ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA
FIXAÇÃO DO VALOR DA CAUSA
INCORPORAÇÃO
Sumário

1.- A separação de pessoas e bens produz os efeitos que produziria a dissolução do casamento, pelo que, com ela, como que deixa de haver um regime de bens do casamento.
2.- A posterior reconciliação do casal separado de pessoas e bens tem como efeito, quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges, a reposição do regime de bens que vigorava antes da separação.
3.- Esta reposição do regime de bens original não tem efeitos retroativos, como se não tivesse havido separação, mas sim efeitos para futuro, representando a reconciliação um recomeço, ou um “fresh start”, quanto ao regime de bens. 
4.- A partilha feita por casal separado de pessoas e bens não é, consequentemente, afetada pela posterior reconciliação do casal, mantendo-se como bens próprios dos cônjuges, após a reconciliação, aqueles que, na partilha, lhes haviam sido adjudicados.
5.- O lote de terreno que, nesses termos, fora adjudicado a um dos cônjuges, deve, por conseguinte, ser considerado alheio ao outro cônjuge, podendo este vir a adquiri-lo por acessão.
6.- A modalidade de acessão industrial imobiliária prevista no art.º 1340.º, n.º 1 do CC pressupõe a inexistência de uma relação ou vínculo jurídico entre o autor da obra e a coisa beneficiada.
7.- Tal não exclui que o possuidor da coisa a adquira por acessão, quando, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, a atuação deste e a incorporação realizada se revistam das características e preencham os requisitos da acessão.
8.- A obra relevante para efeitos de aquisição por acessão industrial imobiliária é aquela que, uma vez incorporada no prédio alheio, gera, na unidade daí resultante, algo de novo e que materialize uma alteração da substância da coisa beneficiada.
9.- A aquisição por acessão constitui um direito potestativo, cujo exercício está dependente da vontade do seu titular, mas efetiva-se com o pagamento do valor devido ao dono do imóvel que se vê privado dela, retroagindo os seus efeitos, contudo, à data da incorporação.
10.- O valor devido pelo autor da incorporação é o valor do terreno à data da incorporação e essa obrigação constitui uma dívida de valor, cujo montante deve ser atualizado até ao momento do seu efetivo pagamento, em função do índice de preços do consumidor.
11.- Para garantir o pagamento e, consequentemente, a aquisição da propriedade pelo autor da incorporação, deve o tribunal, na decisão que reconheça o direito, ordenar que, em prazo adequado, aquele consigne em depósito o valor devido, sob pena de caducidade do direito reconhecido.

Texto Integral

.- Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados,

I.- Relatório
RA instaurou a presente ação declarativa constitutiva, sob a forma de processo comum, contra PA e AV; RRA e MB; e FA e JT, pedindo que, pela sua procedência:
a)Seja reconhecido e declarado que o Autor adquiriu a MA, por acessão industrial imobiliária, o prédio urbano composto de lote de terreno para construção de moradia unifamiliar, sito no Casal da Carregueira, lote …, Belas, freguesia de Belas, concelho de Sintra, descrito na CRP de Queluz sob a ficha …, da freguesia de Belas, onde se encontra registada a aquisição a seu favor pela cota G - 6, encontrando-se a emissão do alvará de loteamento registada pela cota F - 9, o qual estava inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo ….º;
b) Ser reconhecido e declarado que o Autor é o dono, por tê-la construído, de uma moradia composta por edifício com dois pisos e logradouro, com a área coberta de 296m2 e descoberta de 1676,50m2, incorporada no lote de terreno para construção identificado na alínea anterior, hoje inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Queluz e Belas sob o art.º …;
c) Ser, consequentemente, reconhecido e declarado que o Autor é dono do prédio urbano, sito em Casal da Carregueira, lote …, composto por edifício com dois pisos e logradouro, com a área coberta de 296 m2 e descoberta de 1676,50m2, descrito na CRP de Queluz sob o n.º …, da freguesia de Belas e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Queluz e Belas sob o artigo ….º, proveniente do anterior artigo ….º da freguesia de Belas;
d) Ser declarado, para todos os efeitos legais e registrais, que a aquisição do lote de terreno para construção é o momento da incorporação da moradia no terreno, que ocorreu em 30 de novembro de 2009;
e) Ser fixado o valor do terreno, no momento da incorporação da moradia, no montante de €120.709,09, o qual, atualizado à data da propositura da ação, é de €136.402,27;
f) Consequentemente, ser fixado o valor de €22.733,55, a título de indemnização pela aquisição por acessão do terreno para construção, a pagar pelo Autor a cada um dos Réus, filhos de MA, no prazo de 30 dias.
Para tanto, e em síntese, alegou o seguinte.
No dia 2 de setembro de 1967 casou, no regime da comunhão de adquiridos, com MA.
Por sentença de 15 de janeiro de 2004, transitada em julgado em 29 de janeiro de 2004, proferida pelo Tribunal de Família e Menores de Lisboa, foi decretada a separação judicial de pessoas e bens de ambos.
Por decisão de 27 de junho de 2011, tornada definitiva no mesmo dia, da Conservatória do Registo Civil de Lisboa, foi homologada a reconciliação do casal.
No dia 20 de dezembro de 2015, verificou-se o óbito de MA.
No dia 10 de agosto de 2004, ou seja, durante o período da separação judicial de pessoas e bens do casal, foi outorgada, em cartório notarial, escritura pública de partilha dos bens adquiridos por ambos, a título oneroso, na constância do casamento.
Por via da partilha, foi adjudicado a MA o imóvel relacionado sob a verba n.º 7, composto de lote de terreno para construção de moradia unifamiliar, situo no Casal da Carregueira, lote …, Belas, freguesia de Belas, concelho de Sintra, descrito na CRP de Queluz sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ….
Por óbito desta, sucederam-lhe, como herdeiros legitimários: ele Autor e os filhos de ambos, aqui Réus, PA, RRA e FA; o Autor também foi instituído herdeiro testamentário, sendo-lhe deixada a quota disponível dos bens.
A falecida MA, logo após a partilha, autorizou o Autor, na presença deste e dos filhos, a construir no referido lote de terreno uma moradia unifamiliar, o que o mesmo veio a fazer, diligenciando pela obtenção das licenças necessárias e suportando todos os encargos com a construção, com a qual despendeu a quantia pecuniária de €673.964,00.
O valor de aquisição do terreno, em 2000, altura em que ainda era casado com a falecida MA, fora o de €241.418,18, sendo que, na data da conclusão da construção da moradia, em novembro de 2009, tinha como valor justo o equivalente a metade daquele, isto é, €120.709,09.
O valor da moradia, por seu turno, aquando da conclusão da sua construção, ascendia a €700.000,00, sendo hoje de, pelo menos, um milhão de euros.
Assim, considerando-se que a moradia está ligada ao solo com caráter de permanência; que o valor do prédio resultante da incorporação é superior ao do terreno; que diligenciou por essa incorporação autorizado pela proprietária do terreno e, portanto, de boa fé; e que a incorporação incidiu sobre terreno alheio, estão verificados todos os requisitos para a aquisição do prédio a seu favor por acessão industrial imobiliária.
Isto, reconhecendo a sua obrigação de pagar aos herdeiros da falecida MA o valor do terreno adquirido, valor esse que será o acima referido, mas devidamente atualizado em função do índice de desvalorização da moeda de 1,13, o que resulta num valor de €136.401,27.
Tal valor, considerando que ele Autor também é herdeiro, legitimário e testamentário, da falecida proprietária do terreno, deverá ser repartido por cada um dos três Réus, na proporção de 1/6, isto é, €22.733,55, por cada um.
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Válida e regularmente citados, os Réus não apresentaram contestação.
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Cumprido o disposto no art.º 567.º, n.º 2 do CPC, o Autor apresentou as suas alegações, reiterando a sua posição exposta na petição inicial e concluindo tal como fizera neste articulado.
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Foi proferida sentença, na qual, além de fixado o valor da causa em consonância com o indicado na petição inicial, julgou a ação improcedente e absolveu os Réus dos pedidos contra eles formulados.
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Inconformado com esta decisão, veio o Autor interpor recurso, formulando as suas seguintes conclusões, que aqui são transcritas:
“1. O Autor RA vem, por via do presente recurso de apelação, impugnar a douta Sentença, que julgou integralmente improcedente a acção por si deduzida contra PA e AA; RRA e MB; e FA e JT, no âmbito da qual formulou os seguintes pedidos:
a) Ser reconhecido e declarado que o Autor, RA, adquiriu a MA, por acessão industrial imobiliária, o prédio urbano composto de lote de terreno para construção de moradia unifamiliar, sito no Casal da Carregueira, lote …, Belas, freguesia de Belas, concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob a ficha … da freguesia de Belas, onde se encontra registada a aquisição a seu favor pela cota G – seis, encontrando-se a emissão do alvará de loteamento registada pela cota F – nove, o qual estava inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo …;
b) Ser reconhecido e declarado que o Autor, RA, é o dono, por a ter construído, de uma moradia composta por edifício com dois pisos e logradouro, com a área coberta de 296 m2 e descoberta de 1676,50 m2, incorporada no lote de terreno para construção identificado na alínea anterior, hoje inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Queluz e Belas sob o artigo …;
c) Ser, consequentemente, reconhecido e declarado que o Autor, RA, é dono do prédio urbano, sito em Casal da Carregueira, lote …, composto por edifício com dois pisos e logradouro, com a área coberta de 296 m2 e descoberta de 1676,50 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o número … da freguesia de Belas e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Queluz e Belas sob o artigo …, proveniente do anterior artigo … da freguesia de Belas (Extinta);
d) Ser declarado, para todos os efeitos legais e registrais, que a aquisição do lote de terreno para construção é o momento da incorporação da moradia no terreno, que ocorreu em 30 de Novembro de 2009;
e) Ser fixado o valor do terreno, no momento da incorporação da moradia, no montante de EUR 120.709,09, que, actualizado à presente data, é de EUR 136.402,27;
f) Consequentemente, ser fixado o valor de EUR 22.733,55, a título de indemnização pela aquisição por acessão do terreno para construção, a pagar pelo autor a cada um dos réus filhos de MA, no prazo de 30 dias;
g) Serem os réus condenados nos precisos termos do pedido da presente acção.
2. Para tanto, alegou, em síntese:
(i.) Ter casado em primeiras núpcias de ambos com MA, sob o regime de comunhão de adquiridos, tendo por sentença transitada em julgado em 29 de Janeiro de 2004 sido decretada a separação judicial de pessoas e bens entre si e a sua cônjuge;
(ii.) No dia 10 de Agosto de 2004 foi outorgada a escritura de partilha dos bens comuns do casal, adquiridos a título oneroso durante a constância do casamento, tendo sido adjudicado a MA, entre outros, o lote de terreno para construção que se identifica supra;
(iii.) Nesse lote de terreno, bem próprio da sua cônjuge em resultado da mencionada partilha de bens comuns, e mediante autorização e consentimento desta, construiu uma moradia unifamiliar, passando a ter a posse do terreno e nele tendo edificado a moradia por sua própria conta e no seu próprio interesse;
(iv.) A construção da moradia tem carácter de permanência e está unida ao solo de modo a que não é fácil nem imediatamente removível, resultando de uma ligação material definitiva e permanente entre a construção e o terreno, de tal forma que o terreno perdeu a sua individualidade física e jurídica, como terreno para construção;
(v.) À data da conclusão da construção da moradia, em finais de Novembro de 2009, o Autor encontrava-se separado judicialmente de pessoas e bens da falecida MA;
(vi.) Por sentença de 27 de junho de 2011, transitada nesse mesmo dia, foi homologada a reconciliação entre os cônjuges;
(vii.) A construção da moradia ocorreu, assim, durante o período da separação judicial de pessoas e bens do Autor e da falecida MA, e sobre um bem próprio desta, pelo que a moradia construída, sobre o terreno desta, é um bem próprio do Autor, por acessão imobiliária industrial.
3. O tribunal a quo, julgando improcedente a acção, na douta sentença recorrida veio o M.º Juiz entender que “... por efeitos da reconciliação homologada entre o A. e MA, foi restaurado, com efeitos retroativos, o regime de bens que vigorava no seu casamento. Por força da reconciliação e dos efeitos jurídicos que entendemos a mesma implica, tudo se passou no domínio das relações patrimoniais entre o A. e MA como se a separação judicial de pessoas e bens não tivesse ocorrido, não produzindo a partilha outorgada efeitos entre ambos. A salvaguarda dos efeitos da reconciliação é feita pela Lei apenas para proteção dos terceiros e não já dos próprios cônjuges, tal como resulta da remissão do artigo 1795º-C nº 4 para os artigos 1669º e 1670º todos do Código Civil.
Restaurado o regime de bens com efeitos retroativos à data da separação judicial de pessoas e bens e perdendo a partilha os seus efeitos entre os cônjuges, no caso entre o A. e MA, teremos necessariamente que concluir que, ao contrário do entendimento do A., o prédio urbano cuja aquisição pretende ver declarada, não era um bem próprio de MA, mas sim um bem comum do casal constituído pelo A. e por esta.
Não tendo o prédio urbano saído da esfera jurídica dos cônjuges, A. e MA, no período de tempo em que perdurou a separação judicial de pessoas e bens e tendo terminado a mesma pela reconciliação, o princípio da imutabilidade do regime legal de bens, implica que o bem retome a natureza que tinha à data da sua aquisição e que teria se tivesse sido adquirido após a reconciliação.
Na realidade, este bem foi adquirido na constância do casamento entre o A. e MA e nunca saiu da esfera jurídica destes, permitir que o mesmo bem perdesse a sua natureza de bem comum e passasse a bem próprio, não sendo dissolvido o vínculo conjugal e cessando a separação pela reconciliação, levaria a que por esta via, os cônjuges conseguissem defraudar o princípio ainda vigente na nossa lei civil de imutabilidade do regime de bens.
Por força da reconciliação, a obra não foi edificada pelo A. num prédio alheio, a saber num prédio que era bem próprio do seu cônjuge, mas sim num prédio urbano que constitua um bem comum do casal e que assim se manteve até à dissolução do vínculo conjugal por óbito do cônjuge MA.”
4. É sobre este entendimento do Tribunal a quo que o Apelante discorda e recorre para o Venerando Tribunal da Relação, porque entende que o M.º Juiz fez uma errada interpretação e aplicação do direito, como se demostra no desenvolvimento destas alegações acima explanado.
5. Nos presentes autos, não está em causa determinar qual o regime de bens que vigorará entre os cônjuges separados judicialmente de pessoas e bens após a reconciliação, mas sim os efeitos da separação judicial de pessoas e bens sobre os bens comuns do casal e respectiva partilha com adjudicação daqueles à cônjuge mulher.
6. O Tribunal a quo começou por invocar que o caso em juízo integra uma das excepções ao princípio da imutabilidade do regime de bens do casamento (cfr. 1714.º do C.Civil.), a prevista no 1715.º, al. c), que admite expressamente a alteração ao regime de bens na hipótese de se haver a separação judicial de pessoas e bens. Mas, ao arrepio do melhor entendimento, considerou “que a lei não define quais as consequências patrimoniais da reconciliação”, o que, no entender do Apelante, não pode proceder.
7. Resulta evidente, que o próprio 1715.º, com a epígrafe “Exceções ao princípio da imutabilidade”, verte a possibilidade de ocorrer uma alteração ao regime de bens do casamento por força da separação de pessoas e bens, pelo que importava que outras normas tivessem sido chamadas à colação e interpretadas de forma conjugada com o 1715.º.
8. Neste sentido, impunha-se a necessidade de harmonização de preceitos vários, convocando-se uma interpretação teleológica, ao abrigo do 9.º/1, do C.C., por forma a atender-se ao fim ou objetivo que o 1715.º visa realizar e qual a sua pertinente razão de ser.
9. Na douta sentença recorrida, o M.º Juiz a quo considerou que a reconciliação dos cônjuges tem efeitos retroactivos à data da separação judicial de pessoas e bens e perdendo a partilha os seus efeitos entre os cônjuges, voltando os bens partilhados a integrar a comunhão de bens do casal.
