PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
APOIO JUDICIÁRIO
CAUÇÃO
OPOSIÇÃO
Sumário

I – No âmbito do Procedimento Especial de Despejo previsto nos artºs. 15º a 15º-S, do NRAU – Lei nº. 6/2006, de 27/02, actualizada pela Lei nº. 31/2012, de 14/08 -, atento o prescrito no nº. 3, do artº. 15º-F e o estatuído no nº. 2, do artº. 10º, da Portaria nº. 09/2013, de 10/11, a nossa jurisprudência vem divergindo relativamente à questão de saber se o beneficiário de apoio judiciário, nomeadamente na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, tem o dever de prestar a caução legalmente exigida, como condição necessária para que a oposição deduzida naquele procedimento especial possa ser considerada e apreciada ;
II – concluindo-se pela inexistência de qualquer conflito entre ambos os normativos, que antes coexistem em perfeita consonância e harmonia, não é operacionável o juízo de uma Portaria vir derrogar o exposto ou consignado numa Lei da República, de forma a que, por apelo a critérios e juízos constitucionais, se tenha que adoptar um critério de prevalência na sua aplicação, ou mesmo considerar uma aludida interpretação ab-rogante daquela ;
III – a concessão do apoio judiciário ao oponente arrendatário apenas o isenta do pagamento da taxa de justiça devida (e eventuais outros encargos tributários processuais), e não também do depósito da caução legalmente estipulada, no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso (até ao limite máximo correspondente a seis rendas).
Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil

Texto Integral

ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
           
I – RELATÓRIO
1 – Y……………………, LDA., com sede na Rua ……………………, intentou, em 07/11/2022, no Balcão Nacional do Arrendamento, procedimento especial de despejo, com pedido de pagamento de rendas em atraso, encargos ou despesas, contra B…………………., LDA., por referência ao locado sito na Rua …………….., alegando o seguinte:
“1º A exequente celebrou em 01 de Agosto de 2018 um contrato de arrendamento não habitacional com a executada, relativo a fração autónoma designada pela letra “A”, a que corresponde a rés-do-chão, com entrada pela Rua ……………………., do prédio urbano sito na Rua ………………………; - cfr contrato de arrendamento que se junta
2º No referido contrato ficou acordado entre as partes o pagamento da renda no valor mensal de € 4.000,00 (quatro mil euros); - vide contrato de arrendamento
3º As quais deveriam ter sido integralmente pagas até ao oitavo dia do mês imediatamente anterior àquele a que disser respeito, conforme clausula quinta nº 1 do aludido contrato de arrendamento;
4º Sucede que após interpelação, datada de 16 de Agosto de 2022, por meio de carta registada com AR, devidamente rececionada - cfr comunicação que se junta em anexo.
5º A qual foi novamente reenvida, em 21 de Setembro de 2022, por meio de carta registada com AR, sendo que a Executada até a presente data não procedeu a qualquer pagamento dos valores da renda em divida.
6º À data da interpelação já se tinham vencido as seguintes rendas Ano de 2019:
- Dezembro de 2019 correspondente a 4.000,00€;
- Ano de 2020:
- abril de 2020 - correspondente a 4.000,00€;
- maio de 2020 correspondente a 4.000,00€;
- junho de 2020 correspondente a 4.000,00€;
- julho de 2020 correspondente a 4.000,00€;
- agosto de 2020 correspondente a 4.000,00€;
- setembro de 2020 correspondente a 4.000,00€;
- outubro de 2020 correspondente a 4.000,00€;
- novembro de 2020 correspondente a 4.000,00€;
- dezembro de 2020 correspondente a 4.000,00€;
- Ano de 2021
- janeiro de 2021 correspondente a 4.000,00€;
- fevereiro de 2021 correspondente a 4.000,00€;
- março de 2021 correspondente a 4.000,00€;
-abril de 2021 correspondente a 4.000,00€;
- maio de 2021 correspondente a 4.000,00€;
- junho de 2021 correspondente a 4.000,00€;
-julho de 2021 correspondente a 4.000,00€.
-agosto de 2021 correspondente a 4.000,00€.
- setembro de 2021 correspondente a 4.000,00€.
- Ano de 2022
- janeiro de 2022 correspondente a 4.000,00€;
- fevereiro de 2022 correspondente a 4.000,00€;
- março de 2022 correspondente a 4.000,00€;
-abril de 2022 correspondente a 4.000,00€;
- maio de 2022 correspondente a 4.000,00€;
- Junho de 2022 correspondente a 4.000,00€;
-Julho de 2022 correspondente a 4.000,00€;
-Agosto de 2022 correspondente a 4.000,00€;
- Setembro de 2022 correspondente a 4.000,00€;
7º Tudo num total de € 112.000,00 (cento e doze mil euros).
8º Acresce ainda, que cabia a Executada proceder a retenção do valor da renda no montante de 25% e posteriormente efetuar a entrega A.T..
9º Contudo verificou-se que a executada não procedeu a liquidação a titulo de retenção na quantia de € 4.735,31 (quatro mil, setecentos e trinta e cinco euros e trinta e um cêntimos) referente aos anos 2019 e 2020; - vide comunicações juntas
10º Tendo sido a Exequente a liquidar esses valores apos notificação da A.T..
11º Por conseguinte é a exequente também é credora da Executada de tal quantia e que ora se peticiona.
12º Assim, a Exequente é credora da Executada nas seguintes quantias:
a) ao pagamento integral das rendas devidas e não pagas, no montante global de € 112.000,00 (cento e doze mil euros).
b) ao pagamento de € 4.735,31 (quatro mil, setecentos e trinta e cinco euros e trinta e um cêntimos) por conta da retenção na fonte.
- Tudo no valor global de € 116.735,31 (cento e dezasseis mil, setecentos e trinta e cinco euros e trinta e um cêntimos)
13º Nestes termos e nos demais de direito deve à presente execução ser dado provimento com as demais consequências legais”.
