ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
PRAZO DE RENOVAÇÃO
INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA
Sumário

I - A norma constante do nº 1 do artigo 1096º do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 13/2019, de 12.02, respeitante à renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação com prazo certo, é de natureza supletiva.
II - O uso da expressão “salvo estipulação em contrário” no início do mencionado preceito legal, significa que o legislador consentiu às partes a possibilidade de convencionarem prazos de renovação distintos dos nele previstos, designadamente de duração inferior a três anos.
III - Tal entendimento resulta não só da interpretação literal do preceito, mas igualmente da sua interpretação sistemática, pela conjugação, designadamente, dos artigos 1095.º, n.º 2, 1096.º, n.º 1 e 1097.º, n.º 3, todos do Código Civil.

Texto Integral

Processo nº 1467/22.1YLPRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Valongo – Juízo Local Cível, Juiz 2
Relator: Miguel Baldaia Morais
1ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade
2º Adjunto Des. Joaquim Moura

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SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO

A requerente “A..., S.A.” intentou procedimento especial de despejo, que veio a ser distribuído como ação especial de despejo, contra os requeridos AA e BB, pedindo a emissão de título para desocupação do locado, com vista ao despejo do mesmo.
Para tanto alegou que, em 01/08/2016, a “B...” celebrou com os requeridos um contrato de arrendamento para habitação permanente, com prazo certo, tendo por objeto mediato a fração autónoma “M”, a que corresponde o segundo andar direito-frente, com acesso pelo número ... do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., em ...-Valongo.
O imóvel locado foi vendido à requerente por escritura pública realizada em 30/09/2021, sendo que esta, por carta registada com aviso de receção enviada para o domicílio convencionado, opôs-se à renovação do contrato de arrendamento.
Acrescenta que, apesar da mencionada interpelação, os requeridos não procederam, no término do contrato (31 de julho de 2022), à entrega voluntária do imóvel locado, devoluto de pessoas e bens, com todos os elementos (propriedade da proprietária) incluídos.
Os requeridos deduziram oposição, alegando, em suma, que o contrato se mantém em vigor, porquanto, apesar de nele constar a renovação automática por períodos de 1 ano, é aplicável o disposto no artigo 1096º, nº 1 do Código Civil (na redação que lhe foi dada pela Lei nº 13/2019, de 12.02), que prevê, imperativamente, a renovação por períodos de 3 anos.
Realizou-se audiência final, vindo a ser proferida sentença na qual se decidiu julgar «a ação procedente e, consequentemente, ordenar a desocupação do imóvel, devendo os requeridos restitui-lo à requerente livre de pessoas e bens, imediatamente após o trânsito em julgado».
Inconformada com o aludido ato decisório veio a requerida interpor recurso do mesmo, o qual foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito suspensivo da decisão.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
1º Com o devido respeito, a aqui apelante considera que a douta sentença recorrida merece censura quanto à fundamentação jurídica.
2º A recorrente não aceita a decisão do Tribunal da primeira instância que julga procedente a ação de despejo, por considerar eficaz a oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado com a aqui apelante, e ordena a desocupação do imóvel, com a restituição do imóvel livre de pessoas e bens imediatamente após o trânsito em julgado da sentença.
3º A recorrente não concorda com a sentença recorrida ao afastar a aplicação, ao contrato de arrendamento em discussão, do prazo para a renovação do contrato de arrendamento previsto no número 1 do artigo 1096º do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, por considerar que tem natureza supletiva.
4º A recorrente submete à apreciação a seguinte questão: Saber se, ao prever que os contratos de arrendamento com prazo certo para habitação permanente se renovam automaticamente por períodos sucessivos de igual duração ou, se esta for inferior, de três anos, o nº 1 do artº 1096º do Código Civil impede que as partes fixem um período de renovação inferior a três anos.
5º Desde a entrada em vigor da Lei 13/2019, a doutrina e a jurisprudência tem-se dividido quanto à interpretação desta norma e à real intenção do legislador.
6º E se é certo que a posição assumida nos acórdãos mencionados na douta sentença recorrida (Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.03.2022, Processo 8851/21.6T8LRS.L1-6, e de 10.01.2023, Processo 1278/22.4YLPRT.L1-7) vão no sentido da supletividade da referida norma, outros advogam a sua imperatividade, como são o caso do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.11.2022 (Relatora: Maria Adelaide Domingos), Processo 126/21.7T8ABF.E1; e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (Relatora: Rosália Cunha), Processo 795/20.5T8VNF.G1. (in www.dgsi.pt).
