INVENTÁRIO
RELAÇÃO DE BENS
DÍVIDA DA HERANÇA
BENFEITORIAS
Sumário

- Dívidas da herança são aquelas que o falecido tinha à data da sua morte, a que a lei equipara as despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, os encargos com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário, e o cumprimento dos legados (art.º 2068º do CC).
- Apenas as benfeitorias feitas em vida do inventariado, quer por este em prédio alheio, quer por terceiro em bens da herança devem ser relacionadas no inventário.
- As benfeitorias descritas na relação de bens, porque realizadas pelo cabeça de casal, que é interessado direto na partilha – e não terceiro -, e em data posterior ao decesso dos inventariados, não constituem dívidas da herança.

Texto Integral

Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

MC, AM e MI, na qualidade de herdeiras de EC, intentaram processo de inventário contra PC.
Para o efeito, alegaram que em 10 de março de 2015 faleceu EC. À data do óbito, já os seus pais, ME e AG, haviam falecido, sem que se tivesse procedido à partilha dos bens, tendo deixado como herdeiros dois filhos, EC e o requerido.
O requerido, nomeado cabeça de casal, apresentou requerimento com relação de bens, do seguinte teor:
“NOTA PRÉVIA
1. A Herança aberta por óbito dos de cujos identificados no requerimento inicial, tem como único activo uma pequena “quinta” composta de Pomar, Horta e diferentes edifícios para habitação e arrecadações, agregados entre si, em termos do Registo Predial, mas com autonomia física.
2. A qual está descrita na Conservatória do Registo predial de … em apenas uma descrição predial (6147) e 3 artigos matriciais (art.ºs 9078, 8487, 8488), tudo da freguesia de …. (Doc. n.º 1 a 4)
3. Os falecidos deixaram 2 filhos, o EC (já falecido - deixou a representá-lo a esposa e as 2 filhas, aqui requerentes) e o PC (ora Cabeça-de-Casal).
4. Tal situação de registo predial, em nada favorece as legitimas expectativas dos herdeiros, desde sempre acordadas em família, no sentido de ambos ficarem com parte daquele imóvel (na proporção de ½ a cada filho).
5. A eventual alienação de todo o imóvel quer através de licitações entre herdeiros, quer por venda a terceiros, seria sempre um revés das expectativas criadas entre os irmãos EC e PC durante anos.
6. O ora Cabeça-de-Casal e o seu falecido irmão, respetivamente marido e pai dos demais interessados nestes autos, haviam já procedido à “partilha verbal” desse património. Conforme mapa junto. (Doc. n.º 5)
7. Assim, fizeram a divisão da referida “quinta” em 2 lotes equitativos, e cada um deles começou a explorar e a cuidar da parte que lhe cabia. (Doc. n.º 5)
8. Facto que, após a morte do falecido EC, foi aceite pelas aqui requerentes.
9. As quais recebem as rendas dos imóveis (que têm inquilinos) e usam a parte de pomar como muito bem entendem.
10. O aqui Cabeça-de-Casal, passou a residir numa dessas casas. E também assim a sua filha reside num T0 (anexo). Tudo após terem feito obras que se prolongaram por cerca de 1 ano.
O Cabeça-de-Casal, cuida da destilaria, armazém e demais anexos.
E, explora o pomar.
11. O Cabeça-de-Casal, fruto de doença (e incapacidade) do foro ortopédico tem necessidade de se manter ocupado no “mini-museu” que tem construído ao longo destes últimos 10 anos, e que faz a apologia da actividade tradicional da família – o fabrico de aguardente.
12. A aqui Interessada MC, já após a morte do marido, voltou a oferecer ao cunhado a escolha do lote que este mais desejasse. Tendo o PC optado pelo que incluía esta parte de anexos com o mesmo objectivo.
13. Na verdade, o Cabeça-de-Casal, confiante na partilha (verbal) acordada, vendeu o andar que tinha na …, fez a recuperação de 2 casas de habitação do acervo hereditário, onde gastou mais de 180.000,00€ (benfeitorias necessárias - hoje passivo da Herança).
14. Esta opção, foi acordada com todos os herdeiros – o PC iria fazer as obras e residir na “Quinta” na casa (em que já tinha habitado, mais de 10 anos antes), e que é o n.º 33 e 35 da Rua ….
15. Como a casa estava profundamente degradada e inabitável, foi necessário fazer obras de restauro de elevada monta.
16. O herdeiro PC teve total liberdade para contratar a execução do restauro das referidas obras.
17. Como tem um gosto especial pelo património e história da família fez também o restauro da Destilaria de aguardente, adega e demais anexos onde tem o “pequeno “museu”.
18. Nunca os demais herdeiros se opuseram a tais obras, embora a partilha não estivesse outorgada.
19. Apenas um pequeno desentendimento entre os ora herdeiros levou a este Processo de Inventário. Que se espera ser ultrapassado.
20. Atento este histórico da relação entre os herdeiros e os bens a partilhar, entendemos que é de aproveitar todo o trabalho já feito.
Na verdade,
21. A lei prevê que os herdeiros podem acordar na composição de quinhões (art.º 1111, n.º 1 e 2 al. a) e b) do C. Processo Civil).