2 – Devidamente citada, veio a Requerida/Ré, em 27/12/2022, apresentar oposição, alegando, em súmula, que:
- Existe nulidade da comunicação de resolução do contrato de arrendamento, pois o Advogado em equação não tinha poderes para proceder à comunicação de resolução do contrato de arrendamento feita nos termos do nº. 1, do artigo 1084º, do Código Civil, relativa à fracção autónoma em causa ;
- Assim, as comunicações datadas de 16 de Agosto de 2022 e 21/09/2022 não obedecem aos requisitos exigidos pela alínea C) do nº 7 do artigo 9º do NRAU (Lei 6/2006 de 27/8), pelo que são nulas, já que foram efectuadas em desrespeito da forma legalmente estabelecidas, de acordo com o disposto no artigo 220º do Código Civil, que se invoca para todos os efeitos legais ;
- Pelo que, atenta à nulidade das referidas comunicações, a presente procedimento especial de despejo deve ser julgado improcedente, por violação da alínea C) do nº 7 do artigo 9º e da alínea e) do nº 2 do artigo 15º, todos do NRAU (Lei 6/2006 de 27/8), e, consequentemente, decretada a NULIDADE DE TODO O PROCESSADO e a requerida absolvida da instância ( b) do artigo 577º e 576º, nº 2, todos do CPC.) ;
- Relativamente ao pagamento das rendas alegadamente devidas, no momento da celebração do contrato de arrendamento, a requerida pagou 4.000,00€ de caução, como melhor se vê da alínea b) do nº 3 da cláusula 5º do referido contrato ;
- Tendo igualmente pago, no momento da celebração do contrato de arrendamento, a quantia de 12.000,00€ como depósito em substituição dos fiadores, como melhor se vê da alínea c) do nº 3 da cláusula 5º do referido contrato ;
- Tais montantes não foram considerados nas comunicações datadas de 16 de Agosto de 2022 e 21/09/2022 e deveriam ter sido, porque a requerente recebeu-os no valor global de 16.000,00€ e por manifesta má fé não os contabilizou ;
- Acresce que no dia 09/12/2019, a requerida pagou 3000,00€ correspondente à renda de Dezembro de 2019, pelo que não aceita que esta renda esteja em dívida tal como está alegado nas comunicações datadas de 16 de Agosto de 2022 e 21/09/2022 ;
- Por outro lado, por força da legislação vigente relativamente ao regime  excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da pandemia COVID -19, não pode a Requerente pedir tais montantes de rendas vencidas ;
- Assim sendo, e como é aliás conhecimento do senhorio, não são devidas as rendas pedidas, quer de facto quer de direito, pelo que é manifesta a falta de fundamento para a referida resolução do contrato de arrendamento, por incumprimento dos requisitos exigidos pelo artigo 1083º, nº 3 do CC ;
- O que traduz excepção perentória, que importa a absolvição total do pedido da requerida, nos termos e para os efeitos do nº 3 do artigo 576º e 579º, todos do CPC. ;
- No que concerne à retenção da fonte, o pagamento da retenção da renda só é devido no pagamento da emissão do respectivo recibo no momento do pagamento/ recebimento de cada renda ;
- Ora, a sucede que a requerente nunca emitiu recibos de rendas, nem constam no portal da Autoridade Tributária ;
- Por outro lado, a requerente alega falta de pagamento de rendas, pelo que não há retenção de valores relativamente a rendas que não foram pagas, não sendo, por isso, devida ;
- Não fazendo, ainda, a Requerente prova do aludido pagamento de retenção da fonte.
Conclui, no sentido da procedência da oposição e, consequentemente:
“a) Deferida a nulidade das comunicações de resolução do contrato de arrendamento;
b) Deferida a falta de fundamento para a referida resolução do contrato de arrendamento, por incumprimento dos requisitos exigidos pelo artigo 1083º, nº 3 do CC;
c) A requerida absolvida da instância, por nulidade de todo o processado ( alínea e) do nº 2 do artigo 15º, do NRAU e alínea b) do artigo 577º e 576º, nº 2, todos do CPC.);
Caso assim não se entenda,
d) Deferida a excepção perentória do pagamento, e, por essa via, a absolvição total do pedido, nos termos e para os efeitos do nº 3 do artigo 576º e 579º, todos do CPC”.
3 – Em 04/01/2023, proferiu o Tribunal o seguinte DESPACHO:
Tendo em conta o disposto no artº 15º-F, nº 3 do NRAU, sendo certo que estamos no âmbito do caso previsto no artº 1083º, nº 3 do CC, convida-se a requerida arrendatária a proceder ao pagamento da caução em falta, no prazo de 10 dias, com a expressa advertência da cominação prevista no nº. 4 do citado artigo, para o caso de falta de pagamento da caução devida”.
4 – Em resposta, apresentada em 15/01/2023, veio a Requerida alegar que, “beneficiando de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o arrendatário está isento de demonstrar o pagamento da caução normalmente exigida como condição de admissibilidade da oposição ao pedido de despejo”.
Pelo que, caso lhe seja deferido o apoio judiciário requerido, “está isenta do pagamento da caução” e, caso contrário, pagará a “caução, no prazo de 10 dias, após a notificação da decisão definitiva de indeferimento do apoio judiciário”.
Pelo que deverá aguardar-se a decisão da Segurança Social relativamente ao pedido apresentado.
5 – Solicitada á Segurança Social informação sobre a decisão proferida quanto ao pedido de apoio judiciário formulado pela Requerida, veio a Segurança Social informar, em 01/03/2023, ter sido tal pedido indeferido – cf., fls. 63.
Consta do teor de tal informação/notificação o seguinte:
Informa-se ainda V.Exª que o requerente foi notificado, em sede de audiência prévia, através do nosso ofício, da intenção de indeferir o pedido, sobre cuja proposta de decisão se deveria pronunciar dentro do prazo legalmente previsto.
O requerente foi ainda informado que, na falta de resposta ao nosso ofício, a proposta de decisão converter-se-ia em decisão definitiva, não havendo lugar a nova notificação.
Não tendo respondido dentro do prazo, a intenção de decisão de indeferimento converteu-se em decisão definitiva”.
6 – Em 03/07/2023, foi proferida a seguinte DECISÃO:
Y…………….., Lda., veio propor procedimento especial de despejo contra B………………., Lda, com fundamento na falta de pagamento de rendas.
Na sequência da sua citação, a Ré apresentou oposição e juntou cópia do seu pedido de concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Com a oposição apresentada, a Ré não comprovou o pagamento da caução devida.
Remetidos os autos à distribuição e verificada a referida omissão, foi a Ré notificada para comprovar o pagamento da caução, nos termos do artigo 15º F, n.º 3 e 4 da Lei n.º 6/2006, de 27/02, actualizada pela Lei n.º 31/2012, de 14.08.
A Ré apresentou requerimento de fls. 60-61 e não comprovou o pagamento da caução devida.
Por seu turno, a Autora juntou aos autos o requerimento de fls. 65-66.
Entretanto , foi recepcionado ofício da Seg.Social , informando do indeferimento do pedido de apoio judiciário da Ré.
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Prescreve o artigo 15º F, n.º 3 da Lei n.º 6/2006, de 27/02, actualizada pela Lei n.º 31/2012, de 14.08, que «com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos ns. 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça».
Acrescenta o n.º 4 do citado normativo: «não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida».
Por seu turno, dispõe o artigo 10º da Portaria n.º 9/2013, de 10.11:
1 - O pagamento da caução devida com a apresentação da oposição, nos termos do n.º 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, é efectuado através dos meios electrónicos de pagamento previstos no artigo 17.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, após a emissão do respectivo documento único de cobrança.
2 – O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário.
Não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no n.º 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, a oposição tem-se por não deduzida (n.º 4 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro).
A imposição ao arrendatário do ónus de impugnação do despejo, de prestação de caução e de pagamento da taxa de justiça, no âmbito do procedimento especial, tem em vista dissuadir o uso deste procedimento como meio dilatório para a efectivação do despejo (neste sentido Ac. RL de 06.03.2014, disponível em www.dgsi.pt ).
A prestação de caução não tange o fundo da questão, i.e., o direito à resolução (vide O Novo Regime Processual do Despejo, Rui Pinto, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 155 e 156).
Daí que o artigo 15º F, n.º 3 da Lei n.º 6/2006, de 27/02, actualizada pela Lei n.º 31/2012, de 14.08, ao prescrever que «com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos ns. 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça», apenas ressalva a primeira parte da norma, isto é, isenção do pagamento da taxa de justiça nas situações em que ao requerente de apoio judiciário lhe tenha sido concedida dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (e não o pagamento da caução correspondente a seis rendas, menção que de resto se mostra entre virgulas).
O apoio judiciário que eventualmente pudesse vir a ser concedido (pela Segurança Social) à Ré, mostra-se restrito ao respectivo âmbito, isto é, à modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (artigo 16º da Lei n.º 34/2004, de 29.07).
Os encargos compreendidos nas custas mostram-se enunciados no artigo 16º do RCP.