7º No caso em apreço, a ora recorrente celebrou em 01/08/2016, com a B..., um Contrato de Arrendamento para Habitação Permanente, intitulado “...”, no qual, na cláusula 2.1., é estabelecido que “O arrendamento é celebrado por prazo certo … e terá a duração de 5 (cinco) anos, com início em 01 de Agosto de 2016 e termo em 31 de Julho de 2021 e renovar-se-á por iguais e sucessivos prazos de 1 (um) ano, salvo se for denunciado…”.
8º Seguindo de perto a posição assumida nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo 795/20.5T8VNF.G1 e do Tribunal da Relação de Évora de 10.11.2022, Processo 126/21.7T8ABF.E1, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, nos arrendamentos para habitação permanente, a liberdade dos contratantes sofreu limitações quanto à sua renovação pois, ainda que possam convencionar a exclusão da possibilidade de qualquer renovação, só poderão convencionar prazo de renovação igual ou superior a três anos se esta for inferior.
9º Parece ter sido intenção do legislador, não obstante consagrar a possibilidade de exclusão da renovação, em prol da liberdade contratual das partes, não cessando o contrato no fim do prazo acordado, garantir a maior estabilidade possível dos arrendamentos habitacionais e dos agregados familiares.
10º Neste sentido, no artigo 1º da Lei n.º 13/2019 se enuncia que a mesma vem estabelecer medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios e a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano.
11º Pelo que, na renovação do contrato, ainda que as partes possam convencionar a exclusão da possibilidade de qualquer renovação (ao se estabelecer “salvo estipulação em contrário”) só terão liberdade para convencionar prazo de renovação superior a três anos, impondo o legislador um prazo mínimo de três anos, também imperativo.
12º Por isso, no seu termo, os contratos de arrendamento com prazo para habitação permanente renovam-se automaticamente, por períodos sucessivos de igual duração ou, se esta for inferior, de três anos, em conformidade com o estipulado no número 1 do artigo 1096º do Código Civil.
13º Este regime introduzido pela Lei n.º 13/2019 tem aplicação ao contrato em causa nos autos, não obstante o mesmo ter sido celebrado em data anterior à sua entrada em vigor pois, no que respeita à aplicação da lei no tempo, em conformidade com a regra geral do artigo 12º n.º 2 do Código Civil, estas alterações aplicam-se não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso.
14º Assim, o prazo para a renovação do contrato de arrendamento previsto no número 1 do artigo 1096º do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, que entrou em vigor em 13 de fevereiro de 2019, aplica-se ao contrato de arrendamento em discussão.
15º Assim, a comunicação efetuada pela recorrida à recorrente de oposição à renovação do contrato de arrendamento, e de que este cessaria a 31 de Julho de 2022, não respeita aquele prazo, não produzindo efeitos, uma vez que, encontrando-se em curso o prazo decorrente da renovação, que ocorreu em 01 de Agosto de 2021, mantém-se em vigor o contrato.
16º Pelo que, por força da alteração ocorrida com a Lei n.º 13/2019, de 12/02, que se aplicou às relações em vigor, é inválida e ineficaz a oposição à renovação do contrato de arrendamento em causa nos autos.
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A autora apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, a questão a decidir consiste em determinar se o ajuizado contrato de arrendamento se extinguiu por caducidade (por oposição tempestiva à renovação) em 31 de julho de 2022 ou se, pelo contrário, se renovou até 31 de julho de 2024.
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO

O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. Por documento escrito datado de 01/08/2016, a “B...”, com o NIPC ..., cedeu aos requeridos o gozo temporário da fração autónoma “M”, a que corresponde o Segundo Andar Direito Frente, com acesso pelo número ... do prédio em propriedade horizontal, sito na Rua ..., em ...-Valongo, descrita na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o número .../... e inscrita na matriz predial urbana com o Artigo ..., com prazo de duração inicial de 5 anos, renovável por iguais e sucessivos prazos de 1 (um) ano, salvo denúncia das partes.
2. A renda inicialmente prevista era de € 275,00 (duzentos e setenta e cinco euros), devendo ser paga ao primeiro dia útil do mês anterior a que a renda diga respeito.
3. O imóvel locado foi vendido à requerente por Escritura Pública realizada em 30/09/2021 encontrando-se registada a aquisição pela Ap. ... de 2021/11/16.
4. Por meio de cartas registadas com aviso de receção enviadas para o domicílio convencionado, a requerente comunicou aos requeridos que “não pretendemos renovar o contrato de arrendamento com termo certo celebrado em 2016-08-01, relativo ao imóvel” em causa nos autos e que “o referido contrato cessará em 2022-07-31”.