10. Ao invés, o Autor, aqui apelante, entende que a separação judicial de pessoas e bens produz, quanto aos bens, os mesmos efeitos do divórcio (1795.º-A do C.C.), cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges (1688.º e 1689.º do C.C.), podendo os cônjuges permanecer na comunhão ou efectuar a partilha de bens se o regime de bens for o da comunhão (geral ou adquiridos); mas, uma vez efectuada a partilha dos bens comuns, como o caso da presente acção, pela qual os bens comuns foram adjudicados ao cônjuge mulher, aqueles bens passam a ser bens próprios do cônjuge.
11. Uma vez concretizada a reconciliação, esta produz efeitos após a respectiva data de homologação ou do respectivo registo, não tendo quaisquer efeitos retroactivos e não envolvendo a anulação da partilha. Os bens partilhados continuam bens próprios do cônjuge a quem foram adjudicados; e os bens adquiridos após a reconciliação seguirão o regime de bens que melhor se entender aplicável: o do regime de bens inicial do casamento (comunhão de adquiridos); ou o da separação.
12. É irrelevante, pois, para o caso dos presentes autos, apurar qual o regime de bens que vigorará após a reconciliação, porquanto a edificação da moradia, pelo Apelante, no terreno que se identifica na petição inicial ocorreu durante a separação judicial de pessoas e bens, após a partilha dos bens comuns e antes da reconciliação.
13. A douta sentença recorrida, para a boa decisão da causa, deu como provados os factos, que não se impugnam por via do presente recurso, descritos supra nestas alegações, os quais aqui se dão aqui por reproduzidos, por mera economia.
14. Não há factos não provados.
15. A douta sentença recorrida identifica correctamente as duas questões essenciais a decidir:
(i.) A natureza de prédio alheio ao A. do prédio urbano sub judice;
(ii.) A aquisição pelo A. do direito de propriedade do imóvel sub judice por acessão industrial imobiliária.
16. O Apelante discorda e critica a posição adoptada pelo Tribunal a quo na douta sentença recorrida que pretende ver revogada pela procedência deste recurso, porquanto entende que o prédio (lote de terreno) sobre o qual edificou a moradia era um bem próprio da falecida MA, em virtude da partilha dos bens comuns do casal, efectuada após a separação judicial de pessoas e bens, questão esta essencial como requisito primário de aquisição do direito de propriedade do imóvel dos autos (moradia) por acessão imobiliária industrial.
17. No que concerne à natureza de prédio alheio ao Autor do prédio urbano sub judice (terreno para construção), importará analisar, sucessivamente, as seguintes questões jurídicas:
a. O princípio da imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens:
b. As excepções ao princípio da imutabilidade;
c. A da separação judicial de pessoas e bens;
d. Os efeitos da partilha;
e. O regime de bens vigente após a partilha;
f. O regime da separação de bens;
g. Os efeitos da reconciliação.
18. A primeira questão de direito que nos assiste debruçar é atinente ao âmbito de interpretação e aplicação do princípio da imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens depois do casamento, previsto no 1714.º, CC, em razão de o referido princípio ser invocado pelo M.º Juiz, em sede de fundamentação da sentença.
19. Na douta sentença recorrida, com fundamento expresso na inadmissibilidade de violação do princípio da imutabilidade, considerou o M. º Juiz:
a) Que da reconciliação dos cônjuges (cfr. 1795.º-C), após a separação judicial de pessoas e bens, não pode verificar-se um “fresh start” relativamente ao regime de bens do casamento, em virtude de ser esta figura “incompatível com o princípio da imutabilidade do regime de bens vigente no nosso ordenamento”. Pelo que a “reconciliação implica o regresso ao regime de bens que vigorava antes da separação de pessoas e bens, com efeitos retroativos, salvaguardados os direitos de terceiros”;
b) Há que realizar-se uma “interpretação restritiva da exceção ao princípio da imutabilidade consagrada no 1715.º, al. c)”, aplicável à separação judicial de pessoas e bens, no sentido de apenas ser admissível a alteração do regime de bens que esta norma estipula quando o desfecho seja a dissolução do casamento, e não na hipótese de reconciliação dos cônjuges.
20. Em matéria de fontes do direito, que serviram à formulação da decisão de mérito, expressa o M. º Juiz:
a) Quanto à “exceção prevista no artigo 1715.º c), não define a Lei as consequências patrimoniais da reconciliação”;
b) “Em face da omissão da Lei quanto a efeitos patrimoniais específicos da reconciliação dos cônjuges, entendemos que a interpretação mais conforme à letra e ao espírito da Lei [é a posição doutrinária perfilhada por Pereira Coelho, Antunes Varela e Rita Lobo Xavier]”, quanto à “reconciliação implicar o regresso ao regime de bens que vigorava antes da separação de pessoas e bens, com efeitos retroativos [...]”;
c) A mesma doutrina é a seguida pelo “Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 9 de março de 1995, prolatado Processo n.º 9431156, Relator Desembargador Sousa Leite”.
21. O Apelante discorda da tese vertida na sentença recorrida, que atribui um sentido amplo ao princípio da imutabilidade do 1714.º, uma vez que não representa, à luz dos dias de hoje, a solução mais adequada, nem se reveste de posição doutrinária dominante.
22. De facto, constatamos que é essa a doutrina defendida por ANTUNES VARELA, como alude o M. º Juiz a quo, mas não corresponde, no nosso modesto entendimento, à tese preconizada por FRANCISCO PEREIRA COELHO, pelo menos no que se reporta ao último escrito que conhecemos, reportado a 2015.
23. Na defesa da orientação tradicional da imutabilidade do regime de bens do casamento, invoca ANTUNES VARELA três ordens de razões: (i.) a necessidade de se prevenir o risco sério de um dos cônjuges se prevalecer do ascendente psicológico adquirido perante o outro, para obter alterações favoráveis aos seus interesses; (ii.) a possibilidade de advir prejuízo para os credores dos cônjuges, que confiaram nas garantias do seu crédito; e (iii.) o facto de as convenções antenupciais poderem visar verdadeiros pactos das famílias dos nubentes que, na opinião de ANTUNES VARELA, o direito não deve descurar.
24. Porém, a doutrina atual desconsidera, por motivos óbvios, o argumento expresso supra, em (iii.), pela sua residual manifestação, mas refuta também a validade e atendibilidade dos dois primeiros.
25. O Ilustre Professor CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL, num estudo recente, analisa e afasta, justamente, o que denomina de preconceitos e dilemas passadistas, que o Direito de Família português não ousa, inegavelmente, ultrapassar de uma forma radical. Nele, PAMPLONA CORTE-REAL critica veementemente “a doutrina que vê o Direito de Família como um conjunto de normas cogentes ou imperativas, de índole publicista” e afirma a sua visão assente na “valorização de uma autonomia pessoal, intimista e geradora de uma convivencialidade perfeitamente recortada pelos sujeitos que a partilham, sendo que nenhum ramo de direito poderá ser mais livre e íntimo que o Direito de Família, cabendo ao Estado, quando muito, a proteção da intimidade da vida familiar. Não será admissível que a vivência familiar possa ser imposta e não fruída”.
26. Na senda de PAMPLONA CORTE-REAL, não pode a hermenêutica jurídica manter-se alheia às prementes modificações ao conceito de Família e regulação do Direito de Família, modificações essas exigidas e ditadas pela sociedade dos tempos modernos, nomeadamente, por força da laicização do casamento, da alteração profunda do estatuto da mulher casada, da eliminação da culpa na consecução do divórcio-sanção e da adesão ao pressuposto que o divórcio não deve constituir meio para adquirir bens (cfr. Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro), do crescendo da opção da união de facto (aprovada pela Lei n.º 7/2001, de 11 de maio), da proliferação das famílias reconstruídas, da densificação do regime da procriação medicamente assistida (cfr. expresso na Lei n.º 6/2006, de 26 de julho), da possibilidade legal de renúncia recíproca dos cônjuges à condição de herdeiro legitimário (instituída pela Lei n.º 48/2018, de 14 de agosto) ou da admissibilidade do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo (introduzida pela Lei n.º 9/2010, de 31 de maio).
27. Importa ter presente que ANTUNES VARELA, numa posição claramente antagonista à de PAMPLONA CORTE-REAL, alega que “no campo das relações familiares, é a lei que fixa, em termos imperativos, a disciplina dos pontos fulcrais da organização familiar [...], pois visam “matérias de interesse e ordem pública cuja regulamentação não pode ser entregue à livre iniciativa dos particulares”. E acrescenta, que “a relação matrimonial tende a ser perpétua”, na medida em que “os nubentes casam para toda a vida, não casam a prazo”. Também no seu Código Civil Anotado, ANTUNES VARELA qualifica o cônjuge mulher como “pessoa francamente exposta ao perigo da extorsão do marido” e dotada de “menor personalidade” ou de vontade toldada pelo afeto que o casamento “cria ou consolida”.
28. Estes argumentos não podem hoje passar incólumes a nenhum jurista.
29. No que respeita às causas justificativas do princípio da imutabilidade do regime de bens valoradas por ANTUNES VARELA e pela doutrina que pugna por um entendimento amplo da imutabilidade, consideramos que há que convocar-se necessariamente uma interpretação atualista, nos termos da qual não haverá como sustentar os argumentos tradicionalmente defendidos, por já não comportarem o vigor que o legislador lhes reconheceu em 1966.
30. Neste sentido, diz RAMOS DE PAIVA que a necessidade de proteção da mulher relativamente ao ascendente do marido verte uma desigualdade que não se compadece com as ideias igualitaristas dos dias de hoje, nem com o princípio da igualdade entre cônjuges legalmente estatuído (cfr. 1671.º, CC, e 36.º/3, CRP).
31. No mesmo sentido, admite RITA LOBO XAVIER, que a Lei do Divórcio veio contribuir para formar a ideia de que o casamento consiste de um “acordo sentimental, despojado de interesses patrimoniais”, assente num “movimento de despatrimonialização do casamento” que, em última ratio, operará no equilíbrio dos patrimónios dos cônjuges mediante os efeitos conjugados da partilha (cfr. 1790.º e ss.) e da exigibilidade da compensação de créditos (cfr. 1676.º/2 e 3).
32. Quanto à imutabilidade do regime de bens preconizada sob o argumento da protecção dos credores dos cônjuges, constitui nosso entendimento que bastarão as exigências de publicidade das modificações que os cônjuges realizarem à convenção antenupcial ou ao regime de bens do casamento para que a posição dos credores se vise acautelada, sem a exigência de “expedientes proibicionistas” e do sacrifício que é imposto ao cônjuges de permanecerem eternamente vinculados aos termos outorgados previamente à celebração do casamento.
33. Esta posição é, igualmente, defendida por ADRIANO RAMOS DE PAIVA, op. cit. , p. 383; por JOÃO ESPÍRITO SANTO, “A imutabilidade do regime de bens”, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, Vol. I – Direito da Família e das Sucessões , Coimbra, Coimbra Editora, 2004, p. 474; e por FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA, Direito da Família (5.ª ed.), Vol. I, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2015, p. 584.
34. DIOGO LEITE DE CAMPOS e MÓNICA MARTINEZ DE CAMPOS, no mesmo sentido, lato sensu, admite que a proteção de terceiros se poderá obter facilmente se a lei estipular que as alterações à convenção antenupcial ou ao regime de bens não podem prejudicar terceiros, in Lições de Direito da Família (5.ª ed.), Coimbra, Almedina, 2020, p. 251.
35. O Apelante considera, assim, que a sentença recorrida, tendo subscrito a doutrina da ANTUNES VARELA, que consubstancia a tese mais ampla do princípio da imutabilidade, reveste-se de uma posição doutrinária cujos pressupostos não podem valer à luz da interpretação jurídica atualista que se exige para o Direito de Família.
36. De facto, e como ressalva CRISTINA ARAÚJO DIAS, a exigência do princípio da imutabilidade, no seu sentido amplo, não se coaduna com as necessidades pessoais dos cônjuges, limitando excessivamente a sua autonomia e propiciando a realização de negócios simulados, por constituir um princípio demasiado rígido e por assentar em razões que estão hoje ultrapassadas.
37. O Apelante considera, ao invés – e conforme posição corroborada por PEREIRA COELHO – que deve ser equacionada e levada em conta uma interpretação restritiva do princípio in casu, que abrange a proibição dos negócios jurídicos contemplados no 1714.º/2, i.e., os contratos de compra e venda e de sociedade convencionados entre os cônjuges, o que implica que todos os restantes negócios jurídicos que não estejam expressamente proibidos possam ser livremente celebrados entre os cônjuges, ao abrigo do princípio da autonomia privada.
38. Deste modo, e em razão do entendimento a que o Apelante adere e vem expondo, concluímos que o M.º Juiz a quo realizou uma errónea interpretação da doutrina proposta por PEREIRA COELHO, que corresponde, sim, à doutrina que defendemos.
39. No que se refere às excepções ao princípio da imutabilidade, a lei civil não lhe atribui um valor absoluto.
40. É o próprio Código Civil que, no artigo 1715.º, com a epígrafe “Exceções ao princípio da imutabilidade”, confere a possibilidade de se dar uma alteração ao regime de bens do casamento, havendo-se alguma das exceções taxativas previstas no 1715.º/1.
41. Para o caso dos presentes autos, releva a alínea c) do 1715.º/1, que prevê a modificação do regime de bens fruto da separação judicial de pessoas e bens, cuja admissibilidade, aliás, já se verificava no Código de Seabra (1203.º e ss., CC/1867).
42. Aderimos à opinião de RITA LOBO XAVIER que o 1715.º/1, c) não visa, em rigor, uma modificação do regime de bens dos cônjuges, dado que a separação judicial de pessoas e bens produz efetivamente os mesmos efeitos que produziria a dissolução do casamento, de acordo com o 1795.º-A, CC.
43. E, também, em sentido coincidente e ao qual aderimos, JOÃO ESPÍRITO SANTO concretiza que a al. c) do artigo 1715.º/1, à semelhança do que sucede com as als. a) e d) da mesma norma, e contrariamente à al. b), não opera num “trânsito entre regimes de bens”, na medida em que vale o previsto no 1795.º-A, que estipula expressamente que os efeitos da separação de pessoas e bens são os da dissolução do casamento.
44. Nos termos do 1715.º/2, às excepções previstas no 1715.º/1 é aplicável o disposto no artigo 1711.º, que faz depender do registo a eficácia da alteração do regime de bens em relação a terceiros.
45. Veja-se, ainda, que a própria lei processual civil viabiliza, ela mesma, uma derrogação da regra da imutabilidade do regime de bens quando, em caso de penhora de bens comuns em execução movida contra um dos cônjuges, possibilita ao cônjuge do executado requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação já tenha sido requerida, como meio lícito de se esquivar à execução da sua meação no património comum do casal (cfr. 740.º/1, CPC). Significa que a lei, ponderando os interesses da tutela dos credores em face da tutela do património do cônjuge do executado, dá preferência à segunda, flexibilizando a imutabilidade do regime de bens dos cônjuges.
46. Acrescentamos que acompanhamos a posição de LEITE DE CAMPOS, quando afirma que “a imutabilidade das convenções antenupciais não significa a manutenção rígida dos bens num certo estatuto de propriedade, na medida em que a lei permite uma certa dinâmica das relações patrimoniais entre os cônjuges” , no sentido em que há a admissibilidade legal de os cônjuges fazerem doações um ao outro (1761.º e ss., CC), dar em cumprimento (1714.º/3), conferir mandato revogável para a administração de bens próprios [1678.º/2, al. g)] ou celebrar contratos de promessa de partilha dos bens comuns do casamento.
47. Temos, pois, que para além das situações previstas na lei, existe uma dinâmica própria da vida em comum do casal que gera deslocações entre as esferas patrimoniais dos cônjuges e que, no momento da dissolução do casamento, os cônjuges têm que enfrentar, como nas hipóteses de contitularidade de contas bancárias, na aquisição de bens em compropriedade ou na contração de dívidas em conjunto [cfr. 1691.º/1, al. a), CC].