22. Acordo na composição de quinhões, que há mais de 10 anos foi firmado e está a ser cumprido por todos.
23. Está consagrado no actual regime legal, o princípio de que, na partilha de bens há-de atender-se a fatores que não sejam só a capacidade económica para licitar. Daí a “repartição tendencionalmente igualitária do acervo hereditário” (art.º 1113, n.º 2 in fine).
24. A partilha que fosse feita, quer através da venda a terceiros ou a licitação em bloco do imóvel, seria a negação do disposto nos art.ºs 1111 n.º 1 e 2 al. a) e b) e art.º 1113 n.º 2 do C.P.C.
25. O que, no presente só é possível fazer através da adjudicação dos imoveis como supra identificados nas Verbas 1) e 2) da Relação de Bens, infra apresentada.
26. Sendo que, se evita também a apreciação do Passivo resultante das benfeitorias introduzidas na Herança (Verba n.º 2) pelo Cabeça-de-Casal e são hoje um crédito a reclamar da Herança.
27. Com o que desde já se passa a discriminar os 2 quinhões que verbalmente foram acordadas entre os 2 irmãos (então únicos herdeiros).
Assim, elabora-se a
RELAÇÃO DE BENS
Verba n.º 1
Prédio urbano (Parcela B do Doc. n.º 5);
- Composto de:
a) casa de r/c para a adega e 1º andar para habitação de 2 locatários, com área de implantação de 112m2 e logradouros com 116m2 a nascente e, 297m2 a norte, com os n.ºs 39, 39-A e 39-B de polícia da Rua … e que é parte do prédio inscrito na matriz sob o art.º 9078 (parte) da freguesia de …,
b) Prédio urbano para habitação de 2 pisos, com arrecadação e cozinha no r/c e 1º andar, 2 quartos e wc, área de implantação de 96m2 inscrito na matriz sob o art.º 8488 da freguesia de … com o n.º 37 de polícia da Rua ….
c) Horta e pomar com 4019m2, com acesso pela ….
O prédio confronta a norte com a Travessa …, e P…, a sul e nascente com a Rua … e a poente com P….
Com área total de 4686m2.
Descrito na C.R.P. de … (em parte a desanexar) do prédio n.º 6147/20030327 da freguesia de …. (Doc. n.º 1 a 5)
Com valor patrimonial de ………………..…………… 123.101,10€.
Verba n.º 2
Prédio urbano (Parcela A. do Doc. n.º 5);
- Composto de:
a) Destilaria, armazém, arrecadação e garagem com área coberta total de 225m2 e logradouro de 950m2 com o n.º de polícia n.º 33 da Rua … inscrito na matriz sob o art.º 9078 (parte) de ….
b) Casa de habitação de r/c, 1º andar e Anexo, também para habitação (“Casa do Cavalo”), com área coberta de 162m2 com os n.ºs de policia 33 e 35 da Rua… , inscrito na matriz sob o art.º 8487 da freguesia de ….
c) Pomar e horta com a área de 5400m2. O Prédio com acesso pelo…,
O prédio confronta a norte com …, a sul e nascente com herdeiros de EC e a Rua …, a poente com a ….
Descrito na C.R.P. de …a (parte restante) do prédio n.º 6147/20030327 da freguesia de …. (Doc. n.º 1 a 5)
Com valor patrimonial de ……………………………. 83.765,90€.
PASSIVO
Verba n.º 1
Deve a Herança, ao Cabeça-de-Casal o valor das benfeitorias necessárias introduzidas nos imoveis supra identificados na verba n.º 2, e que constaram de:
Restauro total na casa que é o art.º 8487, com o n.º 35 de polícia (al. b) da verba n.º 2) e que em suma constou de:
a) Nas 2 casas de habitação,
- Picar paredes, rebocar, pintar,
- Reparar o telhado e colocação de tectos novos,
- Colocar pavimento novo no chão, em cerâmica e madeira,
- 3 wc totalmente novos,
- Armários de cozinha e roupeiros (embutidos),
- Portas interiores e exteriores e janelas exteriores, em PVC,
- Varandim,
- Colocação de laje na fachada lateral,
- Colocar nova instalação elétrica e canalização de água, gás e esgotos,
- Demolição e reconstrução de paredes interiores.
b) Na adega, destilaria de aguardente, e anexos,
- Reboco, pitura, instalação elétrica, portas e janelas novas,
- Reparação do telhado,
- Forro em madeira no teto,
- Restauro da “arrecadação de costura e carpintaria” com instalação elétrica, paredes picadas, rebocadas e pintadas, pavimento, telhado, portas e janelas, novos,
- Execução de placa e paredes do telheiro para 3 veículos.
Tais obras foram executadas pela empresa “Companhia das …” com um custo total de 173.868,35€. (Doc. n.º 6 a 15)
É devido ………………………………………………. 173.868,35€
Verba n.º 2
- Pavimentação em alvenaria do pátio que vai da entrada do n.º 33 de polícia até ao canil numa área de cerca de 440m2 com brita e cimento,
- Picar, rebocar e pintar todos os muros exteriores, numa área de mais de 380m2.
Tais benfeitorias foram feitas com recurso a mão-de-obra contratada em avulso e materiais comprados pelo próprio, ao longos dos anos de 2020-2021.
Custo total de 4.000,00€.
