IMPENHORABILIDADE
PENSÃO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS E DE NATAL
Sumário

1- Sempre que o executado pretenda suscitar a questão da redução/isenção da penhora, não porque foram violados os limites objectivos de penhorabilidade relativamente aos valores sobre que incidiu, mas em razão das suas concretas condições de vida, não está sujeito ao prazo peremptório a que respeita o nº 1 do art.º 785º do Código de Processo Civil.
2- A garantia de um salário mínimo e de uma existência minimamente condigna, que está na génese da impenhorabilidade que resulta dos nº 1 e 3 do art.º 738º do Código de Processo Civil, não diz respeito apenas a doze prestações mensais por ano, mas abrange igualmente os subsídios de Natal e de férias (quer respeitem a trabalhadores no activo, quer a pensionistas), num total de catorze prestações por ano.
3- Assim, os subsídios de Natal e de férias (de trabalhadores no activo ou de pensionistas) que sejam inferiores ao montante legalmente fixado para o salário mínimo nacional serão, em qualquer caso, impenhoráveis.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Em 16/1/2012 Banco Comercial Português, S.A. intentou acção executiva contra AA J. e outros, apresentando como título executivo um contrato de mútuo com hipoteca e fiança outorgado por escritura pública, e visando o pagamento da quantia de € 87.091,30, juros e demais acessórios.
Em 7/5/2021 a exequente requereu, para além do mais, “a renovação da presente execução – extinta por inutilidade superveniente da lide nos termos do artigo 750.º, n.º 2, do CPC – indicando para esse efeito a penhora da pensão do Executado AA, com valores penhoráveis nos meses de Julho e Dezembro”.
Em 7/7/2021 o agente de execução lavrou auto de penhora tendo por objecto a pensão auferida pelo executado AA J., junto do Centro Nacional de Pensões, e fazendo constar do mesmo auto que “Na sequência da notificação para penhora de vencimento, nos termos do disposto no artigo 779º do CPC e tendo em conta os limites impostos pelo artigo 783º do mesmo compêndio legal, fica penhorado à ordem da identificada acção executiva subsídios de férias e natal, auferidos pelo executado. O referido montante será depositado em conta cliente de Agente de Execução, nos termos do disposto no artigo 779º nº 2 do CPC”.
Tal auto de penhora foi notificado ao executado AA J., através de notificação expedida em 7/7/2021, por via postal registada, para a ilustre patrona nomeada ao mesmo.
Não consta dos autos que tenha sido depositada pelo Centro Nacional de Pensões qualquer quantia relativa à penhora certificada pelo auto de 7/7/2021.
Em 23/5/2023 o executado AA J. apresentou requerimento com o seguinte teor:

O Executado, aufere mensalmente o valor ilíquido de 634,18€ (…).

Tem os seguintes encargos mensais:
- 250,00€ (…), a título de comparticipação de renda habitacional;
- 90,00€ (…), a título de despesa com electricidade;
- 72,00€ (…), a título de despesas de telecomunicações;
- 150,00€ (…), a que corresponde o montante médio mensal que o Executado despende para aquisição de bens alimentares;
- 57,00€ (…), para aquisição de medicamentos (…).

Assim, o Executado depois de todas as despesas mensais fixas, fica apenas com um saldo positivo de 15,18€ (…), o que o impossibilita de fazer face a alguma despesa “surpresa” que lhe possa surgir.

O que pode suceder, porquanto foi diagnosticado ao Executado um glaucoma ocular, estando a ser seguido no Hospital de Portimão para acompanhamento da evolução da doença (…).

Ora, é assim evidente que o Executado vive com dificuldades dos seus parcos rendimentos para fazer face às suas necessidades básicas.

Impondo-se por isso, uma redução da penhora dos montantes auferidos pelo Executado quer a título de pensão mensal, quer relativamente aos subsídios (férias e de natal), em face do disposto no art. 738º, nº 6 do C.P.C. (Código do Processo Civil), o que se requer para todos os legais efeitos.

