ÓNUS DE PROVA
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
VIGILANTES
CLÁUSULA GERAL DE RESPONSABILIDADE
PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário

1–Deve fazer-se distinção entre as nulidades da sentença, que respeitam directamente aos vícios da peça decisória e que estão previstos, expressa e taxativamente, no artº 615º nº 1 do CPC, das nulidades processuais que incidem sobre os restantes actos processuais e estão previstas nos artºs 186º e segs. do CPC e que consistem em desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por o juiz praticar um acto proibido, ou por omitir um acto prescrito na lei ou por se realizar determinado acto sem o formalismo exigido.

2–A realização oficiosa de diligências probatórias para o esclarecimento da verdade, não se deverá traduzir numa gratuita substituição das partes, mas deverá ser assumida com vista a obviar dificuldades insuperáveis ou assaz excessivas e após esgotados os meios de que a parte disponha para esse efeito. Trata-se, assim, de uma intervenção subsidiária por parte do tribunal, por isso, não é susceptível de despoletar esse poder assistencial do juiz uma qualquer falta de diligência ou de empenho no cumprimento de ónus de proposição de prova documental: só a dificuldade séria e justificada de obtenção de documento pela parte permite que o juiz a substitua.

3–Dois dos requisitos relativos à admissibilidade, quer da junção, quer da requisição de documentos são a pertinência e a necessidade (artº 443º nº 1 CPC).
Fala-se em pertinência quando o documento respeita a factos da causa; por sua vez, o documento é necessário quando, dizendo respeito a tais factos, se mostra útil/indispensável à demonstração de factos relevantes para a decisão da causa.
Não é necessária a requisição oficiosa de desenhos/plantas da rede de águas do edifício, se a localização de determinada caixa de recepção de águas (cifão) pode ser demonstrada por outros meios de prova, não se justificando, por isso, a intervenção oficiosa do juiz, ao abrigo do princípio do inquisitório, a ordenar a requisição de tais desenhos.

4–O artº 493º nº 1 do CC estabelece uma cláusula geral de responsabilidade dos vigilantes pelos danos provocados por quaisquer coisas sob a sua guarda, independentemente da respectiva perigosidade. O cerne da imputação radica não nas qualidades naturais da coisa mas na inobservância da vigilância necessária a evitar os danos.

5–A presunção de culpa estabelecida no preceito não se baseia na própria coisa mas na situação do homem relativamente a ela: está-se sempre em face de um dano que a coisa não teria causado sem um comportamento indivíduo do seu guarda.

6–Se o autor provar que as águas que inundaram e danificaram o seu apartamento provieram do interior do apartamento dos réus, mostra-se preenchido o ónus de prova a seu cargo (artº 342º do CC) não lhe cumprindo também provar ainda a razão (sub-causa) da inundação.

7–Desconhecendo-se a que título a 2ª ré explora um salão de cabeleireiro instalado na fracção ou se as rés (1ª ré locatária financeira e a 2ª ré, empresa de cabeleireiro) repartiram, entre si, o encargo de vigiar e manter a fracção, quando assim sucede, a presunção de culpado artº 493º nº 1 do CC impende sobre todos os que, no interesse próprio ou alheio, com fins lucrativos ou não lucrativos, têm o dever de vigiar a coisa imóvel que esteja, quer de forma duradoura quer de forma temporária, na sua esfera de poder de actuação e que pela sua natureza, estrutura ou utilização são susceptíveis de causar danos.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–
RELATÓRIO:


1–
 S (…), Lda, instaurou acção declarativa, com processo comum, contra P(…), Lda e, C(…), Lda, pedindo:
a)-A condenação solidária das rés a pagarem-lhe a quantia de 18 460€ a título de danos emergentes e de lucros cessantes, acrescidos de 738,40€ de juros de mora vencidos desde Agosto de 2017 e nos vincendos;
b)-(A condenação solidária das rés) a manterem as canalizações dos esgotos provenientes da fracção nas devidas condições de limpeza, realizando vistorias regulares a fim de evitar repetição de futuras infiltrações na fracção da autora.

Alegou, em síntese, que é dona da fracção “BF” do prédio que identifica; as rés são donas da fracção “BB” desse prédio, que se situa imediatamente por cima da fracção da autora. Em 23/08/2017, verificou-se uma inundação na fracção da autora que provinha da fracção das rés. A autora contactou a empresa administradora do condomínio e a representante da 2ª ré e, posteriormente, por carta de 04/09/2017, contactou o representante da 1ª ré, denunciando a situação, não obtendo resposta; em 05/09/2017 enviou, por intermédio do seu mandatário, nova carta à 2ª ré, relatando o sucedido; remeteu nova carta a ambas as rés, em 09/11/2017, voltou a não obter resposta; em 20/03/2018, voltou a interpelar a 2ª ré, mais uma vez sem resposta e sem que tomassem providência para resolver a situação. A fracção da autora foi alvo de novas infiltrações nos dias 7 e 10/10/2017 e nos dias 5 e 6/07/2018, de que a representante da ré foi pessoalmente informada; uma vez mais, as rés nada fizeram.
As inundações tiveram origem no tubo de descarga de águas da fracção das rés que vai dar à coluna comum e que passa entre a placa (laje) e o tecto da fracção da autora.
O tecto da autora é em gesso cartonado e ficou parcialmente danificado; ficou também danificada a mesa de escritório e o soalho que teve de ser integralmente substituído; as reparações na fracção orçam em 12 460€; parte da fracção iria ser cedida a terceiro durante um ano com início em Setembro de 2017, mediante o pagamento de 500€/mês o que não se concretizou devido às inundações.
Apurou-se que a inundação proveio da tubagem da fracção das rés.

2
–Citadas as rés contestaram e requereram a intervenção acessória da seguradora.
Por impugnação, dizem que a 1ª ré é locatária financeira da fracção “BB” e que a 2ª ré usa essa fracção para desenvolver nela a sua actividade. As inundações não podem ter provindo da fracção “BB” porque se encontrava encerrada entre 16/04/2017 e 23/10/2017, ficando a loja com a água e electricidade desligadas, sem que tivessem ocorrido consumos de água. Negam que a 1ª ré, locatária financeira da fracção, nada tenha feito, visto que facultou acesso à fracção, em 25/08/2017 e foi verificado que a inundação não podia provir dali; e ficou a 1ª ré convencida que a administração do condomínio, que também estava presente, iria averiguar e solucionar o problema; existiam outros problemas de infiltração noutras fracções, como na que é utilizada pelo banco Caixa. A própria autora reconhece que a empresa administradora do condomínio, sabendo do problema das infiltrações há 14 meses, anteriormente a 23/08/2017, nada solucionou. Negam terem recebido as cartas que constituem os documentos 3, 4 e 5 da petição e, desde 25/08/2017, data da visita conjunta à fracção, não mais foram contactados pela autora ou pela empresa administradora do condomínio. Impugna os danos alegados. O agravamento dos danos, de que eventualmente tenha padecido a autora, devem-se a ela que, durante 14 meses se queixou à administração do condomínio sem nada fazer.
Requerem a intervenção acessória da seguradora com que a 2ª ré celebrou contrato de seguro de responsabilidade civil por danos causados em virtude da utilização da fracção “BB”.

3– 
Deferido o incidente de intervenção acessória da Seguradora, SA, foi ela citada.

Apresentou contestação que, no essencial, deu por reproduzida a contestação das rés.

4–
Dispensada a audiência prévia, foi saneado o processo e indicado o objecto do litígio e os temas da prova.

5–
Realizada audiência final foi proferida sentença, com o seguinte teor decisório:

“V.- Decisão final

Pelo exposto, julgo totalmente improcedente por não provada a presente ação, e, em consequência, absolvo as RR. dos pedidos.
Custas a cargo da A. (artigo 527.º do Código de Processo Civil).”


6– 
Inconformada, a autora interpôs o presente recurso, pugnando pela revogação da sentença e pela condenação das rés no pedido, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1.–A douta sentença violou o princípio do inquisitório, ao não esclarecer as dúvidas que considerou insanáveis, através de quaisquer instâncias que reputasse essenciais, em fase de instrução, nomeadamente requerendo a junção das plantas que atestassem a localização das redes de abastecimento de água e de drenagem de águas residuais do edifício e a retirassem da situação de impossibilidade de identificar os elementos de pertença descritos pela Autora, violando a norma constante do artigo art.º 411.º, do CPC, sendo a sentença nula, face ao determinado na parte final do n.º 1 do art.º 195.º do CPC.
2.–O tribunal a quo julgou incorrectamente os factos dados como não provados, III.2.a, c, e d, por violação da prova documental junta aos autos e da testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
3.–A matéria da alínea a, ficou provada com os documentos n.ºs 7 e 8, juntos com a p.i. e com as declarações do legal representante da recorrente, que identificou claramente as datas das infiltrações ocorridas.
4.–
A matéria da alínea c) e d) ficou provada com os documentos referidos no número anterior, com as declarações da legal representante da Recorrente, das testemunhas B e AM e com o Relatório junto à p.i. como doc. 11.
5.– O tribunal a quo julgou incorrectamente os factos dados como não provados, III.2.c (“Estragos”), por violação da prova documental (os documentos n.º 7, 8, e 10 juntos com a p.i.) e do teor das declarações do legal representante da Recorrente conjugadas com os depoimentos das testemunhas de VC e AS, que fizeram prova de tais factos.
6.– O Tribunal a quo julgou incorrectamente os factos dados como não provados, III.2.d Acordo com LR, por violação da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente as declarações de parte do representante legal da Recorrente e o depoimento da testemunha LR, não merecendo nenhum deles qualquer censura de credibilidade por parte do Tribunal a quo.