48. No que concerne aos efeitos da separação judicial das pessoas e bens, diremos, como refere PEREIRA COELHO, que a separação judicial de pessoas e bens e o divórcio são as duas soluções que a lei oferece para as crises de conjugalidade que, pela sua gravidade, justificam a extinção da relação matrimonial ou a sua modificação no sentido de um relaxamento ou afrouxamento do vínculo conjugal.
49. Os efeitos jurídicos da separação judicial de pessoas e bens são definidos no 1795.º-A, ali se referindo que a separação judicial de pessoas e bens, diferentemente do divórcio, não dissolve o vínculo matrimonial, mas modifica o seu conteúdo.
50. Os cônjuges mantêm, assim, o estado civil de casados, estando impedidos de contrair casamento com terceiros, mas ocorre a extinção dos deveres de coabitação e assistência (na vertente da contribuição para os encargos da vida familiar, regulada no 1675.º/1 e 1676.º, CC), sem prejuízo de se haver o direito à prestação de alimentos, a manutenção dos deveres conjugais de fidelidade, respeito e cooperação, bem como a conservação dos respetivos apelidos.
51. No que se refere aos bens, notamos que as relações patrimoniais entre os cônjuges cessam, tal como sucederia com a dissolução do casamento, (cfr. respetivamente, 1688.º e 1795.º-A). Há a perda, pelo cônjuge sobrevivo, dos direitos sucessórios relativamente à herança do cônjuge falecido (cfr. 2133.º/3, CC) e passam a ser considerados herdeiros hábeis, para efeitos de pensão de sobrevivência, apenas os cônjuges separados judicialmente de pessoas e bens que se encontrarem nas condições do 2020.º, CC, i.e. quando exista o direito de exigir alimentos da herança do falecido.
52. Uma vez que se dão por extintas as relações patrimoniais entre os cônjuges separados judicialmente de pessoas e bens como as dos ex-cônjuges, pode proceder-se à partilha dos bens do casal, ao abrigo do 1689.º/1, CC.
53. São duas as causas que põem termo à separação de pessoas e bens: a reconciliação (cfr. 1795.º-C) e a dissolução do casamento, seja por divórcio ou por morte de um dos cônjuges (cfr. 1788.º).
54. Deverá, ainda, atender-se à remissão prevista no 1794.º, que manda aplicar à separação judicial de pessoas e bens, com as adaptações devidas, o regime do divórcio. Esclareça-se que, por força desta remissão, são aplicáveis à separação judicial os artigos 1788.º a 1793.º-A, normas estas que integram a seção do Código Civil atinente aos efeitos do divórcio.
55. No que tange aos efeitos da partilha e aqui chegados, na acção judicial in casu o Apelante RA, Autor aos autos, e a sua mulher, MA, entretanto falecida, procederam à partilha de bens na pendência da separação judicial de pessoas e bens, direito este que os assistia, conforme previsto no 1689.º/1 ex vi 1794.º.
56. No que a esta partilha concerne, surpreende-nos que da redação da sentença sejamos levados a concluir ter o M.º Juiz a quo, aparentemente, ignorado:
1.º – que houve o registo da partilha pelos cônjuges;
2.º – que do acto da partilha o prédio urbano, destituído à data de qualquer construção, resultou adjudicado à cônjuge mulher;
3.º – [o que significa que, ao invés do que pugna o tribunal a quo, o aludido prédio urbano (e não o imóvel em apreço), por força da eficácia jurídica que a lei atribui à partilha, saiu da esfera patrimonial comum dos cônjuges e ingressou na esfera patrimonial própria da cônjuge mulher];
4.º – que a cônjuge mulher, após a partilha, passou, portanto, a ser a única e legítima proprietária do prédio urbano;
5.º – que os cônjuges partilharam os bens antes do início da edificação do imóvel e antes de se dar a respetiva conclusão do imóvel sito no prédio urbano;
6.º – que a construção do imóvel foi suportada na íntegra e levada a cabo por alguém que não era o proprietário do prédio urbano onde a referida obra foi erigida. Esse alguém é um terceiro, que não deixa de ser juridicamente um terceiro, só pelo facto de – afinal – ser o cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens da proprietária do prédio, muito embora, nesta medida, destituído de qualquer relação patrimonial com a proprietária do prédio;
7.º – que não pode simplesmente destruir-se os efeitos advenientes do ato jurídico da partilha, “como se a separação judicial de pessoas e bens e a própria partilha não tivessem ocorrido”;
8.º – o facto de, não obstante a sentença recorrida ter decidido que foi “restaurado o regime de bens com efeitos retroativos à data da separação judicial de pessoas e bens e perdendo a partilha os seus efeitos entre os cônjuges”, o que está, verdadeiramente, em causa não é saber qual é o regime de bens vigente após o ato da reconciliação dos cônjuges, mas, ao invés e com relevância para a boa decisão desta causa, responder-se à questão: qual é o regime de bens vigente entre os cônjuges entre o momento da partilha e o momento da reconciliação do casal?
57. Os cônjuges, em Agosto de 2004, estando na situação de separados judicialmente de pessoas e bens, realizaram a partilha dos bens, com efectivação do registo respetivo nos prédios que foram seu objecto.
58. Ao abrigo do disposto, respetivamente, nos artigos 1789.º/1 e 1795.º-A ex vi 1688.º, CC, tanto o divórcio como a separação judicial de pessoas e bens fazem cessar as relações patrimoniais existentes entre os cônjuges. Sendo que, uma vez cessadas as relações patrimoniais, podem os cônjuges, nos termos do 1689.º/1, proceder à partilha dos bens, que determina que os partilhantes recebam os seus bens próprios e a meação do património comum, conferindo previamente aquilo que devem a esse património.
59. Em face do disposto no 1770.º/1, “após o trânsito em julgado da sentença que decretar a separação judicial de bens [...] devem os cônjuges proceder à partilha do património comum como se o casamento tivesse sido dissolvido”.
60. E resulta claro que o 1689.º/1 determina a eficácia inter partes da partilha, e esta só adquire eficácia erga omnes com o registo.
61. Quando o regime de bens é um regime de comunhão, a lei reconhece à massa de bens comuns a natureza jurídica de património autónomo – embora com um grau de autonomia limitada e incompleta –, mas que pertence aos dois cônjuges, em bloco, sendo ambos titulares de um único direito sobre ela.
62. Os bens comuns dos cônjuges constituem objeto não de uma relação de compropriedade, mas de uma propriedade coletiva ou de mão comum, em que cada um dos cônjuges tem uma posição jurídica em face do património comum, posição essa que a lei tutela.
63. Cada um dos cônjuges tem, segundo a expressão da própria lei, um direito à meação, um verdadeiro direito de quota, que exprime a medida de divisão, e que virá a realizar-se no momento em que a partilha tiver lugar.
64. Temos, assim, que a composição do património comum é, portanto, aquela que existe à data do trânsito em julgado da separação judicial de pessoas e bens, sendo que todos os bens desse património comum podem ser objeto de posterior partilha pelos cônjuges, caso estes o desejem, nada impedindo, contudo, que permaneçam na indivisão.
65. Com a partilha, que segue as regras aplicáveis ao caso em que o casamento se houvesse dissolvido (cfr. 1770.º/1), dá-se a liquidação do património comum dos cônjuges e subsistem apenas dois patrimónios individuais e próprios, um de cada um dos cônjuges; o que sucedeu nos presentes autos.
66. E assim, com a partilha, cada cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens ou cada ex-cônjuge, conforme se aplique, passa a poder dispor livremente de todos os seus bens, com plenos poderes de administração (ordinária, extraordinária e disposição), relativamente aos bens que sempre foram próprios e ainda parte dos bens que foram comuns e que couberam na sua meação.
67. O art.º 1735.º estabelece a faculdade de os cônjuges requererem o divórcio por mútuo consentimento de forma igual para os separados de pessoas e bens, como para os não separados. Pelo que não pode dizer-se que, tendo sido decretada a separação de pessoas e bens dos cônjuges, a acção de divórcio já não tenha objetivo ou finalidade, pois a lei equaciona-a. Como equaciona, também, que possa ocorrer a reconciliação dos cônjuges separados judicialmente, como resulta expresso no 1795.º-C.
68. E, a lei também não distingue os efeitos jurídicos advenientes da partilha, nos casos de divórcio ou da separação judicial de pessoas e bens, em virtude da impossibilidade objetiva óbvia de se prever o curso dos acontecimentos da vida nesta última. O 1770.º/1 prescreve, aliás, a igualdade do acto jurídico da partilha em ambos os casos.
69. O Autor, aqui Apelante, não pode, assim, aceitar que o Tribunal a quo se arrogue destruir, com efeitos retroativos, i.e., ex tunc, os efeitos jurídicos alcançados (e consolidados) com a partilha, só por haver-se uma separação judicial de pessoas e bens que terminou com a reconciliação, quando a partilha obriga ao cumprimento de regras atinentes à liquidação, é fruto da vontade das partes e foi objeto de registo, valendo, pois e como se explanou, como “se o casamento tivesse sido dissolvido” (cfr. 1770.º/1).
70. Em razão do que, após a partilha, os cônjuges separados judicialmente (tal como os ex-cônjuges) gozam da legitimidade e autonomia privada que os possibilita decidir qual o destino a dar aos bens já partilhados, por não se haverem mais bens comuns, pelo que não interessa, nem releva para a questão, haver ou não a repristinação do regime de bens do casamento depois de uma ainda hipotética reconciliação (cfr. 1795.ºC), que é tão hipotética quanto a possibilidade de conversão da separação em divórcio (cfr. 1795.º-D).
71. Na acção judicial em apreço, identificam-se três factos jurídicos que importam à causa e que resultaram provados na decisão de mérito proferida pelo tribunal a quo:
(i.) a separação judicial de pessoas e bens, (ii.) a partilha dos bens do casal e (iii.) a reconciliação dos cônjuges.
72. Realça-se que é o regime da separação judicial de pessoas e bens, como está definido no Código Civil, que qualifica juridicamente a relação dos cônjuges separados como uma relação conjugal frágil e aquela que será o prelúdio do divórcio , o que justifica que em muitos pontos do regime da separação de pessoas e bens se aplique por inteiro a mesma doutrina que vale quanto ao divórcio, de acordo com a remissão do 1794.º.
73. Da situação de separação judicial dos cônjuges pode resultar, indiscriminadamente, a todo o tempo e sem dependência de prazo, a reconciliação (nos termos definidos no 1795.º-C) ou a conversão em divórcio, havendo o mútuo consentimento dos cônjuges (cfr. 1795.º-D/2).
74. Afigura-se-nos, assim, que a ratio legis, não se reveste de conhecer qual o destino que os cônjuges darão à situação de separação judicial em que se encontram, mas é, ao invés, a de acautelar as situações jurídicas que se possam constituir na vigência da separação judicial de pessoas e bens, estipulando, nesse sentido, a imperativa cessação da relação patrimonial dos cônjuges (1795.º-A ex vi 1688.º).
75. E, em consequência, prevê o 1770.º/1 que, sem prejuízo do disposto em matéria de registo, após o trânsito em julgado da sentença que decrete a separação judicial de pessoas e bens, o regime quanto aos bens passa a ser o da separação, podendo os cônjuges proceder à partilha do património comum como se o casamento tivesse sido dissolvido.
76. Neste sentido, esclarece ANTUNES VARELA que o efeito imediato da separação judicial de pessoas e bens consiste da conversão do regime de bens em regime de separação, passando, deste modo, cada um dos cônjuges a ficar com a administração e a livre disposição dos seus bens, pois deixa de haver bens comuns e cada um dos cônjuges passa a reger autonomamente o seu património, com a liberdade de movimentos própria do regime da separação. Contudo, para que este fim se possa verificar, e segundo o 1770.º/1, há que partilhar os bens comuns, sendo que a partilha faz-se como se o casamento tivesse sido dissolvido (cfr. 1689.º).
77. E nesta linha de pensamento diz, também, INÊS SÍTIMA, que a submissão das relações patrimoniais entre os cônjuges ao regime da separação de bens implica que deixem de aplicar-se aos cônjuges todas as regras cujo pressuposto assentasse na comunhão patrimonial. A separação tem, na necessidade da partilha do património comum, o seu efeito lógico (mediato). A concretização jurídica da separação patrimonial depende da extinção do património comum, que deverá ser partilhado para assumir a natureza de património próprio.
78. Na douta sentença recorrida, ao arrepio de qualquer posição interpretativa que se possa tomar, verifica-se que o Tribunal da 1.ª instância concentrou a sua decisão de mérito no facto de se ter dado a reconciliação dos cônjuges, muito embora o facto essencial da causa de pedir dos autos se reconduza à verificação dos pressupostos de admissibilidade da acessão imobiliária, reportada à construção de um imóvel, que ocorreu, não depois da reconciliação, mas após o trânsito em julgado da separação judicial de pessoas e bens, após a partilha dos bens e previamente à reconciliação dos cônjuges, o que resulta claramente dos factos dados como provados.
79. Adicionalmente e em reforço do exposto, ao contrário do entendimento pugnado pelo M.º Juiz a quo na sentença, o Apelante invoca e adere à mesma doutrina que o M.º Juiz cita na redação da sentença, nas palavras de RITA LOBO XAVIER: “Cremos que a reconciliação dos cônjuges implica hoje o recomeço do regime de bens anterior, ex novo e ex nunc, não tendo efeitos retroativos, como se não tivesse havido separação, e não envolvendo a “anulação” da partilha que entretanto tiver sido feita. Na verdade, não parece haver incompatibilidade entre a liquidação do regime anterior e a restauração do regime de bens. Depois de feita a divisão do património comum, se os cônjuges se reconciliarem, haverá uma espécie de fresh start quanto ao regime de bens”.
80. Por sua vez, PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA propõem que com a reconciliação os cônjuges escolham o seu regime de bens, pois a “reconciliação valeria com um segundo casamento”, dando a entender que se os cônjuges não o fizerem mantém-se o regime de bens anterior ao da separação.
81. E, assim, não existindo mais quaisquer relações patrimoniais entre os cônjuges visados, o regime de bens vigente entre os cônjuges separados judicialmente, após o trânsito em julgado da respetiva decisão, é o regime de bens da separação (cfr. 1770.º), relevando, in casu, que houve o registo predial da partilha pelos cônjuges relativamente aos imóveis que compunham o acervo dos bens comuns, o que determina a plenitude da sua eficácia.
82. Aderindo o Autor, aqui Apelante, a este entendimento e linha doutrinária exposta nestas alegações, mostra-se evidente que o Tribunal a quo ao fazer uma errada interpretação da lei aplicável, violou, consequentemente, a lei substantiva, mormente, o disposto nos artigos 1714.º e 1715/c) do CC; 1688.º e 1689.º do CC ex vi destes normativos; 1770.º; 1771.º e 1772.º do CC.
83. Entende, assim, o Apelante que o Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado estes normativos, no sentido de, uma vez efectuada a partilha na sequência da separação judicial de pessoas e bens, e adjudicados todos os bens ao cônjuge mulher, MA, estes bens permaneceram como bens próprios até à reconciliação e, assim, permaneceram depois da reconciliação, não tendo esta quaisquer efeitos retroactivos como se não tivesse havido a separação, não afectando a partilha, que entretanto foi efectuada entre os cônjuges.
84. E, neste contexto, o prédio urbano dos autos - terreno para construção - sobre o qual foi construída a moradia, pelo Autor, era um bem próprio daquela, ou seja, alheio ao Apelante.
85. Fica, assim, inequivocamente demonstrado que o prédio urbano (terreno para construção), após a partilha dos bens comuns do casal, integrou o património de MA com a natureza de bem próprio.
86. E que a construção da moradia pelo Autor nesse terreno, bem próprio do seu cônjuge, MA, iniciou-se e concluiu-se no período que decorreu entra a data da separação judicial de pessoas e bens e a data da reconciliação.