Sem prejuízo, e como se ensina os Tribunais Superiores:
“Os subsídios de Natal e de férias (de trabalhadores no activo ou de pensionistas) que sejam inferiores ao montante legalmente fixado para o salário mínimo nacional serão, em qualquer caso, impenhoráveis, nos termos do art. 738.º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil. “ – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28.06.2017, do Relator Pedro Vaz Pato, no âmbito do Proc. 114/96.0TAVLG-A.P1, disponível em www.dgsi.pt).

In casu, como supra se disse, o Executado aufere mensalmente a pensão, no valor de 634,18€ (…), recebendo o subsídio de férias e de natal, do mesmo montante.

Não auferindo quaisquer outros rendimentos.
10º
Tendo por isso um rendimento anual de 8.878,52€ (…), o que dividindo pelos 12 meses, perfaz um valor médio mensal no valor de 739,87€ (…).
11º
Em 2023, o salário mínimo nacional é de 760,00€ (…), nos termos do art. 3º do DL nº 85-A/2022 de 22.12.
12º
Ora, como supra demonstrado, fica claro que considerando o valor de pensão e respectivos subsídios
o Executado aufere, em média, o montante de 739,87€ (…), valor este inferior ao salário mínimo nacional.
13º
Pelo que, nos termos do disposto no art. 738º, nº 1 e nº 3 do C.P.C. e em face do entendimento jurisprudencial acima indicado, os rendimentos do Executado terão de ser considerados impenhoráveis, ponderação que se requer a este tribunal.
14º
Face a todo o supra exposto, porque os rendimentos médios mensais do Executado são inferiores ao salário mínimo nacional, requer-se nos termos do disposto no art. 738º, 1 e 3 do C.P.C. que sejam os rendimentos do Executado, considerados impenhoráveis.
15º
Caso assim não se entenda, deverá o Tribunal, nos termos do disposto no art. 738º, nº 6 do C.P.C., entender que em face dos parcos rendimentos do Executado e as elevadas despesas, deve a penhora ser reduzida, em proporção nunca superior a 1/6”.
Com tal requerimento o executado AA J. juntou declaração emitida pela Segurança Social, de onde resulta que em 2023 o valor mensal da pensão de velhice que lhe é entregue pelo Centro Nacional de Pensões ascende a € 634,18.
A exequente respondeu ao requerimento em questão, pugnando pelo indeferimento do “pedido de redução/isenção da penhora e, em consequência, ser ordenada a normal prossecução da execução até efectivo e integral pagamento”.
Seguidamente foi proferido despacho com o seguinte dispositivo:
(…) declaro impenhoráveis os subsídios de férias e de Natal do executado, determinando lhe sejam devolvidos os eventuais descontos já efectuados”.
A exequente recorre deste despacho, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
A. Em 07-05-2021, a ora Recorrente, Exequente, requereu à Senhora Agente de Execução a penhora da pensão do Executado, ora Recorrido, nos meses de liquidação de subsídios, tendo sido elaborado o respectivo auto de penhora em 07-07-2021.
B. O Sr. Agente de Execução procedeu à devida notificação do executado para, querendo, deduzir oposição à penhora.
C. O Executado não apresentou oposição à penhora.
D. Porém, em 23-05-2023  [quase dois anos depois do termo do prazo de oposição à penhora], o Executado apresentou aos autos um requerimento, que veio a nomear de “redução/isenção de penhora” que, na verdade, reveste uma verdadeira oposição à penhora.
E. Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 785º do Código de Processo Civil, o Executado apenas podia deduzir a sua pretensão mediante a apresentação de oposição à penhora, nos 10 dias subsequentes à data da notificação que lhe foi dirigida pelo Sr. Agente de Execução (em 07-07-2021).