É devido ………………………………………………... 4.000,00€
Nota: Todas as benfeitorias não podem ser levantadas, e eram absolutamente necessárias, e úteis à manutenção do Património. (Doc. n.º 16 a 45)
Verba n.º 3
Deve a herança ao Cabeça-de-Casal os IMI’S pagos de 2018 a 2021 no valor total de 3.376,08€. (Doc. n.º 46 a 60)
É devido ………………………………………………. 3.376,08€”

As requerentes deduziram reclamação à relação de bens apresentada, impugnando na sua essencialidade os factos alegados na “nota prévia”, afirmando não aceitar a prévia divisão apresentada, pugnando pela composição do ativo, no que aos imóveis respeita, em três verbas, cada uma correspondendo a um artigo matricial (8487, 8488 e 9078), bem como outras cinco verbas, cada uma delas composta por “valor a aferir pela ocupação em exclusivo e consequente privação dos outros herdeiros”, sendo quatro delas pelo cabeça de casal e uma pela filha deste, das diversas construções existentes nos imóveis. Relativamente ao passivo, pugnam pela eliminação da verba nº 1, por entenderem que todas as obras foram efetuadas sem o seu conhecimento e consentimento, acrescendo o facto de as mesmas não serem obras necessárias à conservação, mas voluptuárias, a que não havia necessidade de proceder. No tocante à verba nº 2, entendem tratar-se de obras voluptuárias, devendo o cabeça de casal discriminar as obras de picar e pintar muros, obras necessárias, e as de pavimentação do terreno, que para além de não ser uma obra necessária, poderá estar inquinada de ilegal atendendo à impermeabilização do terreno. Por fim, quanto à verba nº 3, alegaram a existência de uma conta na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Mafra a que somente o Cabeça-de-Casal tinha acesso, após o óbito do Sr. EC, pelo que deve o Cabeça-de-Casal apresentar comprovativo do saldo existente na data do falecimento, para se apurar o valor em falta.
O cabeça de casal respondeu à reclamação de bens, pugnando pela sua improcedência.
De seguida foi proferida decisão, do seguinte teor:
“(…) Como resulta do vertido nos artigos 2024.º e 2025.º, ambos do Cód. Civil, apenas integram o acervo patrimonial a partilhar todas as situações jurídicas existentes na esfera jurídica do de cujos à data do seu óbito e que não se devam extinguir pela verificação deste.
Assim, todas situações geradas posteriormente não se deverão considerar como fazendo parte da herança, não constituindo, assim, objecto de uma eventual partilha do património hereditário. Neste sentido, verte Lopes Cardoso: …, reportando-se a abertura da herança ao tempo do falecimento do de cuius, não devem descrever-se as dívidas activas constituídas posteriormente à sua morte.
Ora, esta é manifestamente a situação em apreço, quer no que respeita às dívidas de IMI referentes aos anos de 2018 e 2021, quer no que concerne às benfeitorias alegadamente realizadas pelo cabeça-de casal, já que as mesmas, a existirem, constituíram-se posteriormente ao óbito dos aqui inventariados, ocorridos em 1995 e em 2000, razão pela qual não integram o acervo patrimonial destes.
No que concretamente respeita às benfeitorias, lê-se de forma lapidar no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.05.2005: Apenas relevam para efeitos de inventário as benfeitorias realizadas em vida do autor da herança, pelo que só estas devem ser relacionadas.
Donde, não têm as alegadas dívidas de ser consideradas no âmbito dos presentes autos para fins de partilha da herança, razão pela qual não devem constar da respectiva relação de bens, sendo assim ordenada a sua eliminação.
Pela mesma ordem de razões, não relevam para a partilha a realizar a eventual indemnização devida pelo cabeça-de-casal na sequência da alegada não consentida utilização exclusiva do património hereditário na medida em que a referida utilização só terá tido início muito após o decesso dos autores da sucessão – razão pela qual, em bom rigor, a existir semelhante dívida, a mesma inscreve-se não na esfera do de cujus mas sim dos seus sucessores, nos termos dos artigos 1406.º e seguintes, aplicáveis à comunhão hereditária por via do disposto no artigo 1404.º do mesmo diploma legal.
Donde, não há que incluir os créditos em apreço na relação de bens a partilhar por óbito dos autores da herança, improcedendo nesta parte a reclamação em apreciação.
Por fim, assim conhecer da inexactidão de relacionação melhor identificada na supra consignada alínea c).
Ora, do facto de existirem três descrições matriciais não deriva inexoravelmente a existência de três unidades prediais distintas – já que nem tão pouco a inscrição matricial faz presumir a apontada diversidade predial.
Diferentemente, no que respeita ao Registo Predial, sendo que aquelas descrições matriciais encontram-se consignadas como respeitando à identificação fiscal do mesmo prédio, tal como resulta da descrição do mesmo levado às tábuas sob o n.º 6147, correspondente à realizada no n.º 1847, livro 8 – cfr. fls. 24 e seguintes
Ora, considerando a presunção de conformidade da descrição predial à realidade, resultante do disposto no artigo 7.º do Cód. Reg. Predial, e bem assim em face da ausência de propositura de prova que pudesse infirmar o que deriva daquela presunção, não resta senão concluir por efectivamente os bens descritos nas verbas n.ºs 1 e 2 da Relação de Bens corresponde a uma única realidade predial, existindo, sim, inexactidão da sua relacionação mas por virtude de não corresponder a apenas uma verba.