5. Na cláusula 2.1. do contrato é estabelecido que “O arrendamento é celebrado por prazo certo … e terá a duração de 5 (cinco) anos, com início em 01 de Agosto de 2016 e termo em 31 de Julho de 2021 e renovar-se-á por iguais e sucessivos prazos de 1 (um) ano, salvo se for denunciado…”.
6. Após receber a carta de oposição à renovação do contrato de arrendamento, a requerida deslocou-se ao escritório da requerente, na Rua ..., no Porto, onde falou com duas funcionárias, referindo que pretendia manter-se no apartamento.
7. Tais colaboradoras da requerente transmitiram que teria de efetuar novo contrato e que, de acordo com a tabela que consultaram no momento, teria de passar a pagar € 590,00,
8. Valor este que a requerida aceitou no momento.
9. Nessa altura, as mesmas responderam que iriam submeter a proposta ao departamento comercial e que requerida teria de aguardar por um contacto desse departamento.
10. Por várias vezes, a requerida telefonou para o indicado escritório a insistir na resposta.
11. Onde lhe diziam que a proposta da requerida encontrava-se registada no computador, mas teria de continuar a aguardar por um contacto do departamento comercial.
12. Em 22 agosto de 2022, voltou a telefonar para o referido escritório, tendo sido transferida a chamada para o departamento comercial.
13. Falou então com CC que, depois de alguma troca de argumentos, lhe referiu que a proposta de pagamento de renda de € 590,00 não era aceitável pois, face à atualização do mercado, o seu valor passara para € 720,00.
14. Ao que requerida objetou que o valor de € 720,00 seria o adequado para as casas devolutas por terem sofrido obras, nomeadamente de renovação das casas de banho e das cozinhas, enquanto que a fração que ocupa tem humidade nas paredes e tetos dos quartos e casa de banho e a cozinha não está equipada, sendo nunca a requerente dera qualquer resposta à requerida quanto à proposta de celebração de novo contrato de arrendamento, mediante o pagamento de uma nova renda de € 590,00, apesar das insistências.
15. A requerida voltou ao escritório da requerente no dia seguinte, dia 23 de agosto de 2022, onde solicitou que lhe fornecessem a relação dos documentos necessários à elaboração do novo contrato.
16. No mesmo dia, passado cerca de uma hora depois de ter saído do escritório, recebeu um telefonema a confirmar o seu endereço de correio eletrónico e, logo de seguida, recebeu e-mail com a indicação de um valor mínimo de renda, a lista dos documentos necessários e formulário para apresentar nova proposta.
17. No dia 29 de agosto de 2022, a requerida apresentou, por email, uma proposta para celebração de novo contrato de arrendamento, mediante o pagamento de uma renda de € 650,00, à qual anexou documentos.
18. Posteriormente, a requerida telefonou a CC (do departamento comercial) que lhe comunicou que a proposta seria aceitável, devendo aguardar um seu contacto com a resposta.
19. Em 22 de setembro de 2022, recebeu a citação para a presente ação.
20. De imediato, tentou falar, sem sucesso, com CC.
21. No dia seguinte, conseguiu que o referido senhor a atendesse que informou que continuava a aguardar a decisão do proprietário.
22. A fração objeto dos autos é habitada pela requerida e seu agregado familiar, do qual faz parte uma filha menor de 3 anos de idade.
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IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

Como emerge dos autos, o ajuizado contrato de arrendamento para habitação permanente, com prazo certo, foi celebrado, no dia 1 de agosto de 2016, entre a “B...” (na qualidade de senhoria, em cuja posição jurídica sucedeu, no ínterim, a requerente na sequência do ato translativo mencionado no ponto nº 3 dos factos provados) e os requeridos (na qualidade de arrendatários).
Nessa ocasião vigorava o artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na redação que lhe foi aportada pela Lei nº 31/2012, de 14.08, no qual se estipulava que, salvo estipulação em contrário, o contrato de arrendamento habitacional celebrado com prazo certo renovava-se automaticamente no seu termo por períodos sucessivos de igual duração.
A propósito desta norma, não existiam dúvidas de que, por um lado, às partes era permitido celebrar um contrato sem renovação automática, isto é, que previsse a caducidade do mesmo com o decurso do prazo estipulado. Por outro lado, não tendo as partes excluído o regime da renovação automática, podiam as mesmas estabelecer livremente os prazos aplicáveis a tais renovações (sem prejuízo do limite máximo de 30 anos previsto no artigo 1025.º do Código Civil).