87. Conforme o Apelante desenvolveu e demonstrou como devendo ser a correcta interpretação legal e doutrinária da lei aplicável, o Tribunal a quo andou mal e deveria ter decidido no sentido de o prédio urbano dos autos - terreno para construção – sobre o qual foi construída a moradia, pelo Autor, era um bem próprio daquela, ou seja, alheio ao Apelante.
88. Deve, assim, a douta sentença ser revogada, por via deste recurso e como se conclui nestas alegações.
89. Verificado este pressuposto essencial da acessão imobiliária industrial – o prédio urbano (terreno) sobre o qual foi construída a moradia ser alheio ao Autor, aqui Apelante importará analisar e demonstrar a aquisição pelo Autor do direito de propriedade do imóvel sub judice por acessão industrial imobiliária.
90. A acessão constitui uma causa de aquisição originária retroactiva do direito de propriedade sobre determinada coisa, compreendendo na sua noção legal o conceito de incorporação de uma coisa da titularidade de uma pessoa, numa outra coisa da titularidade de outra, nos termos estatuídos nos artigos 1316.º, 1317.º/d) e 1325.º, todos do Código Civil.
91. Consigna o artigo 1340.º, nºs 1, 2 e 3 do Código Civil que se alguém, de boa-fé, construir obra em terreno alheio e o valor que a mesma tiver trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes da obra; mas se o valor acrescentado for menor, a obra pertencerá ao dono do terreno, com obrigação de indemnizar o seu autor do valor que tinha ao tempo da incorporação; enquanto que se o valor acrescentado pela obra for igual ao do terreno, haverá licitação entre ambos.
92. Resulta deste normativo que são elementos cumulativos integradores da acessão industrial imobiliária:
a) a construção de uma obra (realizada em prédio rústico ou urbano), sementeira ou plantação resultante de um acto voluntário do interventor;
b) que essa obra haja sido efectuada em terreno que seja propriedade de outrem, ou seja, que ocorra uma implantação em terreno alheio;
c) que os materiais utilizados na obra, sementeira ou plantação pertençam ao interventor/autor da incorporação;
d) que da obra tenha resultado uma incorporação, ou seja, a constituição definitiva;
e) que da incorporação da obra, sementeira ou plantação resulte a constituição de uma unidade inseparável, permanente, definitiva de um todo único entre o terreno e a obra, sementeira ou plantação;
f) que o valor acrescentado pela obra, sementeira ou plantação acrescente valor (económico e substantivo) àquele que o prédio possuía antes de ter sofrido a incorporação da obra, sementeira ou plantação seja superior ao valor que o prédio tinha antes da incorporação;
g) que o autor da obra, sementeira ou plantação tenha agido de boa-fé (psicológica).
93. No caso sub judice, a construção da moradia levada a cabo pelo Autor, no terreno de propriedade (bem pessoal) da falecida MA, ocupou a sua totalidade e correspondeu à totalidade de uma construção, correspondendo hoje à totalidade do actual artigo … da matriz predial urbana da freguesia de Queluz e Belas, devendo, por isso, aplicar-se o regime geral da acessão previsto no artigo 1340º do Código Civil.
94. Com efeito, está demonstrado e provado que:
a) a construção da moradia foi realizada num terreno para construção, e resultou de um acto voluntário do Autor, que assumiu a iniciativa da sua execução, por sua própria conta e no seu próprio interesse;
b) a moradia foi edificada em terreno propriedade de outrem, no caso, da falecida MA, por conseguinte alheio ao Autor;
c) os materiais utilizados na obra, pertencem exclusivamente ao Autor, sem qualquer comparticipação da proprietária do terreno;
d) a construção da moradia tem carácter de permanência e está unida ao solo de modo a que não é fácil nem imediatamente removível, resultando de uma ligação material definitiva e permanente entre a construção e o terreno, de tal forma que o terreno perdeu a sua individualidade física e jurídica, como terreno para construção, resultando assim da obra uma incorporação;
e) da incorporação da obra resultou a constituição de uma unidade inseparável, permanente, definitiva de um todo único entre o terreno e a obra;
f) A construção da moradia pelo Autor corresponde, assim, à totalidade de uma casa integralmente construída e paga pelo Autor em terreno alheio;
g) A moradia alterou a natureza do prédio, inicialmente terreno para construção, para um prédio urbano constituído por uma moradia habitacional;
h) O bem imóvel construído pelo Autor, além de corresponder à totalidade de uma construção nova, corresponde à totalidade do actual artigo matricial: (i) anteriormente à construção o artigo matricial era um terreno para construção inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de Belas, conforme prova documental junta; (ii) a nova construção originou um novo artigo matricial, constituído por uma moradia unifamiliar, o actual artigo … da União das Freguesias de Queluz e Belas;
i) A construção da moradia pelo Autor no terreno alheio não constituiu, assim, uma benfeitoria;
j) o valor da moradia (EUR 673.964 de custo de construção; EUR 700.000, à data da conclusão da construção, em Novembro de 2009; um milhão de euros, pelo menos, à data de hoje), acrescentou valor económico e substantivo àquele que o terreno possuía antes de ter sofrido a incorporação da moradia (custo de aquisição em 2000, de EUR 241.418,18; EUR 13.000, para efeitos de partilha, em 2004; EUR 120.709.09, que o Autor atribuí ao terreno, à data do termo da construção, para efeitos da presente acção de acessão), ou seja, o valor da moradia é manifestamente superior ao valor que o terreno tinha antes da incorporação;
k) o Autor, enquanto, dono da moradia, agiu sempre de boa-fé, porquanto a incorporação foi previamente autorizada, de forma expressa, pela dona do terreno, estado aquele que persistiu desde o início da obra até à conclusão da mesma e até hoje.
95. A norma do artigo 1340º do Código Civil foi declarada constitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 205/2000, de 04/04/2000 (DR II série, nº 251, 30/10/2000).
96. Não obstante alguma controvérsia na doutrina e na jurisprudência, sobretudo no que concerne à espécie de acessão consagrada no artigo 1340.º do C. Civil, apontando a doutrina clássica para a consagração da tese da aquisição automática com a efectiva incorporação, prevalece hoje a posição jurisprudencial de que a acessão industrial imobiliária representa uma forma potestativa de aquisição do direito de propriedade, de reconhecimento, necessariamente, judicial, em que o pagamento do valor da unidade predial em causa funciona como condição suspensiva da transmissão do direito, embora com efeito retroactivo ao momento da incorporação.
97. Em qualquer circunstância, quer na tese da doutrina clássica, quer na tese do direito potestativo de aquisição, face ao disposto no artigo 1317º/d) do C.C., a aquisição da propriedade retroage ao momento da incorporação, ou seja, o momento da aquisição será o da verificação dos factos respectivos.
98. No caso dos presentes autos, a aquisição do terreno pelo Autor, aqui apelante, por via da acessão, é o momento da incorporação, ou seja, o momento da conclusão da obra.
99. Tendo a moradia sido concluída em finais de Novembro de 2009, há-de considerar-se, para efeitos da fixação do momento da aquisição, o dia 30 de Novembro de 2009, tal como decorre do artigo 279º/a) do C.C..
100. A construção da moradia pelo Apelante em terreno alheio (bem próprio da falecida MA), na factualidade dada como provada na douta sentença recorrida, opera uma acessão imobiliária industrial, não constituindo, pois, uma benfeitoria.
101. Mostram-se, pois, verificados todos os requisitos legais atinentes ao instituto da acessão imobiliária industrial, em razão do que o Apelante veio, potestativamente e pela presente acção, revestir-se da prerrogativa de adquirir o direito de propriedade sobre o terreno sobre o qual construiu a moradia, por acessão, nos termos dos artigos 1316º, 1317º d), 1325º e 1340º todos do Código Civil.
102. Por tudo o exposto, deve o presente recurso de apelação ser julgado totalmente procedente e a sentença recorrida revogada e substituída por douto acórdão que que julgue procedente a acção de acessão industrial imobiliária e, em consequência:
a) Ser reconhecido e declarado que o Autor, RA, adquiriu a MA, por acessão industrial imobiliária, o prédio urbano composto de lote de terreno para construção de moradia unifamiliar, sito no Casal da Carregueira, lote …, Belas, freguesia de Belas, concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob a ficha … da freguesia de Belas, onde se encontra registada a aquisição a seu favor pela cota G – seis, encontrando-se a emissão do alvará de loteamento registada pela cota F – nove, o qual estava inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo …;
b) Ser reconhecido e declarado que o Autor, RA, é o dono, por a ter construído, de uma moradia composta por edifício com dois pisos e logradouro, com a área coberta de 296 m2 e descoberta de 1676,50 m2, incorporada no lote de terreno para construção identificado na alínea anterior, hoje inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Queluz e Belas sob o artigo …;
c) Ser, consequentemente, reconhecido e declarado que o Autor, RA, é dono do prédio urbano, sito em Casal da Carregueira, lote …, composto por edifício com dois pisos e logradouro, com a área coberta de 296 m2 e descoberta de 1676,50 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o número … da freguesia de Belas e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Queluz e Belas sob o artigo …, proveniente do anterior artigo … da freguesia de Belas (Extinta);
d) Ser declarado, para todos os efeitos legais e registrais, que a aquisição do lote de terreno para construção é o momento da incorporação da moradia no terreno, que ocorreu em 30 de Novembro de 2009;
e) Ser fixado o valor do terreno, no momento da incorporação da moradia, no montante de EUR 120.709,09, que, actualizado à presente data, é de EUR 136.402,27;
f) Consequentemente, ser fixado o valor de EUR 22.733,55, a título de indemnização pela aquisição por acessão do terreno para construção, a pagar pelo Autor a cada um dos réus filhos de MA, no prazo de 30 dias;
g) Serem os réus condenados nos precisos termos do pedido da presente acção”.
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Os Réus não apresentaram contra-alegações.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e assim recebido nesta Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II.- Das questões a decidir
O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.
Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).
Neste pressuposto, as questões que, neste recurso, importa apreciar e decidir são as seguintes:
i.- saber se estão verificados os pressupostos da aquisição do imóvel dos autos pelo Autor com fundamento em acessão industrial imobiliária, com especial enfoque na análise do pressuposto da natureza de bem alheio ao Autor do terreno que integra o imóvel, à data da construção da moradia que este nele levou a cabo;
na afirmativa:
ii.- fixar o valor do terreno à data da incorporação da moradia e aferir se o mesmo deve ser atualizado;
iii.- saber em que termos e em que condições é que esse valor deve ser pago pelo Autor, em vista da aquisição do prédio.
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III.- Da Fundamentação
III.I.- Na sentença proferida em 1.ª Instância e alvo deste recurso foram considerados provados os seguintes factos:
“a) O A. casou, em primeiras núpcias de ambos, com MA, em 2 de setembro de 1967, sem convenção antenupcial.
b) Na constância do matrimónio com o A., MA, adquiriu, em 19 de julho de 2000, pelo preço de ESCUDOS 48.400.000$00, equivalente a €241.418,18, por escritura outorgada no 10º Cartório Notarial de Lisboa, lavrada de fls. … a … verso do livro 26-M, o lote de terreno para construção, moradia unifamiliar, com a área de 1.972,50 metros quadrados, situado no Casal da Carregueira, lote …, na localidade e freguesia de Belas, concelho de Sintra, inscrito na respetiva matriz, sob o artigo nº …, com o valor patrimonial correspondente a ESCUDOS 1.972.500$00, equivalente a €9.838,79 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o número …, da dita freguesia.
c) Por sentença de 15 de janeiro de 2004, transitada em julgado em 29 de janeiro de 2004, proferida pelo 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, foi decretada a separação judicial de pessoas e bens entre o A. e MA.
d) No dia 10 de agosto de 2004, foi celebrada, no extinto 21º Cartório Notarial de Lisboa, de folhas 47 a 51 verso do livro de notas para escrituras diversas nº …-M, escritura de partilha dos bens adquiridos, a título oneroso, durante a constância do casamento, entre o A. e MA.
e) Da referida escritura de partilha consta, além do mais, como VERBA 7, o prédio urbano composto de lote de terreno para construção de moradia unifamiliar, sito no Casal da Carregueira, lote …, Belas, freguesia de Belas, concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob a ficha … da freguesia de Belas, onde se encontra registada a aquisição a seu favor pela cota G – seis, encontrando-se a emissão do alvará de loteamento registada pela cota F – nove. O prédio está inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo …, com o valor patrimonial IMT de 12.101,71 euros, conforme certidão emitida em 05.02.2004 pelo Serviço de Finanças de Sintra 4 – Queluz, ao qual os contraentes atribuíram, para efeitos de partilha, o valor de €13.000,00, correspondente ao prédio identificado em b).
f) O prédio supra identificado em b) e e) localiza-se no denominado BELAS CLUBE DE CAMPO e confronta, a Norte, com o lote …, a Sul, com o lote …, a Nascente, com a Rua C, atualmente Rua das Águas Livres e a Poente, com o golfe.
g) O prédio supra identificado em b) e e) foi adjudicado a MA.
h) Por sentença de 27 de junho de 2011, transitada neste mesmo dia, proferida pela Conservatória do Registo Civil de Lisboa, no processo nº …, de 2011, foi homologada a reconciliação entre o A. e MA.
i) MA faleceu no dia 20 de dezembro de 2015.
j) Por óbito de MA, sucederam-lhe, como herdeiros legitimários, o aqui A. e os seus três filhos, ora RR., PA, RRA e FA.
k) A falecida MA instituiu, por testamento, o A. seu herdeiro testamentário, tendo-lhe deixado a quota disponível dos seus bens.
l) Não se procedeu a inventário ou partilha, estando a herança de MA líquida e indivisa.
m) Não obstante a adjudicação referida em g), MA autorizou o A., logo após aquela partilha, por alturas do Verão de 2004, a construir no identificado prédio uma moradia unifamiliar, o que fez de forma verbal e explícita, em reunião familiar, na qual estavam presentes o A. e todos os filhos de ambos, aqui RR..
n) Nessa alocução, MA expressou que, não obstante estarem separados judicialmente de pessoas e bens e terem já feito a partilha dos bens comuns do casal, assim permitiria que o A. realizasse o seu sonho de construir no terreno uma moradia para ele, A..
o) Assim, o A. passou a ter a posse do terreno para construção, gozando e fruindo do lote de terreno, continuadamente, à vista de toda a gente, incluindo os RR., sem qualquer oposição destes, com autorização da falecida MA e, portanto, convencido de não lesar direitos de terceiros.
p) O A. limpou o referido terreno e preparou-o para a construção da moradia unifamiliar, tendo igualmente apresentado o respetivo projeto de construção junto da Câmara Municipal de Sintra.
q) Neste contexto, o A. obteve o alvará de obras de construção nº …/…, emitido em 06/04/2006, pela Câmara Municipal de Sintra.
r) O A. iniciou a construção da moradia no lote de terreno identificado em b) logo após a emissão do referido alvará.
s) No âmbito da construção, o A. obteve, ainda, da Câmara Municipal de Sintra um alvará de licença de alterações nº …/…, de 11/01/2007 e um alvará de licença de obras de construção – licença especial nº …/…, de 26/10/2009.
t) No âmbito da construção da moradia e do seu licenciamento, o A. pagou as taxas de loteamento de obras particulares e taxas e emolumentos de serviços prestados, que foram sendo devidos ao longo do processo, conforme guias de receita emitidas pela Câmara Municipal de Sintra, em número de dez, entre 14/02/2006 e 26/10/2009, num valor total adicionado de €4.141,50.
u) A moradia é um prédio em propriedade total, destinado a habitação, com dois pisos e cinco divisões, com a área de implantação do edifício de 296 m2, com a área bruta de construção de 662,3391 m2, a área bruta dependente com 178,9199 m2 e a área bruta privativa de 483,4192 m2, tendo atualmente o valor patrimonial de €803.247,71.