Pelo exposto, procede parcialmente o presente incidente de reclamação contra a relação de bens, razão pela qual determino:
a) a eliminação do Passivo relacionado pelo cabeça-de-casal;
b) a relacionação numa única verba do prédio descrito nas verbas 1 e 2 da Relação de bens oferecida a fls. 22 e seguintes.
*
Introduza a secção de processos as alterações supra ordenadas na relação de bens de fls. 22 e seguintes.”

O cabeça de casal interpôs recurso desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“A) Nestes autos de Inventário não foi judicialmente fixado valor, sendo que o mesmo obedece ao estatuído no art.º 302º n.º 3 e ao art.º 1098º al. a) do C.P.C. Citando-se por isso em 206.967€ o valor do processo.
B) O presente Inventário para Partilha dos Bens que ficaram por óbito de AG e mulher, falecidos em 1985 e 2000, foram indicados os herdeiros, PC e os filhos e viúva do outro filho, já falecido, EC.
C) O ora Cabeça-de-Casal apresentou a Relação de Bens da qual consta o activo (composto por 3 casas de habitação, 4 anexos e logradouro) que conforme acordo entre os herdeiros desde há mais de 10 anos e com a posse respetiva, é composto por 2 sortes ou quinhões ali identificados como verba n.º 1 e 2.
D) O conjunto de imoveis está descrito na C. R. Predial com uma única descrição predial. Por erro que todos admitem, tal descrição única inviabiliza uma partilha equitativa.
E) No passivo foram relacionadas as benfeitorias feitas nos prédios de herança, após o óbito dos de cujos, pelo Cabeça-de-Casal e que foram necessárias ao uso e fruição dos imoveis.
F) Relacionou ainda no passivo o montante dos IMIS pagos desde 2018 a 2022 pelo Cabeça de Casal.
G) A Relação de bens foi impugnada pelos herdeiros da outra metade da herança, alegando que os bens devem ser relacionados pelos 5 artigos matriciais e ainda, que as benfeitorias feitas pelo Cabeça-de-Casal não têm a natureza de necessárias e têm um valor muito elevado.
H) Sem que fosse admitida a produção de qualquer prova o Tribunal a quo decidiu que:
a) Fossem eliminadas todas as Verbas do Passivo – Benfeitorias realizadas nos bens da herança, e impostos pagos, após o óbito do de cujos, por no entender do Tribunal recorrido, viola o disposto nos art.ºs 2024º e 2025º do Código Civil.
b) Há uma inexatidão da Relação de Bens apresentada pelo Cabeça-de-Casal e também a apresentada pelos outros herdeiros em sede de reclamação e em consequência manda elaborar pela secção de processo uma nova Relação de Bens com apenas um imóvel (atenta a presunção fixada pelo art.º 7º do C. Registo Predial).
I) É destas 2 questões de Direito que se apresenta o presente Recurso.
J) Na decisão recorrida é usado para fundamentar a eliminação do passivo, o acórdão de 2005 do TRL, que no nosso modesto entender não é aplicável ao caso sub judice.
K) As benfeitorias reclamadas como passivo da herança foram realizadas pelo Cabeça de Casal no uso de poderes de administração, incorporados nos imóveis da herança e eram necessários ao uso e fruição dos referidos imóveis.
L) Os outros herdeiros não negam a incorporação daquelas benfeitorias, o seu carácter permanente e não susceptível de remoção, contestando o seu valor e a sua eficácia.
M) Nos termos da vasta Jurisprudência publicada e da praxis forense sempre foi de incluir na Relação de Bens as benfeitorias necessárias incorporadas nos bens da Herança.
N) A Herança é um património autónomo que uma vez liquidada deixa de existir.
O) As benfeitorias só podem ser reclamadas no processo de Inventário.
P) O Tribunal a quo não permitiu que se produzisse prova, nem remeteu para os meios comuns, com a consequente suspensão da Instância (art.º 1092º, n.º 1 al. b) e 1093º do C.P.C).
Q) Expressamente nos n.ºs 6 e 7 do art.º 1098º do C.P.C. vem consagrar-se o dever de Relacionar as benfeitorias incorporadas em prédio da herança.
R) Também assim as despesas (IMI) suportadas pelo Cabeça-de-Casal resultam da administração da herança (art.º 2068º do C.C.) e como tal, incluídas na Relação de Bens.
S) Assim, deve ser revogado o despacho saneador e em sua substituição ordenar-se que se mantenha a Relação de Bens tal como apresentada pelo Cabeça-de-Casal, ou ainda que se entenda ser matéria de especial complexidade a mesma remetida por os meios comuns, e em consequência suspensa o Processo de Inventário até ser apurado o valor das benfeitorias.
T) Ao decidir pela remoção do passivo na Relação de bens foi violado os dispostos no art.º 1098º, n.º 7 do C.P.C. assim como os art.ºs 2024, 2068º e 2069º do C.C.
U) O Direito de propriedade constitui um direito constitucionalmente consagrado como Direito Fundamental – Parte 1 (art.º 62 da Constituição da República Portuguesa)
V) A identificação dos bens a partilhar pertence em 1º lugar ao Cabeça-de-Casal a qual pode ser impugnado pelos herdeiros. E obedece ao princípio de verdade material, que implica a substância física dos bens.
W) Mal andou o Tribunal a quo ao negar aos herdeiros o direito a identificar os bens a partilhar.