A solução era clara e de compreensão uniforme, o que promovia a segurança jurídica da legislação arrendatícia. Tal contexto veio a ser profundamente alterado com a entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12.02, que, como nela se assinala, teve como desígnio introduzir “medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade”.
Entre outras alterações relevantes, o citado diploma legal atribuiu uma nova redação ao artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, que passou a dispor o seguinte: «[S]alvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte».
A referida alteração não veio afetar a possibilidade de as partes afastarem o regime da renovação automática do contrato de arrendamento, tal como já permitido ao abrigo da redação anterior. Porém, em relação ao regime aplicável ao prazo da renovação, rapidamente se instalou dissenso quer na doutrina quer na jurisprudência quanto à real intenção do legislador. Essencialmente, a discussão centra-se sobretudo em determinar se o legislador pretendeu instituir, quanto ao prazo da renovação, um regime de caráter imperativo ou, ao invés, de caráter meramente supletivo, o que se traduz, em suma, em saber se o prazo de três anos de renovação referido na norma deve valer como prazo mínimo a observar na ausência de estipulação das partes, ou se tal prazo mínimo de três anos é, na verdade, um prazo imperativo, que não pode ser afastado pela vontade das partes, quando estas não excluam expressamente a renovação automática do contrato. De acordo com este último entendimento, as partes têm o direito de estipular prazos de renovação diferentes do prazo inicial do contrato, desde que por prazo não inferior a três anos, que corresponde a um limiar mínimo obrigatório.
Tal é, precisamente, a questão que se coloca no presente recurso, sendo que, apesar de o contrato ter sido celebrado no domínio da Lei nº 13/2012, de 14.08, a nova redação do nº 1 do art. 1096º é aplicável à ajuizada relação arrendatícia, por mor da regra de direito transitório material plasmada na 2ª parte do nº 2 do art. 12º do Cód. Civil, posto que dispõe sobre o conteúdo de relação jurídica já constituída e que se mantém, por se estar em presença de contrato de execução duradoura.
No ato decisório sob censura foi sufragada a tese de que a referida dimensão normativa assume natureza supletiva, na decorrência do que considerou que, tendo o contrato sido celebrado pelo prazo de cinco anos, renovando-se, nos termos da sua cláusula 2ª, por sucessivos períodos de um ano, a oposição à renovação operada pela requerente/senhoria em 21 de fevereiro de 2022 é válida e eficaz, razão pela qual esse vínculo contratual cessou no dia 31 de julho desse mesmo ano.
A apelante rebela-se contra esse segmento decisório, sustentando que, contrariamente ao entendimento sufragado na sentença recorrida, a norma em causa reveste natureza imperativa, o que obstaculiza que as partes fixem um período de renovação inferior a três anos, o que, in casu, significa ser inválida e ineficaz a oposição à sua renovação manifestada pela requerente, porquanto tal vínculo se renovou, mantendo-se em vigor até 31 de julho de 2024.
Que dizer?
Como se deu nota, a equacionada questão não tem obtido uma resposta unívoca quer na doutrina quer na jurisprudência pátrias.
Assim, os sequazes da tese que advoga a natureza cogente da norma, apelam, fundamentalmente, ao seu elemento teleológico, posto que o legislador ao definir um período mínimo de renovação (de três anos), pretendeu conferir uma maior proteção ao arrendatário, dotando o contrato de arrendamento de uma maior estabilidade e limitando a liberdade de estipulação das partes quanto a esta matéria. A liberdade de estipulação fica limitada à possibilidade de ser ou não convencionado a renovação automática do contrato sendo esse o significado que se atribui à expressão “salvo estipulação em contrário”. O prazo de renovação poderá ficar convencionado, desde que respeite o referido mínimo legal de três anos.
Isso mesmo é sustentado por MARIA OLINDA GARCIA[1], a qual, a este respeito, escreve que «atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova por períodos sucessivos de igual duração, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos.
Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência.
Se as partes não convencionarem a exclusão da renovação, o senhorio só poderá impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos na hipótese que agora é criada pelo n.º 4 do artigo 1097.º, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau».
Este posicionamento tem obtido acolhimento em diversos arestos, designadamente dos Tribunais da Relação[2], afirmando-se que, ainda que as partes possam convencionar a exclusão da possibilidade de qualquer renovação, quando não o façam somente terão a liberdade para convencionar prazo de renovação superior a três anos, impondo o legislador, de modo imperativo, um prazo mínimo de três anos
Já a posição que qualifica a norma em causa como supletiva assenta, primordialmente, na ideia de que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes – e menores – dos supletivamente fixados pela lei.