A caução em apreço (e o respectivo pagamento) não integra a modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo a que respeita a decisão de apoio judiciário concedida pela Seg.Social, no âmbito do pedido de apoio judiciário.
Acresce que o legislador trata de forma distinta as duas realidades regista-se que na redacção do n.º 5 do artigo 15ºF se dispõe: «a oposição tem-se igualmente por não deduzida quando o requerido não efectue o pagamento da taxa devida no prazo de cinco dias a contar da data da notificação da decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa ou de pagamento faseado da taxa de justiça e dos demais encargos com o processo», não existindo aqui menção à caução, impondo-se concluir que o respectivo pagamento se mostra devido independentemente da (eventual) concessão de apoio judiciário na mencionada modalidade.
Ora, «não pode (…) ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9º, n.º 2 do Código Civil).
Por outro lado, «o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (cfr. artigo 9º, n.º 3, do Código Civil).
Neste sentido, vide, entre outros, os doutos Acórdãos prolatados pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 23.02.2016, proferido no âmbito da acção especial de despejo que correu termos neste Juízo Local Cível (J14), sob o processo n.º 24663/15.T8LSB, em que foi relatora a Exma. Sra. Desembargadora Dina Maria Monteiro, datado de 02.06.2016, proferido no âmbito da acção especial de despejo que correu termos sob o n.º 1347/15.7YLPRT, em que foi relatora a Exma. Sra. Desembargadora Maria de Deus Correia, datado de 17.12.2015, proferido no âmbito da acção especial de despejo que correu termos 274/15.2YLPRT, em que foi relator o Exmo. Sr. Desembargador Jorge Leal (todos consultáveis em www.dgsi.pt).
O certo é que neste caso, os autos já demonstram que não foi concedido apoio judiciário à Ré e mesmo assim esta não procedeu ao pagamento da caução, ao contrário do afirmado no seu requerimento de resposta ao despacho supra aludido.
Assim, é manifesto que a Ré estava obrigada a comprovar o pagamento da caução prevista no artigo 15º F, n.º 3 da Lei n.º 6/2006, de 27/02, actualizada pela Lei n.º 31/2012, de 14.08, e não o fez, apesar do despacho proferido nos autos nesse sentido.
Nesta conformidade, tem-se por não deduzida a oposição apresentada, ao abrigo do artº 15º F, n.º 4 da Lei n.º 6/2006, de 27/02, actualizada pela Lei n.º 31/2012, de 14.08.
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Mostra-se pois prejudicada a apreciação de qualquer outra questão suscitada (artigo 608º, n.º 2 do CC).
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Notifique.
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Oportunamente, remeta os autos ao BNA, a fim de ser apreciada a pretensão apresentada pela Autora (cfr. artigo 15º E, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 6/2006, de 27/02, actualizada pela Lei n.º 31/2012, de 14.08)”.
7 – Inconformada com o decidido, a Requerida/Ré interpôs recurso de apelação por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
” 1- A recorrente não recebeu nenhum ofício da Segurança Social para se pronunciar sobre a proposta de indeferimento do pedido, pelo que a decisão de indeferimento do apoio judiciário está ferida de nulidade, que já se invoca, para todos os efeitos legais.
2- Portanto, o douto despacho recorrido deu como provado uma decisão que é nula.
3- É jurisprudência sedimentada que a regulamentação que, em contrário, emana do artigo 10º da Portaria n° 9/2013, de 10 de Janeiro, é inválida, por força do princípio da preferência ou preeminência da lei.
4- O disposto no n.º 3 do artigo 15º-F da Lei 6/2006 prevalece sobre o previsto no artigo 10º da Portaria n° 9/2013, de 10 de Janeiro, efectivando uma interpretação ab-rogante do preceituado nesta última.
5- A Lei prevalece hierarquicamente sobre esta Portaria.
6- Por isso, beneficiando de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o arrendatário está isento de demonstrar o pagamento da caução normalmente exigida como condição de admissibilidade da oposição ao pedido de despejo.
7- O legislador ordinário, in casu a Assembleia da República, deixou a definição dos concretos termos em que tal isenção se concretizaria para um diploma legal regulamentador, mais concretamente uma Portaria (art.º 15º-F, n.º 3 in fine, da Lei 6/2006).
8- Em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 15º-F, in fine foi publicada a Portaria n.º 9/2013, de 10 de Janeiro, a qual dispõe no seu artigo 10º, n.º 2: “O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior (pagamento de caução) deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário”.
9- A Portaria de 9/2013, ilegalmente, contraria, em absoluto, os fins a que se destinava, quais eram, os de regular os termos em que é concedida a isenção de prestação de caução pelo beneficiário de apoio judiciário.
10- E ilegalmente retira aos beneficiários de apoio judiciário o direito de não prestarem a caução prevista no artigo 15º-F da Lei 6/2006.
11- Estamos, pois, perante um conflito de normas de direito infraconstitucional, no qual deverá prevalecer a norma de superior hierarquia, ou seja, o disposto no n.º 3 do artigo 15º-F da Lei 6/2006, enfermando de ilegalidade a norma da Portaria 9/2013.
12- O nº 2 do artigo 10º da Portaria 9/2013 contraria de um modo inconciliável o disposto no n.º 3 do artigo 15º-F da Lei 6/2006.
13- A interpretação do douto despacho recorrido, desde que concedido o apoio judiciário, é inconstitucional por violação do artigo 20º da CRP.
14- O douto despacho recorrido violou o disposto no n.º 3 do artigo 15º-F da Lei 6/2006”.
Conclui, no sentido da procedência do recurso e, consequentemente, pela revogação da decisão recorrida.
8 – A Autora/Requerente Apelada não apresentou contra-alegações.
9 – O recurso foi admitido por despacho de 06/09/2023, como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
10 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pela Requerida Ré, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina conhecer, basicamente, o seguinte: se os eventuais beneficiários de apoio judiciário têm ou não de prestar a caução prevista no artº. 15º-F, do NRAU (aprovado pela Lei nº. 6/2006, de 27/02, com as alterações introduzidas pela Lei nº. 31/2012, de 14/08).
Em tal apreciação, e de acordo com o teor alegacional exposto, descortinamos a consideração das seguintes matérias:
A. Da nulidade da decisão de indeferimento do apoio judiciário ;
B. Da invalidade da regulamentação emanada do artº. 10º da Portaria nº. 9/2013, de 10/01, por força do princípio da preferência ou preeminência da lei ;
- Da contraditoriedade, inequívoca e inconciliável, dos dois segmentos normativos (contidos na lei e portaria) ;
- Da necessária prevalência da norma contida na lei sobre a norma contida na portaria, de acordo com o princípio da prioridade hierárquica ;
- Da necessidade de operar-se uma interpretação ab-rogante, dando-se como morta a regra da portaria ;
C. Da inconstitucionalidade da interpretação conferida no despacho recorrido, desde que concedido o apoio judiciário.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade a considerar e ponderar é a que resulta do iter exposto no relatório supra.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Numa primeira aproximação, impõe-se consignar o seguinte:
- conforme resulta do ponto 5 do Relatório, foi indeferido o pedido de apoio judiciário requerido pela Ré, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e de atribuição de agente de execução – c f., fls. 52 e 53 ;
- consta da decisão recorrida demonstrarem os autos não ter sido “concedido apoio judiciário à Ré e mesmo assim esta não procedeu ao pagamento da caução (….)” ;
- nas alegações recursórias apresentadas, referencia a Recorrente Ré ter verificado “agora nos autos que foi recepcionado ofício da Segurança Social informando do indeferimento do pedido de apoio judiciário da ré”.