F. Portanto, atendendo a que os factos alegados pelo Executado constituem fundamento de oposição mediante embargos, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 784.º do CPC, e não tendo sido apresentada oposição dentro do prazo legal, tal requerimento deveria ter sido considerado, desde logo, extemporâneo.
Bem assim, e porque a apresentação de oposição depende de liquidação de taxa de justiça, pelo que, não o tendo sido feito, deveria tal requerimento, para além de considerado extemporâneo, ser desentranhado por falta de liquidação da taxa de justiça devida.
G. Analisados os fundamentos do requerimento, verificamos que o único fundamento que permitiria ao Executado ter apresentado o requerimento aqui em causa, seria o pedido de redução de penhora – facto esse sobre o qual o douto Tribunal se deveria ter pronunciado, mas não o fez!
H. Contudo, em resposta ao susodito requerimento, em 22-06-2023 o douto Tribunal proferiu despacho que decidiu, em suma, declarar “…impenhoráveis os subsídios de férias e de Natal do executado, determinando lhe sejam devolvidos os eventuais descontos já efectuados”.
I. Ao pronunciar-se, nesta fase processual, acerca da (im)penhorabilidade dos salários, a decisão proferida pelo Douto Tribunal viola claramente o princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança, que se assumem como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, devidamente previstos no artigo n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
J. Portanto, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por um que aprecie apenas o pedido de isenção/redução de penhora.
K. Ademais, da análise ao despacho recorrido não se verifica qualquer pronúncia sobre o pedido de redução efectuado, sendo por isso nula por omissão de pronúncia sobre os factos que devia conhecer, tal como prevê a alínea d) do artigo 615º do Código de Processo Civil.
L. Prosseguindo, e acautelando desde já a possibilidade (que por mera cautela de patrocínio se admite) de este Venerando Tribunal não entender revogar a decisão recorrida, sempre se terá de analisar a questão da (im)penhorabilidade dos subsídios de férias e de Natal, o que se faz de seguida.
M. Alegou o executado que aufere uma pensão mensal ilíquida no valor de 634,18€.
N. O Tribunal decidiu declarar a impenhorabilidade dos subsídios de Natal e férias auferidos pelo Executado, após ter multiplicado tal valor por 14 e, após, dividir o resultado da operação por 12.
O. Todavia, não se pode concordar com o entendimento do Tribunal “a quo”, como se irá demonstrar.
P. Relembre-se que, no entendimento do Distinto Tribunal Constitucional, “constituindo o subsídio de férias e o subsídio de Natal um complemento à pensão normalmente devida, não se vislumbra que possam corresponder a uma quantia que deva ser qualificada como garantia desse mínimo essencial à subsistência condigna do recorrente” (negrito e sublinhado nosso).
Q. Da mesma forma, o artigo 738º do C.P.C., em toda a sua envolvente refere-se à apreensão/penhora como aferição mensal dos rendimentos e não anual, “(…) são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.” (negrito sublinhado nosso).
R. É neste o sentido em que todos os Agentes de Execução trabalham, e notificam as Entidades Patronais dos Executados.
S. Portanto, seguindo a linha de entendimento destes acórdãos, os subsídios deverão ser considerados acréscimos e não parte da pensão mensal auferida pelo Executado.
T. Assim, tal cálculo deverá resumir-se numa multiplicação por doze e não por catorze.
U. Diga-se ainda que, se o Executado consegue sobreviver durante 10 meses do ano com a quantia de € 634,18 mensais, não será certamente o acréscimo do montante recebido a título de subsídio de férias e Natal que fará diferença relevante na economia do mesmo.
V. Há ainda que atender, relativamente à posição do Recorrente e ao seu direito de ser ressarcido, à existência do instituto da penhora, que se encontra ao seu dispor para se ver ressarcido do valor que lhe é devido, através dos bens dos Executados.
