe dada oportunidade de os desmentir.
25. Os 2º e 3º RR optaram por ouvir apenas a versão da história da 1ª Ré.».
Vem dado como não provado:
«m) O 2º e 3º R. procuraram confirmar as afirmações da 1ª Ré antes de as publicarem.».
Dizem os apelantes, em súmula: o tribunal parte do pressuposto, incorrecto, de que lhes cabia diligenciar para que o autor exercesse o contraditório; o contraditório e/ou confirmação da veracidade dos factos deverá ser exercido pelo jornalista autor da notícia em causa, e isso foi feito por JP; a entrevista na TV decorreu por livre iniciativa da ré J e não se centrou nas  alegadas agressões de que foi vítima, mas sim na atitude da Segurança Social ao retirar-lhe o RSI e por isso, o contraditório não deveria ser feito ao apelado mas sim a essa entidade, e isso foi feito.
Vejamos.
Facto é: a actuação dos apelantes descrita nos pontos 23, 24 e 25 e na alínea m.
Questão de direito é (portanto, com pertinência tão só em sede de enquadramento jurídico): se os apelantes deviam, ou não, ter actuado como descrito nos pontos 23, 24 e 25 e em m).
Por isso, importa agora, tão só, apreciar se a prova produzida ou o acordo das partes impõem decisão diversa quanto a esses factos.
Na petição inicial vem alegado:
«Nenhum dos outros RR conhece o A. nem o auscultou ou sequer informou ou confrontou sobre o conteúdo das publicações ou da ida da sua mulher ao programa ou o respectivo tema (…)» (art.º 26º)
«O A. nunca foi contactado ou auscultado por qualquer dos RR ou seus colaboradores ou pessoas com eles relacionados, e muito menos convidado a apresentar a sua versão ou a ser-lhe dada oportunidade de os desmentir ou sequer negar (…)» (art.º 43º)
«(…) tendo os 2º e 3º RR. optado por ouvir apenas uma das partes e versão da história (…)» (art.º 57º)
Na contestação vem alegado:
«(…) o Réu OR não teve qualquer contacto ou conhecimento prévio dos factos visados nos artigos publicados» (art.º 106º)
«A sociedade C, SA, ora 2ª R enquanto proprietária do jornal “C” não elaborou ou teve conhecimento do texto que foi publicado na referida revista e que está em causa nestes autos» (art.º 110º)
«O 3º R não teve qualquer contacto prévio com a peça televisiva na qual foram divulgados alegados factos atentatórios do nome do A., nem conhecimento prévio que os mesmos seriam transmitidos (…)» (art.º 121º)
«O Jornal “C” limita-se a relatar factos que foram descritos de forma expressa e directa por parte da 1ª R.» (art.º 174º)
«Assim, e uma vez que os factos narrados resultaram de uma entrevista, não estão os jornalistas obrigados ao exercício do contraditório, razão pela qual se impugnam expressamente os artigos 26º, 43º e 56, 57º da petição inicial» (art.º 176º)
«Os RR ao publicar as notícias em causa apenas quiseram dar a conhecer factos com interesse jornalístico» (art.º 313º)
Não indicam os apelantes meios de prova que, no seu entendimento, impõem julgar provado que conhecem o apelado, que o auscultaram, que o informaram ou confrontaram sobre o conteúdo das publicações ou da ida da ré J ao programa ou o respectivo tema, e que procuraram confirmar as afirmações da 1ªa Ré antes de as publicarem. Aliás, se o fizessem estariam em contradição com a sua versão de que não tiveram conhecimento prévio das publicações no jornal e da ida da 1ª ré J ao programa na TV. Por isso, improcede a impugnação quanto aos pontos 23 e 24 e quanto à alínea m.
*
Quanto ao ponto 25, tenhamos presente que a 1ª instância expôs na «Motivação»:
«Os factos descritos nos pontos 23) a 25), e não provados na alínea m), resultam das declarações de parte do Autor, que foram verdadeiras e credíveis no sentido de que nunca foi contactado (nem antes, nem posteriormente às publicações) para explicar a sua versão dos factos, para confirmar ou desmentir a sua veracidade. JP, autor dos textos jornalísticos, ainda que tenha afirmado em Tribunal que tentou contactar o A. não se recordava com rigor se o tinha feito ou não, e admitiu, que a tê-lo feito, seria sempre com os contactos fornecidos pela 1ª Ré. Ora, a 1ª Ré não tinha qualquer interesse em ver desmentida a sua versão dos factos, pelo que se afigura totalmente inverosímil a existência, por parte dos 2ª e 3ª RR, de qualquer tentativa de confirmação da veracidade dos factos relatados pela 1ª Ré.».