7.–
Face ao exposto, devem ser dados como provados os seguintes factos:
III.2.a.-A fração BF foi alvo de novas inundações entre os dias 7 e 10 de outubro de 2017, e nos dias 5 e 6 de julho de 2018.
c.-
As inundações tiveram origem na fração das Rés.
d.-O cano de descarga de águas, provenientes da fração BB, em direção à coluna comum, passa entre o teto falso da fração da A. e a laje horizontal divisória das frações.
III.2.c-Estragos
h.-
O teto falso da fração BF é constituído por material de gesso cartonado, e ficou parcialmente danificado na sala mais reservada do estúdio, onde são atendidos os clientes.
i.-A água danificou por completo a mesa de escritório em madeira, que se situava por baixo da zona do teto por onde caía a água.
j.-
A água que caiu infiltrou-se no chão, fazendo descolar o soalho flutuante, revestido a carvalho natural.
k.-O descolamento do chão atingiu toda a área do atelier, à exceção da cozinha e das instalações sanitárias, revestidas a material cerâmico.
l.-Em função da quantidade de água absorvida, o soalho flutuante escureceu, descolaram-se lamelas, e abriram-se fendas entre as réguas de soalho, não sendo possível a recuperação.
m.-O soalho é produto descontinuado no mercado.
n.- A sua substituição e demais trabalhos necessários importam custo de 10.130,00€ (dez mil cento e trinta euros), acrescido de IVA à taxa legal, num valor total de 12.460,00€, documento 10 junto com a petição inicial.
III.2.d-Acordo com LR.
o.-No atelier iria trabalhar também o Eng.º LR, que desenvolve a atividade profissional de Engenheiro Civil.
p.-Em finais de julho de 2017, a Autora e o Eng.º LR apalavraram a cedência de uso do espaço e dos instrumentos de trabalho existentes no atelier.
q.-Era ali que o Eng.º LR receberia os seus próprios clientes e executaria os seus projectos de engenharia.
r.-Por tal uso pagaria mensalmente à Autora a quantia de 500,00€.
s.-Tal cedência teria início em setembro de 2017, e a duração mínima de um ano, eventualmente renovável.
t.-Por causa da inundação de agosto de 2017, não havia condições para a cedência do espaço.
u.-Com efeito, a sala destinada ao Sr. Eng.º LR foi aquela que sofreu a inundação maior e teve maiores danos.”

8.–
O Tribunal lançou mão erradamente em matéria de direito do princípio do art.º 342.º do CC e art.º 414.º do CPC, violando o dispositivo especial constante do artigo 493.º, n.º 1 do CC, que era a norma aplicável ao caso e que continha uma presunção que devia ter sido lida à luz do disposto no art.º 344.º, n.º 1 do CC.

9.–
Face à prova produzida e a tal dispositivo legal, as Recorridas não podem deixar de ser consideradas responsáveis pelos factos geradores da responsabilidade civil, nos termos conjugados dos artigos 483.º e 493.º, n.º 1, do CC., mostrando-se preenchidos todos os requisitos que a Meritíssima Juíza se dispensou de analisar por ter absolvido erradamente as Recorridas do pedido.

9.–
Devem, pois, as Recorridas ser condenadas como peticionado a pagarem à Recorrente a quantia de 19.198,40€ (dezanove mil cento e noventa e oito euros e quarenta cêntimos).

7.–
As rés contra-alegaram, defendendo a improcedência do recurso e a manutenção da decisão da 1ª instância.

8.–
A interveniente acessória contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão do tribunal recorrido.
***

II–
FUNDAMENTAÇÃO.

1–
Objecto do Recurso.

É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC/13) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC/13) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC/13) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC/13) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a)- A nulidade da sentença;
b)- A impugnação da matéria de facto;
c)- A revogação da sentença, com reconhecimento condenação das rés no pedido.

Vejamos estas questões.

Previamente, importa considerar a matéria de facto decidida pela 1ª instância.
***

2–
Matéria de Facto Decidida pela 1ª Instância.

É a seguinte a factualidade decidida pela 1ª instância:

III.1–Factos provados.

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

III.1.a-Frações

1.-
 Pela AP. 56 de 2005/11/25, foi registada a aquisição, por compra, pela A., do direito de superfície da fração BF do edifício sito na Rua …descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Loures, Freguesia …, fração com a composição “BLOCO C - PISO MENOS UM - ESTÚDIO 9 - Serviços, com 2 parqueamentos nºs 32 e 33 no piso menos 4 do bloco C”, documento 1 junto com a petição inicial.
2.-A A. explora atelier de arquitetura, instalado na referida fração.
3.-A 1.ª R. é locatária financeira da fração BB, correspondente à loja 8, sita no rés-do-chão, com entrada pelo n.º 26 C, no mesmo Bloco C, documento 1 junto com a contestação.
4.-O locador é superficiário.
5.-A segunda Ré tem por objeto a atividade de “Salão de cabeleireiros e instituto de beleza, comércio, importação e exportação de cosméticos e artigos de perfumaria. Revenda de produtos e mobiliário profissional de cabeleireiros.”, e sede na Rua…, documento 3 junto com a contestação.
6.- Os sócios e gerentes das RR. são comuns.
7.-
 A 2.ª R. explora estabelecimento de cabeleireiro na fração BB desde 2014.
8.- A fração BB é contígua à fração BF, situando-se no piso imediatamente superior.
III.1.b-Evento
9.-No dia 23 de agosto de 2017, o legal representante da Autora constatou uma inundação no atelier.
10.-No dia 24 de agosto de 2017, pelas 12h06m, o legal representante da Autora entrou em contactado telefónico pelo n.º … (n.º afixado na porta da loja do salão de cabeleireiro) com a legal representante da 2.ª R., relatando o escorrimento abundante de águas na fração localizada na cave, com origem no salão.
11.-
A legal representante da 2.ª R. respondeu que o salão se encontrava fechado, que não podia ser daí a origem, devendo a A. contatar o cônjuge.
12.-O legal representante da Autora informou que deviam ser os proprietários/utilizadores a entrar em contacto com a A., a fim de resolverem rapidamente tal situação.
13.-A 2.ª Ré. desenvolve a sua atividade em dois espaços comerciais distintos, salão 1, sito Rua…, e salão 2, sito na fração BB.
14.-O salão 2 esteve com laboração diminuída durante período indeterminado de 2017, entre 01-02-2017 e 30-09-2017.
15.-
 As RR. acederam prontamente quando os representantes do condomínio lhes solicitaram a entrada na fração BB.
III.1.c-
16.-
 As inundações atingiram o teto falso da fração da A..
17.-
 Após, atingiram a mesa de escritório em madeira e o soalho flutuante.
III.1.d-Escritos
18.- A A. emitiu escrito intitulado “INFILTRAÇÃO DE ÁGUA DO ESGOTO OCORRIDA ENTRE OS DIAS 7 e 10 DE OUTUBRO DE 2017 (Ocorreu na sala de trabalho maior, por onde passa a tubagem conducente à prumada vertical)”, documento 7 junto com a petição inicial.
19.– A A. emitiu escrito intitulado “INFILTRAÇÃO DE ÁGUA DO ESGOTO OCORRIDA ENTRE OS DIAS 5 e 6 DE JULHO DE 2018 (A 1ª inundação no Gab. de Direção ocorreu 23.Agosto.2017 e repetiu-se a 5 e 6 de Julho.2018)”, documento 8 junto com a petição inicial.
20.– A A. emitiu escrito intitulado “Planta do estúdio 9 / Fração BF”, declarando que as inundações emergem de ramal, “conducente à prumada vertical”, da “rede de águas residuais (esgotos) do piso superior passando entre o teto falso e a laje do piso da loja”, documento 9 junto com a petição inicial.
21.–O legal representante da Autora emitiu escrito datado de 04-09-2017, dirigido à 2.ª R., declarando “Assunto: Rotura de água e/ou torneira aberta nas vossas instalações (r/chão) que provocou danos nas nossas instalações localizadas na cave, sob a vossa loja. [parágrafo] Exma. Sra. [parágrafo] No dia 23.agosto.2017, pelas 20,52 horas, enviámos um e-mail à firma HSN ( empresa que gere o condomínio ), antecedido de um telefonema sobre o mesmo assunto, com o seguinte teor: [parágrafo] Venho pela presente comunicar que entrei em contacto com a HSN, hoje dia 23.agosto.2017, a fim de dar conhecimento sobre o assunto referenciado em epigrafe, tendo sido atendido pelo irmão do sr. BM, relatando o acontecido, e que urge uma intervenção rápida e eficaz no imediato……… [parágrafo] No dia 24.agosto.2017, pelas 12,06 horas, entrei em contactado telefónico para o nº … ( nº afixado na porta da porta da loja do salão), tendo contactado com a sra. IS, relatando o escorrer de águas na fração localizada na cave, com origem no salão, tendo a senhora retorquido que o salão se encontrava fechado que não podia ser daí a origem, devendo telefonar ao seu esposo. Informei a sra. que não tinha o nº do esposo e que o lesado estava a ser eu, devendo ser os proprietários/utilizadores a entrar em contacto comigo a fim de resolução do problema, não havendo até á data de hoje, 4.Setembro.2017, qualquer contacto. [parágrafo] Ainda no dia 24.agosto.2017, foram trocados com vários e-mails da HSN, com o seguinte teor: [parágrafo] (…) 24-08-2017 10:42 (…) Boa tarde, Sr. Arquitecto, [parágrafo] Na sequência do contato telefónico de ontem em que solicitou alguém para tratar do problema relacionado com água de esgotos na sua fração, gostaria de saber da sua disponibilidade para estar presente no local afim de verificar a situação com o técnico. Mais informamos que existe disponibilidade de nos deslocarmos ao edifício ainda no dia de hoje. Ficamos a aguardar contacto. (…) [parágrafo] No dia 24.agosto.2017, pelas 16,00 horas conforme o acordado, deslocou-se um representante da HSN, conjuntamente com um técnico, inteirando-se estes da situação ocorrida e a origem da água, concluindo-se que seriam águas limpas provenientes de torneira aberta ou rotura na canalização, originária da loja em questão, conforme podia ser verificado na planta de esgotos e uma vez que a água remanescia através das carotes/furos dos esgotos da referida loja. [parágrafo] A administração informou-me que entrou em contacto com os proprietários da loja ainda este dia, 24.agosto.2017, a fim de comunicar o acontecido, marcando uma reunião na loja com para o dia seguinte, dia 25.agosto.2017, ás 10,00 horas. [parágrafo] Dia 25.agosto.2017, ao entrar no escritório verifiquei que já não escorria água do teto, tendo sido fechada após o contacto efetuado pela HSN. Ainda neste dia e pelas 11,00 horas, subi ao r/chão e encontrei o representante da HSN e o técnico que esperavam o proprietário da loja afim de verificarem a situação, não me sendo possível aguardar, uma vez que tinha uma reunião agendada. [parágrafo] Já foi efetuado um levantamento dos danos causados, aguardando-se orçamentos das firmas consultadas. [parágrafo] Até hoje, dia 4.Setembro.2017, tenho aguardado que os srs. proprietários da loja de cabeleireiro tivessem a gentileza de se inteirarem dos prejuízos que foram causados na minha fração e uma efetivação comunicação á companhia de seguros, a fim de resolução da situação, uma vez que não posso utilizar uma divisão. [parágrafo] Neste sentido, aguardo o mais rapidamente possível um contacto para que se resolva a situação. [parágrafo] Contactar – Manuel Tmóvel – … (…)” [destaques da nossa autoria], documento 3 junto com a petição inicial.
22.–A missiva foi enviada para a fração BB, por correio registado a 4 de setembro de 2017, e não reclamada.
23.–A sociedade Sociedade de Construção, Lda., emitiu escrito datado de 21-11-2017, declarando “Após visita ao vosso escritório e efetuado o levantamento dos danos causados e a procura de materiais no mercado (situação que tornou mais moroso o fornecimento do orçamento) com a mesma textura, coloração e métrica, no que reporta ao pavimento e tetos falsos de gesso (…) temos a informar que houve descontinuidade no mercado dos mesmos. (…) O valor dos trabalhos a executar são de 10.130€, acrescidos do IVA (…)”, documento 10 junto com a petição inicial.
24.–A A. emitiu missiva dirigida às RR., datada de 09-11-2017, recebida após 24-11-2017, aí constando: “Assunto: Inundação no estúdio 9. (…) ultrapassado que seja o prazo máximo de 8 dias, a contar da data aposta na presente carta, lançarei mão dos meios contenciosos adequados a defender os justos interesses da minha constituinte, reclamando nessa sede todos os prejuízos sofridos, bem como lucros cessantes, provocados pela inundação de água proveniente das vossas instalações e geradores de responsabilidade civil (…)”, documento 5 junto com a petição inicial.
25.–Por escrito datado de 26-01-2018, com “Assunto: Relatório de Vistoria de Infiltração – Ocorrência de 24.08.2017”, a Administração do Condomínio comunica à A. “(…) Conforme solicitado, serve o presente para relatar o resultado da vistoria efectuada às frações BF Estúdio 9 e BB – loja 26C, do condomínio (…) e na presença dos proprietários das frações autónomas referenciados, na sequência da solicitação do proprietário da fração BB, relatando aparecimento de uma infiltração no tecto da sua fração. [parágrafo] No local, e pelas 16 horas conforme acordado, deslocou-se um representante da HSN.pt conjuntamente com um técnico de construção civil da empresa …, que inteirando-se da situação ocorrida, concluíram que face à localização da infiltração a par da inexistência de quaisquer problemas com os sistemas de abastecimento comuns, quer da rede de águas prediais quer da rede de esgotos comuns gerais do edifício, a infiltração em questão que se manifestava unicamente no tecto da fração BF só poderia ser proveniente de uma eventual rotura das canalizações da fração BB – loja n.º 26C (rede de esgotos ou rede predial de abastecimento de água), ou outro tipo de ocorrência pontual ao interior dessa fração, onde funciona um cabeleireiro. [parágrafo] O diagnóstico desta ocorrência resulta também da consulta da planta de esgotos e uma vez que a água que se infiltrava (…) repassava através das carotes / furos do sistema de esgotos interiores da referida loja de cabeleireiro.” [destaques da nossa autoria], documento 11 junto com a petição inicial.
26.–A A. emitiu missiva dirigida à 2.ª R., datada de 20-03-2018, recebida, aí constando: “Assunto: Inundação no estúdio 9. (…) No seguimento da minha comunicação anterior, venho pedir-lhe que faça o favor de me informar, em prazo razoável (15 dias), a contar da expedição da presente carta, da disponibilidade ou não para suportar os danos provocados no estúdio da minha constituinte, uma vez que foi identificada a sua origem, como consta do relatório, que junto para vossa melhor análise (Doc.1). [parágrafo] Ultrapassado tal prazo, sem resposta ou, no caso de não assumir a responsabilidade pelo sinistro ocorrido, lançarei mão dos meios contenciosos adequados a defender os justos interesses da minha constituinte, reclamando nessa sede todos os prejuízos sofridos, bem como lucros cessantes, provocados pela inundação de água proveniente das vossas instalações e geradores de responsabilidade civil.” [destaques da nossa autoria], documento 6 junto com a petição inicial.
27.–A 2.ª R. emitiu missiva datada de 28-11-2018, declarando comunicar a empresa de consultoria informática a suspensão dos serviços para o seu segundo salão, entre maio e setembro de 2017, em função do seu encerramento, documento 4 junto com a contestação.
28.–A 2.ª R. emitiu escritos datados de 28-11-2018, intitulados “Mapa de Apuro de Totais”, relativos aos meses de abril a setembro de 2017, declarando, designadamente, ter faturado 61 € a 15/04/2017, e nada mais até setembro, documento junto com a contestação.
29.–A 2.ª R. emitiu publicação na rede social Facebook a 22-10-2017, declarando a reabertura do salão 2 a 23-10-2017, documento 6 junto com a contestação.
30.–A Administração do Condomínio emitiu em nome da 1.ª R. recibo relativo a prestações condominiais, documento 7 junto com a contestação.
31.–A 02-11-2017, os SIMAR emitiram nota de crédito no valor de 245,04 €, a favor da 1.ª R., em função da faturação por estimativa de 95 m3, entre 01-02-2017 e 30-09-2017, documento 5 junto com a contestação.
32.–A 2.ª R. e a Companhia de Seguros … acordaram em seguro denominado “Multiriscoempresas”, documento 8 a 11 juntos com a contestação.
33.–legal representante da Autora emitiu escrito datado de 23-08-2017, dirigido à administração do condomínio, recebido, declarando “Assunto: Rotura de esgotos da loja de cabeleireiro (por suposição) com passagem sob o teto da fração BF/ nº26 Estúdio 9 [parágrafo] Exmo. (s) Sr.(s) [parágrafo] Venho pela presente comunicar que entrei em contacto com a HSN, hoje dia 23.agosto.2017, a fim de dar conhecimento sobre o assunto referenciado em epigrafe, tendo sido atendido pelo irmão do sr.
BM, relatando o acontecido, e que urge uma intervenção rápida e eficaz no imediato. [parágrafo] Para melhor ser dado a conhecer a gravidade da situação, envio fotografias e aguardo com a máxima urgência o desenrolar das respetivas reparações de forma a corrigir de vez o problema já relatado à sensivelmente 14 meses ao sr. BM, sem que até ao momento tenha havido qualquer interesse na abordagem do assunto pela HSN. [parágrafo] Aguardando no imediato ser contactado, objetivando o menorizar dos prejuízos que ao não serem cobertos pelo seguro, serão imputados a quem por direito venha a ser responsabilizado.”, 
documento 2 junto com a petição inicial.
34.–A A. emitiu missiva dirigida à 2.ª R., datada de 05-11-2017, aí constando: “Assunto: Inundação no estúdio 9. (…) ultrapassado que seja o prazo máximo de 8 dias, a contar da data aposta na presente carta, lançarei mão dos meios contenciosos adequados a defender os justos interesses da minha constituinte, reclamando nessa sede todos os prejuízos sofridos, bem como lucros cessantes, provocados pela inundação de água proveniente das vossas instalações e geradores de responsabilidade civil (…)”. documento 4 junto com a petição inicial.