Acrescenta que “em tal ofício, a Segurança Social afirma que a recorrente foi notificada, em sede de audiência prévia, para se pronunciar sobre a proposta de indeferimento do pedido”.
Todavia, “em primeiro lugar, a recorrente não recebeu nenhum ofício da Segurança Social para se pronunciar sobre a proposta de indeferimento do pedido, pelo que a decisão de indeferimento do apoio judiciário está ferida de nulidade, que já se invoca, para todos os efeitos legais”.
Tendo, assim, o despacho recorrido dado como provado “uma decisão que é nula” ;
- desconhece-se nos autos se a Ré, ora Recorrente, impugnou a decisão da Segurança Social, adquirido que foi o conhecimento da decisão de indeferimento, nos termos do artº. 27º da Lei nº. 34/2004, de 29/07, por referência ao prazo de 15 dias ali previsto ;
- a mesma Recorrente questiona, como fundamento recursório, ter ocorrido a audiência prévia prevista no artº. 23º, do mesmo diploma, considerando maculada de nulidade a decisão que indeferiu o pedido de apoio judiciário ;
- conforme melhor veremos infra, a validade ou subsistência da decisão de indeferimento de apoio judiciário pode configurar-se como relevante ou totalmente irrelevante para a solução a conferir à vexata quaestio supra exarada ;
- concretizando, caso se considere que o benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, abrange a dispensa de prestação da caução prevista no artº. 15º-F, do NRAU (aprovado pela Lei nº. 6/2006, de 27/02, com as alterações introduzidas pela Lei nº. 31/2012, de 14/08), então tal decisão (e a sua eventual subsistência) reveste-se de essencial relevância para a decisão proferenda ;
- porém, caso se entenda que a concessão daquele benefício não abrange a dispensa da prestação da citada caução, então tal decisão (e a sua eventual subsistência) configura-se totalmente irrelevante para a mesma decisão ;
- pelo exposto, atentas as relações de prejudicialidade que se podem configurar entre as várias questões enunciadas, iniciaremos a nossa apreciação pela questão nuclear ou essencial.
Vejamos.
- da caução prevista no artº. 15º-F, do NRAU (aprovado pela Lei nº. 6/2006, de 27/02, com as alterações introduzidas pela Lei nº. 31/2012, de 14/08) e da sua eventual dispensa de pagamento pelos beneficiários de apoio judiciário
Referencia o nº. 1, do artº. 15º, do NRAU (revisto pela Lei nº. 31/2012, de 14/08) que o “procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes”.
Nas palavras de Rui Pinto – Manual da Execução e despejo, Coimbra Editora, 2013, pág. 1160 e 1169 -, configura-se como um “processo especial sincrético”, com natureza declarativa e executiva, iniciando-se por uma fase injuntória, a que poderá seguir-se, eventualmente, uma fase contenciosa, com o desiderato de formação de um título executivo e, caso exista necessidade, com prossecução para uma fase executiva, tendo esta a finalidade de realizar coactivamente a entrega do locado.
Estatuindo acerca da oposição, dispunha o artº. 15º-F, do mesmo diploma, na redacção da Lei nº. 79/2014, de 19/12, que:
1 - O requerido pode opor-se à pretensão no prazo de 15 dias a contar da sua notificação.
2 - A oposição não carece de forma articulada, devendo ser apresentada no BNA apenas por via eletrónica, com menção da existência do mandato e do domicílio profissional do mandatário, sob pena de pagamento imediato de uma multa no valor de 2 unidades de conta processuais.
3 - Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
4 - Não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida.
5 - A oposição tem-se igualmente por não deduzida quando o requerido não efetue o pagamento da taxa devida no prazo de cinco dias a contar da data da notificação da decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa ou de pagamento faseado da taxa e dos demais encargos com o processo (sublinhado nosso).
Entretanto, constata-se que fruto das futuras alterações introduzidas em tal diploma e normativo pelo artº. 36º da Lei nº. 56/2023, de 06/10 (que entrou em vigor no dia 07/10), os nºs. 3 a 5 realçados, passaram a figurar, sem alteração na sua redacção, sob os números 5 a 7. O que apenas sucederá 120 dias contados da data da entrada em vigor daquela lei, conforme decorre do artº. 54º, nº. 1, alín. a), daquele diploma.
Desta forma, sendo deduzida válida oposição ao despejo, segue-se a enunciada fase contenciosa, traduzida numa “fase declarativa pura perante um juiz”, que se constitui como um processo declarativo especial, pelo que, nos quadros do previsto no nº. 1, do artº. 549º, do Cód. de Processo Civil, na omissão de especial regulação, aplicar-se-ão as regras gerais e comuns do Código de Processo Civil e, se for o caso, as regras do processo comum – Rui Pinto, ob. cit., pág. 1191.
Por sua vez, a Portaria nº. 9/2013, de 10/01, que veio regulamentar vários aspectos do procedimento especial de despejo, estatui no seu artº. 10º, acerca da prestação de caução no âmbito da oposição, que:
“1 - O pagamento da caução devida com a apresentação da oposição, nos termos do n.º 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, é efetuado através dos meios eletrónicos de pagamento previstos no artigo 17.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, após a emissão do respetivo documento único de cobrança.
2 - O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário (sublinhado nosso).
Referenciemos, ainda, o prescrito nos nºs. 3 e 4, do artº. 1083º, do Cód. Civil, acerca do fundamento da resolução, no sentido de que:
“3 - É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.os 3 a 5 do artigo seguinte.
4 - É ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não sendo aplicável o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte”.
No quadro legislativo exposto, a nossa jurisprudência vem divergindo relativamente à questão de saber se o beneficiário de apoio judiciário tem o dever de prestar a caução legalmente exigida, como condição necessária para que a oposição deduzida no procedimento especial de despejo possa ser considerada e apreciada.
Assim, numa das correntes jurisprudenciais – 1ª corrente –, é adoptado o entendimento de que, beneficiando o oponente/requerido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, a lei isenta-o de demonstrar e comprovar o pagamento da caução prevista no citado nº. 3, do artº. 15º-F, do NRAU, exigida como condição de admissibilidade da oposição ao pedido de despejo.
Na demais corrente jurisprudencial – 2ª corrente -, tem sido perfilhado o entendimento de que a concessão do apoio judiciário ao oponente arrendatário apenas o isenta do pagamento da taxa de justiça devida (e eventuais outros encargos tributários), e não também do depósito da caução legalmente estipulada, no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso (até ao limite máximo correspondente a seis rendas).
No levantamento jurisprudencial efectuado, deparámo-nos com alguma prevalência do entendimento correspondente à 1ª corrente, no âmbito da qual podemos enunciar, cronologicamente e por Tribunal Superior, os seguintes arestos (todos in www.dgsi.pt ):
- desta Relação de Lisboa:
- de 09/12/2015 – Relatora: Ondina Carmo Alves, Processo nº. 451/15.6YLPRT.L1-2 -, considerando que “o nº 3 do artigo 15º-F, da Lei nº 6/2006 isenta o beneficiário de apoio judiciário de efectuar o pagamento da caução normalmente exigida como condição de admissibilidade da oposição. Ao invés, o nº 1 do artigo 10º da Portaria nº 9/2013, exige o pagamento da caução, independentemente de o arrendatário gozar daquele benefício, contrariando a aludida norma, quando apenas deveria definir os termos dessa isenção”.