v) A construção da moradia unifamiliar foi iniciada pelo A. em abril de 2006 e concluída em finais de novembro de 2009.
w) Em 7 de dezembro de 2010, foi emitida pela Câmara Municipal de Sintra o alvará de utilização nº …/… para a moradia referida em u).
x) A iniciativa da construção da moradia foi do A., por sua própria conta e no seu próprio interesse, tendo sido ele que a levou a cabo em regime de administração direta, dada a sua profissão de engenheiro civil.
y) O A. foi sempre o dono da obra, sendo quem, no local, acompanhou, pari passu, a direção técnica da obra de que estava incumbido o Eng.º Civil JM.
z) Com a construção, o A. despendeu o montante total de €673.964,00 (seiscentos e setenta e três mil novecentos e sessenta e quatro euros).
aa) Para a construção, o A. contratou diversas empresas e pessoas singulares, a quem comprou materiais, contratou mão-de-obra e serviços, para execução de todos os trabalhos necessários, designadamente, escavações, caboucos, ferro, cimento, areia, alvenarias, massas e betumes, pladur, betonilhas, tintas e vernizes, madeiras, alumínio, caixilharias, aduelas, portas, roupeiros, móveis de cozinha, louças de cozinha e sanitárias, material elétrico, climatização, serviços de canalizador, ladrilhador, pedreiro, carpinteiro e outros.
bb) A título demonstrativo, contratou:
a. CC: trabalhos de construção civil, tais como assentamento de alvenarias, estuques e tetos falsos e compra de materiais para a obra, designadamente cimento, areia e brita;
b. CF (Trifesal): fornecimento e montagem de portas e portões;
c. JF: trabalhos de carpintaria, aduelas, portas, roupeiros, estantes e armários;
d. P. M. S. (PMS) Alumínios: fornecimento de portas e janelas em alumínio;
e. Sertãsol, Lda.: fornecimento e montagem de sistemas de climatização e de equipamentos de aproveitamento de energia solar;
f. Biogás, Lda.: fornecimento e instalação de rede de gás.
cc) A moradia está na posse do A., desde o início da sua construção até hoje, continuadamente, à vista de toda a gente, com expressa autorização e sem oposição da falecida MA, e desde o óbito desta sem oposição dos RR., estando o A. consciente de que está a exercer um direito próprio sobre o imóvel e convencido de não lesar direitos de terceiros.
dd) A falecida MA, enquanto proprietária do terreno para construção, nunca teve qualquer comparticipação na construção da obra, tendo esta sido exclusivo encargo e iniciativa do A..
ee) Todo o lote de terreno para construção identificado em b) foi ocupado pela moradia unifamiliar contruída pelo A., quer pela implantação do próprio edifício, quer pela área bruta dependente, quer pela área bruta privativa e logradouro.
ff) A construção da moradia tem carácter de permanência e está unida ao solo de modo a que não é fácil nem imediatamente removível, resultando de uma ligação material definitiva e permanente entre a construção e o terreno, de tal forma que o terreno perdeu a sua individualidade como terreno para construção.
gg) Os RR. sempre tiveram conhecimento de que a sua falecida mãe, MA, autorizou o A. a construir a moradia no lote de terreno para construção que lhe coube em partilha por separação judicial de pessoas e bens, bem sabendo, ainda, que, não obstante tal partilha, sempre foi sonho do A. ali construir uma moradia para ele, A..
hh) Durante todo o tempo de execução da obra de construção, os RR. tiveram conhecimento da respetiva realização e andamento, sob administração direta do A..
ii) À data do início da construção da moradia pelo A., o terreno estava livre e desocupado de quaisquer outras construções.
jj) O valor do terreno identificado em b), à data da conclusão da construção, finais de novembro de 2009, era de metade do valor de aquisição, ou seja, €120.709,09.
kk) O valor da moradia, à data da sua conclusão, finais de novembro de 2009, era de €700.000,00.
ll) Após a inscrição da construção da moradia na matriz predial urbana, em 2012 a avaliação fiscal para efeitos de …-…, efetuada em 2011 (data da inscrição na matriz), foi de €773.920,00.
mm) O valor da moradia construída pelo A. é hoje de, pelo menos, €1.000.000,00”.
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III.II.- Do objeto do recurso
.- Do enquadramento jurídico dos factos
Subjacente à ação está a pretensão do Autor de ver reconhecida a aquisição da propriedade do prédio urbano sito em Casal da Carregueira, lote …, da freguesia de Belas, do concelho de Sintra, composto por edifício com dois pisos e logradouro, com a área coberta de 296 m2 e a descoberta de 1676,50m2, descrito na CRP de Queluz sob o n.º 2700 e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ….º.
Como modo de aquisição de tal direito de propriedade invoca o Autor o instituto jurídico da acessão industrial imobiliária.
A acessão é, de facto, nos termos do art.º 1316.º do Código Civil (doravante, CC), um modo de aquisição do direito de propriedade, que se dá, nos termos do art.º 1325.º do mesmo código, quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia.
A acessão pode ser natural ou industrial, conforme, de acordo com o n.º 1 do art.º 1326.º do CC, e respetivamente, resulte exclusivamente das forças da natureza ou de facto do homem que, além do mais, confunda objetos pertencentes a diversos donos; neste último caso, segundo o n.º 2, pode ser mobiliária ou imobiliária, conforme a natureza das coisas confundidas.
Caracteriza-se a acessão, assim, nas palavras de Orlando de Carvalho, pela "adjunção, por obra da natureza ou por obra do homem, de uma coisa (objecto enriquecedor) a outra coisa (objecto enriquecido)” (in Direito das Coisas, Coimbra, p. 292).
É, por outro lado, segundo Oliveira Ascensão, “uma causa originária de aquisição de direitos reais”, uma vez que, por via dela, “se adquire um direito novo, independente de quaisquer direitos que pudessem ter existido em relação à coisa, pois se extinguem” (in Scientia Iuridica - Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Tomo XXII, 1973, p. 358).
No caso em apreço, é invocada a acessão tendo por base a construção, por parte do Autor, de uma moradia em terreno que, de acordo com a estrutura dada à causa pelo mesmo, era pertença de outrem, pelo que é inequívoco tratar-se de ‘adjunção’ de coisa, por intervenção humana, a um bem imóvel (cfr. art.º 204º, n.º 1, alínea a) do CC).
A construção da moradia, por outro lado, teria incidido, na totalidade, em terreno alheio, pelo que do que se trata aqui é da modalidade de acessão industrial imobiliária prevista no art.º 1340.º do CC.
De harmonia com o n.º 1 deste preceito, reportando-nos àquilo que aqui importa considerar, se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio e o valor que as obras tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras.
Serão, assim, requisitos substantivos de aquisição do direito de propriedade com base na modalidade de acessão em apreço, de acordo com o vertido no Acórdão do STJ de 20-09-2011, os seguintes:
“a) que a incorporação realizada resulte de um acto voluntário do interventor na feitura de uma obra (…);
b) que essa incorporação seja efectivada em terreno que não lhe pertença ou seja propriedade de outrem;
c) que os materiais utilizados na obra (…) pertençam ao interventor/autor da incorporação;
d) que da incorporação da obra (…) resulte a constituição de uma unidade inseparável, permanente, definitiva e individualizada entre o terreno e a obra;
e) que o valor acrescentado pela obra (…) [seja] superior ao valor que o prédio tinha antes da incorporação;
f) que o interventor da obra (…) tenha agido de boa fé (psicológica)” (Acórdão disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt).
Como se vê, é pressuposto essencial da acessão o de que a incorporação incida sobre prédio pertencente a outrem que não o seu autor, o que, de resto, não poderia ser de outro modo, já que está em causa um modo de aquisição do direito de propriedade e só se pode adquirir aquilo que é alheio.
Ora, na sentença recorrida, desatendeu-se a pretensão do Autor por se ter entendido que este pressuposto da acessão não se verificava.
Isto é, segundo o tribunal a quo, o Autor teria edificado a moradia em terreno que, contrariamente ao por si alegado, não era próprio do seu ex cônjuge, mas sim, por força do respetivo regime de bens do casamento, comum a ambos, não podendo, por isso, adquirir algo que já era seu – rectius, de que era contitular.
Sendo esta, por conseguinte, a questão essencial do recurso, importa que nos detenhamos sobre ela, desde já.
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A este respeito, o quadro de facto com que nos deparamos nesta decisão é o seguinte.
O Autor e MA casaram entre si no dia 2 de setembro de 1967, sem convenção antenupcial.
No decurso do casamento, em 19 de julho de 2000, a MA adquiriu, por escritura pública de compra e venda, um lote de terreno para construção, prédio esse inscrito na matriz sob o art.º … e descrito na CRP sob o n.º ….
Em 15 de janeiro de 2004, foi, pelo tribunal competente, proferida sentença, transitada em julgado em 29 de janeiro do mesmo ano, por via da qual foi decretada a separação judicial de pessoas e bens do Autor e de MA.
Em 10 de agosto de 2004, por escritura pública outorgada em cartório notarial, procederam ambos à partilha dos bens adquiridos, a título oneroso, durante a constância do casamento de ambos, sendo que dessa partilha constava, como Verba n.º 7, o referido lote de terreno, o qual foi adjudicado à MA.
Finalmente, em 27 de junho de 2011, foi, em Conservatória do Registo Civil, proferida decisão, transitada em julgado no mesmo dia, por via da qual foi homologada a reconciliação entre o Autor e a referida MA.
Ora, reportando tais factos ao direito aplicável, temos, tal como se concluiu na sentença recorrida, que, tendo o Autor e MA casado entre si em 2 de setembro de 1967, sem convenção antenupcial, o casamento de ambos considerou-se celebrado, atento o disposto no art.º 1717.º do CC, sob o regime da comunhão de adquiridos, previsto nos art.ºs 1721.º e seguintes do mesmo código.
No âmbito de tal regime de bens, integram a comunhão, de harmonia com o art.º 1724.º do CC, e além do mais, os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do casamento, que não sejam excetuados por lei.
O lote de terreno adquirido por MA acima referido, porque comprado na constância do seu casamento com o Autor, integrou, por conseguinte, após a aquisição, o património comum de ambos, sendo bem comum do casal.
Sucedeu que os cônjuges separaram-se judicialmente de pessoas e bens, o que, no que diz respeito ao estatuto conjugal de ambos, resultou, por força do disposto no art.º 1795.º-A do CC, no seguinte: manteve-se o vínculo conjugal de ambos, mas extinguiram-se os deveres de coabitação e de assistência, ainda que sem prejuízo do direito a alimentos; mas relativamente aos bens, a separação produziu os efeitos da dissolução do casamento.
Por este motivo, o casal partilhou os bens comuns, isto é, os adquiridos a título oneroso na constância do casamento, sendo que o lote de terreno acima referido foi adjudicado a MA, passando, assim, a ser bem próprio desta.
A separação judicial de pessoas e bens do Autor e de MA, podendo, nos termos do disposto no art.º 1795.º-B do CC, terminar por reconciliação ou por divórcio, terminou, efetivamente, por via da reconciliação de ambos, concretizada por decisão da Conservatória do Registo Civil proferida e transitada no dia 27 de junho de 2011.
Ao terminar, teve, a partir da referida data, e por força do disposto no n.º 1 do art.º 1795.º-C do CC, os efeitos do restabelecimento da vida em comum do casal e o exercício pleno dos direitos e deveres conjugais de ambos.
Todas estas conclusões, sufragadas, como se disse, na sentença recorrida, são corretas e, podemos dizer, absolutamente consensuais.
Chegados aqui, contudo, entramos na questão verdadeiramente controvertida, que é a de saber que efeitos produziu a reconciliação do Autor e de MA, não no que tange ao complexo de direitos e de deveres conjugais de ambos, mas relativamente ao património comum.
E é essa, pois, a questão que agora importa dilucidar.
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A este respeito, o tribunal a quo concluiu “que a interpretação mais conforme à letra e ao espírito da Lei é […] no sentido de a reconciliação implicar o regresso ao regime de bens que vigorava antes da separação, com efeitos retroativos, salvaguardados os direitos de terceiros”.
Fê-lo, estribado, no essencial, na seguinte ordem de razões.
É a lei civil atualmente omissa quanto aos efeitos patrimoniais da reconciliação dos cônjuges, já que os mencionados art.ºs 1795.º-D e 1795.º-C, n.º 1 do CC preveem apenas a possibilidade de os cônjuges poderem restabelecer a vida em comum e o exercício pleno dos direitos e deveres conjugais, mas já não os patrimoniais.
Acresce que consagra o Código Civil, no seu art.º 1714.º, n.º 1, o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais e dos regimes de bens, sendo que, ainda que o art.º 1715.º preveja exceções ao princípio, ficam por definir as consequências patrimoniais da reconciliação.
Assim, baseando-se na doutrina e jurisprudência que reputou mais adequada, entendeu que o efeito da reconciliação, em matéria patrimonial, não poderia ser outro que não o acima assinalado, do regresso ao regime de bens que vigorava antes da separação, com efeitos retroativos, salvaguardados os direitos de terceiros.
Isto, porque “não sendo dissolvido pela separação judicial de pessoas e bens o vínculo conjugal e podendo terminar a separação judicial da pessoas e bens a todo o tempo pela reconciliação, não cremos que o legislador tivesse em mente um fresh start quanto ao regime de bens […], [a]figurando-se mesmo que a figura do fresh start é incompatível com o princípio da imutabilidade do regime de bens vigente no nosso ordenamento”.
Havia, consequentemente, que fazer “uma interpretação restritiva da exceção consagrada no artigo 1715.º c) do Código Civil, no sentido da alteração ao regime de bens, pela separação judicial de pessoas e bens, apenas se manter nas situações em que esta não termine pela reconciliação, mas sim pela dissolução do casamento”.
Portanto, “por efeitos da reconciliação homologada entre o A. e MA foi restaurado, com efeitos retroativos, o regime de bens que vigorava no seu casamento”, pelo que “[p]or força da reconciliação e dos efeitos jurídicos que entendemos a mesma implica, tudo se passou no domínio das relações patrimoniais entre o A. a MA como se a separação judicial de pessoas e bens não tivesse ocorrido, não produzindo a partilha outorgada efeitos entre ambos”.
Daí que, quanto ao prédio dos autos, este não fosse “bem próprio de MA, mas sim um bem comum do casal constituído pelo A. e por esta”, enquanto “bem que retom[ou] a natureza que tinha à data da sua aquisição e que teria se tivesse sido adquirido após a reconciliação”, na certeza de que entendimento contrário “levaria a que (…) os cônjuges conseguissem defraudar o princípio (…) da imutabilidade do regime de bens”.
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Ora, quanto à questão em apreço, cumpre-nos dizer, desde já, que a sua dilucidação pressupõe a solução a dar a dois problemas que, ainda que conexos entre si, são relativamente autónomos: por um lado, o de saber qual o regime de bens que passará a vigorar entre os cônjuges após a reconciliação; por outro lado, o de saber que extensão ou abrangência têm os efeitos do regime de bens relevante.
Saliente-se, apenas, no que tange a este segundo ponto, que a questão suscitada só tem verdadeiro relevo se o regime de bens a adotar for, como no caso dos autos é, o da comunhão de adquiridos, já que, em se tratando da comunhão geral ou de separação de bens, a solução é simples: atento o disposto nos art.ºs 1732.º e 1735.º do CC, serão, respetivamente, comuns ou próprios os bens que os cônjuges detenham à data da reconciliação.
Começando pelo primeiro, a separação de pessoas e bens constitui uma forma de modificação do estatuto matrimonial, que, como já se referiu acima, acarreta, nos termos do art.º 1795.º-A do CC, a extinção dos deveres de coabitação e assistência entre os cônjuges sem que, contudo, dissolva o casamento ou prejudique o direito a alimentos; quanto aos bens, contudo, produz os efeitos que produziria a dissolução do casamento.
Produzindo os efeitos que produziria a dissolução do casamento, isso implica que os cônjuges possam, como decorre do art.º 1689.º do CC, partilhar o património comum, recebendo os seus bens próprios e a sua meação naquele património, conferindo cada um deles o que dever a esse património.