Desta fundamentação não resulta que o apelante OR e/ou algum legal representante da apelante C, SA fizeram a opção de ouvir apenas a versão da história apresentada pela ré J.
Ora, após audição integral das declarações de parte, dos depoimentos das testemunhas e da visualização do programa televisivo e bem assim da análise dos documentos verifica-se que nenhuma prova foi produzida no sentido de que o apelante OR e/ou algum legal representante da apelante C, SA fizeram essa opção.
Por isso, procede a impugnação nesta parte, eliminando-se o ponto 25 e julgando-se «não provado que os 2º e 3º RR optaram por ouvir apenas a versão da história da 1ª Ré.».
*
Quanto à pretensão de que seja julgado provado que «Os jornalistas do Jornal “C” e do serviço de programas “TV” procuraram confirmar as afirmações da 1ª Ré antes de as publicar» tem de improceder, pois «procuraram confirmar» é uma conclusão a extrair – ou não - dos factos provados.
Improcede a impugnação nesta parte.
*
Entendem os apelantes que a matéria dos pontos 31, 32, 33, 34 e 35 deve ser julgada não provada.
Vem dado como provado:
«31. O A. é facilmente identificável como o visado das notícias por todos quanto o conheçam ou à R. J.
32. As notícias foram comentadas entre conhecidos, colegas militares e mesmo
desconhecidos que vendo o A., sobre isso comentaram.
33. O A. sentiu-se triste, diminuído, ofendido, humilhado e ultrajado.
34. Sentiu-se envergonhado e constrangido, exposto, apontado e acusado.
35. Foi abordado por familiares, colegas, amigos e seus conhecidos, e até desconhecidos, que o interpelaram sobre os factos dos jornais e conteúdo do programa televisivo.».
Dizem os apelantes que as desavenças entre o apelado e a ré J vêm desde o ano de 2005 e estão desde essa altura em guerra judicial, invocando designadamente, as declarações de parte de ambos, as publicações da ré J em rede social e o livro que escreveu onde diz ser uma vítima de violência doméstica, as cartas e emails por esta enviados às chefias militares do apelado; mais sustentam que a testemunha MRS (militar, que conhece o apelado) não identificou o apelado naquelas notícias.
Estão em causa nesta acção, os textos publicados no jornal C e a conversa/entrevista na TV. Da análise de toda a prova produzida, incluindo declarações de parte do apelado, não se mostra errada a apreciação da 1ª instância. Note-se que que a testemunha MFBC, irmã do apelado, – não referida pelos apelantes – relatou, com emoção, que presenciou pessoas comentarem sobre a notícia no jornal e que a sua sobrinha – filha mais velha do apelado, «ligou para nós» e foram comprar o jornal; a testemunha MR disse que a notícia no jornal foi um escândalo e depois viu na televisão, que em conversas entre camaradas   identificaram o apelado naqueles textos, que antes da notícia no jornal não tinha conhecimento de violência doméstica no casal. Além disso, está provado que o C é um jornal diário líder de mercado em Portugal, pelo que nem faz sentido pretender minimizar o impacto dos textos nele publicados. Aliás, se esses textos pouco relevo tivessem no público, não teriam sido inseridos em 3 edições do jornal e com referência a agressões infligidas por marido militar de carreira do Exército Português à mulher vítima silenciosa que fugiu de casa para não morrer de pancada.
Portanto, os meios de prova invocados pelos apelantes não impõem decisão diversa.
Improcede a impugnação nesta parte.
*
Entendem os apelantes que deve ser julgada não provada a matéria do ponto 47 e deve ser julgada provada a matéria das alíneas o e p.
Vem dado como provado:
«47. Faz parte das funções de OR, ainda que delegadas, aprovar e autorizar a publicação dos textos que são publicados e das entrevistas realizadas.».
Vem dado com não provado:
«o) Os RR. OR e C, SA não tiveram conhecimento prévio à publicação das entrevistas.
p) Se tivessem tido conhecimento das entrevistas da 1ª Ré os RR OR e C, SA teriam se oposto à sua publicação ou emissão.».