Considera, assim, verificar-se “um conflito de normas de hierarquia diversa. Uma, lei ordinária da Assembleia da República, e outra constante de Portaria que é um regulamento dimanado de um ou mais ministros em nome do Governo e que traduz o exercício do poder regulamentar, que é uma actividade especificamente administrativa, por confronto com a lei”, entendendo que o “princípio da preferência ou preeminência da lei significa que o regulamento não pode contrariar um acto legis­lativo ou equiparado. A lei tem absoluta prioridade sobre os regulamentos, proibindo-se expressamente os regulamentos modificativos, suspensivos ou revogatórios das leis”.
Desta forma, considera bem ter andado a decisão recorrida, “já que atenta a ressalva constante do nº 3 do artigo 15º-F, da Lei nº 6/2006, de 27.02 (NRAU), na redacção dada pela Lei n.º 31/2012, de 14.08, outro sentido não poderia comporta a letra da lei, senão a de que o legislador pretendeu isentar o arrendatário que goza do benefício do apoio judiciário da obrigação de demonstrar, aquando da apresentação do articulado de oposição, que pagou, quer da taxa de justiça devida (traduzida numa responsabilidade perante o Estado), quer a caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso (traduzida numa responsabilidade perante o senhorio)” ;
- de 26/04/2016 – Relatora: Cristina Coelho, Processo nº. 4024/15.5YLPRT.L1-7 -, onde se sumariou, após citação de antecedente jurisprudência, que “o requerido que beneficie de apoio judiciário está, para o efeito de deduzir oposição ao procedimento especial de despejo, dispensado de prestar a caução a que se refere o nº 3 do art. 15º-F do NRAU” ;
- de 01/07/2021 – Relatora: Teresa Prazeres Pais, Processo nº. 21057/19.5T8LSB.L1-8 -, que, citando, igualmente, antecedente jurisprudência desta Relação, veio a adoptar o seguinte sumário: “O requerido que beneficie de apoio judiciário está, para o efeito de deduzir oposição ao procedimento especial de despejo, dispensado de prestar a caução a que se refere o n° 3 do art. 15°­F do NRAU” ;
- de 26/01/2023 – Relator: Nélson Borges Carneiro, Processo nº. 547/22.8YLPRT.L1-2 -, o qual, tendo fundamentalmente por objecto recursório a alegada inconstitucionalidade dos nºs. 3 e 4, do citado artº. 15º-F, do NRAU, e conhecendo acerca da mesma, en passant, ainda que sem qualquer abordagem em concreto da controvérsia, consigna que “na hipótese de ter havido resolução extrajudicial por falta de pagamento de rendas, nos termos do art.1083º, nºs 3 e 4, do CCivil, o arrendatário tem o dever de prestar uma caução no valor das rendas ou encargos em atraso, até ao valor de seis meses de rendas, exceto tendo apoio judiciário” ;
- da Relação do Porto:
- de 03/03/2016 – Relator: Leonel Serôdio, Processo nº. 3055/15.0YLPRT.P1 -, no qual se sumariou que “a norma do art.º 10 da portaria 9/2013 de 10 de Janeiro contraria o art.º 15.º F n.º 3 do NRAU.
II - Estando em causa um conflito entre duas normas - uma lei ordinária da Assembleia da República e outra ínsita em portaria que é regulamento de fonte governamental - o mesmo apenas pode ser resolvido pela prevalência da fonte de hierarquia superior.
III - Beneficiando de apoio, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o arrendatário está isento de demonstrar o pagamento da caução normalmente exigida como condição de admissibilidade da oposição ao pedido de despejo” ;
- de 05/06/2017 – Relatora: Maria José Simões, Processo nº. 2375/16.0YLPRT-A.P1 -, sumariando-se que “contrariando um acto regulamentar (artº 10º da Portaria nº 9/2013 de 10/01) o exarado em lei ordinária da Assembleia da República (artº 15º-F nº 3 do NRAU), de acordo com o critério da superioridade prefere esta última norma, por ser de fonte hierárquica superior.
II - Tendo sido concedido o benefício de apoio judiciário à arrendatária, está a mesma isenta da demonstração do pagamento da caução normalmente exigida como condição de admissibilidade da oposição ao procedimento especial de despejo” ;
- de 26/10/2017 – Relator: Carlos Portela, Processo nº. 342/16.3YLPRT-A.L1 -, no qual, replicando-se o sumário elaborado no aresto de 03/03/2016, fez-se constar como sumário que “a norma do art.º 10º da portaria 9/2013, de 10 de Janeiro contraria o art.º 15º-F, n.º 3, do NRAU.
II - Estando em causa um conflito entre duas normas - uma de lei ordinária da assembleia da República e outra ínsita em Portaria que é regulamento de fonte governamental -, o mesmo conflito apenas pode ser resolvido pela prevalência da fonte de maior hierarquia.
III - Por isso, beneficiando de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o arrendatário está isento de demonstrar o pagamento da caução normalmente exigida como condição de admissibilidade da oposição ao pedido de despejo”.
O presente Acórdão, lavrado por maioria, tem voto de vencido (Exmo. Desembargador Madeira Pinto) no sentido da 2ª corrente, no qual se refere que “a interpretação literal e teleológica apontam que o legislador ordinário deixou a definição concreta dos termos da isenção do pagamento da caução no valor das rendas em atraso para um diploma legal regulamentador que é uma portaria. Tudo perfeitamente legal e constitucional”.
Acrescenta que, “a nosso ver, não existe contradição alguma entre esta norma da referida Portaria e o previsto no n.º 3 do art.º 15.º-F do NRAU”.
Seguidamente, fazendo a destrinça entre as figuras jurídicas da caução e do apoio judiciário, acrescenta que “o apoio judiciário destina-se a assegurar o acesso à Justiça e aos Tribunais dos cidadãos em virtude da sua debilidade económica, assim cumprindo os direitos fundamentais previstos nos artºs 13º, nº1 e 2 e 20º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa de 1976, nas modalidades previstas no artº 16.º, nº 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, nomeadamente “a) Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.”
O cumprimento de uma obrigação pode ser assegurado por diversas formas, a que o Código Civil designa de garantias especiais das obrigações.
Além da fiança, consignação em rendimentos, penhor, hipoteca, privilégios hipotecários e o direito de retenção, prevê o referido Código a possibilidade de prestação de caução.
In casu, a caução é uma garantia especial da obrigação do arrendatário de pagamento das rendas pedidas na acção (procedimento especial de despejo) – podendo ser prestada em qualquer das formas legalmente admissíveis de acordo com o artº 624º do Código Civil de 1966 - tendo o legislador sido sensível em fixar um tecto máximo de depósito de seis meses de renda (mesmo que sejam exigidos mais rendas mensais em dívida).
São institutos diferentes e destinam-se a acautelar direitos diferentes, o primeiro um direito fundamental de acesso à justiça em termos de igualdade dos cidadãos e o outro a acautelar um interesse patrimonial dos senhorios por falta de pagamento de rendas dos arrendatários que deduzem oposição ao procedimento especial de despejo.
Conferir, sem mais e por mero arrastamento, a desoneração de pagamento de caução ao inquilino incumpridor, que apresenta oposição ao pedido de despejo com o benefício do apoio judiciário, da obrigação contratual principal de pagamento das rendas seria uma violação ao princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei- artº 13º CRP de 1976- dado que os demais, que pagam custas e encargos processuais, disso não beneficiam e fomentaria oposições ao despejo infundadas, desse modo frustrando a intenção legislativa de celeridade do PED, claramente assumida pela Lei n.° 5/2006, de 27 de Fevereiro (…)”.