Temos, assim, como refere Rita Lobo Xavier, que, com a separação de pessoas e bens, “termina o regime matrimonial em vigor, qualquer que ele seja, e que deixa de haver propriamente um ‘regime de bens’ do casamento” (in Efeitos Patrimoniais da Reconciliação dos Cônjuges Separados de Pessoas e Bens - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita, STVDIA IVRIDICA 96, Ad Honorem – 4, Coimbra, p. 1146). 
A separação de pessoas e bens constitui, por isso, aliás, como decorre expressamente da alínea c) do art.º 1715.º do CC, uma exceção ao princípio da imutabilidade do regime de bens, ao admitir a possibilidade de os cônjuges, apesar de se manterem casados, darem, através de partilha, um novo destino aos bens comuns.
A separação em causa pode terminar, contudo, não apenas com a definitiva dissolução do casamento operada pelo divórcio, mas, também, pela reconciliação (v. art.º 1795.º-B do CC), caso em que implicará o restabelecimento da vida em comum e o exercício pleno dos direitos e deveres conjugais.
Em termos patrimoniais a questão não é, contudo, clara.
Na versão originária do atual Código Civil, valendo-nos aqui do ensinamento de Pereira Coelho e de Guilherme Oliveira, o regime a considerar era o do art.º 1776.º, que determinava que, “a partir da reconciliação, os cônjuges se consideravam casados segundo o regime de separação de bens”.
A “Reforma de 1977, [contudo], revogou esta norma sem a substituir, não havendo neste momento uma disposição que forneça expressamente uma solução para este problema” (in Curso de Direito da Família, Vol. I, Introdução, Direito Matrimonial, 4.ª edição, Coimbra, 2008, p. 557 a 560 e 564 e seguintes, apud Rita Lobo Xavier, ibidem, p. 1146).
Como quer que seja, parece-nos que a solução dada a este problema pode ser vista hoje como relativamente consensual, quer doutrinal, quer jurisprudencialmente e passa pela ideia de que a reconciliação repõe em vigor o mesmo regime de bens que vigorava antes da separação.
Veja-se, nesse sentido, além da posição de Pereira Coelho (in Curso de Direito da Família, Coimbra, 1965, p. 428, apud Rita Lobo Xavier, ibidem, p. 1147), a de Pires de Lima e Antunes Varela, que referem que “[c]omo na nova redacção do artigo 1795-C nenhuma referência se faz” à separação de bens, tal como o anterior preceito fazia, “deve entender-se que a sociedade conjugal renasce com a reconciliação sobre o pano de fundo do regime de bens anterior” (in Código Civil Anotado, Vol. IV, Coimbra, 1992, p. 585).
No mesmo sentido aponta Rita Lobo Xavier, que justifica a adesão a esta posição com o seguinte elenco de argumentos:
“1. A natureza da reconciliação: trata-se de restabelecer a relação conjugal, de a restaurar, não há um novo casamento;
2. o princípio geral enunciado no n.º 1 do art.º 1795.º-C do Código Civil, que permite aos cônjuges restabelecer a vida em comum e o exercício pleno dos seus deveres conjugais, sem distinguir entre efeitos pessoais e patrimoniais;
3. o facto de a primitiva versão do Código Civil de 1966 conter uma disposição que apontava para uma alteração do regime de bens inicial, disposição que foi omitida pela Reforma de 1977, devendo considerar-se revogada;
4. o facto de o artigo 1795-C, que definia os termos da reconciliação, não fazer hoje qualquer referência ao regime de bens que deve vigorar, apenas podendo deduzir-se uma solução semelhante à que se adopta para a generalidade dos efeitos;
5. o facto de não vigorar qualquer regime de bens durante a separação de pessoas e bens, por isso não ser possível manter o regime estabelecido durante esse período;
6. o facto de ser a solução que melhor se coaduna com o, ainda vigente, princípio da imutabilidade dos regimes de bens;
7. o facto de ser a solução que melhor contribui para dissuadir as separações de pessoas e bens fraudulentas” (in. op. cit., p. 1148 e 1149).
É essa, também, a posição adotada no Acórdão da Relação do Porto de 09-03-1995, mencionado na sentença recorrida em reforço da decisão proferida, em cujo sumário se afirma expressamente que “[o] artigo 1795º alínea c) do Código Civil aboliu a regra de que a reconciliação dos cônjuges envolve a convolação obrigatória do regime de bens estabelecido, para o regime da separação de bens”, pelo que “[n]o momento presente, regressou-se ao regime que vigorava no domínio da vigência do Código de Seabra, e que constitui clara expressão do princípio da imutabilidade das convenções antenupciais, dada a circunstância da aludida reconciliação pôr termo à decretada separação judicial de pessoas e bens”.
Perante tais posições e, sobretudo, em face da concludência dos argumentos expostos para sustentá-la, não vemos razões para que nos desalinhemos dela, a ela se aderindo, portanto.
Temos, pois, como adquirido que, por efeitos da reconciliação, e na ausência de norma expressa que regulamente a questão, é reposto o mesmo regime de bens que vigorava antes da separação.
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Questão diversa é agora a de saber, e entroncamos no segundo problema acima enunciado, qual é a extensão ou abrangência da reposição do regime de bens inicial do casamento, o mesmo é perguntar se essa reposição tem efeitos retroativos à data da separação ou se, pelo contrário, tem meros efeitos para futuro, a partir da reconciliação.
E aqui reside verdadeiramente a solução do problema que nos ocupa.
Ora, já se viu que o tribunal a quo enveredou, na sentença recorrida, pela tese da retroatividade desses efeitos, escorada na posição de Antunes Varela e do mencionado Acórdão da Relação do Porto, sopesada à luz da razão de ser do princípio da imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens dos cônjuges.
Bem analisada a questão, contudo, porque mais consentânea com o regime legal em vigor e com os interesses subjacentes ao instituto jurídico em apreço, perspetivados à luz de uma visão atualista do direito da família, reputamos mais adequada a posição - de resto, defendida pelo Autor nas suas alegações - de que a reposição do regime de bens original dos cônjuges reconciliados só tem efeitos para futuro.
Essa é, desde logo, a posição expressa por Rita Lobo Xavier, referindo que “a reconciliação dos cônjuges implica hoje o recomeço do regime de bens anterior, ex novo e ex nunc, não tendo efeitos retroativos, como se não tivesse havido separação, e não envolvendo a ‘anulação’ da partilha que, entretanto, tiver sido feita”; no caso de reconciliação, como que haverá “uma espécie de fresh start quanto ao regime de bens” (ibidem, p. 1150).
Além deste ponderoso argumento de autoridade, essa é, também, a solução que melhor se coaduna com a realidade e normalidade das coisas.
Na verdade, uma vez separados judicialmente de pessoas e bens, terminou, como se viu, o “regime matrimonial” dos cônjuges e deixou de haver “um regime de bens” do casamento, a ponto de os cônjuges, independentemente de qual venha a ser o desfecho da separação (se se vai manter permanentemente como tal, se vai retroceder para a reconciliação ou se culminará na dissolução do casamento por divórcio) poderem partilhar o património comum e, depois, darem livre destino aos seus bens.
Ou seja, a partir do momento em que se separam de pessoas e bens, os cônjuges, relativamente aos bens que lhes couberam na partilha, agem como se não fossem casados, fazendo dos bens o que bem entenderem, podendo mantê-los no seu património, aliená-los, onerá-los, frutificá-los ou investir os seus frutos.
Pretender-se, assim, que, por via da reconciliação, os efeitos desta se retrotraiam ao início do casamento, destruindo a partilha feita, é, por conseguinte, não só desconsiderar toda a dinâmica imprimida pelos cônjuges aos bens de que passaram a dispor, como estabelecer uma ficção relativamente à situação do património do casal, convolando em comuns bens que, num determinado período temporal, foram próprios.
A ideia de que a reconciliação só produz, em termos patrimoniais, efeitos para futuro é, assim, a que melhor se coaduna com aquilo que, relativamente aos bens, ocorreu de facto e, portanto, com a normalidade das coisas.
Uma tal solução é, também, a que melhor se coaduna com a vontade dos cônjuges, a qual, independentemente da perspetiva que se possa ter a respeito da conceção do direito da família, não deixa de representar um valor em si mesmo que importa acautelar.
A vontade de duas pessoas de se unirem matrimonialmente e de, posteriormente, se manterem unidas na relação conjugal, de modificarem os termos da união, ou, inclusive, de lhe porem termo é e continuará a ser o pilar de sustentação do instituto jurídico do casamento.
Deste modo, se se reconhece valor à vontade coincidente dos cônjuges, além do mais, na separação de pessoas e bens entre ambos e na livre disposição dos bens subsequente à partilha que possam ter realizado, não se nos afigura coerente que, em caso de reconciliação, lhes seja imposto um regime que poderia ir contra a sua vontade e que, em último termo, desconsideraria toda a realidade vivenciada anteriormente.
Aliás, o fim último do direito da família é, quanto ao casamento, o da salvaguarda da estabilidade e da união conjugal, a ponto de, mesmo num caso de crise extrema da conjugalidade como é o da separação de pessoas e bens, não deixar de prever a possibilidade de reconciliação dos cônjuges.
A imposição de efeitos retroativos à reconciliação em termos patrimoniais poderia, contudo - perante a possibilidade de, desse modo, se depararem com uma realidade patrimonial totalmente diversa da que anteriormente tinham -, dificultar ou mesmo demover os cônjuges de o fazer, deturpando-se, assim, a finalidade da lei.
A solução que aqui se preconiza é, pois, também deste ponto de vista, a que melhor se adequa aos interesses que aqui importa acautelar.
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De referir, ainda, que, contrariamente ao defendido na sentença recorrida, se entende que o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens não deve constituir obstáculo a tal solução.
Desde logo, porque o próprio legislador, na alínea c) do n.º 1 art.º 1715.º do CC, admite a separação de pessoas e bens como uma exceção ao princípio da imutabilidade e, mesmo sabendo que a separação poderia redundar em reconciliação ou dissolução do casamento, não estabeleceu qualquer restrição a esse título.
Depois, porque a razão de ser do princípio, quer em si mesmo considerado, quer perspetivado à luz de uma visão atualista do direito da família, não pode impor uma tal restrição.
Na verdade, o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens resultantes da lei está previsto no art.º 1714.º, n.º 1 do CC no sentido de que, após o casamento, não é permitido aos cônjuges alterarem aquelas convenções ou o regime de casamento, convencionado ou supletivo (cfr. art.º 1717.º do CC), que adotaram.
De tal regime resulta que, uma vez casados, os cônjuges ficam sujeitos a um estatuto patrimonial que, por via de princípio, é inalterável e, portanto, “vitalício”.
De acordo com Pires de Lima e Antunes Varela teriam sido três as motivações que presidiram à consagração do princípio:
.- “afastar o risco sério de um dos cônjuges se aproveitar do ascendente psicológico eventualmente adquirido sobre o outro, através do convívio uxório, para obter alterações favoráveis do regime inicialmente fixado”;
.- “sendo as convenções antenupciais, por via de regra, verdadeiros pactos de família (…) e não um simples ajuste de interesses circunscrito aos futuros nubentes, não faria grande sentido que elas pudessem, mais tarde, (…) ser livremente alteradas por simples decisão dos cônjuges”;
.- “necessidade de salvaguardar os interesses de terceiros, cujas expectativas seriam bastante sacrificadas por um regime de livre modificabilidade das convenções”.
Tais razões estão hoje, contudo, face à evolução da sociedade e do próprio direito, e como refere o Autor nas suas alegações de recurso, especialmente dissipadas.
Na verdade, quanto à visão da convenção antenupcial enquanto pacto de família, além de chocar com a liberdade e autonomização da pessoa no seu seio familiar mais restrito, que é nota dominante da moderna conceção da família, não deve merecer especial relevo, por não estar em sintonia com o sistema jurídico visto na globalidade.
Tal como referem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira “os sujeitos da convenção antenupcial são os nubentes e só eles”, pelo que uma tal justificação “não se harmoniza com o direito português” (in ob. cit. p. 582).
Por outro lado, quanto ao suposto ascendente psicológico de um dos cônjuges sobre o outro, a evolução da instituição matrimonial vai no sentido da promoção da igualdade e da independência de cada um dos membros do casal, em total rota de colisão com a ideia pregressa do poder marital.
Como refere Rita Lobo Xavier “a consagração do princípio da igualdade entre cônjuges, em consequência da emancipação da mulher, parece ser incompatível com a existência de normas que, aparentemente, têm o objetivo de proteger um dos cônjuges contra o outro”.
Assim, “se a mulher hoje não está na dependência jurídica do marido, se é considerada igual a este em direitos, então não há necessidade de a proteger”, sendo que, “[p]elo contrário, deste ponto de vista, qualquer norma que tenha por objetivo proteger a mulher estará a inferiorizá-la, desvirtuando a igualdade” (in Limites à Autonomia Privada na Disciplina das Relações Patrimoniais entre os Cônjuges, Edições Almedina, 2000, p. 26, 27, 139 e 142).
Finalmente, quanto à tutela dos credores, apesar de se reconhecer que a inalterabilidade do regime de bens na pendência do casamento protege-os de decisões imprevisíveis ou fraudulentas dos cônjuges, o certo é que esse desiderato é tanto ou melhor acautelado, não só com o sistema de publicidade que o próprio Código Civil já prevê (v.g. art.ºs 1669.º e 1670.º do CC, aplicáveis à reconciliação por força do n.º 4 do art.º 1795.º-C), como com os meios de conservação da garantia patrimonial previstos nos art.ºs 605.º e seguintes do Código Civil.
Por este motivo, há hoje, inclusive, uma clara tendência doutrinal para questionar a própria existência do princípio da imutabilidade, ou, pelo menos, da amplitude com que ainda hoje é reconhecido, na certeza de que, como resulta da posição de Cristina Araújo Dias, transcrita nas alegações de recurso do Autor, tal princípio, “no seu sentido amplo, não se coaduna com as necessidades pessoais dos cônjuges, limitando excessivamente a sua autonomia e propiciando a realização de negócios simulados, por constituir um princípio demasiado rígido e por assentar em razões que estão hoje ultrapassadas” (in Alteração do Estatuto Patrimonial dos Cônjuges e a Responsabilidade por Dívidas, Coimbra, Almedina, 2018, p. 57).
Ora, como se disse, foi escudado, além do mais, no princípio da imutabilidade do regime de bens dos cônjuges que o tribunal a quo, na sentença recorrida, seguiu a posição da retroatividade dos efeitos patrimoniais da reconciliação dos cônjuges, invocando a razão de ser de tal princípio para interpretar restritivamente a alínea c) do art.º 1715.º do CC.
A conclusão a retirar do que acaba de ser dito é, pelo contrário, a de que ao princípio da imutabilidade não pode ser conferida uma visão de tal modo rígida que menospreze a dinâmica que hoje é consensualmente reconhecida e associada à sociedade conjugal.
Uma interpretação teleológica do preceito em análise não pode implicar, por isso, como na sentença recorrida implicou, uma interpretação restritiva do mesmo, afastando da sua previsão os casos de reconciliação dos cônjuges, mas sim, ao invés, uma interpretação que reconduza a reconciliação ao seu âmbito de proteção.
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Cumpre-nos, ainda a este propósito, dizer o seguinte.
Sendo certa a vigência do princípio da imutabilidade do regime de bens, não menos certa é, também, a vigência daquilo que podemos chamar, com Pires de Lima e Antunes Varela, um “sistema da liberdade” dos futuros cônjuges na definição daquele que virá a ser o seu estatuto conjugal patrimonial (ibidem, p. 358).
Na verdade, se, após o casamento, os cônjuges estão vinculados ao regime de bens, convencionado ou supletivo, que adotaram, antes do casamento gozam, nos termos do art.º 1698.º do CC, de total liberdade de fixação, em convenção antenupcial, do regime de bens do casamento, quer escolhendo um dos regimes previstos no Código Civil, quer estipulando o que a esse respeito lhes aprouver, dentro dos limites da lei.