III.2–Factos não provados, com interesse para a decisão da causa
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a boa decisão da causa, designadamente os que estejam em contradição com os supra descritos, e ainda:

III.2.a-Evento

a.- A fração BF foi alvo de novas inundações entre os dias 7 e 10 de outubro de 2017, e nos dias 5 e 6 de julho de 2018.
b.-No dia 5 de julho o Sr. Arquiteto AS encontrava-se também no atelier da Autora, e foi imediatamente informar pessoalmente as senhoras de tal situação no Salão de Cabeleireiro, sem que as Rés tomassem qualquer iniciativa.
c.-As inundações tiveram origem na fração das Rés.
d.-O cano de descarga de águas, provenientes da fração BB, em direção à coluna comum, passa entre o teto falso da fração da A. e a laje horizontal divisória das frações.
III.2.b-Fração BB
e.-Na deslocação à fração BB, os presentes verificaram que o abastecimento de água e de eletricidade se encontrava fechado.
f.-O abastecimento de água e eletricidade esteve fechado entre 14-04-2017 e 23-10-2017.
g.-Durante esse período, a legal representante da 2.ª R. deslocava-se à fração BB com regularidade.
III.2.c-Estragos
h.- O teto falso da fração BF é constituído por material de gesso cartonado, e ficou parcialmente danificado na sala mais reservada do estúdio, onde são atendidos os clientes.
i.-A água danificou por completo a mesa de escritório em madeira, que se situava por baixo da zona do teto por onde caía a água.
j.-A água que caiu infiltrou-se no chão, fazendo descolar o soalho flutuante, revestido a carvalho natural.
k.-O descolamento do chão atingiu toda a área do atelier, à exceção da cozinha e das instalações sanitárias, revestidas a material cerâmico.
l.-Em função da quantidade de água absorvida, o soalho flutuante escureceu, descolaram-se lamelas, e abriram-se fendas entre as réguas de soalho, não sendo possível a recuperação.
m.-
O soalho é produto descontinuado no mercado.
n.- 
A sua substituição e demais trabalhos necessários importam custo de 10.130,00€ (dez mil cento e trinta euros), acrescido de IVA à taxa legal, num valor total de 12.460,00€, documento 10 junto com a petição inicial.
III.2.d-Acordo com LR
o.- No atelier iria trabalhar também o Eng.º LR, que desenvolve a atividade profissional de Engenheiro Civil.
p.-Em finais de julho de 2017, a Autora e o Eng.º LR apalavraram a cedência de uso do espaço e dos instrumentos de trabalho existentes no atelier.
q.-Era ali que o Eng.º LR receberia os seus próprios clientes e executaria os seus projetos de engenharia.
r.-Por tal uso pagaria mensalmente à Autora a quantia de 500,00 €.
s.-Tal cedência teria início em setembro de 2017, e a duração mínima de um ano, eventualmente renovável.
t.-Por causa da inundação de agosto de 2017, não havia condições para a cedência do espaço.
u.- Com efeito, a sala destinada ao Sr. Eng.º LR foi aquela que sofreu a inundação maior e teve maiores danos.
***

3–
As Questões Enunciadas.

3.1- A Nulidade da Sentença.


Entende a autora que a sentença é nula, por violação do Princípio do Inquisitório, por a 1ª instância não ter ordenado a realização de diligências de prova, designadamente a junção de plantas/desenhos que atestassem a localização das redes de abastecimento e drenagem de águas residuais que, desse modo, lhe permitiriam identificar que pertenciam à fracção das rés. Invoca os artigos 411º e 195º do CPC.
Será nula a sentença?
3.1.1-Como é sabido, em termos simples, as nulidades da sentença resultam da violação da lei processual pelo juiz no momento da decisão, nos expressos casos previstos no artº 615º nº 1 do CPC. Assim, será nula a sentença se o juiz não a assinar (al. a); se não especificar os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão (al. b); se ocorrer oposição entre fundamentos e a decisão ou se verifique alguma obscuridade ou ambiguidade que torne a decisão ininteligível (al. c); ou se o juiz conhecer questões que não devia ou deixe de conhecer questões que tinha de conhecer (al. d); ou condene em objecto diverso ou em quantidade superior ao pedido (al. e). Apenas estas situações, expressa e taxativamente previstas no artº 615º nº 1 do CPC geram a nulidade da sentença.
Diferentes são as nulidades processuais que consistem em desvios ao formalismo processual prescrito na lei e a que esta faça corresponder, ainda que de modo não expresso, uma invalidade, mais ou menos extensa, dos actos processuais (Cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, 1993, pág. 176) quer por o juiz praticar um acto proibido, ou por omitir um acto prescrito na lei ou, ainda por se realizar determinado acto sem o formalismo exigido (Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 52).
Assim, deve fazer-se distinção entre as nulidades da sentença,que respeitam directamente aos vícios da peça decisória e que estão previstas, expressa e taxativamente, no artº 615º nº 1 do CPC, das nulidades processuais que incidem sobre os restantes actos processuais e estão previstas nos artºs 186º e segs. do CPC.
Pois bem, a alegada violação do princípio do inquisitório – não ter a juíza do tribunal recorrido ordenado a realização de outros meios de prova, designadamente a junção de plantas/desenhos relativos à localização das redes de águas da fracção das rés – não integra, rectius, não se subsume a qualquer das situações previstas nas alíneas a) a e) do artº 615º nº 1 do CPC.
Por conseguinte: tem de concluir-se que não se verifica uma nulidade da sentença prevista neste normativo.