Donde, conclui entender que “mesmo que o arrendatário beneficie de apoio judiciário, tal circunstância não o liberta de prestar a caução legalmente prevista para ser aceite a oposição ao procedimento especial de despejo” ;
- de 30/05/2018 – Relatora: Ana Paula Amorim, Processo nº. 2678/17.7YLPRT.P1 -, onde se sumariou que “a norma do art.º 10 da portaria 9/2013 de 10 de Janeiro contraria o art.º 15.º F n.º 3 do NRAU e estando em causa um conflito entre duas normas - uma lei ordinária da Assembleia da República e outra ínsita em portaria que é regulamento de fonte governamental - o mesmo apenas pode ser resolvido pela prevalência da fonte de hierarquia superior.
II - Beneficiando de apoio, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o arrendatário está isento de demonstrar o pagamento da caução normalmente exigida como condição de admissibilidade da oposição ao pedido de despejo, deduzido com fundamento no art. 1083º/3/4 CC” ;
- de 27/06/2018 – Relator: Joaquim Correia Gomes, Processo nº. 2719/17.8YLPRT.P1 -, onde se consignou que “o legislador excepcionou em bloco e para quem beneficiasse de apoio judiciário, a desnecessidade de comprovação do pagamento da taxa de justiça e de prestação de caução relativamente às rendas devidas – caso quisesse excepcionar apenas uma destas situações, deveria ter tido o cuidado de o fazer. É certo que o apoio judiciário está dirigido, numa das suas modalidades, para as custas do processo e não para a inexigibilidade de prestação de cauções. Mas o legislador pode muito bem ter sido sensível, numa área tão melindrosa como é do contrato do arrendamento e das respectivas resoluções contratuais, que queira ter estendido essa excepcional prerrogativa de não prestar caução de rendas a quem não tenha disponibilidade para suportar as custas processuais. Esta discriminação positiva tem todo o sentido e não se mostra irrazoável. Assim, se o legislador não diferenciou, não cabe aos tribunais distinguir, face ao princípio constitucional de reserva de lei.
Perante este quadro de princípios constitucionais e de regras interpretativas legais, a leitura que mais se ajusta vai no sentido de considerar que quem beneficia de apoio judiciário, está dispensado de comprovar tanto o pagamento de taxa de justiça, como de prestação de caução das rendas consideradas como devida” ;
- da Relação de Coimbra:
- de 20/04/2021 – Relator: Carlos Moreira, Processo nº. 233/20.3YLPRT.C1 -, onde se sumariou, citando-se antecedente jurisprudência doutras Relações, que “o estatuído no artº 10º, nº 2 da Portaria n.º 9/2013, de 10.1, quando preceitua que o inquilino deve proceder ao pagamento da caução devida com a apresentação da oposição, nos termos do n.º 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27.02, independentemente de lhe ter sido concedido apoio judiciário, não é interpretativo deste segmento normativo, antes tendo de se concluir que o contraria de um modo inconciliável.
II - Destarte, quer porque aquela Lei prevalece hierarquicamente sobre esta Portaria, quer porque, lógica a valorativamente deve ser dada prioridade à Lei, urge efetivar-se uma interpretação ab-rogante do preceituado na Portaria, cujo teor, assim, deve ter-se por inatendível, prevalecendo o estatuído na Lei”.
Perfilhando o entendimento sufragado pela 2ª corrente, enunciemos, igualmente, cronologicamente e por Tribunal Superior, os seguintes arestos (todos in www.dgsi.pt ):
- desta Relação de Lisboa:
- de 02/06/2016 – Relatora: Maria de Deus Correia, Processo nº. 1347/15.7YLPRT.L1-6 -, no qual se referencia que “se bem analisarmos o disposto no art.º 15.ºF n.º3 do NRAU, a ressalva que se faz em relação ao benefício do apoio judiciário só poderá referir-se à obrigação do pagamento da taxa de justiça e não à obrigação de prestar caução no valor das rendas em atraso. Com efeito, o apoio judiciário só abrange o pagamento de custas e encargos referentes ao processo, não abrange, por conseguinte outras dívidas que não as relativas aos processos. Ora, o pagamento da caução de valor equivalente ao das rendas em atraso, destina-se a garantir um direito do respectivo titular às rendas que não foram pagas. O apoio judiciário não isenta o arrendatário da obrigação de pagar as rendas pelo que não faria sentido que o mesmo estivesse isento do pagamento da caução correspondente ao valor das rendas em dívida, no caso de beneficiar do apoio judiciário. Ora, se esta interpretação, cremos, já decorre da leitura do preceito legal supra mencionado, embora reconhecendo que a respectiva redacção não é a mais feliz, então o n.º2 do art.º 10.º da Portaria 9/2013 de 10 de janeiro veio esclarecer e não contrariar tal sentido ao dispor que “o documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário”.
Acrescenta, ainda, que “em abono desta tese invoca-se ainda o facto de o n.º3 do art.º 15.ºF do RAU limitar o valor da caução “ até ao valor máximo correspondente a seis rendas”. Entende-se que a preocupação do legislador foi precisamente prevenir a hipótese desta obrigação ser demasiado onerosa para os inquilinos de menores recursos de modo a que a mesma não inviabilizasse o seu direito de defesa. Caso o apoio judiciário abrangesse a obrigação da prestação de caução, qual seria a necessidade de o legislador tomar o cuidado de a limitar ao valor máximo de seis rendas?”.
Adrede, referencia, ainda outro argumento, mencionando que “também o teor do disposto no n.º5 do mesmo artigo 15.º F, nos permite chegar a essa conclusão. Ali se estipula que “A oposição tem-se igualmente por não deduzida quando o requerido não efectue o pagamento da taxa devida no prazo de cinco dias a contar da data da notificação de decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário (…).” A redacção do n.º5 demonstra que, efectivamente, no n.º3 não se dispensa o beneficiário do apoio judiciário do pagamento da caução. Na verdade, se assim fosse, no n.º5, pressupondo essa dispensa, após a decisão definitiva do indeferimento do pedido de apoio judiciário, referir-se-ia que, no prazo de cinco dias, o requerido deveria efectuar o pagamento de taxa de justiça e ainda da caução. Ora, o legislador não o diz. E se o não diz é porque pressupõe que o requerido já apagou a caução.
Portanto, se algumas dúvidas fossem suscitadas pela redacção do n.º3 do art.º 15.ºF do NRAU elas ficam necessariamente esclarecidas face à redacção do n.º5, sendo certo que n. º2 do art.º 10.º da Portaria 9/2013 de 10 de janeiro vem apenas confirmar o que já decorre do referido preceito legal”.
Donde, conclui, que “estando ainda pendente de decisão a concessão ou não do benefício do apoio judiciário à Apelante, tal nada influencia a decisão recorrida, pois como supra ficou demonstrado, ainda que viesse a ser deferido tal benefício, o mesmo não abrange a obrigação de prestar caução”.