Isso mesmo é enfatizado por PINTO FURTADO[3] que, a propósito da interpretação da expressão “ou de três anos se esta for inferior” utilizada no nº 1 do art. 1096º, questiona se, com ela, se pretendeu fixar renovações de nunca menos de três anos, concluindo, mais adiante, «que semelhante dúvida é efetivamente dissolvida pelo disposto no art. 1097º/3, na redação da mesma Reforma, segundo o qual “a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo”.
O que o legislador agora pretendeu fixar foi apenas que, se a duração contratual estipulada fosse de dimensão inferior a três anos, o senhorio só poderia inicialmente lançar uma oposição à renovação quando preenchidos, no mínimo, três anos sobre a sua celebração.
Parece, pois, de pensar de tudo isto que é perfeitamente legítimo estipularem-se “renovações” de períodos iguais entre si, ainda que diferentes da duração contratual.
Cremos portanto e em conclusão poder validamente estabelecer, ao celebrar-se o contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações, de dois ou de um ano, quatro ou cinco, como enfim se pretender».
Em idêntico sentido milita EDGAR MARTINS VALENTE[4], o qual defende que «em termos práticos, caso as partes celebrem contrato de arrendamento para habitação permanente pelo prazo certo de um ano sem convenção em sentido contrário, este, findo o prazo de um ano, renovar-se-á por um período de três anos, não sendo atualmente admissível renovação supletiva por período inferior, ao invés do que sucede se as partes celebrarem um contrato com a duração inicial de, por exemplo, quatro anos, findo os quais, o contrato se renovará por período de tempo de igual duração.
Note-se que as partes, à semelhança do que já sucedia na redação anterior da norma, podem definir regras distintas, designadamente estabelecendo a não renovação do contrato, ou a sua renovação por períodos diferentes dos referidos, atenta a natureza supletiva da norma em questão, conforme resulta da parte inicial do nº do artigo, tal significando que as referidas regras constantes do preceito alterado apenas serão aplicáveis na ausência de acordo ou estipulação contratual das partes em sentido diverso, sendo certo que na ausência de qualquer disposição diversa das partes, o período mínimo de renovação do contrato é de três anos».
Cotejando a argumentação que tem sido apresentada em sustentação de cada uma das enunciadas posições, afigura-se-nos que o prazo previsto no nº 1 do art. 1096º tem natureza supletiva, permitindo a lei prazos de renovação inferiores a três anos, desde que as partes nisso tenham convencionado, entendimento que não afronta o espírito do legislador, embora o mesmo se afigure pouco transparente, estando conforme o elemento literal e o elemento sistemático da interpretação da norma em causa.
De facto, como adrede se sublinha no acórdão da Relação de Lisboa de 17.03.2022[5] «quer numa quer noutra das versões, se admite que as partes afastem a renovação automática do contrato celebrado ou prevejam período distinto (superior ou inferior) do inicial, após essa renovação.
A diferença encontra-se apenas no aditamento de uma limitação temporal à duração desse período de duração do contrato, após a renovação: não pode ser inferior a três anos, caso o período inicial de duração do contrato seja inferior a três anos.
Da letra da alteração legislativa de 2019 apenas se retira um efeito: nos contratos de arrendamento de duração inicial inferior a 3 anos, a renovação automática dos mesmos (quando opera), verifica-se por um período sucessivo de três anos (necessariamente maior do que o período inicial).
Trata-se de uma solução que “foge” à lógica da regra da renovação automática, fixando-se um período sucessivo extraordinário de três anos para um contrato de duração inicial inferior.
Mas foi a opção do legislador.
O passo seguinte constitui em apurar se a fixação por força de lei desse período sucessivo extraordinário de três anos constitui norma imperativa ou supletiva, ou seja, se as partes podem afastar tal regra, ao abrigo do princípio da liberdade de estipulação contratual.
Debalde encontramos resposta no seio da Lei 13/2019, pois da mesma apenas se retira que o seu objeto é o seguinte: A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.
A solução, na ausência de letra expressa, encontra-se na ponderação dos fins pretendidos com a alteração legislativa: a limitação imperativa à estipulação de períodos de renovação sucessiva inferiores a três anos corrige situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, reforça a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e protege arrendatários em situação de especial fragilidade?
Ora, parece-nos que a resposta há-de ser negativa, pois nesse caso, o legislador “esqueceu-se” de proteger ou prosseguir tais fins com igual intensidade no período de duração inicial do contrato.