W. Perante os factos aqui vertidos, e atento o valor ainda em dívida, bem como, o lapso temporal decorrido até ao presente, entende o Recorrente que deve ser feito um juízo de racionalidade que permita aferir da pressuposta impenhorabilidade de rendimentos auferidos a título de pensão;
X. Significa, pois, que entre o meio e o fim deve haver uma relação adequada, necessária e proporcional, traduzida num equilíbrio entre os direitos ou interesses de ambas as partes, conforme prevê o preceituado no artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa;
Y. Em suma, entende aqui o Recorrente que o Tribunal “a quo”, e com o devido respeito, não acolheu a posição justa relativamente à (im)penhorabilidade dos subsídios auferidos pelo Executado, por entender que a penhora dos subsídios não viola o disposto no art. 738º, nº 1 do C.P.C.
Z. Devendo os subsídios serem considerados penhoráveis e assim o Recorrente poder, mesmo que num período de tempo bastante alargado, face à periodicidade dos mesmos, ver o seu crédito ressarcido, atendendo à escassez de bens susceptíveis de penhora.
O executado AA J. apresentou alegação de resposta, aí pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
Não foi apresentada alegação de resposta.
***
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, prendem-se com:
- A extemporaneidade do requerimento apresentado pelo executado AA J.;
- A nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia;
- A impenhorabilidade da pensão, no que respeita aos montantes entregues a título de subsídio de férias e subsídio de Natal.
***
Da extemporaneidade do requerimento
Sustenta a exequente que o requerimento do executado AA J. configura uma oposição à penhora (a referência à oposição “mediante  embargos” trata-se de manifesto lapso de escrita, revelado no contexto da alegação da exequente e que, por isso, aqui se deixa desde já relevado), apresentada quase dois anos após o termo do prazo para tanto, pelo que o mesmo devia ter sido considerado extemporâneo.
A oposição à penhora é apresentada no prazo de 10 dias a contar da notificação da mesma (art.º 785º, nº 1, do Código de Processo Civil) e só pode ter por fundamento alguma das circunstâncias taxativamente elencadas no art.º 784º do Código de Processo Civil, designadamente (al. a) do seu nº 1) a “inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos” ou a “extensão com que ela foi realizada”.
Já quando o executado visa a redução ou a isenção de penhora, em razão das suas necessidades e do seu agregado familiar, deve formular tal pretensão através do requerimento a que alude o nº 6 do art.º 738º do Código de Processo Civil.
Como explicam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2020, pág. 178), no incidente de oposição à penhora “não se discute a ilegalidade subjectiva da penhora, mas a sua ilegalidade objectiva, visto que, pertencendo, embora, ao executado aquilo que foi penhorado, se questiona a penhorabilidade do bem em si, a medida em que a penhora se realizou, a sua oportunidade ou a eventual impenhorabilidade para a satisfação da concreta dívida exequenda”. E, no que concerne ao fundamento de oposição à penhora a que respeita a al. a) acima transcrita, explicam ainda que estão aí compreendidas, para além do mais, as situações de “penhora de bens parcialmente penhoráveis com desrespeito pela proporção em que a penhora é permitida (art. 738º)”. Todavia, ressalvam que não constitui fundamento da oposição à penhora “a invocação pelo executado do circunstancialismo inerente às suas condições de vida (nº 6 do art. 738º)”, antes dando lugar a um incidente inominado, a tramitar com recurso às disposições gerais, constantes dos art.º 292º a 294º do Código de Processo Civil (pág. 108).
Ou seja, sempre que o executado pretenda suscitar a questão da redução/isenção da penhora, não porque foram violados os limites objectivos de penhorabilidade relativamente aos valores sobre que incidiu, mas em razão das suas concretas condições de vida, não está sujeito ao prazo peremptório a que respeita o nº 1 do art.º 785º do Código de Processo Civil.
Assim, e reconduzindo tais considerações ao caso concreto dos autos, importa atentar que no seu requerimento de 23/5/2023 o executado AA J. veio, desde logo, invocar que os encargos mensais que suporta (e que identifica) impõem a redução da penhora.