X) Embora não haja, por ora, acordo quanto à identificação correta dos bens, o certo é que nenhum dos herdeiros aceita o que foi decidido pelo Tribunal.
Y) Os Herdeiros do EC alegam ser de identificar os bens pelos artigos matriciais.
Z) Caberia por isso produzir prova para apurar qual a identificação dos imoveis que em 1º lugar, os herdeiros poderiam acordar (art.º 1105º e 1190º n.º 1 do C.P.C.) ou ainda que fossem de maior valia para igualação dos quinhões e da melhor preservação do valor destes.
AA) O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão de rejeitar a Relação de Bens e mandou a Secção de Processo elaborar nova Relação de Bens de acordo com a descrição Predial para obediência ao art.º 7 do C. R. Predial.
BB) O que não é conforme à interpretação que a Jurisprudência e Doutrina têm feito da presunção do art.º 7 do C. R. P.
CC) A qual pode ser livremente afastada pela vontade dos proprietários (confrontações, fim, área etc.).
DD) O Bem é a substância física concreta e não é uma qualquer ficha do Registo Predial. Com o que deve ser reconhecido o Direito dos proprietários a conformar a identidade dos imóveis.
EE) O erro na descrição na Conservatória do Registo Predial não pode inibir os proprietários de conformar a realidade física à defesa dos seus interesses.
FF) A Relação de Bens apresentada a fls. pelo Cabeça-de-Casal em nada prejudica os herdeiros na partilha.
GG) Nenhum dos herdeiros pretende que da Relação de Bens conste apenas uma única verba correspondente à descrição predial.
HH) Ao impor a conformação dos bens a partilhar, apenas uma única verba, coincidente com uma descrição predial e negando a realidade física dos imóveis e a vontade de todos os proprietários foi violado o Direito de Propriedade com assento Constitucional. Isto é, foi violado o disposto no art.º 62º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
II) O Direito à Propriedade Privada tem hoje garantia Constitucional que e consubstancia em diferentes itens. Nomeadamente o direito a aceder à propriedade por via sucessória (vd. Ac. Tc. N.º 148/05 de 16/3). Tendo este Direito também uma inerente conexão com a Liberdade de conformar os negócios.
JJ) Ora impor aos herdeiros que os bens da herança seriam tratados como uma única verba, seria negar este direito fundamental à Liberdade de dispor de propriedade.
KK) O ora Cabeça-de-Casal e o seu falecido irmão respetivamente marido e pai dos demais interessados nestes autos, haviam já procedido à “partilha verbal” desse património. Conforme mapa junto. (Doc. n.º 5 junto ao requerimento de 29/09/22)
LL) Assim, fizeram a divisão da referida “quinta” em 2 lotes equitativos, e cada um deles começou a explorar e a cuidar da parte que lhe cabia. (Doc. n.º 5 junto ao requerimento de 29/09/22)
MM) A lei prevê que os herdeiros podem acordar na composição de quinhões (art.º 1111, n.º 1 e 2 al. a) e b) do C. Processo Civil).
Acordo na composição de quinhões, que há mais de 10 anos foi firmado e está a ser cumprido por todos.
NN) Está consagrado no actual regime legal, o princípio de que, na partilha de bens há-de atender-se a fatores que não sejam só a capacidade económica para licitar. Daí a “repartição tendencionalmente igualitária do acervo hereditário” (art.º 1113, n.º 2 in fine).
OO) Ao decidir como consta do Despacho de Saneamento o douto Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs n.º 1098º, 1111º n.º 1 e 2 al. a) e b), 1113º n.º 2 do C.P.C, o art.º 7 do C. R. Predial e ainda o art.º 62º da Constituição da República Portuguesa.
PP) Assim, deve ser proferido Acórdão que revogue a decisão recorrida e em sua substituição seja proferido Acórdão que admita in totum a Relação de Bens apresentada pelo Cabeça-de-Casal no requerimento de 29/09/2022.”

As requerentes responderam ao recurso e interpuseram recurso subordinado, terminando com as seguintes conclusões:
“A. Não tendo sido junta aos autos, avaliação actualizada dos imóveis, o valor da acção terá de ser o valor patrimonial.
B. A composição das verbas descrita pelo Cabeça-de-Casal, na Relação de Bens, não é entendível, como tal inaceitável.
C. Não se entende com que base foram efectuados os dois quinhões descritos pelo Cabeça-de-Casal na relação de bens.
D. As interessadas aceitam a decisão do Tribunal a quo no que respeita à composição do activo.
E. A única Serventia para os prédios é feita pela Rua ….
F. O Cabeça-de-Casal não faz prova de que as benfeitorias se destinaram a evitar a destruição dos bens.
G. O Cabeça-de-Casal não faz prova de que as benfeitorias foram necessárias.
H. Para as benfeitorias se poderem considerar uteis, o cabeça-de -casal teria de apresentar factos que provassem que estas acrescentaram valor aos bens.
I. O Cabeça-de-Casal não faz prova de que as benfeitorias foram uteis.
J. O Ónus de provar que as benfeitorias foram necessárias, ou uteis cabia ao Cabeça-de-Casal.
K. Atendendo ao descrito pelo Cabeça-de-Casal, no que respeita a benfeitorias, estas terão de ser consideradas voluptuarias.