Ora, a separação judicial de pessoas e bens configura uma modificação do estatuto matrimonial em que este, se se desvanece profundamente quanto aos direitos e deveres pessoais, pura e simplesmente acaba no que diz respeito aos direitos patrimoniais dos cônjuges.
A reconciliação do casal surge, assim, quanto ao património do casal, não como a continuação ou reposição de algo, mas como um verdadeiro recomeço, “do zero”, da sociedade conjugal; o mesmo é dizer, repita-se, como um “fresh start”.
A situação em que, relativamente aos bens, os cônjuges reconciliados se encontram aquando da reconciliação é, por isso, semelhante àquela em que os futuros cônjuges se encontram perante a iminência de se casarem entre si.
Se estes têm atrás de si uma vida de autonomia e independência que, em termos patrimoniais, só se refletirá na comunhão futura de ambos se for essa a sua vontade, também os primeiros têm atrás de si uma situação de total disponibilidade de bens despojada de qualquer comunhão.
É, aliás, estribados nesta visão das coisas que Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira rotulam os casos de reconciliação subsequente à separação de pessoas e bens como um “segundo casamento”, a ponto de sugerirem a possibilidade de “os cônjuges, antes da reconciliação, convencionarem um regime de bens diferente do anteriormente convencionado ou legalmente aplicado, desde que observada a forma exigida nos artigos 1710.º do Código Civil e 189.º do Código do Registo Civil” (in op. cit., p. 569, apud Rita Lobo Xavier, ibidem, p. 1154).
Ora, a possibilidade de celebração de uma convenção antenupcial prévia à reconciliação não deixaria de colidir com o cerne do princípio da imutabilidade do regime de bens, entendendo-se, por conseguinte, não ser defensável uma tal posição, pelo menos no quadro do direito atualmente vigente.
Como quer que seja, aquilo que importa retirar aqui é que a situação dos cônjuges em situação de reconciliação é, em termos patrimoniais, essencialmente a mesma dos futuros cônjuges, ou seja, trata-se de uma posição eminentemente vocacionada para o futuro.
E sendo vocacionada para o futuro, afigura-se-nos que a solução lógica e mais consentânea com os interesses que importa acautelar é a de reconhecer aos cônjuges reconciliados que, por efeitos da reconciliação, se restaura o regime de bens originário, mas que essa restauração só produz efeitos para futuro.
Assim o ditará, segundo se entende, a concatenação dos supra enunciados princípios da liberdade e da imutabilidade que regem, respetivamente, o estabelecimento e a vigência do regime patrimonial dos cônjuges.
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Ora, reportando-nos ao caso em apreço, a partir do momento em que o Autor e a MA partilharam os bens comuns de ambos, o lote de terreno que constituía a Verba n.º 7, porque adjudicado a esta, ingressou na sua esfera patrimonial e assim se manteve.
Por conseguinte, a construção da moradia que nele foi levada a cabo pelo Autor, já depois da partilha, incidiu sobre bem próprio da sua esposa e, assim, sobre bem alheio ao mesmo.
Ao contrário do sustentado na sentença recorrida, verifica-se, pois, o requisito, aqui em apreço, de aquisição da propriedade do prédio dos autos por acessão; a construção da moradia no terreno em causa foi, de facto, levada a cabo pelo Autor em terreno alheio.
Impõe-se, pois, que prossigamos a análise do nosso caso, aferindo se estão verificados os demais requisitos da acessão industrial imobiliária.
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Como se viu, são requisitos substantivos da acessão industrial imobiliária, além do que acaba de ser analisado, os seguintes:
.- a incorporação de uma obra em prédio (alheio) realizada voluntariamente pelo seu autor;
.- o emprego na obra de materiais pertencentes ao autor da incorporação;
.- que a incorporação da obra gere a constituição de uma unidade inseparável, permanente, definitiva e individualizada entre o terreno e a obra;
.- que o valor acrescentado pela obra superior ao valor que o prédio tinha antes da incorporação; e
.- que o autor da obra tenha agido de boa fé psicológica.
Relativamente a tais requisitos, cumpre tecer as seguintes considerações, por forma a que sejam adequadamente compreendidos e, desse modo, se afira da sua verificação no caso dos autos.
Resulta do vindo de considerar que é timbre da realidade material subjacente à acessão a ideia de “incorporação” do resultado da obra executada no prédio que se pretende adquirir.
Essa incorporação, na acessão aqui em apreço, resulta da intervenção humana, sendo, por conseguinte, “mecânica”.
Consiste, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, na reunião num “único corpo” da obra e do prédio onde foi executada, em termos tais que resulte “dela uma ligação material, definitiva e permanente entre a coisa acrescida e o prédio, que torne impossível a separação sem alteração da substância da coisa” (in Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra, 1987, p. 164).
Dito de outro modo, a incorporação aqui pressuposta, de acordo com Quirino Soares, assenta na “ideia de união de uma coisa a outra em termos que impliquem a perda da individualidade física e jurídica da coisa incorporada e, por decorrência, a impossibilidade de separação das duas coisas sem alterar substancialmente o conjunto obtido através da união” (in “Acessão e Benfeitorias”, Colectânea de Acórdãos do STJ, Ano IV, Tomo I, p. 12).
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Ao instituto jurídico da acessão subjaz, também, a ideia de ato material levado a cabo sobre prédio alheio que resulta em benefício ou na melhoria deste.
O conceito de acessão está, por conseguinte, próximo do conceito de benfeitorias, já que estas, consistindo, de acordo com o n.º 1 do art.º 216.º do CC, em despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa, representam, também, intervenções suscetíveis de a valorizar.
Além disso, os pressupostos objetivos de cada um dos conceitos tocam-se em variados aspetos, além de incidirem sobre realidades de facto muitas vezes semelhantes ou congéneres, pelo que a distinção entre um e outro não se mostra particularmente simples.
Importa, pois, até pela relevância que, como se verá, terá na dilucidação do nosso caso, que nos detenhamos na análise desta questão.
Seguindo o ensinamento de Quirino Soares (ibidem, p. 14 a 16), há que dizer que, na vigência do Código Civil de 1867, era exigido, no seu art.º 2306.º, correspondente ao atual art.º 1340.º, que quem pretendesse adquirir por acessão tivesse posse titulada e de boa fé sobre o prédio alheio.
Mas porque no art.º 499.º do mesmo código se conferia ao possuidor o direito a benfeitorias, houve a necessidade de desenvolvimento de um critério que, independentemente da posse, distinguisse efetivamente os conceitos.
E assim se chegou ao critério de que a acessão se caracterizava pelo “caráter inovador” que a incorporação trazia à coisa alheia, inovação essa materializada na alteração da “substância do objecto da posse”; era esta, como referido pelo citado Autor, a posição de Manuel Rodrigues e de Manuel de Andrade (in, respetivamente, A posse, 2.ª edição, p. 362; e Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. I, p. 274).
Este critério revelava-se, porém, falível já que inovações havia, por exemplo, as do locatário e do usufrutuário, cuja disciplina era, por força da lei, a das benfeitorias.
Desenvolveu-se, assim, a ideia de que “o critério distintivo [entre um e outro conceito] não podia ficar-se pelas características dos actos de incorporação, e devia, antes, situar-se no plano da conciliação dos dois regimes (…), numa perspetiva estritamente jurídica”.
Ora, atualmente, a posse deixou de constituir requisito de aquisição da propriedade por acessão, pelo que, de acordo com Pires de Lima e Antunes Varela, a distinção entre benfeitoria e acessão passou a residir na posição do autor da obra relativamente ao prédio onde a obra é executada.
Assim, para estes Autores, "a benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela".
Consequentemente, “são benfeitorias os melhoramentos feitos na coisa pelo proprietário (…), pelo possuidor (…), pelo locatário (…), pelo comodatário (…) e pelo usufrutuário (…); são acessões os melhoramentos feitos por qualquer terceiro, não relacionado juridicamente com a coisa, podendo esse terceiro ser um simples detentor ocasional”.
Ou seja, e em suma, acessão e benfeitorias “constituem fenómenos paralelos que se distinguem pela existência ou inexistência de uma relação jurídica que vincule a pessoa à coisa beneficiada” (in Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra, 1987, p. 163).
Esta posição tem obtido grande acolhimento na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, como decorre, a título meramente exemplificativo, dos seguintes Acórdãos:
.- desta Relação de Lisboa de 18-03-2004, segundo o qual “a acessão imobiliária pressupõe a existência de obra nova feita por pessoa que não tem qualquer vínculo com a coisa, enquanto a benfeitoria constitui um simples melhoramento da obra já existente por parte de pessoa ligada à coisa por relação ou vínculo jurídico;
.- da Relação de Coimbra de 17-05-2005, segundo o qual “as benfeitorias e a acessão são fenómenos paralelos que se distinguem pela existência ou inexistência de uma relação jurídica que vincule a pessoa à coisa beneficiada”;
.- da Relação de Évora de 23-04-2020, segundo o qual “a benfeitoria e a acessão, embora objetivamente se apresentem com carateres idênticos, pois há sempre um benefício material para a coisa, constituem realidades jurídicas distintas”, sendo a benfeitoria um “melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela”;
.- da Relação de Guimarães de 20-04-2023, segundo o qual “a benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico”, enquanto a “acessão, diversamente, é um fenómeno que vem do exterior, de uma pessoa que não tem contacto ou qualquer ligação jurídica com a coisa”;
.- da Relação do Porto de 25-06-2009, segundo o qual “de uma maneira simplista pode afirmar-se ser usual considerar-se que se está perante benfeitorias se quem realiza obras em coisa alheia tem uma ligação jurídica à coisa (…) e perante acessão industrial se tais obras são feitas por um terceiro, sem que entre ele o dono da coisa exista uma relação jurídica” (todos estes Acórdãos estão disponíveis na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt).
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Ora, face à valia dos argumentos expostos, não se vê razões para rejeitar a posição exposta, a ela se aderindo.
Isto, contudo, com duas precisões que importa fazer.
A primeira tem a ver com a relação do possuidor com a coisa alheia sobre que incide a obra incorporada.
Numa aplicação linear da posição que acaba de ser transcrita, o possuidor, mormente, o de boa fé, como que estaria arredado da possibilidade de adquirir a coisa alheia por acessão, independentemente de qual tenha sido a dimensão e o valor da obra que nela incorporou.
Uma tal conceção, contudo, poderia conduzir a resultados indesejados, já que restringiria o universo potencial de adquirentes por acessão ao estranho à coisa ou, quando muito, ao seu detentor precário, como que transformando em residual este modo de aquisição do direito de propriedade.
Isto, com a agravante de que a ingerência do autor da obra no prédio alheio pressuposta no conceito de acessão é de tal modo intensa que dificilmente se perspetivará a possibilidade de não assumir a roupagem da posse.
Ora, neste pressuposto, defende Quirino Soares que “o possuidor (tantas vezes convicto do seu domínio) exerce uma função social, encorajada pela lei; daí que, não obstante a aparência não coincidir frequentemente com a realidade, ela (a lei) o proteja” no quadro do regime das benfeitorias (art.ºs 1273.º e seguintes do CC), sendo que tal “proteção há-de ir até onde, razoavelmente, satisfaça o interesse do sujeito beneficiado com ela”.
Por conseguinte, apesar de a posse não constituir um vínculo bilateral entre o possuidor e o dono da coisa, não deixa de constituir um “vínculo universal” que conduzirá a que o regime das benfeitorias ceda perante o da acessão, quando, por efeito desta, “se opere a aquisição, pelo interventor, do domínio da coisa incorporada, e a consequente perda de domínio por parte do que era dono do terreno à data da incorporação” (ibidem, p. 15 e 16).
Temos, pois, que ao possuidor não está vedada a possibilidade de aquisição da propriedade por acessão, sempre que os termos da posse exercida, associada à verificação dos demais requisitos da acessão, assim o permita.
A acrescentar a esta posição, importa, ainda, referir que a atuação do terceiro deve ser exclusiva, no sentido de independente ou sem a comparticipação do proprietário da coisa (v., neste sentido, Acórdãos do STJ de 30 de abril de 2019, in www.dgsi.pt e de 08-02-1996, in CJ/STJ, 1996, T. I, p. 80 e seguintes).
A segunda correção a introduzir ao critério distintivo entre acessão e benfeitoria acima traçado é o da finalidade e da amplitude da incorporação realizada no prédio alheio.
Não basta, na verdade, uma qualquer incorporação para que, verificados os demais requisitos, se considere verificada a acessão. 
Para que tal aconteça, necessário será que, como refere Vaz Serra, da construção emerja “uma coisa nova, mediante alteração da substância [do prédio] em que a obra é feita” (in RLJ, Ano 108, p. 266, apud Acórdão do STJ de 20-04-2019, disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt).
A não ser assim, converteríamos em modo de adquirir a propriedade a intervenção de um terceiro em prédio alheio da qual nada mais resultou do que uma simples reparação ou melhoramento, resultado esse a enquadrar no conceito de benfeitoria.
É essa, também, a posição de Quirino Soares, segundo o qual “a possibilidade de o autor das obras adquirir por acessão, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 1340.º, dependerá, em qualquer dos casos, e à partida, da presença, nelas (obras), daquele quid (inovação) que acresce à melhoria inerente a toda a benfeitoria” (ibidem, p. ,18).
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É requisito da aquisição da propriedade por acessão, também, e como se viu, o da boa fé do autor da incorporação.
O conceito de boa fé vem definido no n.º 4 do art.º 1340.º do CC, segundo o qual se entende que há boa fé se o autor da obra desconhecia que o terreno era alheio ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno.
O conceito de boa fé aqui previsto reporta-se ao convencimento do autor da incorporação sobre a natureza alheia do prédio objeto da incorporação ou da existência de autorização para a incorporação, tratando-se, por isso, de um conceito de boa fé psicológica.
Boa fé relevante será, de todo o modo, a que se verifica “no momento da construção e, portanto, enquanto esta se realiza (v., neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, ibidem, p. 164 e Acórdão do STJ de 02-02-1973, in BMJ, n.º 224, 1973, p. 162).
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Importa abordar aqui, também, um outro aspecto do regime da acessão que é o do momento da aquisição do direito de propriedade pelo autor da incorporação.
De acordo com o disposto no artigo 1317º, alínea d) o momento da aquisição do direito de propriedade, em se tratando de acessão, é o da verificação dos factos respetivos, que, neste caso, seriam aqueles a cuja análise se procedeu anteriormente.
À primeira vista, radicando a acessão na ideia de incorporação, poder-se-ia perspetivar como automática a aquisição do direito de propriedade nela fundada, isto é, a aquisição processar-se-ia automaticamente à medida em que se processava a incorporação.
Uma tal solução, contudo, inviabilizaria a própria existência de acessão, já que, como refere Oliveira Ascensão, em se tratando, por exemplo, de construção de edifício, “porque a aquisição se faria pedra a pedra (…) nunca haveria a possibilidade de se formar um conjunto (…) que fosse globalmente adquirido” (in SCIENTIA IVRIDICA – Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Tomo XXII, 1973, p. 334).
Acresce que, como decorre do art.º 1340.º do CC, o autor da obra em prédio alheio “adquire pagando”, o que, além de evidenciar que o pagamento constitui, também ele, um requisito de aquisição, evidencia, também, que essa aquisição não deixa de estar dependente da vontade de adquirir do autor da incorporação.
A aquisição por acessão consiste, assim, de acordo com o mesmo Autor, num “modo potestativo de aquisição”, cuja concretização está dependente do efetivo pagamento da indemnização devida àquele que, por via da acessão, se vê privado da coisa (ibidem, p. 338 e 339).