Efetivamente, a mesma Lei 13/2019 estabeleceu, como limite mínimo dessa duração o período de um ano, na redação dada ao nº 2 do art. 1095º do mesmo Código […].
E tal norma, pela sua própria natureza, assume força imperativa: a ampliação ou redução automática dos prazos mínimo e máximo de duração inicial para um e trinta anos, significa que esses limites mínimos e máximos não podem ser derrogados por estipulação das partes no contrato celebrado.
Ou seja, e para o que agora releva, imperativo é que o contrato de arrendamento tenha a duração mínima de um ano (duração inicial ou sucessiva de um ano).
Não se antevendo da Lei 13/2019 qualquer intenção de conferir maior proteção ao arrendatário no período sucessivo daquela concedida no período inicial.
Desde logo, por não se demonstrar constituir o período sucessivo à renovação uma situação de maior desequilíbrio entre arrendatário e senhorio, de maior necessidade de segurança e estabilidade do arrendamento urbano e de maior fragilidade do arrendatário relativamente ao período inicial de duração do mesmo contrato de arrendamento.
Por fim, refira-se que o processo legislativo […] pouco esclarece a intenção do legislador, pois a alteração do art. 1096º tem origem em proposta de alteração do Grupo Parlamentar do Partido Socialista à Proposta de Lei nº 129/XIII/3, no seio da discussão na Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação – sendo que a Proposta inicial do Governo em nada se referia a este preceito em concreto.
Ou seja, a alteração ao preceito surge no decurso da discussão parlamentar da Proposta de Lei, sem lograrmos apurar o fio condutor ou a intenção do legislador, no caso.
[…]
Concluir que a lei pretendeu garantir uma duração sucessiva à renovação de três anos, porque estabeleceu como imperativo esse limite mínimo terá tanto valor argumentativo como concluir que a lei estabeleceu como imperativo esse limite mínimo porque pretendeu garantir uma duração sucessiva à renovação de três anos.
Uma e outra aceção, encontrando-se por demonstrar.
Não se desconhecem decisões contrárias, no sentido da imperatividade da alteração legislativa da Lei nº 13/2019 […].
Contudo, não concordamos com tal posição, com o maior respeito pela mesma, na medida em que a argumentação que as sustenta é construída sempre desta forma: a norma é imperativa, porque a lei pretendeu definir um limite mínimo de três anos ao contrato de arrendamento.
Ora, como se viu, nem a lei foi expressa nessa imperatividade nem a sua intenção terá sido constante, pois apenas se constata a imperatividade da duração do período inicial de um ano.
Não se demonstrando essa imperatividade, quer pela letra quer pelo espírito da Lei, vigora o princípio da liberdade contratual, estabelecido no art. 405º do Código Civil».
E, em análogo sentido se escreve no já citado acórdão da Relação de Lisboa de 10.01.2023 que «Em primeiro lugar, é patente que as partes são livres de estabelecer o prazo do arrendamento entre os prazos mínimos de um ano e máximo de trinta anos, conforme deflui do Artigo 1095º, nº2, do Código, na redação da Lei nº 13/2019, de 12.2.
Em segundo lugar, da ressalva inicial do nº 2 do Artigo 1096º (“Salvo estipulação em contrário”) decorre que as partes podem, ab initio, convencionar que o contrato de arrendamento não será renovado.
Em terceiro lugar, estipulando as partes que o contrato será renovável, são livres de estabelecer prazos diferenciados de renovação, sendo o prazo de três anos (introduzido pela Lei nº 13/2019) um prazo supletivo a aplicar nos casos em que as partes não concretizem o prazo da renovação (silêncio do contrato), apesar de preverem a renovação do contrato. De facto, se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus; cf. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, p. 443).
A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº 1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º, nos termos do qual “A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.
Ou seja, a tutela do inquilino e da estabilidade do arrendamento decorre diretamente desta norma e não propriamente do nº1 do Artigo 1096º do Código Civil.
De facto, a tese segundo a qual, a prever-se a renovação do contrato, esta ocorre imperativamente por um prazo mínimo de três anos sucumbe quando confrontada com o disposto no nº 3 do artigo 1097º do Código Civil.
Na verdade, na lógica dessa tese, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Ora, se assim fosse, o disposto no nº 3 do artigo 1097º não faria qualquer sentido, tratando-se de uma norma inútil e espúria porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº 3 do artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo, ou seja, o direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato. A tutela da estabilidade do arrendamento está aqui e não propriamente no nº 1 do artigo 1096º.