É certo que o executado AA J. invocou igualmente que os montantes que lhe são pagos a título de pensão de velhice devem ser considerados impenhoráveis, à face do disposto no nº 3 do art.º 738º do Código de Processo Civil, porque se apresentam, em média mensal, inferiores ao salário mínimo nacional, nessa medida concluindo que o tribunal recorrido haveria de ponderar a impenhorabilidade desses rendimentos. Todavia, não é essa circunstância que faz afirmar estar-se perante a dedução do incidente de oposição à penhora a que respeitam os art.º 784º e seguintes do Código de Processo Civil. Pelo que o requerimento apresentado não carecia de ter sido apresentado no prazo a que alude o nº 1 do art.º 785º, antes podendo sê-lo posteriormente ao termo do referido prazo, como foi.
E, nessa medida, o mesmo não se apresenta como extemporâneo, devendo o tribunal recorrido conhecer do mesmo, como conheceu, e não sendo igualmente obstáculo a tal conhecimento a circunstância de o executado AA J. não ter demonstrado o pagamento de taxa de justiça aquando da apresentação do requerimento, desde logo porque goza do benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça.
Pelo que, nesta parte, improcedem na sua totalidade as conclusões do recurso da exequente.
***
Da nulidade da decisão por omissão de pronúncia
Segundo a al. d) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, a decisão judicial é nula quando aí deixe de ser apreciada questão que devesse ser apreciada.
Sobre a questão da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, refere Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado, volume II): “Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe estão submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe caiba conhecer (art 660º/2), o não conhecimento do pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade (…)”. Com efeito, decorre do art.º 608º do Código de Processo Civil que na sentença o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão dessas questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras questões.
Reconduzindo tais considerações ao caso concreto dos autos, sustenta a exequente que se verifica a omissão de pronúncia quanto à questão relativa à redução da penhora incidente sobre os subsídios de férias e de Natal do executado AA J., tendo-se o tribunal recorrido pronunciado apenas sobre a impenhorabilidade desses subsídios.
Todavia, torna-se manifesto que a questão relativa à redução da penhora em questão ficou prejudicada pelo decidido relativamente a tal impenhorabilidade.
Dito de outra forma, quando no despacho recorrido se declara a impenhorabilidade dos subsídios de férias e de Natal, mais se determinando a devolução de “eventuais descontos já efectuados”, logicamente que essa decisão prejudica o conhecimento da pretendida redução da penhora, face ao disposto no nº 2 do art.º 608º do Código de Processo Civil, na medida em que deixou de se poder afirmar a existência de uma qualquer penhora que devesse ser objecto de redução/isenção.
E tudo isto sem embargo de, caso assista razão à exequente quanto ao invocado erro de julgamento do despacho recorrido, no que respeita à declaração de tal impenhorabilidade, haver que recorrer ao disposto no art.º 665º, nº 2, do Código de Processo Civil, decidindo este tribunal de recurso se deve haver lugar à redução da parte penhorável dos subsídios em questão,  ou mesmo a isentá-los dessa penhora, tudo nos termos do art.º 738º, nº 6, do Código de Processo Civil.
Em suma, também nesta parte improcedem as conclusões do recurso da exequente, não se verificando a invocada nulidade da decisão recorrida.
***
Da impenhorabilidade
No despacho recorrido ficou assim sustentada a impenhorabilidade dos subsídios de férias e de Natal pagos ao executado AA J.:
De acordo com o art. 738.º, n.º 1, al. a), são impenhoráveis “dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.”, acrescentando o seu n.º 3 que “A impenhorabilidade prescrita no n.º 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.”.
A impenhorabilidade parcial aqui prevista baseia-se em razões económico‑sociais, que se prendem com a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos de Portugal como República soberana, nos termos do art. 1.º da Constituição da República Portuguesa.