Invocam:
- o escrito junto como doc. 1 da contestação contendo declaração de «Director dos Recursos Humanos» e carimbo de C, SA» onde se lê que OR estava em gozo de folgas nos dias 10, 11, 17 e 18 de Agosto de 2013;
- depoimentos das testemunhas PS (que disse ser director adjunto do C e que em 2013 era chefe de redacção e não tinha funções na TV) e CR (que disse ser director executivo do C, que em Agosto de 2013 era director adjunto e que equivale a director executivo, que lhe compete gerir os conteúdos do jornal e da TV e fazer a interligação entre estes 2 meios de comunicação social).
Quanto à declaração do director de recursos humanos, cabe dizer que as testemunhas são inquiridas na audiência final (cfr art.º 604º nº 1 al. d) do CPC) e aquela declaração configura um depoimento escrito inadmissível por não se verificarem os pressupostos estabelecidos nos art.º 518º e 519º do CPC.
As testemunhas PS e CR explicaram os procedimentos para inserir no jornal os textos elaborados pelos jornalistas, disseram que os textos não têm de passar pelo conhecimento prévio do director OR e que este não teve conhecimento prévio dos textos em causa nesta acção, pois está sempre de folga aos fins de semana. Porém, não está provado que OR estava de folga nos dias daquelas publicações; além disso, estar de folga não torna necessariamente impossível conhecer os textos antes de serem pulicados no jornal.
Note-se ainda que a testemunha CR disse que o apelante OR era na altura e continua a ser director estratégico e que nas reuniões preparatórias não está presente pois há uma estratégia previamente definida e delegação com base nos conceitos assim definidos, mas daí não decorre a impossibilidade de OR ter tomado conhecimento de que a ré J iria àquele programa da TV.
Portanto, não foi produzida prova que imponha decisão diversa quanto à alínea o).
Acresce que resultou dos depoimentos destas testemunhas que era e é da competência do apelante OR definir a estratégia das publicações do jornal C e dos programas da TV e que depois há uma delegação com base nos conceitos previamente definidos, pelo que também não se mostra errada a decisão da 1ª instância quanto ao ponto 47.
No que respeita à alínea p, nenhuma destas testemunhas depôs no sentido de que o apelante OR e/ou algum legal representante da apelante C se teriam oposto àquelas publicações e/ou àquela emissão da TV. Aliás, estranha-se que os apelantes pretendam que seja julgado provado que se tivessem tido conhecimento das entrevistas da 1ª Ré «teriam se oposto à sua publicação ou emissão».
Concluindo, improcede a impugnação nesta parte.
*
Entendem os apelantes que deve ser julgada provada a matéria das alíneas a, , c, d, e e n.
Vem dado como não provado:
«a) Nas entrevistas concedidas a intenção da Ré foi apenas de relatar o facto de a Segurança Social lhe ter cessado o pagamento do Rendimento Social de Inserção (RSI).
b) E o foco da notícia é esse mesmo, e não a circunstância de ter sido vítima de
agressões por parte do Autor.
c) Em concreto, o que a Ré pretendeu exteriorizar é que, a decisão da Segurança Social iria agravar a sua situação económica, que já era precária, violando os seus direitos a uma vida digna e o direito à segurança social.
d) Não houve qualquer intenção por parte da Ré de imputar qualquer juízo de valor relativamente ao Autor.
e) O Autor não é identificável pelas entrevistas feitas pela 1ª Ré.
n) A entrevista à TV foca-se apenas nas questões financeiras que afetavam a 1ª Ré e nas críticas à segurança social e ao estado, pelo facto de perder o RSI assim que começou a receber pensão de alimentos.».
*
No que respeita a e) remetemos para o que já expusemos quanto ao ponto 31, pelo que improcede a impugnação.
*
No que respeita a a), b), c), d) e n), invocam os apelantes as declarações de parte da ré J, o depoimento da testemunha JP e a deliberação da ERC.
Mas, no texto publicado no dia 12/08/2013 não há qualquer referência a problemas financeiros e à perda do RSI. Quanto aos outros 2 textos e ao programa televisivo as referências às agressões alegadamente sofridas pela vítima de violência doméstica durante 8 anos, às repercussões psicológicas nos filhos à dependência emocional da vítima perante o marido agressor e à dificuldade em tomar a decisão de sair de casa, não são apresentadas como sendo necessárias para criticar a decisão da Segurança Social.
Em suma, não se mostra incorrecta a decisão da 1ª instância, e por isso, improcede a impugnação nesta parte.