3.1.2– 
E ocorrerá nulidade processual por violação do Princípio do Inquisitório?
Segundo a recorrente, deveria a juíza a quo, porque tinha dúvidas, ter diligenciado, ao abrigo do artº 411º do CPC, pela junção aos autos de documentos relativos à planta/desenhos de localização da tubagem de esgoto/drenagem de águas da fracção das rés.
Será assim?
O artº 411º do CPC, com epígrafe “Princípio do inquisitório” diz: “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
Como é sabido, o princípio do inquisitório ou da oficiosidade constitui o contraponto do princípio do dispositivo.
Este princípio do dispositivo determina que o processo se encontra na disponibilidade das partes e, desdobra-se em dois subprincípios:(i) subprincípio do impulso processual- -incumbe-lhes a prática dos actos que dão origem à pendencia da causa e ao andamento do processo (ne iudex procedat ex officio) - e (ii) subprincípio da disponibilidade do objecto - as partes, através do pedido e da defesa circunscrevem o thema decidendum.
Associados ao subprincípio do impulso processual, surgem diversos ónus processuais, de que se destacam o ónus de prova e, inerentemente, o ónus de proposição das provas.
prova, etimologicamente do latim probare,significa reconhecer qualquer coisa por boa (ou não) e efectiva-se através da actividade probatória.
A actividade probatória consiste na prática sequencial de actos processuais que têm por finalidade a actuação dos meios de prova com vista à demonstração dos factos alegados e destina-se a convencer o tribunal – formar a convicção do juiz – sobre a realidade dos factos controvertidos (artº 341º do CC). Essa actividade probatória incumbe às partes oneradas com a prova, o chamado ónus de prova, com assento no artº 342º do CC: àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (artº 342º nº 1 do CC). Por sua vez, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita (artº 342º nº 2 do CC).
Por sua vez, o princípio do inquisitório ou da oficiosidade informa o campo de iniciativa processual do juiz, designadamente, no âmbito da instrução do processo, determinando a amplitude dos seus poderes nessa matéria. E estende-se em duas vertentes: (i) os poderes de cognição do tribunal quanto à matéria de facto, enunciado no artº 5º do CPC, de que resulta que o juiz deve considerar os factos essenciais– que constituem a causa de pedir ou fundam as excepções – desde que alegados pelas partes (aliás, se a parte não alega os factos essenciais constitutivos da sua pretensão, corre o risco de a ver indeferida por falta de causa de pedir) e ainda os factos instrumentais que resultem da instrução da causa e os factos complementares e os factos concretizadores dos que as partes tenham alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido oportunidade de se pronunciar; (ii) os poderes de instruir os factos de que lhe é lícito conhecer.
Considerar factos 
não se confunde com instruir factos: a consideração de factoscoloca-se por ocasião da sentença e reporta-se à factualidade que é permitida ao juiz tomar em consideração (e isso depende do tipo de processo: contrariamente ao que sucede em processo comum, no processo de jurisdição voluntária o juiz pode considerar, oficiosamente, factos essenciais constitutivos da pretensão, ainda que não alegados pelas partes). A instrução dos factos coloca-se em momento anterior e reporta-se às diligências de prova que ao juiz é permitido realizar de modo a demonstrar os factos de que lhe é lícito conhecer (artº 411º do CPC).
Note-se que este artº 411º do CPC tem redacção igual ao artº 265º nº 3 do CPC/95 e, no âmbito desse código, da conjugação desse preceito com o artº 264º, decorria que o juiz tinha poder de indagação oficiosa dos factos instrumentais que resultassem da instrução da causa (artº 264º nº 2 do CPC/95).
No que toca ao âmbito da intervenção oficiosa do juiz, é necessário não esquecer que são as partes que assumem o risco pela condução do processo (princípio da auto-responsabilidade) o que decorre, como vimos do princípio do dispositivo e do contraditório e da igualdade das partes.
É neste quadro, de tensão dialéctica, que poderá ocorrer a iniciativa do juiz, que se deve pautar por uma intervenção dirigida ao andamento regular do processo e à boa resolução da causa, sem perturbar o equilíbrio das partes, antes garantindo-o. Deste modo, a realização oficiosa de diligências probatórias para o esclarecimento da verdade, não se deverá traduzir numa gratuita substituição das partes, mas deverá ser assumida com vista a obviar dificuldades insuperáveis ou assaz excessivas e após esgotados os meios de que a parte disponha para esse efeito.
Trata-se, assim, de uma intervenção subsidiária por parte do tribunal.
princípio do inquisitório, ao longo dos tempos e das diversas opções legislativas, não tem sido estático. Antes, tem visto evoluções e modificações das quais decorre que o poder inquisitório do juiz não é absoluto: está limitado, no seu âmbito, pelas diversas regras de direito probatório estabelecidas no código de processo civil relativas à prova documental, confissão judicial provocada, prova pericial, inspecção judicial e prova testemunhal. Ou seja, quando no artº 411º do CPC de diz que o juiz ordena, oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade,não significa que ele tenha poder ilimitado de instrução.
Tem de interpreta-se que esse poder do juiz está limitado pelas normas processuais que concretizam, balizando, esse poder instrutório judicial.
Assim, no que à prova por documentos diz respeito.
Importa, desde logo, considerar o artº 7º nº 4 do CPC que é expressão do poder assistencial do juiz: sempre que alguma parte justificar dificuldade séria em obter documento que condicione o eficaz exercício de ónus processual, deve o juiz, se lhe for possível, providenciar pela remoção do obstáculo. Portanto, não é susceptível de despoletar esse poder assistencial do juiz uma qualquer falta de diligência ou de empenho no cumprimento de ónus de proposição de prova documental. Só a dificuldade séria e justificada de obtenção de documento pela parte permite que o juiz a substitua.
Igualmente se passa em sede de prova por documento em poder da parte contrária ou de terceiro (artºs 429º a 436º do CPC). Do mesmo modo, no regime relativo à requisição de documentos, previsto no artº 436º do CPC. Trata-se de um meio subsidiário, que só deve ser utilizado por iniciativa oficiosa ou a requerimento da parte quando esta não tenha possibilidade ou encontre dificuldade apreciável na sua obtenção (Cf. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, CPC Anotado, vol. 2º, 3ª edição, Almedina, pág. 255).
Aliás, veja-se, neste sentido, diversa jurisprudência, de que se saliente “…a regra do poder inquisitório do juiz não pode deixar de estar associada ao princípio da responsabilidade das partes sobre as quais a lei faz recair alguns ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso mesmo, aquelas têm interesse directo em cumprir. Até porque, no limite, em sede probatória, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o mesmo aproveita (artigo 414º). Daí que as partes tenham natural interesse em concorrer activamente para o processo de instrução da causa”. (Ac. TRG, de 20/03/2018, João Diogo Rodrigues, www.dgsi.pt). “…o princípio do inquisitório não pode ser utilizado para, objectivamente, auxiliar uma das partes, prejudicando a outra, permitindo àquela introduzir no processo documentos que não apresentou atempadamente nos termos do artº 423º do CPC/13” (Ac. TRP, de 18/02/2016, Pedro Martins). Ou, ainda “…o dever de gestão processual e inquisitório que subjaz ao disposto nos artºs 6º, 411º e 436º do CPC não pode servir para remediar a inércia da parte, a quem incumbe a alegação e prova dos factos (a que está inerente a junção/indicação dos respectivos meios probatórios) em que assenta a sua pretensão, só se justificando quando a parte não tem facilidade em os obter ou os não pode obter, devendo esta justificar a dificuldade de, ela própria, os obter”(TRC,de 06/06/2017,Arlindo Oliveira, www.dgsi.pt).

Por outro lado ainda, importa ainda ter presente que dois dos requisitos relativos à admissibilidade, quer da junção, quer da requisição de documentos são, justamente, a pertinência e a necessidade (artº 443º nº 1 CPC).
Pois bem, fala-se em pertinência quando o documento respeita a factos da causa; por sua vez, o documento é necessário quando, dizendo respeito a tais factos, se mostra útil/indispensável à demonstração de factos relevantes para a decisão da causa.
Dito de outro modo, a pertinência e a necessidade da junção de documentos, como de resto sucede com os outros meios de prova, está relacionada com o chamado objecto da prova que consiste nos factos alegados pelas partes que interessam à discussão da causa, segundo as várias soluções de direito plausíveis, constituindo o substrato factual do thema decidendum.
Aqueles dois requisitos, pertinência e necessidade, são aferidos segundo um juízo de utilidade na perspectiva de uma boa decisão no contexto de cada causa.
Pois bem, no caso dos autos, a questão que se coloca é a de saber se se justificava que o juiz ordenasse, rectius, requisitasse a junção das plantas/desenhos relativos à localização/configuração as tubagens de descargas de águas da fracção “BB” das rés.
A resposta passa pela ponderação dos mencionados dois requisitos: pertinência e necessidade da junção desses desenhos/plantas de localização da tubagem de escoamento de águas do salão de cabeleireiro das rés.
Ora, não há dúvida que a autora alegou, no ponto 25º da petição inicial, que “…o cano de descarga de águas que vai dar à coluna comum passa entre o tecto e a placa da fracção onde a segunda ré desenvolve a sua actividade de cabeleireira…”, neste aspecto, tratar-se-ia de documento relativo a facto da causa.
Mas será necessária a junção?
Reitere-se que aqueles dois requisitos (pertinência e necessidade) são aferidos segundo um juízo de utilidade.Isto é, o requisito da necessidade de certo meio de prova não deixa de estar associado à impossibilidade ou grande dificuldade de provar/demonstrar determinado facto sem ser mediante a utilização/produção desse meio de prova. Aferindo-se que certo facto pode ser demonstrado/provado através de outros meio de prova já oferecidos/produzidos, é desnecessário que o juiz lance mão do princípio do inquisitório e, oficiosamente, determinar a produção de determinado meio de prova.
Ora, no caso concreto, apesar de a juíza do tribunal recorrido ter considerado não provado o facto em questão – fundamentando não ser possível a prova do facto por inexistirem plantas emitidas pela entidade competente, atestando a localização das redes de abastecimento de água e drenagem de águas residuais do edifício – como se verá adiante, a prova desse facto não exige a junção de plantas/desenhos das redes de águas: pode alcançar-se a realidade desse facto mediante o recurso a outros meios de prova.
Na verdade, recorde-se o princípio da livre apreciação das provas: o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; e essa livre apreciação apenas não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que apenas possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por acordo ou por confissão) como decorre do artº 607º nº 5 do CPC.
Ora, salvo o devido respeito, inexiste qualquer norma legal que imponha que a prova do facto relativo à localização de redes de abastecimento e drenagem de águas, apenas possa ser provado pelas plantas, desenhos de redes de água de um edifício.
A esta vista, é fácil concluir que não era necessária a requisição dos desenhos plantas da rede de águas do edifício e, por conseguinte, não se justificava a intervenção oficiosa a ordenar a requisição de tais desenhos.
O mesmo é dizer que não ocorreu a pretendida nulidade processual por omissão do Princípio do Inquisitório.
A esta luz, em suma, resta concluir que não se verificou a apontada nulidade processual.