O que determinou que se lavrasse sumário com a seguinte redacção: “o arrendatário que beneficie de apoio judiciário não está dispensado de prestar a caução a que se refere o n.º3 do art.º 15.º F do NRAU, para o efeito de deduzir oposição ao procedimento especial de despejo” ;
- de 15/09/2022 – Relatora: Vera Antunes, Processo nº. 548/22.6YLPRT.L1-6 -, onde se referencia que “quanto ao pagamento da caução, nos casos em que seja devida, este apenas ocorre após a emissão do respetivo documento único de cobrança, como resulta do art.º 10º, n.º 1 da Portaria n.º 9/2013, de 10 de Janeiro, que Regulamenta vários aspetos do Procedimento Especial de Despejo (o que nos leva a concluir, na interpretação deste artigo, que o n.º 2 desta norma se destina essencialmente a regular que o pagamento da caução é devido ainda que o requerido goze de apoio judiciário (…)” ;
- da Relação de Évora:
- de 25/09/2014 – Relator: Canelas Brás, Processo nº. 1091/14.2YLPRT-A.E1 -, onde se consigna, ao analisar-se o nº. 3, do artº. 15º-F do NRAU, que “o apoio judiciário apenas se refere e evita o pagamento – pela sua própria natureza – da taxa de justiça, e nunca da caução do valor das rendas atrasadas. De resto, como parece óbvio, pois o apoio judiciário não isenta ninguém de dívidas ou encargos de que o seu beneficiário seja titular, mas apenas daqueles para que foi expressamente previsto na lei. É que, doutra forma, o beneficiário do apoio judiciário nunca mais pagava nada nos processos, nem taxa de justiça, nem honorários ao seu defensor, nem multas processuais, nem cauções, nem dívidas exequendas – não sendo assim, como é sobejamente sabido.
O artigo em apreço tem de interpretar-se dentro do espírito do sistema, e para preservar precisamente a sua unidade, nos termos do artigo 9.º do Código Civil (o apoio judiciário não foi criado, de maneira alguma, para isentar os seus beneficiários doutras dívidas que não as relativas aos processos).
[Note-se que o legislador, mesmo para precaver casos de parcos recursos dos inquilinos, ou de dívidas de rendas já de alto valor, a fim de não inviabilizar a sua oposição, e manter o seu direito constitucional de defesa, fixou um tecto para o depósito da caução “até ao valor máximo correspondente a seis rendas” (citado artigo 15.º-F, n.º 3), o que mostra que as suas preocupações para com os inquilinos mais pobres não passam, nem podiam passar, pelo apoio judiciário, mas pelos outros meios estabelecidos e ao dispor.]
É ainda sintomático que o n.º 5 desse referido artigo 15.º-F se reporte às consequências do indeferimento do pedido de apoio judiciário – oposição tida também por não deduzida se o oponente não pagar a taxa de justiça nos cinco dias seguintes à notificação da decisão definitiva desse indeferimento. Reporta-se apenas à taxa de justiça e não também à caução das rendas, que, na tese da Apelante, teria então que ser ainda depositada nesse prazo depois de indeferido o apoio judiciário (mas como o apoio judiciário nunca se pode referir à caução, tal nº 5 a ela naturalmente se não reporta, mas apenas à taxa de justiça em falta).
E foi assim que a Portaria a que se reporta o mesmo preceito (Portaria n.º 9/2013, de 10 de Janeiro) veio estabelecer que o documento comprovativo do pagamento de tal caução do valor das rendas em atraso “deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário” (sic – sublinhado nosso), assim se clarificando toda a situação (vide o seu artigo 10.º, n.os 1 e 2).
E não que uma Portaria venha derrogar um regime estabelecido numa Lei da República. Aquela Portaria veio precisamente operacionalizar – tornando-o prático para os seus destinatários – um regime que já constava daquela Lei que se destinava a regulamentar. Nem doutro modo as coisas se poderiam passar”.
Donde concluir-se que no procedimento especial de despejo a concessão de apoio judiciário ao requerido arrendatário apenas o isenta do pagamento da taxa de justiça devida, e não também do depósito da caução no valor das rendas em atraso. Donde, caso não proceda ao depósito da caução, a oposição tem-se por não deduzida.
Por fim, referenciemos, ainda, dois outros arestos dotados de alguma particularidade.
O Acórdão desta Secção e Relação de 17/12/2015 – Relator: Jorge Leal, Processo nº. 274/15.2YLPRT.L1-2 -, no qual se sumariou que “a requerida que beneficie de isenção de custas judiciais não está, para o efeito de deduzir oposição ao procedimento especial de despejo, dispensada de prestar a caução a que se refere o art.º 15.º-F n.º 3 do NRAU”.
Apontado, de forma incorrecta, nalguns arestos, como perfilhando a 2ª corrente enunciada, tal resulta, todavia, duma sua leitura apressada ou, eventualmente, apenas da ponderação do sumário transcrito.
Com efeito, decorre de tal aresto perfilhar antes a 1ª das correntes enunciada, fazendo, todavia, uma destrinça entre dispensa de taxa de justiça e dispensa de pagamento dos demais encargos com o processo.
Assim, faz consignar que “a situação invocada pela apelante, de isenção da taxa de justiça, não é idêntica à de concessão de apoio judiciário, considerada na lei como exoneradora da obrigação de prestação de caução. A isenção de taxa de justiça não pressupõe, necessariamente, impossibilidade económica de pagamento dos encargos judiciais, pelo que não há necessária equiparação entre essa isenção e a concessão de apoio judiciário, sendo certo, aliás, que o apoio judiciário admite diversas modalidades, que não passam necessariamente pela total dispensa do pagamento de taxa de justiça (vide art.º 16.º da Lei n.º 34/2004, de 29.7, que aprova o Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais)”.
O segundo dos arestos trata-se do Acórdão do STJ de 06/12/2018 – Relatora: Rosa Tching, Processo nº. 1394/16.1YLPRT.L1.S1 -, que não toma expressa posição sob a controvérsia em análise, ainda que a referencie na nota de rodapé 8, com indicação de jurisprudência defensora de ambas as posições.
Considera, inclusive, irrelevante, no caso concreto, a apreciação de tal questão, pois havia-se provado não ter sido concedido à Requerida o benefício do apoio judiciário.
Todavia, existe um trecho do douto Acórdão donde parece depreender-se que o pagamento da caução não estaria abrangida pela concessão do apoio judiciário.
É o que resulta do seguinte trecho:
Impõe-se ao julgador, antes de proferir despacho liminar, nos termos do artº. 15º-H. nº. 3, “de harmonia com o disposto no art. 9º, nº 2 [4] do DL nº 1/2013, de 07.01, verificar, tal como impõe o art. 15º-F, nº 3 do NRAU, se o inquilino, entregou, juntamente com a dedução da oposição:
i) documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou de concessão de apoio judiciário ou de que está pendente pedido de concessão do benefício do apoio judiciário;
ii) e, ainda, nos casos em que esteja em causa a resolução de um contrato de arrendamento com fundamento no nº 3 ou no nº 4, ambos do art. 1083º do C. Civil, documento comprovativo do pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas”.
Ou seja, relativamente a este segundo pressuposto não se ressalva que a eventual concessão de apoio judiciário, em determinada modalidade, dispense o pagamento de caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor limite de seis rendas.
O que não sendo decisivo, pelos motivos expostos, tem carácter ou natureza meramente indiciador.
A 1ª corrente sustenta-se, basicamente, no seguinte argumentário:
· Enquanto o nº. 3 do artº. 15º-F, do NRAU isenta o beneficiário de apoio judiciário de efectuar o pagamento da caução legalmente exigida como requisito de admissibilidade da oposição, o nº. 1, do artº. 10º, da Portaria nº. 9/2013, exige o pagamento da caução, independentemente do arrendatário gozar daquele benefício ;
· Pelo que verifica-se um conflito de normas de hierarquia diversa, nomeadamente entre uma lei ordinária emanada da Assembleia da República, e uma Portaria de origem regulamentar governamental ;
· Assim, estando em causa um conflito entre estas duas normas, tem que necessariamente prevalecer, conforme ditames constitucionais, a que tem fonte de hierarquia superior, ou seja, a lei ;
· Pelo que, beneficiando o arrendatário oponente de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, fica isento de demonstrar o pagamento da caução legalmente exigida como condição de admissibilidade da oposição ao pedido de despejo, deduzido com fundamento no art. 1083º, nºs. 3 e 4, do Cód. Civil.