*
E) O Direito
1. O art.º 498º do CC (Código Civil) estabelece (na parte que ora interessa):
«1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
2. Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
3. Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável. (…)».
*
2. Nas duas apelações defendem os apelantes que não tendo o apelado apresentado queixa-crime pelos factos sob apreciação nestes autos, está afastada a possibilidade de aplicação do nº 3 do art.º 498º do CC.
Mas não têm razão.
Com efeito, o texto legal não contém tal imposição e o nº 2 do art.º 9º do CC estatui que: «Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.».
Além disso, mesmo havendo decisão penal absolutória, pode ser feita a prova dos factos em processo cível, pois o art.º 624º do CPC estatui:
«1 - A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário.
2 - A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil.».
*
3. Sobre a responsabilidade da apelante J, lê-se na sentença recorrida, além do mais:
«(…) as imputações da prática de crimes feitas pela 1ª Ré ao Autor e divulgadas pelo C e pela TV traduzem a prática de um crime de publicidade e calunia cometido através de meio de comunicação social previsto e punido pelo artigo 183º nº 2 do C.P, na medida em que as declarações da Ré preenchem o tipo legal do crime de difamação, agravado pelo facto de ser feito através dos meios de comunicação social.
(…)
Por todo o exposto, e quanto à 1ª Ré, afigura-se inequívoco que a sua actuação (em qualquer uma das entrevistas) é ilícita, e dolosa, querendo e desejando provocar os danos que provocou, nomeadamente atacar o bom nome, a honra e consideração do Autor, sendo que para tanto se socorreu de meios de comunicação social.».
O art.º 26º nº 1 da Constituição da República Portuguesa estabelece que «1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, (…)».
Os art.º 180º e 183º do Código Penal estatuem:
Art.º 180º
«1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2 - A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.»
Art.º 183º
«1 - Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.º, 181.º e 182.º:
a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou,
b) Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação;
as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
2 - Se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.»
A apelante apresentou-se como vítima de violência doméstica praticada pelo marido durante 8 anos.
A violência doméstica está tipificada como crime no art.º 152º do Código Penal.
À data dos factos (redacção dada pela Lei n.º 19/2013, de 21/02) essa norma dispunha:
«1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
3 - Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6 - Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela por um período de um a dez anos.»
Na redacção dada pela Lei 44/2018 de 09/08 essa norma dispõe:
«1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
e) A menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou
b) Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento;
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
3 - Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, incluindo aqueles em que couber pena mais grave por força de outra disposição legal, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6 - Quem for condenado por crime previsto no presente artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício de responsabilidades parentais, da tutela ou do exercício de medidas relativas a maior acompanhado por um período de 1 a 10 anos.».
Portanto, o apelado foi exposto como um criminoso em artigos publicados no jornal C e em programa televisivo da TV.
Ora, além de não estar provado algum facto que demonstre a veracidade dos factos imputados ao apelado, não se pode considerar que a apelante actuou assim «para realizar um interesse legítimo» face à decisão da Segurança Social de lhe retirar o RSI, pois esse não é o meio legal para a impugnar.
Assim, não merecem reparo estas palavras da 1ª instância:
«Ora, não foi feita qualquer prova de que tais agressões tivessem existido, ou que tais imputações visassem realizar interesses legítimos dos RR. Por muito que fosse litigiosa a sua relação com o Autor, nada justifica as suas declarações aos meios de comunicações social.
Cumpre referir que a invocação feita pela 1ª Ré de que apenas queria expor a injustiça da retirada do RSI, e a falta de apoios do Estado para as vítimas de violência doméstica, não colhe.
Caso fosse essa a real intenção da 1ª Ré não se compreende a que titulo foi falar ou expor os problemas da sua vida marital, e “as supostas” agressões do Autor, descrevendo-as com pormenor, bem como porque iria identificar a profissão do Autor, ou a sua morada. Pelo contrário, o que decorre quer dos textos do jornal, quer da entrevista da TV, é que a 1ª Ré pretende expor o Autor como agressor, como o seu “carrasco”, para que a comunicação social pudesse, tal como o fez, explorar as suas declarações.».
A apelante quis dar as entrevistas e sabia que os factos imputados ao apelante são, objectivamente, desonrosos.
Os art.º 13º e 14º do Código Penal estatuem:
Artigo 13.º
«Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.».
Art.º 14º
«1 - Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar.
2 - Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta.
3 - Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização.».