3.2–
A Impugnação da Matéria de Facto.

A apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto vertida na sentença quantos à factualidade considerada não provados nos pontos a), c), d), h). i), j), k), l), m), n), o), p) q), r), s), t) e u).
Argumenta a sua pretensão de modificação da matéria de facto, em síntese, invocando os seguintes meios de prova:
- Pontos a) e c), nos documentos 7 e 8 e declarações de parte do legal representante da autora;
- Os pontos h), i), j), k), l), m) e n), nos documentos 7, 8 e 10, declarações de parte do representante da autora e testemunhos de B e AM, VC e AS e relatório junto como documento 11;
- Os pontos o), p), q), r), s), t) e u), nas declarações de parte do representante da autora e no depoimento de LR.

Vejamos se a apelante tem razão.

Pois bem, ouvidas integralmente as declarações de parte de ambos os representantes das partes e os depoimentos testemunhais, importa fazer uma síntese do que por eles foi dito, com relevância para a factualidade em questão.

Assim:

A testemunha VC (depoimento em 17/06/2019):
Disse que é representante de marcas de pavimentos e, nessa qualidade visita, várias vezes ao ano, o atelier do arquitecto L…; esteve no atelier no dia 25/08/2017 (justificou que no dia anterior é o seu aniversário) e viu vestígio de água no chão e o arquitecto explicou-lhe que dois dias antes tinham ocorrido inundações. Confirmou as fotografias de fls 9 verso e fls 10 e de fls 15 e 15 verso.
A testemunha AS (depoimento em 17/06/2019):
Disse ser colega do arquitecto L… e já foi seu sócio; viu água no tecto e no chão do atelier; a água provinha do tecto (tecto falso) e pingava para o pavimento; a água não tinha cheiro, não era de esgoto. Confirmou as fotografias de fls 9 verso e fls 10 e de fls 14 verso a 15 verso. Exibido o orçamento de fls 17 disse que o valor do pavimento é o mais elevado e talvez seja adequado se for para substituir na totalidade; a área afectada terá, apenas, entre 25 a 30 m2 dos cerca de 90 m2 do atelier.

Declarações de parte do representante da autora, ML
 (depoimento em 17/06/2019):
Explicou que a primeira inundação foi a 23/24 de Agosto de 2017, na sala de direcção; a segunda foi em Outubro de 2017 na zona de trabalho; a terceira, a Julho de 2018, na sala de direcção. A água passava através da carote, não corria dos tubos. Teve de colocar baldes e recipientes para aparar a água. O pavimento, devido à inundação, depois de seco, contraiu e a película de cobertura, em carvalho, na sala de reuniões saltou; trata-se de pavimento descontinuado e, a ser substituído tem de ser todo. Explicou que a água não caia do ramal do condomínio, que fica a um canto do prédio, mas na zona praticamente ao meio da fracção onde está a tubagem de esgoto/escoamento da fracção de cima (loja de cabeleireiro); confirmou as fotos de fls 9 verso e fls 10 e de fls 14 verso a 15 verso e apontou o sítio de onde escorria a água (fotos de fls 14 verso, com legenda “vista do tecto da fracção por onde passa o ramal de esgotos”). Afirmou não haver possibilidade de a água provir de outra fracção ou da prumada do condomínio, porque esta fica a um canto do prédio e a água pingava no meio do escritório e corria da carote por onde passa a tubagem de escoamentos da fracção de cabeleireiro e que está abaixo da laje, por cima do tecto falso. Acordou com o Eng. LR este ir trabalhar no seu atelier, cedendo-lhe espaço para o efeito, mediante renda de 500€/mês e que perante a inundação, o Eng. LR abortou a sua ida para o atelier.

Testemunha SA 
(depoimento em 17/06/2019):
Que o salão dois (loja em causa nos autos) fechou em Abril de 2017 e só reabriu em Outubro de 2017. Aquando do fecho da loja em Abril, a colega Sara fechou a água e a electricidade.

Testemunha SS
 (depoimento em 17/06/2019):
Fecharam a loja em 14 de Abril de 2017; fechou a torneira de segurança da água e electricidade; durante o período de fecho, ia lá todos os dias levantar e baixar a grade; não sabe se a entidade patronal, durante o período em que estiveram fechados ia ou não à loja.

Testemunha LA
 (depoimento em 17/06/2019):
Foi trabalhar para a loja (em causa) no dia da reabertura a 23/10/2017.

Testemunha AT
 (depoimento em 17/06/2019):
A loja esteve fechada entre Abril e Outubro de 2017.

Testemunha DT
 (depoimento em 17/06/2019):
Ficou encarregado de fazer a manutenção mensal das calhas de lavagem (onde se procede à lavagem da cabeças dos/as clientes) por causa dos cabelos que podem entupir os cifões (caixas de recepção de águas). O Luís (gerente da ré) disse-lhe que havia queixa de infiltração proveniente da loja (de cabeleireiro) e ele foi lá verificar: não havia água no chão e não havia tubagem rota ou fugas de água e, por isso, estava tudo bem. A água estava desligada; se houvesse fuga de água corria para o chão e viu que estava seco.

Testemunha BM
 (depoimento em 09/07/2019):
Gere o condomínio; o arquitecto comunicou-lhe que havia infiltração no atelier; ele mandou lá um técnico da empresa que está a fazer obras de reparação das coberturas e fachadas (que é seu pai) e o outro sócio da empresa de gestão do condomínio (que é seu irmão); que o técnico, com base nas fotos e com base na observação que fez no atelier concluiu que a infiltração não podia provir da prumada de águas do prédio, mas da fracção de cima; que a infiltração era na carote por onde passa a tubagem de esgoto/escoamento de águas da loja de cima e, por isso só podia ser da loja porque essa tubagem passa por baixo da laje, entre esta e o tecto falso do atelier. As águas pluviais e a prumada geral do prédio não passam pelo tecto. O cifão que se vê na foto (fls 81) pertence à fracção de cima (cabeleireiro) e era por ali que corria a água.

Testemunha AM
 (depoimento em 09/07/2019):
Foi chamado para verificar a inundação no atelier do arquitecto; verificou que havia água no tecto, vinda de cima, na zona do cifão do cabeleireiro (caixa de recepção de águas da fracção e que depois escoa para a prumada geral); já não era muita água, estava apenas a pingar; não havia tubo (geral) de queda nas proximidades: o tubo de águas, prumada, fica num canto e, entre esse tubo e o local onde pingava a água, não havia “rasto” de humidade; por isso, a água, para aparecer naquele local, só podia ser das cadeiras de lavagem ou do esgoto, das partes comuns era impossível; por qualquer motivo, a água vinha da caixa cifão da loja de cabeleireiro. Que basta que haja um afluxo excessivo de água ao cifão, ou que esteja com algum constrangimento de escoamento, para que este transborde e, atendendo a que está incrustado na laje (é visível por baixo da laje) escorre para a fracção de baixo. No dia seguinte foi ver à loja de cabeleireiro; no atelier ainda havia água a pingar; no cabeleireiro não havia humidade no chão e não percebeu a causa concreta da queda de água. As fracções têm tubagem de esgoto de águas por baixo da laje. Confirmou a foto de fls 81: a água provinha da laje, na zona do cifão e pingava para cima dos tubos aí visíveis. Esse cifão que se vê pertence à fracção de cima e está encrustado na laje.

Testemunha LJ 
(depoimento em 09/07/2019):
Acordou com o arquitecto ML partilhar com ele as instalações, para aproveitamento de sinergias; esse objectivo de partilha do espaço era para concretizar em Setembro de 2017; estipularam que iria pagar 500€/mês; tinha também a vantagem de estacionamento, coisa que no actual escritório não tem. Em finais de Agosto, estava a preparar a mudança para o atelier do arquitecto e soube da infiltração no gabinete que seria ocupado por ele; daí ter abortado a mudança, não podia arriscar danificar equipamentos. Esteve no atelier em finais de Agosto de 2017 e viu a tubagem à vista.

Declarações de parte
 do legal representante da 1ª ré (e sócio da 2ª ré) LB (em 11/07/2019):
Depois de ter feito confusão quanto às datas/épocas da 1ª inundação, disse que foi com o técnico (DT) à loja verificar se estava tudo bem e não viram nada de anormal e que o salão estava fechado e, por isso a infiltração não podia ser do salão de cabeleireiro. Foi, depois, com o Sr. das obras e o filho deste ao salão e não identificaram qualquer infiltração.
Quando adquiriram a fracção fizeram obras de adaptação da loja a salão de cabeleireiro e colocaram as calas de lavagem e lavatórios e, as respectivas tubagens de escoamento estão acima da laje, em betonilhas e vão dar ao cifão de recolha de águas da loja que já existia anteriormente. No período em que o salão esteve encerrado, passava lá duas a três vezes por semana; nesse período de encerramento ao público, ia sendo feita, periodicamente, limpeza ao salão, não sabendo se era utilizada água mas pensa/admite que sim.

Ora bem, com base nestes depoimentos e tendo em conta os documentos juntos, entendemos que há fundamento para alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto quanto a alguns dos factos que foram considerados não provados.

Vejamos então.
Quanto ao ponto a), em face das declarações de parte do legal representante da autora, que especificou detalhadamente as três inundações (teria havido uma outra anteriormente), os locais em que se verificaram e o tipo de água que escorreu, temos de considerar provado que:
- A fracção “BF” foi alvo de novas inundações em Outubro de 2017 e Julho de 2018.