Neste mesmo sentido aponta, pelo menos no que tange à modalidade de acessão em causa nestes autos, Quirino Soares, para quem “a aquisição, nas hipóteses dos n.ºs 1 e 2 [do art.º 1340.º] não é uma consequência forçada (automática) da referida incorporação, mas depende do exercício do correspondente direito potestativo, sendo, pois, nesse sentido, uma aquisição voluntária” (ibidem, p. 22).
Sem prejuízo, radicando o direito de adquirir, como se viu, na incorporação, a declaração de aquisição do direito retroage os seus efeitos ao momento dessa incorporação (v., neste sentido, Quirino Soares, ibidem, p. 22, bem como, entre outros, Acórdão da Relação do Porto de 12-09-2022, disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt).
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Quanto ao pagamento do valor devido, levantam-se, ainda, dois problemas que urge resolver, a saber: o da natureza da "indemnização" a pagar pelo construtor ao dono do terreno e o do modo como, na decisão judicial que declare o direito de adquirir deve ser ordenado o seu pagamento.
Comecemos pelo primeiro.
Como se viu o autor da incorporação tem de pagar o valor do terreno que pretende adquirir, sendo que "o valor do terreno será, naturalmente, o que ele tinha à data da incorporação" (v., neste sentido, Quirino Soares, ibidem, p. 22 e 23).
O que se pretende é saber se essa "indemnização" representa uma simples obrigação pecuniária, sujeita, como tal, ao princípio nominalista consagrado no artigo 550º do Código Civil, segundo o qual o credor suporta o risco da desvalorização da moeda, ou uma dívida de valor, atualizável em determinados termos.
Segundo Antunes Varela, as dívidas de valor são as que "não têm directamente por objecto o dinheiro, mas a prestação correspondente ao valor de certa coisa ou ao custo de determinado objectivo (...)", em que "o dinheiro deixa de ser nelas um instrumento (procurado) de trocas, para ser apenas a medida do valor de outras coisas ou serviços" (In “Das Obrigações em geral”, vol. 1, 7.ª edição, p. 857).
Ora, estando aqui em causa o valor do terreno que se pretende adquirir e não uma obrigação em que o mesmo valor aparece com objeto principal, parece dever concluir-se ser a dívida prevista neste artigo uma verdadeira dívida de valor, que, por não estar sujeita ao princípio nominalista, é suscetível de atualização em função dos índices dos preços ao consumidor - cfr. art.º 551.º (v., neste sentido, entre outros, Acórdão da Relação de Coimbra de 31-01-2006, disponível na internet, no sítio com o endereço já acima referenciado).
Ainda dentro deste problema, surge a questão de saber a que momento é que se deverá reportar a atualização devida, questão esta para a qual podemos perspetivar três respostas: ao momento em que o autor da incorporação declara a sua intenção de adquirir (o que, em último termo, equivale à introdução da ação correspondente em juízo); ao momento da prolação da decisão que reconhece o direito; ao momento do efetivo pagamento.
A este respeito, na senda do Acórdão do STJ de 31 de janeiro de 2017, perfilhamos este último entendimento.
Na verdade, estando em causa uma dívida de valor, em que prevalece o valor atualizado da coisa, sendo o dinheiro apenas a expressão da medida desse valor, é essencial que tal valor exprima, de facto, esse valor atualizado; de outra forma, não haveria justa indemnização.
Ora, tal desiderato, face às contingências inerentes ao decurso de um processo judicial, poderia ficar comprometido com a adoção das duas primeiras soluções.
Deste modo, tendo em conta que, como se referiu no citado Acórdão, “a transmissão da propriedade está condicionada ao pagamento por parte do acedente”, mostra-se mais consentânea com tal posição a terceira solução propugnada (Acórdão disponível na internet, no sítio com o endereço já mencionado; no mesmo sentido, v., ainda, Acórdão da Relação de Guimarães de 29-09-2016, disponível no mesmo endereço).
A atualização do valor do prédio reportar-se-á, pois, ao momento do pagamento.
Vejamos agora o segundo problema.
Prende-se ele com o facto de, sendo o pagamento da “indemnização” um pressuposto da aquisição da propriedade por acessão, como deverá proceder o tribunal na decisão que reconheça o direito do beneficiário da acessão relativamente a tal pagamento.
Uma solução possível é a preconizada por Oliveira Ascensão, no sentido de, por aplicação analógica do art.º 830.º, n.º 3 do CC, dever “o juiz fixar ao autor um prazo para consignar em depósito a sua prestação”, sob pena de a ação improceder (in op. cit., p. 345).
Tal solução não deve, quanto a nós, ser acolhida.
Na verdade, diversamente do que sucede no contrato-promessa, em que o valor da prestação já é certo, porque contratualmente fixado, na acessão a indemnização a pagar pelo autor da incorporação é indissociável da decisão judicial a proferir na ação de reconhecimento do direito, pois que é tal decisão que a fixa, que a constitui.
Acresce que esta solução implicaria o desdobramento da decisão judicial a proferir em dois momentos distintos, um a fixar ou, pelo menos, a pronunciar-se sobre a indemnização e a ordenar o pagamento e outro a reconhecer (ou não, caso o pagamento não fosse efetuado) o direito de aceder.
A melhor solução a adotar é, por isso, a preconizada por Quirino Soares: "mandar consignar em depósito a indemnização dentro de certo prazo após a prolação da sentença em que deu procedência ao pedido", sendo que, caso tal depósito não seja efetuado no prazo fixado, tal omissão acarretará a “caducidade” do direito já reconhecido (ibidem, p. 26, nota 98).
Isto, por aplicação analógica do então n.º 5 do art.º 28.º do D.L. 385/88, de 25/10; hoje do n.º 6 do art.º 31.ºdo DL n.º 294/2009, de 13 de outubro.
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.- Expostas estas considerações, vejamos agora se, em função dos factos provados, estão verificados - além do da natureza de bem alheio ao Autor do terreno onde este contruiu a moradia, que acima já se concluiu estar verificado - os demais pressupostos substantivos da acessão industrial imobiliária, na modalidade aqui em apreço.
A este respeito, cumpre ter presente a seguinte realidade de facto apurada.
A MA, depois de lhe ter sido adjudicado o lote de terreno para construção de moradia unifamiliar, sito no Casal da Carregueira, lote …, Belas, freguesia de Belas, concelho de Sintra, descrito na CRP sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, autorizou o Autor, por alturas do verão de 2004, a construir nele uma moradia unifamiliar, o que fez de forma verbal e explícita, em reunião familiar, na qual estavam presentes o A. e todos os filhos de ambos, aqui RR..
Essa autorização foi dada, por outro lado, de modo a permitir que o Autor construísse no terreno a moradia para ele próprio.
Investido na posse do terreno, de forma pública, contínua, sem oposição e na convicção de não lesar direitos de outrem, o Autor limpou o referido terreno e preparou-o para a construção da moradia unifamiliar, tendo igualmente apresentado o respetivo projeto de construção junto da Câmara Municipal de Sintra.
Neste contexto, obteve o alvará de obras de construção nº …/…, emitido em 06/04/2006, pela Câmara Municipal de Sintra e iniciou a construção da moradia no lote de terreno logo após a emissão do alvará.
No âmbito da construção, obteve, ainda, da Câmara Municipal de Sintra um alvará de licença de alterações nº …/…, de 11/01/2007 e um alvará de licença de obras de construção – licença especial nº …/…, de 26/10/2009.
Também no âmbito da construção da moradia e do seu licenciamento, pagou as taxas de loteamento de obras particulares e as taxas e os emolumentos de serviços prestados, que foram sendo devidos ao longo do processo, num valor total adicionado de €4.141,50.
A construção da moradia unifamiliar foi iniciada pelo Autor em abril de 2006 e concluída em finais de novembro de 2009 e dela resultou um prédio em propriedade total, destinado a habitação, com dois pisos e cinco divisões, com a área de implantação do edifício de 296 m2, com a área bruta de construção de 662,3391 m2, a área bruta dependente com 178,9199 m2 e a área bruta privativa de 483,4192 m2, tendo atualmente o valor patrimonial de €803.247,71.
Em 7 de dezembro de 2010, foi emitida pela Câmara Municipal de Sintra o alvará de utilização nº …/… para a moradia.
Mais resulta da factualidade apurada que foi do Autor a iniciativa da construção da moradia e que tal construção operou-se por sua própria conta e no seu próprio interesse, tendo sido ele que a levou a cabo em regime de administração direta, dada a sua profissão de engenheiro civil.
Com a construção, o Autor despendeu o montante total de €673.964,00 e isto depois de, para o efeito, contratar diversas empresas e pessoas singulares, a quem comprou materiais, contratou mão-de-obra e serviços, para execução de todos os trabalhos necessários, designadamente, escavações, caboucos, ferro, cimento, areia, alvenarias, massas e betumes, pladur, betonilhas, tintas e vernizes, madeiras, alumínio, caixilharias, aduelas, portas, roupeiros, móveis de cozinha, louças de cozinha e sanitárias, material elétrico, climatização, serviços de canalizador, ladrilhador, pedreiro, carpinteiro e outros.
Está provado, também, que a falecida MA, enquanto proprietária do terreno para construção, nunca teve qualquer comparticipação na construção da obra, tendo esta sido exclusivo encargo e iniciativa do Autor e, bem assim, que durante todo o tempo de execução da obra de construção, os Réus tiveram conhecimento da respetiva realização e andamento, sob administração direta do Autor.
Finalmente, provou-se que, à data da conclusão da construção, finais de novembro de 2009, o valor do terreno era de metade do valor de aquisição, ou seja, €120.709,09 e que o da moradia, à data da sua conclusão, finais de novembro de 2009, era de €700.000,00, sendo que, após inscrição da construção na matriz predial urbana, em 2012, a avaliação fiscal para efeitos de …-…, efetuada em 2011 (data da inscrição na matriz), foi de €773.920,00.
O valor da moradia construída é hoje de, pelo menos, €1.000.000,00”.
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Ora, perante tais dados de facto, concluímos que estão verificados todos os pressupostos da aquisição, pelo Autor, do prédio dos autos, por acessão.
Na verdade, o Autor levou a cabo a construção de moradia por vontade própria e mediante recurso a trabalhadores, a fornecedores, a matérias primas e a tudo o que se revelou necessário à construção a expensas suas.
Temos, por conseguinte, a incorporação em solo de terreno alheio por ato voluntário do seu autor, tendo por base materiais pertencentes ao autor da incorporação.
Acresce que o Autor, enquanto responsável pela construção, agiu autorizado pela proprietária do terreno e no estado psicológico, mesmo na sua relação com os Réus, de não estar a lesar direitos ou interesses alheios, o mesmo é dizer que agiu de boa fé.
Ademais, a incorporação em causa nos autos consistiu na construção de uma moradia em terreno alheio, da qual resultou, em si mesma, uma nova realidade materializada numa unidade inseparável, permanente, definitiva e individualizada entre o terreno e a obra.
O mesmo é dizer que a construção da moradia constituiu inegável inovação da coisa anteriormente existente, cuja substância, mercê da construção, foi radicalmente alterada.
De referir, ainda, que o Autor levou a cabo a construção da moradia sozinho e, portanto, sem qualquer comparticipação da proprietária do terreno.
Por outro lado, fê-lo sem vínculo contratual estabelecido com esta e, apesar de ter agido como possuidor do terreno, depois de, por tradição simbólica, o gozo deste lhe ter sido entregue pela sua proprietária (cfr. art.º 1263.º, al. b) do CC), o “vínculo universal” resultante da posse, associado às características da obra executada, mormente a “inovação” que dela resultou, situam o resultado obtido no plano da acessão e não no da benfeitoria.
De referir, ainda, que, sendo o terreno, à data da construção, bem próprio de MA, estando esta e o Autor separados de pessoas e bens e, portanto, sem quaisquer efeitos patrimoniais decorrentes do casamento de ambos, qualquer ato de disposição do terreno pela sua proprietária nunca careceria de consentimento do Autor (cfr. art.º 1682.º-A, n.º 1 do CC), sendo este, nessa medida, estranho ao bem.
Finalmente, o valor do terreno, à data da conclusão das obras, em finais de novembro de 2009, era de €120.709,09, enquanto que o da moradia, na mesma data, era de €700.000,00, donde se conclui que o valor acrescentado pela obra era manifestamente superior ao valor que o prédio tinha antes da incorporação.
Estão, pois, verificados todos os requisitos para que ao Autor se reconheça o direito de adquirir o prédio dos autos por acessão.
Resta, pois, apreciar a questão referente ao pagamento do valor devido por essa aquisição, que, como se viu, constitui, também ele, um requisito do reconhecimento do direito.
A esse respeito, o valor base do bem, à data da incorporação era o de €120.709,00; em se tratando, contudo, de dívida de valor, deverá o mesmo, como se viu, ser atualizado até à data do efetivo pagamento, em função da evolução do índice de preços do consumidor.
Tal valor deverá, também, em função do que acima foi dito, ser depositado pelo Autor, com recurso ao competente incidente de consignação em depósito, a deduzir em prazo que deverá coincidir com o propugnado pelo mesmo na ação, isto é, o de 30 dias, contados do trânsito em julgado desta decisão.
Tal valor, considerando que ele Autor também é herdeiro, legitimário e testamentário, da falecida proprietária do terreno, deverá ser repartido por cada um dos três Réus, na proporção de 1/6 (art.ºs 2131.º; 2132.º; 2133.º, n.º 1, al. a); 2136.º; 2139.º; 2156.º; 2157.º; 2159.º; e 2179.º; todos do Código Civil).
Em suma, merecerá o presente recurso, com as precisões relativas aos termos da indemnização a pagar pelo Autor e ao seu depósito, parcial provimento, com a consequente revogação da sentença recorrida.
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As custas são da responsabilidade do Autor, uma vez que os Réus, não tendo contestado a ação, não lhe deram causa e, tendo o Autor exercido um direito potestativo, foi quem dela tirou proveito (art.º 527.º, n.º 1 do Código Civil).
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IV.- Decisão
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso e, consequentemente, revogando-se a sentença recorrida, decide-se:
a) reconhecer e declarar que o Autor adquiriu a MA, por acessão industrial imobiliária, o prédio urbano composto de lote de terreno para construção de moradia unifamiliar, sito no Casal da Carregueira, lote …, Belas, freguesia de Belas, concelho de Sintra, descrito na CRP de Queluz sob a ficha …, da freguesia de Belas, onde se encontra registada a aquisição a seu favor pela cota G - 6, encontrando-se a emissão do alvará de loteamento registada pela cota F - 9, o qual estava inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo ….º;
b) reconhecer e declarar que o Autor é o dono, por tê-la construído, de uma moradia composta por edifício com dois pisos e logradouro, com a área coberta de 296m2 e descoberta de 1676,50m2, incorporada no lote de terreno para construção identificado na alínea anterior, hoje inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Queluz e Belas sob o art.º …;
c) reconhecer e declarar, consequentemente, que o Autor é dono do prédio urbano, sito em Casal da Carregueira, lote …, composto por edifício com dois pisos e logradouro, com a área coberta de 296 m2 e descoberta de 1676,50m2, descrito na CRP de Queluz sob o n.º …, da freguesia de Belas e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Queluz e Belas sob o artigo ….º, proveniente do anterior artigo ….º da freguesia de Belas;
d) declarar, para todos os efeitos legais e registrais, que a aquisição do lote de terreno para construção é o momento da incorporação da moradia no terreno, que ocorreu em 30 de novembro de 2009;
e) fixar o valor do terreno, no momento da incorporação da moradia, no montante de €120.709,09, a atualizar, até à data do seu efetivo pagamento, em função do índice de preços do consumidor;
f) determinar que o Autor, através do competente incidente de consignação em depósito, a deduzir no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado desta decisão, deposite o valor resultante do exposto em e), a favor de cada um dos Réus, na proporção de 1/6 para cada um, sob pena de, não o fazendo, caducar o direito reconhecido e declarado nos termos supra expostos nas alíneas a) a d).
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Custas pelo Recorrente.
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Lisboa, 26 de outubro de 2023
José Manuel Correia
Susana Maria Mesquita Gonçalves
Laurinda Gemas