L. O pedido de Revogação do Despacho Saneador e substituição pela Relação de Bens apresentada, é juridicamente inaceitável, já que retiraria o direito à Reclamação.
M. O Cabeça-de-Casal não negou que usufrui em exclusividade dos prédios, não manifestando, assim, obstáculo ao pedido de compensação pelo uso exclusivo.
N. Deve portanto, à luz do art.º 636, n.º 1 do CPC, aplicável por analogia, o âmbito do presente recurso ser ampliado e ser considerada admissível.
O. Em face de tudo quanto foi exposto, cabe concluir pela falta manifesta, completa e absoluta de fundamento do presente recurso que, assim, deve ser julgado improcedente, excepto na parte alvo de ampliação.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exa. Doutamente suprirá, deverá:
a) deverá a presente apelação ser julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, ser confirmada a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, com todos os efeitos legais;
b) Ser admitida a ampliação do recurso, admitindo-se que o cabeça-de-casal usou em exclusivo e proveito próprio os bens da herança com todos os efeitos legais.”

Em 01/09/2023 foi proferido despacho de admissão do recurso e fixado o valor do processo em € 206.867,00 (duzentos e seis mil, oitocentos e sessenta e sete euros), ao abrigo dos artigos 306.º, n.º 3, 302.º, n.º 3, 296.º, 297.º e 299.º, n.º 4, todos do Cód. Proc. Civil.

A factualidade a considerar é a que consta do relatório, bem como a seguinte, decorrente da tramitação dos autos:
1. Com a relação de bens o cabeça de casal juntou faturas relativas a obras que alegou ter realizado (verba nº 1 do passivo), nelas estando apostas datas dos anos de 2018 e 2019.
*
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos apelantes e das que forem de conhecimento oficioso (art.ºs 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do CPC).
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Do valor do processo
2. Da descrição dos bens imóveis
3. Da relacionação das benfeitorias e despesas com IMI como passivo
4. Do uso exclusivo dos bens da herança pelo cabeça de casal

1. Do valor do processo
O apelante veio alegar que não foi judicialmente fixado valor ao processo de inventário, sendo que o mesmo obedece ao estatuído no art.º 302º n.º 3 e ao art.º 1098º al. a) do C.P.C., cifrando-se em 206.967 €.
A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido, valor a que se atende para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal (art.º 296º, nºs 1 e 2 do CPC).
Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes (art.º 306º, nº 1 do CPC).
Nos termos do disposto no art.º 306º, nº 3 do CPC “se for interposto recurso antes da fixação do valor da causa pelo juiz, deve este fixá-lo no despacho referido no artigo 641.º”
No despacho em que foram admitidos os recursos interpostos foi fixado o valor do processo em € 206.867,00, ao abrigo dos artigos 306.º, n.º 3, 302.º, n.º 3, 296.º, 297.º e 299.º, n.º 4, todos do Cód. Proc. Civil, não tendo as partes reagido a tal despacho, pelo que se mostra prejudicada a questão suscitada nas alegações.

2. Da descrição dos bens imóveis
O processo de inventário destina-se a fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens (art.º 1082º, al. a) do CPC).
Nos termos do disposto no art.º 1097, nº 3 do CPC “deve o cabeça de casal apresentar a relação de todos os bens sujeitos a inventário, ainda que a sua administração não lhe pertença, acompanhada dos documentos comprovativos da sua situação no registo respetivo e, se for o caso, da matriz” (al. c)), bem como “a relação dos créditos e das dívidas da herança, acompanhada das provas que possam ser juntas” (al. d).
A relação de bens, créditos e dívidas da herança deve obedecer ao estatuído no art.º 1098º, designadamente:
“2 - Os bens que integram a herança são especificados na relação por meio de verbas, sujeitas a uma só numeração, pela ordem seguinte: direitos de crédito, títulos de crédito, valores mobiliários e demais instrumentos financeiros, participações sociais, dinheiro, moedas estrangeiras, objetos de ouro, prata e pedras preciosas e semelhantes, outras coisas móveis e, por fim, bens imóveis.
3 - Os créditos e as dívidas são relacionados em separado, sujeitos a numeração própria, e com identificação dos respetivos devedores e credores.
4 - A menção dos bens é acompanhada dos elementos necessários à sua identificação e ao apuramento da sua situação jurídica.
5 - Se não houver inconveniente para a partilha, podem ser agrupados, na mesma verba, bens móveis, ainda que de natureza diferente, que se destinem a um fim unitário.
6 - As benfeitorias pertencentes à herança são descritas em espécie, quando possam separar-se, sem detrimento, do prédio em que foram realizadas, ou como simples crédito, no caso contrário.
7 - As benfeitorias efetuadas por terceiros em prédio da herança são descritas como dívidas, quando não possam, sem detrimento, ser levantadas por quem as realizou.”
O apelante defende que a descrição dos bens imóveis deve manter-se tal como consta da relação de bens que apresentou, uma vez que já havia procedido à “partilha verbal” do património hereditário com o seu falecido irmão, já que a herança tem como único ativo uma pequena “quinta” composta de pomar, horta e diferentes edifícios para habitação e arrecadações, agregados entre si, em termos do registo predial mas com autonomia física, tendo sido acordada a divisão da referida “quinta” em dois lotes equitativos, e cada um deles começou a explorar e a cuidar da parte que lhe cabia.