Quanto ao ponto c), tendo em conta as declarações de parte do representante da autora e o depoimento de AM e ainda às fotos de fls 81, tem de dar-se esse facto como provado. Na verdade, conforme bem explicou AM, a água escorria no tecto (laje) vinda de cima, na zona do cifão do cabeleireiro (caixa de recepção de águas dessa fracção); que não era possível que essa água proviesse de qualquer tubagem comum (que não passa naquela zona) e que, por isso, não era possível que a água proviesse de outro local que não do salão de cabeleireiro. O mesmo mencionou o representante da autora. Note-se que a circunstância de, no dia seguinte, na visita que o técnico AM fez ao salão, não ser visível água no chão desse salão é irrelevante. Em termos das regras da experiência e por uma questão de lógica, atendendo à circunstância de a caixa de recepção de escoamento de águas do salão de cabeleireiro (cifão) estar incrustada na laje e ser visível/aparecer entre o tecto falso e a laje, caso ocorra um afluxo excessivo de água a esse cifão, por qualquer razão, ele verte água para baixo, não se infiltrando na laje mas pingando para o tecto falso da fracção de baixo. Concorda-se, assim, que não era possível que a água proviesse de outro local que não o salão de cabeleireiro. Irreleva ainda o alegado fecho da água do salão porque, como disse o próprio representante das rés, no período de encerramento do salão ao público, ia sendo feita, periodicamente, limpeza ao salão, admitindo que era utilizada água.

Deste modo, considera-se provado que:
-As inundações tiveram origem na fracção das rés.

Quanto ao ponto d), entendemos que deve ser dado como provado com base das declarações de parte do representante da autora, nos depoimentos de AM e AS e ainda das fotografias de fls 81: foi esclarecido que no prédio em causa as tubagens de esgoto/escoamento de águas das fracções passam por baixo da laje, entre esta e o tecto falso da fracção imediatamente abaixo. Aliás, essa solução construtiva é perceptível nas fotos de fls 81. Portanto, sem necessidade de ordenar a junção de plantas/desenhos de especialidade de águas e esgotos do prédio, pode dar-se esse facto como provado.

Assim, dá-se como provado que:
-O tubo de descarga de águas, proveniente da fracção “BB” em direcção à coluna comum, passa entre o tecto falso da fracção da autora e a laje divisória das fracções.

No que toca ao ponto h), igualmente tem de considerar-se provado com base nas declarações de parte do representante da autora, nos depoimentos de AS e de AM e ainda das fotos de fls 81: confirma-se os estragos/danos no tecto falso, em gesso cartonado (vulgo Pladur) e, quanto ao local, foi confirmado por esses depoimentos e declarações.

Deste modo, dá-se como provado que:
- O tecto falso da fracção BF é constituído por material de gesso cartonado e ficou parcialmente danificado na sala mais reservada do estúdio conhecida como gabinete de direcção.

Relativamente ao ponto i), entendemos que não pode considerar-se como provado, porque nenhuma testemunha o referiu nem o representante da autora o disse e, na foto de fls 82 e de fls 9 verso e de fls 10 apenas se verifica que a mesa está molhada, nada demonstrando que ficou inutilizada.

No que respeita ao ponto j), igualmente entendemos que deve considerar-se provado, com base nas declarações do representante da autora e depoimento de AS e ainda pelas fotos de fls 9 verso, fls 10 e de fls 15 verso e de fls 82 e 83. Aliás, a testemunha AS disse que a área afectada será, apenas, entre 25 a 30 m2 dos cerca de 90 m2 do atelier.

Deste modo, dá-se como provado que:
-A água que caiu infiltrou-se no chão, fazendo deslocar parte do soalho flutuante, revestido a carvalho.

Quanto ao ponto k), não pode considerar-se provado, porque não foi produzida prova de que o descolamento do soalho atingisse todo o atelier.

No que concerne ao ponto l), igualmente não foi produzida prova que permita confirmar esse facto no sentido de todo o soalho ter escurecido e descolado e de não ser possível a respectiva recuperação. Apenas se pode considerar provado o que se mencionou no ponto j).

Do mesmo modo, quanto ao ponto m), entende-se que não pode esse facto ser considerado provado: apenas o representante da autora o mencionou como admitindo que esteja descontinuado.

Relativamente ao ponto n), apesar da junção do orçamento de fls 17, da empresa de AM, referir esse montante, tem por base a substituição de todo o chão, o que pressupunha que todo o soalho careça de ser substituído ou esteja descontinuado – o que não ficou demonstrado – e que a mesa tenha ficado inutilizada e carece de substituição, o que também não se provou.

Finalmente, quanto aos pontos o), p, q), r), s), t) e u), devem considerar-se como provados face às declarações de parte do representante da autora e ao depoimento de LR, que de modo fluido e convincente confirmaram esses factos, não havendo qualquer circunstância que permita por em dúvida esses factos.

Assim, considera-se provado que:
- No atelier iria trabalhar também o Eng.º LR, que desenvolve a actividade profissional de Engenheiro Civil.
- Em finais de Julho de 2017, a Autora e o Eng.º LR apalavraram a cedência de uso do espaço e dos instrumentos de trabalho existentes no atelier.
- Era ali que o Eng.º LR receberia os seus próprios clientes e executaria os seus projectos de engenharia.
- Por tal uso pagaria mensalmente à Autora a quantia de 500,00€.
- Tal cedência teria início em Setembro de 2017, e a duração mínima de um ano, eventualmente renovável.
- Por causa da inundação de agosto de 2017, não havia condições para a cedência do espaço.
- Com efeito, a sala destinada ao Sr. Eng.º LR foi aquela que sofreu a inundação maior e teve maiores danos.

Deste modo, face às alterações ora introduzidas na matéria de facto, entende por bem recompilar toda a factualidade, que passa a ser:

Factos Provados.


1.–
Pela AP. 56 de 2005/11/25, foi registada a aquisição, por compra, pela A., do direito de superfície da fração BF do edifício sito na Rua …, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Loures, Freguesia … fração com a composição “BLOCO C - PISO MENOS UM - ESTÚDIO 9 - Serviços, com 2 parqueamentos nºs 32 e 33 no piso menos 4 do bloco C”, documento 1 junto com a petição inicial.
2.–A A. explora atelier de arquitetura, instalado na referida fração.
3.–
A 1.ª R. é locatária financeira da fração BB, correspondente à loja 8, sita no rés-do-chão, com entrada pelo n.º…, documento 1 junto com a contestação.
4.–O locador é superficiário.
5.–A segunda Ré tem por objeto a atividade de “Salão de cabeleireiros e instituto de beleza, comércio, importação e exportação de cosméticos e artigos de perfumaria. Revenda de produtos e mobiliário profissional de cabeleireiros.”, e sede na Rua …, documento 3 junto com a contestação.
6.–Os sócios e gerentes das RR. são comuns.
7.–A 2.ª R. explora estabelecimento de cabeleireiro na fração BB desde 2014.
8.–A fração BB é contígua à fração BF, situando-se no piso imediatamente superior.

III.1.b-Evento

9.–No dia 23 de agosto de 2017, o legal representante da Autora constatou uma inundação no atelier.
10.–No dia 24 de agosto de 2017, pelas 12h06m, o legal representante da Autora entrou em contactado telefónico pelo n.º… (n.º afixado na porta da loja do salão de cabeleireiro) com a legal representante da 2.ª R., relatando o escorrimento abundante de águas na fração localizada na cave, com origem no salão.
11.– A legal representante da 2.ª R. respondeu que o salão se encontrava fechado, que não podia ser daí a origem, devendo a A. contatar o cônjuge.
12.–O legal representante da Autora informou que deviam ser os proprietários/utilizadores a entrar em contacto com a A., a fim de resolverem rapidamente tal situação.
13.–A 2.ª Ré. desenvolve a sua atividade em dois espaços comerciais distintos, salão 1, sito Rua…, e salão 2, sito na fração BB.
14.– O salão 2 esteve com laboração diminuída durante período indeterminado de 2017, entre 01-02-2017 e 30-09-2017.
15.–
 As RR. acederam prontamente quando os representantes do condomínio lhes solicitaram a entrada na fração BB.
III.1.c-