Alega a apelante que não teve intenção de denegrir o apelado e por isso, não lhe pode ser imputada a prática de crimes de difamação. Porém, é pacífico que a intenção de difamar não é elemento subjectivo deste tipo de crime.
Por quanto se disse, conclui-se que a actuação da apelante, ao imputar ao apelado a prática de crimes de violência doméstica, divulgando isso no jornal C e na TV, integra a previsão do crime de difamação previsto e punível nos art.º 180º nº 1 e 183º nº 1 do Código Penal.
O prazo de prescrição desse crime é de 5 anos (cfr art.º 118º nº 1 al. c) do Código Penal), pelo que, em conformidade com o disposto no nº 3 do art.º 498º do CC não prescreveu o direito do apelado relativamente à apelante J.
O art.º 70º nº 1 do CC que «A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral» e no art.º 484º que «Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados».
Assim, a apelante ficou constituída na obrigação de indemnizar o apelado pelos danos não patrimoniais que lhe causou, por força do disposto nos art.º 483º e 484º do CC, conforme decidiu a 1ª instância.
Por todo o exposto, tem de improceder o recurso da apelante J.
*
4. Sobre a responsabilidade dos apelantes C, SA e OR, lê-se na sentença recorrida, além do mais:
«No presente caso, o jornalista JP ter-se-á bastado com a entrevista da 1ª Ré e com as suas declarações, e as queixas por esta apresentadas junto das autoridades policiais contra o Autor (que no fundo repetem as suas declarações), e nada mais.
(…)
Por outro lado, antes de ser publicado o seu texto, deveria ser demonstrado que se procedeu a uma averiguação séria, segundo as regras e os cuidados que as concretas circunstâncias do caso razoavelmente exigiam, provando se necessário que a fonte era idónea ou que se chegou a confrontar as informações com várias fontes O A. nunca foi contactado ou auscultado por qualquer dos RR ou seus colaboradores ou pessoas com eles relacionadas, e muito menos convidado a apresentar a sua versão ou a ser-lhe dada oportunidade de os desmentir.
(…)
E não se diga, para se eximir de responsabilidade, que OR e a C não conheciam as notícias previamente, ou que não têm controle sobre o que é publicado ou emitido, porque não têm conhecimento prévio dos conteúdos. Não têm conhecimento prévio (o que não se provou) porque assumem que há matérias pré-aprovadas por fazerem parte da linha editorial do C e da TV, como é o caso da violência doméstica. Mas quer a C quer OR têm o poder de determinar o texto ou a entrevista não fossem publicadas ou emitidas, o que não teriam feito, mesmo que esse conhecimento existisse.
Como decorre do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.02.2016 (…)
“(…)
A imputação ao director a publicação do «escrito», que resulta da própria titularidade e exercício da função e dos inerentes deveres de conhecimento, integra, na construção conceptual, uma presunção legal, que dispensa o interessado da prova do facto (o conhecimento, a aceitação e a imputação da publicação) a que a presunção conduz (artigo 350º nº 1 do CCv), admitindo porém, que a o onerado ilida a presunção mediante prova em contrário (artigo 350º, nº 2 do CCv.
Deste modo, demandado civilmente o director, e vista a amplitude da formulação dos termos da responsabilidade e da consequente presunção, basta invocar os factos que integrem o ilícito (no caso, a publicação do «escrito») e a qualidade de director do demandado, cabendo a este ilidir a presunção, alegando e provando que o escrito foi publicado sem o seu conhecimento ou com oposição sua ou do seu substituto legal.”
Podemos assim concluir que a responsabilidade de OR advém, pois, da omissão do seu dever de garante, legalmente imposto, traduzido na obrigação de impedimento de publicação da notícia constitutiva de crime.
Por sua vez, tendo o Réu director autorizado quer a publicação dos textos e notícias do jornal C, quer a emissão da entrevista do programa de TV, não pode deixar de ser solidariamente responsável com a Ré C pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo Autor.
Assente que as condutas dos RR preenchem o tipo de ilícito de difamação na forma agravada, fica automaticamente derrogada a invocada prescrição.».
Os art.º 3º e 22º da Lei da Imprensa (Lei 2/99 de 13/01) estatuem:
Art.º 3º
«A liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor, a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática».