O tribunal recorrido determinou que os bens imóveis descritos nas verbas n.ºs 1 e 2 da relação de bens, por corresponderem a uma única realidade predial, devem ser descritos numa única verba.
Analisada a relação de bens verifica-se que as verbas nºs 1 e 2 respeitam ao prédio descrito no registo predial com o nº 6147/20030327 da freguesia de …, embora a verba nº 1 corresponda aos artigos da matriz 9078 (parte) e 8488 e a verba nº 2 aos artigos matriciais 9078 (parte) e 8478.
O alegado acordo verbal quanto à divisão do património e composição dos respetivos quinhões, estabelecido entre o cabeça de casal e o seu falecido irmão, é irrelevante, uma vez que não procederam à partilha com observância da forma legal.
E não se impunha a produção de prova – uma vez que se mostra junta a prova documental atinente – não se destinando a mesma à obtenção de acordo dos herdeiros quanto à identificação do imóvel.
O invocado art.º 1111º do CPC permite a composição de quinhões em função dos bens descritos – o que não equivale a descrever prédios em função de acordo verbal estabelecido entre os herdeiros em fase prévia ao inventário.
Para efeitos de relacionação o conceito de prédio a ter em conta é aquele que decorre do art.º 204º do CC.
Resulta dos preceitos citados que, “no que ao activo e aos imóveis diz respeito, a cada verba da relação de bens deve corresponder um imóvel descrito na C.R.Predial, independentemente de ao mesmo corresponder a um ou mais artigos matriciais, e não o contrário, e em cada verba deve constar o valor do imóvel constante da(s) caderneta(s) predial(ais).
Não se ignora que existem vários conceitos de “prédio”, mas aquele que releva para efeitos de inventário é o conceito civil que se retira do art.º 204º 2 do C.C., e onde se lê: “Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe serviam de logradouro”, sendo que, quando o mesmo se mostra registado, aquele é identificado e tem a sua situação jurídica definida com recurso a estes elementos.
Com efeito, nos termos do art.º 79º nº 1 do Código de Registo Predial, aprovado pelo Dec.-Lei nº 224/84 de 06/07, a descrição predial tem por finalidade a identificação física, económica e fiscal dos prédios e nos termos do art.º 91º a inscrição a definição da situação jurídica dessas descrições. Contudo, o registo tem por função essencial dar publicidade aos direitos reais inerentes às coisas imóveis pretendendo-se com o mesmo patentear a história da situação jurídica destas desde o momento em que foram descritas até ao presente (1º) e não garantir tais elementos de identificação sendo jurisprudência pacífica que a presunção a que alude o art.º 7º deste código não abrange os factores descritivos como as confrontações, limites ou áreas dos prédios.
O conceito tributário de prédio, no qual assentam as matrizes prediais, resulta do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), aprovado pelo Dec.-Lei nº 287/03 de 12/11, diploma que procedeu à reforma da tributação do património, alterando vários códigos e aprovando igualmente o Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT). As matrizes são “registos de que constam, designadamente a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos proprietários (…)” (art.º 12º nº 1). Da leitura do art.º 3º do CIMI e art.º 1º nº 2 do CIMT verificamos que o conceito tributário é bem mais vasto que o conceito civil e que o conceito registral.”  [1]
No caso que nos ocupa, não só a relacionação do imóvel não obedeceu ao disposto nos referidos preceitos, no sentido de se atender à realidade adveniente do registo predial (competindo aos proprietários a respetiva atualização), como se afigura inadmissível que uma realidade matricial – artigo 9078 – possa ser repartida por duas verbas.
Por fim, não se descortina a alegação, conclusiva, de violação do direito de propriedade por se determinar a descrição de uma verba relativa a imóveis – com a qual, aliás, em sede de recurso as demais interessadas se conformaram expressamente - sendo certo que é obrigação dos proprietários (e seus herdeiros) atualizarem a descrição predial, não se destinando o processo de inventário a esse fim.
Improcede, nesta parte, o recurso independente.
3. Da relacionação das benfeitorias e despesas com IMI como passivo da herança
O apelante relacionou como passivo da herança benfeitorias por si efetuadas nos imóveis que descreveu no ativo, em 2018-2019 (verba 1 do passivo) e 2020-2021 (verba 2 do passivo), bem como o pagamento de IMI dos anos de 2018 a 2022.
Dispõe o artº 1098º, nº 7 do CC que, na relação de bens, o cabeça de casal deve observar as seguintes regras: “as benfeitorias efetuadas por terceiros em prédio da herança são descritas como dívidas, quando não possam, sem detrimento, ser levantadas por quem as realizou.”
“Compete ao cabeça de casal relacionar todos os bens da herança. Como tais se consideram os que se encontravam na posse do inventariado ao tempo da sua morte, presumindo-se propriedade do falecido todos os objetos encontrados na sua residência. (…)
Claro que são de atender apenas as benfeitorias feitas em vida do inventariado, quer por este em prédio alheio, quer por terceiro em bens da herança. As que forem feitas no decurso do inventário pelo cabeça de casal entram como verba de despesas nas contas que, em cumprimento da lei, lhe cumpre apresentar oportunamente (…)”  [2] – sublinhado nosso.
Dívidas da herança são aquelas que os falecidos tinham à data da sua morte, a que a lei equipara as despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, os encargos com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário, e o cumprimento dos legados (art.º 2068º do CC).