Assim, na discussão da questão em apreço, o elemento interpretativo da lei que mais releva não é propriamente o teleológico, mas sim o sistemático».
Isso mesmo é igualmente posto em evidência no acórdão desta Relação de 23.03.2023, onde se escreve que “...percorrido o atual regime do arrendamento para habitação com prazo certo, o que dele decorre é que:
- há um prazo mínimo de um ano e um prazo máximo de 30 anos, que são imperativos;
- o arrendamento não pode ter duração inferior a um ano, mas pode durar apenas esse ano, caso se preveja a sua não renovação automática;
- estando prevista a sua não renovação automática, o arrendamento durará menos de três anos se for celebrado pelo prazo de um ou pelo prazo de dois anos.
Vistas estas situações, que resultam da conjugação dos arts. 1095º, nº 2, 1096º, nº 1, e 1097º, nº 3, do Código Civil, realmente não se percebe que nestes casos o legislador não quisesse proteger a segurança e estabilidade do arrendamento por mais tempo e não se tenha preocupado com a situação de desequilíbrio entre senhorio e arrendatário, e só o tivesse pretendido fazer nos casos de renovação automática em que o período inicial de duração fosse de um ou dois anos. Menos se percebe esta discrepância, se considerarmos a posição que defende que apenas o prazo de 3 anos como mínimo para a renovação é imperativo, o que significaria que no caso de contratos celebrados por 4 ou mais anos o prazo de renovação poderia ser fixado em período inferior ao inicial (desde que no mínimo 3 anos): também aqui se poderia questionar o porquê de num contrato com duração inicial de 10 anos se poder fixar a renovação por períodos de 3 anos, inferiores a um terço do período inicial – neste caso já não estaria em causa a estabilidade do arrendamento, nem seria relevante o desequilíbrio de posições entre as partes?
Portanto, o que pode concluir-se em termos de lógica do sistema e de boa interpretação do português utilizado no texto da norma é que o legislador pretendeu que nos casos em que as partes não quiseram regular expressamente essa matéria as renovações automáticas não fossem por períodos inferiores a 3 anos, mas não pretendeu que o não pudessem fazer de modo diferente, unicamente com as exceções já referidas, das quais resulta que:
- tratando-se de arrendamento de duração de um ou dois anos, com renovação automática expressamente prevista, seja qual for o prazo desta, não pode haver oposição à primeira renovação do contrato;
- tratando-se de arrendamento de duração de um ano, com renovação automática expressamente prevista, o prazo da primeira renovação não pode ser inferior a dois anos, já podendo sê-lo o prazo das renovações subsequentes.
Veja-se, aliás, a redação da norma: inicia-se com a expressão “salvo estipulação em contrário”, seguindo-se uma vírgula e depois toda a expressão “o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior”.
Tal significa, em bom português, que a possibilidade de estipulação em contrário abrange toda a hipótese situada após a vírgula, isto é, a possibilidade ou não de renovação do contrato e a respetiva duração da renovação prevista. Ou seja, daí resulta que as partes podem estipular que o contrato não se renova no fim do prazo de duração inicial, podem estipular que se renova sem fixar prazo para o efeito ou remetendo para o prazo previsto na lei, ou podem estipular que se renova por prazo diferente do que consta da lei (nas palavras de Jorge Pinto Furtado, in Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 3ª ed. revista e actualizada, 2021, pág. 651, “a ressalva é expressa, surgindo, soberana, a encabeçar o preceito”).
Só não podem é prever que haja oposição à renovação antes de decorridos três anos desde o início do contrato, atenta a disposição, essa sim imperativa, do nº 3 do art. 1097º do Código Civil. O que apenas significa que nos contratos em que não haja cláusula a prever a não renovação automática, a sua duração será no mínimo de 3 anos, mas daí nada se pode inferir para os períodos ulteriores, posto que esta norma nada estabelece quanto a estes».
Portanto, de acordo o n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, na sua atual redação, o contrato de arrendamento celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior.
Este é, porém, o regime supletivo nele previsto para a renovação automática dos contratos de arrendamento com prazo certo.
Com efeito, o uso da expressão “Salvo estipulação em contrário” no início do dispositivo em causa apenas pode querer significar que o legislador consentiu às partes a possibilidade de convencionarem prazos de renovação distintos dos nele previstos, designadamente de duração inferior a três anos.
É claramente o que, quanto a nós, resulta da interpretação literal do preceito, mas que igualmente é apontada por uma interpretação sistemática, pela conjugação, designadamente, dos artigos 1095.º, n.º 2, 1096.º, n.º e 1097.º, n.º 3, todos do Código Civil.