16.– As inundações atingiram o teto falso da fração da A..
17.– Após, atingiram a mesa de escritório em madeira e o soalho flutuante.
III.1.d-Escritos
18.– A A. emitiu escrito intitulado “INFILTRAÇÃO DE ÁGUA DO ESGOTO OCORRIDA ENTRE OS DIAS 7 e 10 DE OUTUBRO DE 2017 (Ocorreu na sala de trabalho maior, por onde passa a tubagem conducente à prumada vertical)”, documento 7 junto com a petição inicial.
19.– A A. emitiu escrito intitulado “INFILTRAÇÃO DE ÁGUA DO ESGOTO OCORRIDA ENTRE OS DIAS 5 e 6 DE JULHO DE 2018 (A 1ª inundação no Gab. de Direção ocorreu 23.Agosto.2017 e repetiu-se a 5 e 6 de Julho.2018)”, documento 8 junto com a petição inicial.
20.– A A. emitiu escrito intitulado “Planta do estúdio 9 / Fração BF”, declarando que as inundações emergem de ramal, “conducente à prumada vertical”, da “rede de águas residuais (esgotos) do piso superior passando entre o teto falso e a laje do piso da loja”, documento 9 junto com a petição inicial.
21.–O legal representante da Autora emitiu escrito datado de 04-09-2017, dirigido à 2.ª R., declarando “Assunto: Rotura de água e/ou torneira aberta nas vossas instalações (r/chão) que provocou danos nas nossas instalações localizadas na cave, sob a vossa loja.
[parágrafo] Exma. Sra. [parágrafo] No dia 23.agosto.2017, pelas 20,52 horas, enviámos um e-mail à firma HSN (empresa que gere o condomínio), antecedido de um telefonema sobre o mesmo assunto, com o seguinte teor: [parágrafo] Venho pela presente comunicar que entrei em contacto com a HSN, hoje dia 23.agosto.2017, a fim de dar conhecimento sobre o assunto referenciado em epigrafe, tendo sido atendido pelo irmão do sr. BM, relatando o acontecido, e que urge uma intervenção rápida e eficaz no imediato……… [parágrafo] No dia 24.agosto.2017, pelas 12,06 horas, entrei em contactado telefónico para o nº 9.......9 ( nº afixado na porta da porta da loja do salão), tendo contactado com a sra. IS, relatando o escorrer de águas na fração localizada na cave, com origem no salão, tendo a senhora retorquido que o salão se encontrava fechado que não podia ser daí a origem, devendo telefonar ao seu esposo. Informei a sra. que não tinha o nº do esposo e que o lesado estava a ser eu, devendo ser os proprietários/utilizadores a entrar em contacto comigo a fim de resolução do problema, não havendo até á data de hoje, 4.Setembro.2017, qualquer contacto. [parágrafo] Ainda no dia 24.agosto.2017, foram trocados com vários e-mails da HSN, com o seguinte teor: [parágrafo] (…) 24-08-2017 10:42 (…) Boa tarde, Sr. Arquitecto, [parágrafo] Na sequência do contato telefónico de ontem em que solicitou alguém para tratar do problema relacionado com água de esgotos na sua fração, gostaria de saber da sua disponibilidade para estar presente no local afim de verificar a situação com o técnico. Mais informamos que existe disponibilidade de nos deslocarmos ao edifício ainda no dia de hoje. Ficamos a aguardar contacto. (…) [parágrafo] No dia 24.agosto.2017, pelas 16,00 horas conforme o acordado, deslocou-se um representante da HSN, conjuntamente com um técnico, inteirando-se estes da situação ocorrida e a origem da água, concluindo-se que seriam águas limpas provenientes de torneira aberta ou rotura na canalização, originária da loja em questão, conforme podia ser verificado na planta de esgotos e uma vez que a água remanescia através das carotes/furos dos esgotos da referida loja. [parágrafo] A administração informou-me que entrou em contacto com os proprietários da loja ainda este dia, 24.agosto.2017, a fim de comunicar o acontecido, marcando uma reunião na loja com para o dia seguinte, dia 25.agosto.2017, ás 10,00 horas. [parágrafo] Dia 25.agosto.2017, ao entrar no escritório verifiquei que já não escorria água do teto, tendo sido fechada após o contacto efetuado pela HSN. Ainda neste dia e pelas 11,00 horas, subi ao r/chão e encontrei o representante da HSN e o técnico que esperavam o proprietário da loja afim de verificarem a situação, não me sendo possível aguardar, uma vez que tinha uma reunião agendada. [parágrafo] Já foi efetuado um levantamento dos danos causados, aguardando-se orçamentos das firmas consultadas. [parágrafo] Até hoje, dia 4.Setembro.2017, tenho aguardado que os srs. proprietários da loja de cabeleireiro tivessem a gentileza de se inteirarem dos prejuízos que foram causados na minha fração e uma efetivação comunicação á companhia de seguros, a fim de resolução da situação, uma vez que não posso utilizar uma divisão. [parágrafo] Neste sentido, aguardo o mais rapidamente possível um contacto para que se resolva a situação. [parágrafo] Contactar – ML Tmóvel – … (…)” [destaques da nossa autoria], documento 3 junto com a petição inicial.
22.–A missiva foi enviada para a fração BB, por correio registado a 4 de setembro de 2017, e não reclamada.
23.–A sociedade Sociedade de Construção, Lda., emitiu escrito datado de 21-11-2017, declarando “Após visita ao vosso escritório e efetuado o levantamento dos danos causados e a procura de materiais no mercado (situação que tornou mais moroso o fornecimento do orçamento) com a mesma textura, coloração e métrica, no que reporta ao pavimento e tetos falsos de gesso (…) temos a informar que houve descontinuidade no mercado dos mesmos. (…) O valor dos trabalhos a executar são de 10.130€, acrescidos do IVA (…)”, documento 10 junto com a petição inicial.
24.–A A. emitiu missiva dirigida às RR., datada de 09-11-2017, recebida após 24-11-2017, aí constando: “Assunto: Inundação no estúdio 9. (…) ultrapassado que seja o prazo máximo de 8 dias, a contar da data aposta na presente carta, lançarei mão dos meios contenciosos adequados a defender os justos interesses da minha constituinte, reclamando nessa sede todos os prejuízos sofridos, bem como lucros cessantes, provocados pela inundação de água proveniente das vossas instalações e geradores de responsabilidade civil (…)”, documento 5 junto com a petição inicial.
25.–Por escrito datado de 26-01-2018, com “Assunto: Relatório de Vistoria de Infiltração – Ocorrência de 24.08.2017”, a Administração do Condomínio comunica à A. “(…) Conforme solicitado, serve o presente para relatar o resultado da vistoria efectuada às frações BF Estúdio 9 e BB – loja … do condomínio (…) e na presença dos proprietários das frações autónomas referenciados, na sequência da solicitação do proprietário da fração BB, relatando aparecimento de uma infiltração no tecto da sua fração. [parágrafo] No local, e pelas 16 horas conforme acordado, deslocou-se um representante da HSN.pt conjuntamente com um técnico de construção civil da empresa AG, que inteirando-se da situação ocorrida, concluíram que face à localização da infiltração a par da inexistência de quaisquer problemas com os sistemas de abastecimento comuns, quer da rede de águas prediais quer da rede de esgotos comuns gerais do edifício, a infiltração em questão que se manifestava unicamente no tecto da fração BF só poderia ser proveniente de uma eventual rotura das canalizações da fração BB – loja n.º 26C (rede de esgotos ou rede predial de abastecimento de água), ou outro tipo de ocorrência pontual ao interior dessa fração, onde funciona um cabeleireiro. [parágrafo] O diagnóstico desta ocorrência resulta também da consulta da planta de esgotos e uma vez que a água que se infiltrava (…) repassava através das carotes / furos do sistema de esgotos interiores da referida loja de cabeleireiro.” [destaques da nossa autoria], documento 11 junto com a petição inicial.
26.–A A. emitiu missiva dirigida à 2.ª R., datada de 20-03-2018, recebida, aí constando: “Assunto: Inundação no estúdio 9. (…) No seguimento da minha comunicação anterior, venho pedir-lhe que faça o favor de me informar, em prazo razoável (15 dias), a contar da expedição da presente carta, da disponibilidade ou não para suportar os danos provocados no estúdio da minha constituinte, uma vez que foi identificada a sua origem, como consta do relatório, que junto para vossa melhor análise (Doc.1). [parágrafo] Ultrapassado tal prazo, sem resposta ou, no caso de não assumir a responsabilidade pelo sinistro ocorrido, lançarei mão dos meios contenciosos adequados a defender os justos interesses da minha constituinte, reclamando nessa sede todos os prejuízos sofridos, bem como lucros cessantes, provocados pela inundação de água proveniente das vossas instalações e geradores de responsabilidade civil.” [destaques da nossa autoria], documento 6 junto com a petição inicial.
27.–A 2.ª R. emitiu missiva datada de 28-11-2018, declarando comunicar a empresa de consultoria informática a suspensão dos serviços para o seu segundo salão, entre maio e setembro de 2017, em função do seu encerramento, documento 4 junto com a contestação.
28.–A 2.ª R. emitiu escritos datados de 28-11-2018, intitulados “Mapa de Apuro de Totais”, relativos aos meses de abril a setembro de 2017, declarando, designadamente, ter faturado 61 € a 15/04/2017, e nada mais até setembro, documento junto com a contestação.
29.–A 2.ª R. emitiu publicação na rede social Facebook a 22-10-2017, declarando a reabertura do salão 2 a 23-10-2017, documento 6 junto com a contestação.
30.–A Administração do Condomínio emitiu em nome da 1.ª R. recibo relativo a prestações condominiais, documento 7 junto com a contestação.
31.– A 02-11-2017, os SIMAR emitiram nota de crédito no valor de 245,04 €, a favor da 1.ª R., em função da faturação por estimativa de 95 m3, entre 01-02-2017 e 30-09-2017, documento 5 junto com a contestação.
32.–A 2.ª R. e a Companhia de Seguros… acordaram em seguro denominado “Multiriscoempresas”, documento 8 a 11 juntos com a contestação.
33.– O legal representante da Autora emitiu escrito datado de 23-08-2017, dirigido à administração do condomínio, recebido, declarando “Assunto: Rotura de esgotos da loja de cabeleireiro (por suposição) com passagem sob o teto da fração BF/ nº 26 Estúdio 9 [parágrafo] Exmo. (s) Sr.(s) [parágrafo] Venho pela presente comunicar que entrei em contacto com a HSN, hoje dia 23.agosto.2017, a fim de dar conhecimento sobre o assunto referenciado em epigrafe, tendo sido atendido pelo irmão do sr.
BM, relatando o acontecido, e que urge uma intervenção rápida e eficaz no imediato. [parágrafo] Para melhor ser dado a conhecer a gravidade da situação, envio fotografias e aguardo com a máxima urgência o desenrolar das respetivas reparações de forma a corrigir de vez o problema já relatado à sensivelmente 14 meses ao sr. BM, sem que até ao momento tenha havido qualquer interesse na abordagem do assunto pela HSN. [parágrafo] Aguardando no imediato ser contactado, objetivando o menorizar dos prejuízos que ao não serem cobertos pelo seguro, serão imputados a quem por direito venha a ser responsabilizado.”, documento 2 junto com a petição inicial.
34.– A A. emitiu missiva dirigida à 2.ª R., datada de 05-11-2017, aí constando: “Assunto: Inundação no estúdio 9. (…) ultrapassado que seja o prazo máximo de 8 dias, a contar da data aposta na presente carta, lançarei mão dos meios contenciosos adequados a defender os justos interesses da minha constituinte, reclamando nessa sede todos os prejuízos sofridos, bem como lucros cessantes, provocados pela inundação de água proveniente das vossas instalações e geradores de responsabilidade civil (…)”. documento 4 junto com a petição inicial.
35.– A fracção “BF” foi alvo de novas inundações em Outubro de 2017 e Julho de 2018.
36.– As inundações tiveram origem na fracção das rés.
37.–
 O tubo de descarga de águas, proveniente da fracção “BB” em direcção à coluna comum, passa entre o tecto falso da fracção da autora e a laje divisória das fracções.
38.– O tecto falso da fracção BF é constituído por material de gesso cartonado e ficou parcialmente danificado na sala mais reservada do estúdio conhecida como gabinete de direcção.
39.– A água que caiu infiltrou-se no chão, fazendo deslocar parte do soalho flutuante, revestido a carvalho.
40.– No atelier iria trabalhar também o Eng.º LR, que desenvolve a actividade profissional de Engenheiro Civil.
41.–Em finais de Julho de 2017, a Autora e o Eng.º LR apalavraram a cedência de uso do espaço e dos instrumentos de trabalho existentes no atelier.
42.–Era ali que o Eng.º LR receberia os seus próprios clientes e executaria os seus projectos de engenharia.
43.–
Por tal uso pagaria mensalmente à Autora a quantia de 500,00€.
44.–Tal cedência teria início em Setembro de 2017, e a duração mínima de um ano, eventualmente renovável.
45.–Por causa da inundação de agosto de 2017, não havia condições para a cedência do espaço.
46.– Com efeito, a sala destinada ao Sr. Eng.º LR foi aquela que sofreu a inundação maior e teve maiores danos.