Art.º 21º
«Constituem direitos fundamentais dos jornalistas, com o conteúdo e a extensão definidos na Constituição e no Estatuto dos Jornalistas:
a) A liberdade de expressão e de criação
(…)»
O art.º 14º do Estatuto do Jornalista (Lei nº 1/99 de 01/01) dispõe:
«1- Constitui dever fundamental dos jornalistas exercer a respectiva actividade com respeito pela ética profissional, competindo-lhes, designadamente:
a) Informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião;
(…)
2 – São ainda deveres dos jornalistas:
(…)
c) Abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência;
(…)
»
A Lei da Televisão (lei 27/2007 de 30/07) estatui, designadamente:
Art.º 9º
«1 - Constituem fins da actividade de televisão, consoante a natureza, a temática e a área de cobertura dos serviços de programas televisivos disponibilizados:
a) Contribuir para a informação, formação e entretenimento do público;
b) Promover o exercício do direito de informar, de se informar e de ser informado, com rigor e independência, sem impedimentos nem discriminações;
c) Promover a cidadania e a participação democrática e respeitar o pluralismo político, social e cultural;
(…)
2 - Os fins referidos no número anterior devem ser tidos em conta na selecção e agregação de serviços de programas televisivos a disponibilizar ao público pelos operadores de distribuição.».
Art.º 26º
«1 - A liberdade de expressão do pensamento através dos serviços de programas televisivos e dos serviços audiovisuais a pedido integra o direito fundamental dos cidadãos a uma informação livre e pluralista, essencial à democracia e ao desenvolvimento social e económico do País.
2 - Salvo os casos previstos na presente lei, o exercício da actividade de televisão e dos serviços audiovisuais a pedido assenta na liberdade de programação, não podendo a Administração Pública ou qualquer órgão de soberania, com excepção dos tribunais, impedir, condicionar ou impor a difusão de quaisquer programas.».
Art.º 27º
«1 - A programação dos serviços de comunicação social audiovisual deve respeitar a dignidade da pessoa humana, (…), assim como os direitos, liberdades e garantias fundamentais.
(…)».
Como dissemos supra (em 3), não está demonstrada a veracidade dos factos imputados ao apelado e não se pode considerar que a apelante J actuou «para realizar um interesse legítimo» face à decisão da Segurança Social de lhe retirar o RSI, pois esse não é o meio legal para a impugnar.
Além disso, o apelado não foi auscultado, informado ou confrontado sobre o conteúdo das publicações ou da ida da sua mulher ao programa ou o respectivo tema, nem foi convidado para apresentar a sua versão dos factos nem lhe foi dada oportunidade de os desmentir.
Portanto, a publicação daqueles textos não se mostra justificada pela liberdade de imprensa e de expressão e criação do jornalista, e aquele da TV não se mostra justificado pela liberdade de programação.
*
4.1. No que respeita à responsabilização civil e criminal dos apelantes OR e C, SA, decorrente da publicação dos textos no jornal C importa ter em consideração que a Lei da Imprensa prevê:
Art.º 17º
«1 - As publicações periódicas informativas devem adoptar um estatuto editorial que defina claramente a sua orientação e os seus objectivos e inclua o compromisso de assegurar o respeito pelos princípios deontológicos e pela ética profissional dos jornalistas, assim como pela boa fé dos leitores.
2 - O estatuto editorial é elaborado pelo director e, após parecer do conselho de redacção, submetido à ratificação da entidade proprietária, devendo ser inserido na primeira página do primeiro número da publicação e remetido, nos 10 dias subsequentes, à Alta Autoridade para a Comunicação Social.
(…).»
Art.º 20º
«1 - Ao director compete:
a) Orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação;
b) Elaborar o estatuto editorial, nos termos do n.º 2 do artigo 17.º;
c) Designar os jornalistas com funções de chefia e coordenação;
d) Presidir ao conselho de redacção;
(…)»
Art.º 21º
«1 - Nas publicações com mais de cinco jornalistas o director pode ser coadjuvado por um ou mais directores-adjuntos ou subdirectores, que o substituem nas suas ausências ou impedimentos.
(…)»
Art.º 29º
«1 - Na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observam-se os princípios gerais.
2 - No caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado.».
Art.º 30º
«1 - A publicação de textos ou imagens através da imprensa que ofenda bens jurídicos penalmente protegidos é punida nos termos gerais, sem prejuízo do disposto na presente lei, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais.
2 - Sempre que a lei não cominar agravação diversa, em razão do meio de comissão, os crimes cometidos através da imprensa são punidos com as penas previstas na respectiva norma incriminatória, elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.».