Se a lei permite que os contratos de arrendamento possam ser celebrados pelo prazo de um ano, de acordo com o n.º 2 do artigo 1095.º, se a lei nem sequer veda a possibilidade de, por acordo, as partes excluírem a renovação automática do contrato, não faria qualquer sentido que impusesse, sem admissão de poderem as partes convencionarem prazo inferior, um prazo mínimo de três anos para a renovação automática do mesmo contrato.
Assim sendo, revertendo ao caso sub judicio, temos que o contrato de arrendamento teve início a 1 de agosto de 2016, com prazo convencionado de duração de cinco anos, logo com termo previsto para 31 de julho de 2021.
Em plena vigência inicial do aludido contrato foi publicada e entrou em vigor, a 13 de fevereiro de 2019, a referida Lei n.º 13/2019, de 12.02 que, entre o mais, alterou a redação do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil.
Aquando da celebração do contrato convencionaram as partes que este se renovaria por iguais e sucessivos prazos de 1 ano, salvo denúncia do mesmo pelas partes.
O artigo 1096.º, n.º 1 do Código Civil, na sua atual redação, fixa para os contratos com prazo certo, atingido o respetivo termo, prazos de renovação, por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior.
Os prazos aí contemplados têm, todavia, natureza supletiva, na interpretação do referido normativo que, na esteira das considerações supra expendidas, consideramos mais ajustada, o que significa que, podendo as partes convencionar prazo de renovação inferior a três anos - designadamente, de um ano, como na situação vertente - deva ser este o prazo atendível, nomeadamente para efeitos de oposição à renovação do contrato.
Nos termos da cláusula 2ª do ajuizado contrato, a primeira renovação ocorreu em 1 de agosto de 2021 e decorria normalmente, quando a requerente após lhe ter sido transmitida a propriedade do imóvel – por escritura pública realizada em 30 de setembro desse mesmo ano – enviou a comunicação escrita aos requeridos opondo-se à renovação do contrato (21.02.2022), fazendo menção de que o mesmo teria o seu termo em 31 de julho de 2022, devendo ocorrer a desocupação do locado nessa data e, portanto, com a antecedência legalmente prevista (cfr. art. 1097º, nº 3 al. b) do Cód. Civil).
Como assim, tal como afirmado na sentença recorrida, a oposição à renovação do contrato foi válida e tempestivamente efetuada, produzindo-se consequentemente a extinção desse vínculo na mencionada data.
Impõe-se, por isso, a improcedência do recurso.
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III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante (art. 527º, nºs 1 e 2 do CPC).

Porto, 9/10/2023
Miguel Baldaia de Morais
Fátima Andrade
Joaquim Moura
__________________
[1] Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, in Julgar Online, março de 2019, págs. 8 e seguinte.
[2] Cfr., entre outros, acórdãos da Relação de Évora de 10.11.2022 (processo nº 983/22.0YLPRT.E1), de 10.11.2022 (processo nº 126/21.7T8ABF.E1) e de 30.01.2023 (processo nº 3934/21.5T8STB.E1), acórdãos da Relação de Guimarães de 11.02.2021 (processo nº 1423/20.4T8GMR.G1), de 8.04.2021 (processo nº 795/20.5T8VNF.G1) e de 23.03.2023 (processo nº 1824/22.3T8VCT.G1), acessíveis em www.dgsi.pt
[3] In Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2019, págs. 578 e seguinte.
[4] In Arrendamento Urbano – Comentário às alterações legislativas introduzidas ao regime vigente, Almedina, 2019, pág. 31, cuja posição é igualmente seguida por ISABEL ROCHA/PAULO ESTIMA, in Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência, 5.ª edição, Porto Editora, pág. 286 e JÉSSICA RODRIGUES FERREIRA, Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, in Revista Eletrónica de Direito, Fevereiro 2020, pág. 82, artigo acessível em https:/ /cije.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-jessica-ferreira_1584.pdf.
[5] Prolatado no processo nº 8851/21.6T8LRS.L1-6, acessível em www.dgsi.pt; no mesmo sentido se pronunciam, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 10.01.2023 (processo nº 1278/22.4YLPRT.L1-7) e de 27.04.2023 (processo nº 1390/22.0YLPRT.L1-6) e os acórdãos desta Relação de 23.03.2023 (processo nº 3966/21.3T8GDM.P1), de 12.07.2023 (processo nº 19506/21.1T8PRT-A.P1), disponível no mesmo sítio.