Por sua vez, a 2ª corrente funda-se, no essencial, na seguinte argumentação:
Ø Apesar de não ser muito feliz a redacção conferida ao nº. 3, do artº. 15º-F, do NRAU (Lei nº. 6/2006, de 27/02, actualizada pela Lei nº. 31/2012, de 14/08), uma cuidada análise de tal normativo leva-nos necessariamente a concluir que o benefício do apoio judiciário aí enunciado só poderá referir-se à obrigação do pagamento de taxa de justiça, e não à obrigação de prestar caução pelo valor das rendas em atraso ;
Ø Com efeito, por definição, o instituto do apoio judiciário tem por abrangência o pagamento de custas e encargos reportados a um processo judicial, não abarcando dívidas ou encargos de outra natureza, de que o seu beneficiário seja titular, mas apenas daqueles para que foi expressamente previsto na lei ;
Ø A necessidade de prestação de caução para que a oposição deduzida pelo arrendatário possa ser considerada, de valor equivalente ao das rendas em atraso (com limite máximo de seis rendas), tem por desiderato garantir ao respectivo credor o direito ao pagamento das rendas em falta ;
Ø Ora, o apoio judiciário não isenta o arrendatário do pagamento de rendas em dívida, pelo que, beneficiando de apoio judiciário, não faria sentido isentá-lo do pagamento da caução legalmente prevista ;
Ø Tal interpretação, que já decorria da análise daquele nº. 3, do artº. 15º-F, do NRAU, veio a ser confirmada e esclarecida (que não contraditada) pelo nº. 2 do artº. 10º, da Portaria nº. 9/2013, de 10/01, ao referenciar expressamente que o “o documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário ;
Ø Adrede, resulta claramente do estatuído no nº. 5, do mesmo artº. 15º-F, que a interpretação não pode ser outra, ou seja, que o citado nº. 3, do mesmo normativo não dispensa o beneficiário do apoio judiciário do pagamento da caução ;
Ø Efectivamente, se assim fosse, não se entenderia como aquele nº. 5 veio referenciar que a oposição tem-se igualmente por não deduzida quando o requerido não efetue o pagamento da taxa devida no prazo de cinco dias a contar da data da notificação da decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa ou de pagamento faseado da taxa e dos demais encargos com o processo ;
Ø Pois, de acordo com tal entendimento, este normativo, após a prolação de decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário, teria que necessariamente prever o pagamento, por parte do requerido arrendatário, não só da taxa de justiça, mas ainda da caução ;
Ø O que não foi previsto, num claro juízo de pressuposição de que a caução já havia sido liquidada ;
Ø Por fim, num derradeiro argumento, parece evidente que a limitação da caução até ao valor máximo correspondente a seis rendas (e não da totalidade do valor das rendas reclamadas pelo requerente locador) terá tido por base a intenção do legislador em não limitar ou inviabilizar o direito de defesa dos arrendatários de menores recursos ;
Ø Porém, acaso o benefício do apoio judiciário abarcasse a caução, inexistiria qualquer razão para o legislador operar tal limitação, pois a tutela do direito de defesa do arrendatário de menores recursos seria operacionalizada por aquele mecanismo.
Ora, na ponderação do argumentário sustentado por ambas as correntes expostas, não hesitamos em conceder prevalência à 2ª, ou seja, no sentido de que a concessão do apoio judiciário ao oponente arrendatário apenas o isenta do pagamento da taxa de justiça devida (e eventuais outros encargos tributários processuais), e não também do depósito da caução legalmente estipulada, no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso (até ao limite máximo correspondente a seis rendas).
Para além dos argumentos expostos, que se nos afiguram impressivos, lógicos e evidentes e, como tal, replicamos, aditemos, em reforço, ainda o seguinte:
- contrariamente ao sustentado pela 1ª corrente, pensamos que uma leitura cuidada do normativo em equação – o nº. 3, do artº. 15º-F -, permite concluir, indubitavelmente, pela inexistência do aludido conflito de normas de hierarquia diversa ;
- com efeito, uma análise, por segmentos, de tal texto legal, conferir-lhe-á um sentido claramente compaginável não só com o demais estabelecido no nº. 5, do mesmo normativo, como ainda com o que veio a ser expressamente previsto no nº. 2, do artº. 10º, da Portaria nº. 9/2013, de 10/01 ;
- efectuando a análise daquele normativo, constata-se que o segmento do meio, reportado aos dizeres “e, nos casos previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas”, é perfeitamente autonomizável e decalcável do demais, sendo perfeitamente interligáveis os segmentos antecedente e posterior ;
- com efeito, o que se verifica é uma redacção pouco cuidada, e linguisticamente questionável, de tal normativo, por parte do legislador, em correspondência, aliás, com uma prática que se vem agravando nos últimos anos ;
- desta forma, o que veio a ser previsto no citado nº. 2, do artº. 10º, da Portaria nº. 9/2013, está em perfeita consonância e harmonia com o prescrito naquela artº. 15º-F, inexistindo o aludido conflito entre as duas normas que sustenta o entendimento da 1ª corrente ;
- desta forma, não é operacionável o juízo de uma Portaria vir derrogar o exposto ou consignado numa Lei da República, de forma a que, por apelo a critérios e juízos constitucionais, se tenha que adoptar um critério de prevalência na sua aplicação, ou mesmo considerar uma aludida interpretação ab-rogante daquela ;
- em contraponto, a Portaria veio, através da sua natureza regulamentar operacionalizar, conferir praticabilidade ao regime já enunciado naquela Lei, em plena comunhão com esta.
Em nova aproximação ao caso concreto, constata-se, então que, tal como já anteriormente exposto, concluindo-se no sentido de que a uma putativa concessão do benefício do apoio judiciário à Requerida, ora Apelante, nomeadamente na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nunca abrangeria a dispensa da prestação da citada caução, a (in)subsistência da decisão proferida que o indeferiu configura-se totalmente irrelevante para a decisão a prolatar nesta sede.
O que, consequentemente, confere carácter de prejudicialidade não só à aludida nulidade da decisão de indeferimento daquele benefício, proferida pela Segurança Social, como, ainda, à reclamada inconstitucionalidade da interpretação conferida no despacho recorrido, dependente, conforme expressamente referenciado pela Recorrente, dum juízo de concessão do benefício do apoio judiciário, que não se mostra minimamente verificado nos autos (mas, antes o seu contrário).
Por todo o exposto, sem carência de ulteriores delongas, conclui-se no sentido da improcedência das conclusões recursórias, com consequente confirmação da decisão recorrida/apelada.
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Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas do presente recurso são da responsabilidade da Ré/Requerida/Recorrente, atento seu decaimento.
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IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré/Requerida/Apelante B………………………, LDA., em que figura como Autora/Requerente/Apelada Y………………….., LDA. ;
b) Em consequência, confirma-se a decisão recorrida/apelada ;
c) Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, atento o seu decaimento, as custas do presente recurso são da responsabilidade da Ré/Requerida/Recorrente.

Lisboa, 26 de Outubro de 2023
Arlindo Crua
Paulo Fernandes da Silva (alterando a posição que subscrevi, igualmente como adjunto, no referido acórdão 547/22.8YLPRT.L1-2)
Carlos Gabriel Castelo Branco

[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.