Art.º 31º
«1 - Sem prejuízo do disposto na lei penal, a autoria dos crimes cometidos através da imprensa cabe a quem tiver criado o texto ou a imagem cuja publicação constitua ofensa dos bens jurídicos protegidos pelas disposições incriminadoras.
2 - Nos casos de publicação não consentida, é autor do crime quem a tiver promovido.
3 - O director, o director-adjunto, o subdirector ou quem concretamente os substitua, assim como o editor, no caso de publicações não periódicas, que não se oponha, através da acção adequada, à comissão de crime através da imprensa, podendo fazê-lo, é punido com as penas cominadas nos correspondentes tipos legais, reduzidas de um terço nos seus limites.
(…)».
O apelante OR não fez entrevistas a J nem escreveu os textos publicados no jornal C. Porém, em Agosto de 2013, era o director do jornal, competindo-lhe orientar, superintender e determinar os seus conteúdos, fazendo parte das suas funções, ainda que delegadas, aprovar e autorizar a publicação dos textos, e o tema da violência doméstica está pré-autorizado pois faz parte da linha editorial.
Por isso, e louvando-nos também no Ac. do STJ de 24/02/2016 citado na sentença e também no Ac. do STJ de 14/02/2012 (P. 5817/07.2TBOER.L1.S1), é forçoso concluir como na sentença, que a responsabilidade deste apelante advém da omissão do seu dever de garante, legalmente imposto, traduzido na obrigação de impedimento de publicação da notícia constitutiva de crime. E assim, a sua conduta integra a previsão do crime de difamação na forma agravada. Em consequência, improcede a excepção de prescrição do direito do apelado, pois tal como já dissemos ao apreciar a apelação de J, é de 5 anos o prazo de prescrição.
Quanto à responsabilidade do director do jornal pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo apelado, é também de manter a decisão da 1ª instância, apoiando-nos ainda no Ac do STJ de 21/09/2010 (P. 4226/06.5TVLSB.L1.S1), em cujo sumário consta:
«I – O responsável civil por factos lesivos do direito ao bom nome e reputação de outrem, nos termos previstos nos art.ºs 483º, nº 1, e 484º do CC cometidos por meio de imprensa, é, em princípio, o autor da imagem ou do escrito nela inserido; as empresas jornalísticas respondem solidariamente, quando o escrito tenha sido inserido na edição do jornal com o conhecimento e sem oposição do director do jornal ou por quem então o substitua (art.º 29º, nº 2, da Lei nº 2/99, de 13/01).
II – O director pode, também ele, ser responsabilizado, desde que demonstrada a sua culpa na publicação do escrito, por omissão dos deveres impostos por lei de obstar a essa publicação, enquanto susceptível de acarretar responsabilidade, por violação do direito ao bom nome de outrem e, logo, ultrapassando os limites da liberdade de informação constitucionalmente consagrada no art.º 38º da CRP.
III – O tribunal pode inferir o conhecimento e aprovação pelo director da publicação periódica de notícia nele inserida, por lhe caber a responsabilidade última pela determinação do conteúdo respectivo, a menos que se provasse que nada teve que ver com ela, por quaisquer ponderosas razões circunstanciais.
IV – Incumbe ao director de uma publicação periódica o dever especial de obstar à publicação de escritos ou imagens que possam integrar um facto ilícito gerador de responsabilidade civil.
(…)».
*
4.2. No que respeita à responsabilização civil e criminal dos apelantes OR e C, SA, decorrente da exibição daquele programa televisivo na TV, importa ter em consideração que a Lei da Televisão prevê:
Art.º 35º
«1 - Cada serviço de programas televisivo deve ter um director responsável pela orientação e supervisão do conteúdo das emissões.
2 - Cada serviço de programas televisivo que inclua programação informativa deve ter um responsável pela informação.
3 - Cada operador de serviços audiovisuais a pedido deve ter um responsável pela selecção e organização do catálogo de programas.
(…)
6 - Os cargos de direcção ou de chefia na área da informação são exercidos com autonomia editorial, estando vedado ao operador de televisão interferir na produção dos conteúdos de natureza informativa, bem como na forma da sua apresentação.
7 - Exceptuam-se do disposto no número anterior as orientações que visem o estrito acatamento de prescrições legais cujo incumprimento origine responsabilidade penal ou contra-ordenacional por parte do operador de televisão.»