 “Mas nada justifica que se relacionem as benfeitorias feitas após o óbito, quer pelos herdeiros quer por outras pessoas alheias à herança.
Como vimos, a herança responde, além do mais, pelo pagamento das dívidas do falecido, ou seja, as contraídas em vida pelo autor da herança, o que é natural. Ora as benfeitorias realizadas após a morte não podem ser consideradas dívidas do falecido. Pelos encargos posteriores ao falecimento, a herança apenas responde pelas despesas referidas no citado artigo 2068º, o que bem se compreende.
Existe sem dúvida uma grande diferença entre as dívidas contraídas antes e depois do falecimento. As primeiras são dívidas da herança, pois se trata de relações jurídicas patrimoniais da titularidade do falecido e existentes à data da morte; o mesmo não sucede, naturalmente, com as outras.
Como estabelece o artigo 1326º do CPC, o processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditária ou a relacionar os bens que constituem objecto de sucessão e que devam ser partilhados entre os herdeiros. (…)
Diz a agravante que no artigo 2068º estão contemplados, entre outros, os encargos com a administração do património, nele se integrando os encargos ordinários destinados à conservação do património a partilhar. E na verdade, face ao aí referido, apenas a este título poderiam ser admitidas as benfeitorias, pois se entenderia que estavam englobadas na administração do património hereditário.
Mas, a ser necessária a realização de obras, deviam as mesmas ser feitas pela cabeça de casal, entrando então como verbas de despesas que eventualmente viesse a apresentar, por exemplo na acção de prestação de contas. Com efeito estabelece o artigo 2079º que a administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça de casal. Ora, as alegadas benfeitorias não constituem necessariamente actos de administração, nem a agravante estava autorizada a fazê-las. E é ao cabeça de casal que compete a administração dos bens do falecido ate á liquidação e partilha (art.º 2087º). E então há que distinguir os poderes da mera administração dos poderes de disposição.
A agravante invoca ainda o preceituado no nº 5 do art.º 1345º do CPC, segundo o qual as benfeitorias pertencentes à herança são descritas em espécie, quando possam separa-se do prédio em que foram realizadas, ou como simples créditos, no caso contrário; as efectuadas por terceiros em prédio da herança são descritas como dívidas, quando não possam ser levantadas por quem as realizou.
Mas, como se disse, apenas devem ser relacionadas e depois descritas as benfeitorias feitas em vida do inventariado. Para os efeitos de inventário apenas há a tomar em consideração, além das referidas, que têm carácter excepcional, (art.º 2068º) as obrigações do falecido existentes à data da sua morte. E este artigo do CPC não indica (nem tinha que indicar) quais as benfeitorias a relacionar. Nele apenas de refere o modo como devem ser descritas as benfeitorias relacionadas.
Com efeito, as benfeitorias realizadas por terceiros, ou mesmo por um herdeiro, em bens da herança, após o óbito do inventariado, constituem matéria alheia ao inventário e, por isso, não devem ser relacionadas como passivo da herança.
Esses eventuais créditos poderão ser exigidos pelos meios comuns. Mas não são dívidas da herança, pelo que não devem como tal ser relacionadas.” [3]
As benfeitorias descritas na relação de bens, porque realizadas pelo cabeça de casal, que é interessado direto na partilha – e não terceiro -, e em data posterior ao decesso dos inventariados, não constituem dívidas da herança.
O pagamento dos impostos relativamente a bens da herança, como o IMI, referente aos anos de 2018 a 2021, efetuado pelo cabeça de casal, em data posterior ao óbito dos inventariados, devem ser pagos pelos herdeiros, constituindo despesas de administração da herança.
Não sendo dívidas dos inventariados não devem integrar a relação de bens.
4. Do uso exclusivo dos bens da herança pelo cabeça de casal (e sua filha)
Ao invés do defendido pelas requerentes do inventário o cabeça-de-casal impugnou a alegação da fruição em exclusividade dos prédios (cfr. art.ºs 30, 31, 41 1 43 da resposta à reclamação).
Atentas as considerações tecidas quanto à composição da herança, a reclamada indemnização pelo uso pelo cabeça de casal e sua filha das construções existentes no imóvel a partilhar, em data posterior ao decesso dos inventariados, não constitui qualquer crédito da herança, pois não fazia parte da esfera jurídico patrimonial daqueles. Deve tal questão ser decidida fora do inventário, entre os contitulares do direito à herança, nos termos do disposto nos art.ºs 1406º, 1403º e 1405º do CC, ex vi do art.º 1404º do mesmo diploma.
Assim, sendo despiciendo quaisquer outras considerações, improcede o recurso subordinado.
Pelo exposto, julgam-se improcedentes os recursos independente e subordinado, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas do recurso independente e subordinado a cargo do cabeça de casal e das requerentes, respetivamente.

Lisboa, 26 de outubro de 2023
Teresa Sandiães
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
Maria do Céu Silva

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[1] Ac. RG de 16/01/2023, proc. nº 2028/14.4T8GMR-C.G3, in www.dgsi.pt
[2] Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Almedina, 4ª edição, vol. I, pág. 425 e 433.
[3] Ac. RL de 24/05/2005, proc. nº 10145/2004-7, in www.dgsi.pt