Factos Não Provados:

b.-No dia 5 de julho o Sr. Arquiteto AS encontrava-se também no atelier da Autora, e foi imediatamente informar pessoalmente as senhoras de tal situação no Salão de Cabeleireiro, sem que as Rés tomassem qualquer iniciativa.
e.-Na deslocação à fração BB, os presentes verificaram que o abastecimento de água e de eletricidade se encontrava fechado.
f.-
O abastecimento de água e eletricidade esteve fechado entre 14-04-2017 e 23-10-2017.
g.-Durante esse período, a legal representante da 2.ª R. deslocava-se à fração BB com regularidade.
k.-
O descolamento do chão atingiu toda a área do atelier, à exceção da cozinha e das instalações sanitárias, revestidas a material cerâmico.
l.-Em função da quantidade de água absorvida, o soalho flutuante escureceu, descolaram-se lamelas, e abriram-se fendas entre as réguas de soalho, não sendo possível a recuperação.
m.-
O soalho é produto descontinuado no mercado.
n.-
A sua substituição e demais trabalhos necessários importam custo de 10.130,00€ (dez mil cento e trinta euros), acrescido de IVA à taxa legal, num valor total de 12.460,00€, documento 10 junto com a petição inicial.
***

3.3– A revogação da sentença, com reconhecimento condenação das rés no pedido.

A questão que se coloca é a de saber se há fundamento para revogar a sentença em termos de condenar as rés a indemnizarem a autora pelos danos que sofreu.
Pois bem, segundo entendemos, a situação fáctica dos autos é subsumível à previsão normativa do artº 493º nº 1 do CC que, como é sabido, impõe a obrigação de indemnizar terceiros lesados a cargo de quem tem em seu poder coisas com encargos de as vigiar estabelecendo-se uma presunção de culpa sobre estes.

Na verdade, determina o artigo 493º nº 1:

“Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar…responde pelos danos que a coisa…causar”.
Pois bem, estabelece-se no preceito uma cláusula geral de responsabilidade dos vigilantes pelos danos provocados por quaisquer coisas sob a sua guarda, independentemente da respectiva perigosidade.
Esta responsabilização pode ser explicada segundo a teoria das esferas de responsabilidade: quem está ou participa no tráfego mediante o controlo de determinados meios, ainda que não perigosos, assume a correspondente competência funcional de providenciar as necessárias medidas de segurança para evitar que desses elementos materiais sobre o seu domínio resultem lesões danosas para terceiros, encontrando-se em situação especialmente favorável, pela sua actuação de facto em relação à coisa, para demonstrar que o prejuízo não resultou da falta ou insuficiência dessas providências (Cf. Rui Mascarenhas de Ataíde, Responsabilidade Civil por Violação de Deveres no Tráfego, Colecção Teses, Almedina, 2019, pág. 357).
Portanto, na alçada do artº 493º nº 1 podem cair, por mais inócuo que em abstracto se revele o seu potencial danoso, todas as coisas que fazem parte do tráfego e que estejam em poder de um sujeito que as deva vigiar.
Em face da presunção de culpa que sobre ele recai, a pessoa onerada com o dever de vigilância pode exonerar-se da sua responsabilidade comprovando que cumpriu os respectivos deveres de custódia ou que o dano se produziria ainda que os tivesse cumprido.
Estão abrangidas as coisas que, podendo ser objecto de custódia, sejam susceptíveis de causar danos, só estando incluídas as coisas corpóreas que tenham existência física, que ocupando um certo espaço possam, por via das mais diversas forças, incluindo a gravidade, adquirir dinamismo próprio susceptível de ofender interesses juridicamente tutelados. (Cf. Rui Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade Civil…cit., pág. 362).
O cerne da imputação radica não nas qualidades naturais da coisa mas na inobservância da vigilância necessária a evitar os danos.
presunção de culpa não se baseia na própria coisa mas na situação do homem relativamente a ela; em qualquer caso, está-se sempre em face de um dano que a coisa não teria causado sem um comportamento indivíduo do seu guarda (Vaz Serra, Responsabilidade civil pelos danos causados por coisas ou actividades, BMJ 85, pág. 368).
Ora a jurisprudência do STJ tem aplicado o artigo 493º nº1 do CC a situações de infiltração de águas entre imóveis. Assim, o acórdão do STJ, de 27/04/1999 (Lemos Triunfante) decidiu que o dono de uma fracção responde pelos danos causados em fracção situada no piso inferior, em consequência de inundação, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos seriam igualmente produzidos (Cf. ainda ac. do STJ de 31/01/2002, Moitinho de Almeida).
Igualmente importante é o acórdão do STJ, de 14/09/2010 (Salazar Casanova) que determinou que se o autor provar que as águas que inundaram e danificaram o seu apartamento provieram do interior do apartamento dos réus, mostra-se preenchido o ónus de prova (artº 342º do CC) não lhe cumprindo provar ainda a razão (sub-causa) da inundação (uma eventual ruptura da canalização, uma torneira deixada a correr por mera incúria ou distracção, etc.).

Por outro lado e no que toca à delimitação do âmbito subjectivo da aplicação da norma.
O artigo determina que o responsável pelos danos causados por coisas é a pessoa que as tem em seu poder com o dever de as vigiar.
Pois bem, como refere Rui Mascarenhas Ataíde (Responsabilidade Civil…, cit., pág. 387), “Apesar da sua aparente simplicidade, a formulação encerra razoável teor de complexidade sobre o exacto alcance do âmbito de vinculação”.
Ora, o critério de identificação das pessoas vinculadas centra-se no puro controlo da coisa e, requer o corpus possessório: só os sujeitos que dispõem do controlo material da coisa reúnem as condições para cumprir aquele dever de vigilância.
Mas, nem sempre o detentor com dever de vigilância responderá forçosamente por todos e quaisquer danos causados pela coisa, sendo necessário avaliar a conformidade entre a origem dos prejuízos e o preciso conteúdo do dever de vigilância de forma a aferir se este último abrangia ou não a prevenção daqueles danos (Rui Ataíde de Mascarenhas, Responsabilidade Civil…, cit., pág. 393).
Ora, a normal dinâmica jurídica põe, frequentemente, a cargo de vários sujeitos, diferentes posições de controlo sobre a coisa, obrigando, por consequência, porque não pode ser o facto de o sinistro acontecer nas mãos de uma pessoa em cujo poder a coisa se encontra, que a torna necessariamente responsável pelos danos ou por todos os danos (A e ob. cit., pág. 394).
Pois bem, no caso dos autos, apurou-se que a 1ª ré (empresa funerária) é a locatária financeira da fracção e, que 2ª ré ali exerce a sua actividade de exploração de salão de cabeleireiro.
Ignora-se a que título é que a 2ª ré utiliza a fracção, se comodato, se arrendamento ou se ao abrigo de qualquer outro negócio.
Igualmente se ignora se as rés distribuíram/repartiram, entre elas, o dever de vigilância da fracção ou das suas partes integrantes.
Ora, quando assim sucede, a presunção de culpa do artº 493º nº 1 do CC impende sobre todos os que, no interesse próprio ou alheio, com fins lucrativos ou não lucrativos, têm o dever de vigiar a coisa imóvel que esteja, quer de forma duradoura quer de forma temporária, na sua esfera de poder de actuação e que pela sua natureza, estrutura ou utilização são susceptíveis de causar danos (Cf. Brandão Proença, Balizas perigosas e responsabilidade civil, Cadernos de Direito Privado, nº 17, Jan./Mar. 2007, pág. 36, apud Rui Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade Civil…cit., pág. 396, nota 815).
Por outro lado, conforme decorre do artº 497º nº 1 do CC, sendo várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.
Pois bem, dito isto, aplicando estas considerações ao caso dos autos, conclui-se que as rés respondem pelos danos sofridos pela autora, causados pela água que caiu da sua fracção.
Na verdade, o autor provou que a água teve origem na fracção das rés e que sofreu danos por decorrência dessa queda de água. Ou seja à autora cumpriu o ónus de provar os factos que sobre ela impendiam: os danos causados por água proveniente da fracção das rés.
Por sua vez as rés não afastaram a culpa que sobre elas incidia.
Além disso, a responsabilidade pela reparação dos danos cabe a ambas as rés porque, como vimos, tem de entender-se que ambas têm o poder de vigiar o bom funcionamento da rede de escoamento de águas da fracção.
Portanto, as rés respondem pelos danos sofridos pela autora em consequência das infiltrações.

Cumpre agora determinar os danos indemnizáveis.

Ora bem, atendendo às regras dos artºs 562º, 563º e 564º nº 2 do CC, a indemnização corresponde ao dever de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, incidindo sobre os danos que o lesado provavelmente não sofreria se não fosse a lesão, incluindo os danos futuros.
No caso, em consequência da inundação de 23 de Agosto de 2017, a autora viu abortado o contrato de cedência de espaço ao engenheiro LR que iria remunerar essa utilização de espaço em 500€/mês, com início em Setembro e pelo menos com a duração de um ano. Perante estes factos, resta concluir que a autora deixou de receber 6 000€ em consequência da inundação. Por conseguinte, as rés têm de indemnizar a autora nesse valor.
Por outro lado, apurou-se que o tecto falso da fracção da autora, que é constituído por material de gesso cartonado, ficou parcialmente danificado na sala mais reservada do estúdio conhecida como gabinete de direcção; e que a água que caiu infiltrou-se no chão, fazendo deslocar parte do soalho flutuante, revestido a carvalho.
Não se apurou o custo/valor necessário à reparação desses danos. Ou seja, apurou-se que há danos, mas desconhece-se o seu valor/montante.
Quando assim sucede, deve o tribunal condenar no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação na parte que já seja líquida (art.º 609º nº 2 do CPC e 565º do CC).

Do que se expôs sintetiza-se que as rés estão obrigadas, solidariamente, a indemnizarem a autora pela quantia já liquidada de 6.000€, bem como a indemnizar a autora pelo valor necessário à reparação da parte do tecto falso e do chão que ficou danificado em consequência das inundações de 23/08/2017, Outubro de 2017 e Julho de 2018, a apurar em liquidação posterior.
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III-DECISÃO.


Em face do exposto, acordam na 6.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar procedente o recurso e, revogando a sentença recorrida, condenam solidariamente as rés a:
a)-
Indemnizarem a autora pela quantia de 6.000€, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legar, contados desde a citação;
b)-
Indemnizarem a autora em quantia a liquidar, correspondente ao valor necessário à reparação da parte do tecto falso e da parte do chão que ficaram danificados em consequência das inundações de 23/08/2017, Outubro de 2017 e Julho de 2018.

Custas: pelas rés.

Lisboa, 14/07/2020.
Adeodato Brotas
Octávia Viegas
Maria de Deus Correia.