Art.º 36º
«1 - Cada serviço de programas televisivo deve adoptar um estatuto editorial que defina clara e detalhadamente, com carácter vinculativo, a sua orientação e objectivos e inclua o compromisso de respeitar os direitos dos espectadores, bem como os princípios deontológicos dos jornalistas e a ética profissional.
(…)»
Art.º 70º
«1 - Na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos através de serviços de programas televisivos ou de serviços audiovisuais a pedido observam-se os princípios gerais.
2 - Os operadores de televisão ou os operadores de serviços audiovisuais a pedido respondem solidariamente com os responsáveis pela transmissão de materiais previamente gravados, com excepção dos transmitidos ao abrigo do direito de antena, de réplica política, de resposta e de rectificação ou no decurso de entrevistas ou debates protagonizados por pessoas não vinculadas contratualmente ao operador.».
Art.º 71º
«1 - Os actos ou comportamentos lesivos de interesses jurídico-penalmente protegidos perpetrados através de serviços de programas televisivos ou de serviços audiovisuais a pedido são punidos nos termos gerais, com as adaptações constantes dos números seguintes.
2 - Sempre que a lei não estabelecer agravação em razão do meio de perpetração, os crimes cometidos através de serviços de programas televisivos ou de serviços audiovisuais a pedido que não estejam previstos na presente lei são punidos com as penas estabelecidas nas respectivas normas incriminadoras, elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
3 - O director referido no artigo 35.º apenas responde criminalmente quando não se oponha, podendo fazê-lo, à prática dos crimes referidos no n.º 1, através das acções adequadas a evitá-los, caso em que são aplicáveis as penas cominadas nos correspondentes tipos legais, reduzidas de um terço nos seus limites.
4 - Tratando-se de declarações correctamente reproduzidas ou de intervenções de opinião, prestadas por pessoas devidamente identificadas, só estas podem ser responsabilizadas, salvo quando o seu teor constitua incitamento ao ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica ou nacional, pelo sexo ou pela orientação sexual, ou à prática de um crime, e a sua transmissão não possa ser justificada por critérios jornalísticos.
5 - No caso de emissões não consentidas, responde quem tiver determinado a respectiva transmissão.
6 - Os técnicos ao serviço dos operadores de televisão ou dos operadores de serviços audiovisuais a pedido não são responsáveis pelas emissões a que derem o seu contributo profissional se não lhes for exigível a consciência do carácter criminoso do seu acto.»
Sustentam os apelantes que o programa televisivo foi transmitido em directo, pelo que a operadora de televisão, C, SA, não pode ser responsabilizada face ao disposto no nº 2 do art.º 70º.
Não está provado que o programa foi previamente gravado, pelo que assiste razão aos apelantes.
Portanto, apenas pode ser responsabilizado civil e criminalmente o apelante OR, porque era, em Agosto de 2013, o director Geral da TV, competindo-lhe orientar, superintender e determinar os seus conteúdos, fazendo parte da suas funções aprovar autorizar as entrevistas realizadas e valerem aqui as razões expostas em 4.1. sobre a sua culpa presumida e não ilidida.
Face ao prazo de 5 anos prescrição deste ilícito criminal, improcede a excepção de prescrição do direito do apelado a ser indemnizado pelos danos não patrimoniais sofridos também com a exibição do programa da TV.
*
4.3. Segundo os apelantes OR e C, SA os danos do apelado não têm gravidade merecedora de indemnização.
O art.º 496º nº 1 do CC prevê:
«Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.».
Discordamos, pois como se diz na sentença, a imputação da prática de violência doméstica é, para o padrão do cidadão normal, factor de mágoa e aviltamento, e está provado, além do mais, que o apelado sentiu tristeza, vergonha, humilhação e foi alvo de comentários.
Mas como a apelante C, SA, não pode ser responsabilizada pela exibição do programa televisivo, entendemos que deverá ser reduzido o montante da indemnização a seu cargo para 12.000€.
*
IV – Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) julgar improcedente a apelação da ré J;
c) julgar improcedente a apelação do réu OR;
d) julgar parcialmente procedente a apelação da ré C, SA, reduzindo o montante da indemnização a seu cargo para 12.000€, pelo que só até esse montante é responsável solidariamente com os réus J e OR, ficando absolvida quanto ao mais que era pedido.
Custas na proporção de vencido, por apelantes e apelado, sem prejuízo da protecção jurídica de que beneficia J.

Lisboa, 26 de Outubro de 2023
Anabela Calafate
Teresa Soares
Vera Antunes