Em caso de colisão ou conflito entre o direito do credor a ver realizado o seu direito, apoiado no n.º 1 do art. 62.º da Constituição da República Portuguesa, como direito de acesso à propriedade, e o direito fundamental dos trabalhadores em perceberem um rendimento que lhes garanta uma sobrevivência condigna, optou o legislador pelo sacrifício do direito do credor, na medida do necessário e, se tanto for necessário, mesmo totalmente, neste caso para evitar que o devedor se torne num indigente a cargo da sociedade (cfr. Fernando Amâncio Ferreira, in «Curso de Processo de Execução», Almedina, 6.ª Ed., pág. 178).
Em causa está, pois, o princípio da dignidade humana contido no princípio do Estado de Direito resultante das disposições conjugadas dos arts. 1.º, 59.º, n.º 2, al. a) e 63.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.
Subjacentes às impenhorabilidades contidas no citado art. 738.º estão valores morais, sociais e humanitários, até porque tais impenhorabilidades não podem ser alteradas por convenção das partes nem o devedor pode renunciar à protecção que a lei por esse meio lhe concede, devendo, inclusivamente, ser considerados nulos todos os negócios jurídicos que se estabeleçam em contrário (art. 294.º do Código Civil).
O valor que o legislador considerou como o mínimo indicativo essencial para assegurar o sustento minimamente digno da pessoa humana é o de um salário mínimo nacional, “remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como o ‘mínimo dos mínimos’ não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2002, de 23 de Abril).
Actualmente o salário mínimo nacional está fixado em € 760,00 (Decreto Lei n.º 85-A/2022 de 22 de Dezembro).
Para alguns, como é o caso do Conselheiro Cura Mariano (cfr. voto de vencido no Acórdão do Ac. TC n.º 770/2014), “no caso das pensões pagas mensalmente com direito a subsídio de férias e de Natal, a impenhorabilidade tem que salvaguardar qualquer uma das suas prestações, incluindo os subsídios, quando estas têm um valor inferior ao do salário mínimo nacional. E o facto de, nos meses em que são pagos aqueles subsídios, a soma do valor da pensão mensal com o valor do subsídio ultrapassar o valor do salário mínimo nacional, não permite que tais prestações passem a estar expostas à penhora para satisfação do direito dos credores, uma vez que elas, por serem pagas no mesmo momento, não deixam de ser necessárias à subsistência condigna do seu titular. Não é o momento em que são pagas que as torna ou não indispensáveis à subsistência condigna do executado, mas sim o seu valor, uma vez que é este que lhe permite adquirir os meios necessários a essa subsistência”.
Segundo o referido Conselheiro, “quando o Tribunal Constitucional escolheu o salário mínimo como o valor de referência para determinar o mínimo de subsistência condigna teve necessariamente presente que o mesmo era pago 14 vezes no ano, circunstância que tem influência na fixação do seu valor mensal, tendo entendido que o recebimento integral de todas essas prestações era imprescindível para o seu titular subsistir com dignidade. Foi o valor dessas prestações, pagas 14 vezes ao ano, que se entendeu ser estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador. E se os rendimentos de prestações periódicas deixam de ter justificação para estar a salvo, quando o executado dispõe de outros rendimentos ou de bens que lhe permitam assegurar a sua subsistência, os subsídios de férias e de Natal não podem ser considerados outros rendimentos para esse efeito, uma vez que eles integram o referido mínimo dos mínimos. Os subsídios de férias e de Natal não são outros rendimentos diferentes da pensão paga mensalmente, mas o mesmo rendimento periódico, cujo momento de pagamento coincide com o das prestações mensais.”
Na doutrina, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro entendem também que se o valor do subsídio for igual ou inferior ao salário mínimo nacional, o subsídio é impenhorável, ainda que seja pago numa única prestação e que a soma desse mesmo subsídio com o vencimento corresponda a um valor superior ao salário mínimo nacional (in «Primeiras Notas ao Código de Processo Civil», II, pág. 260).
Neste mesmo sentido vai também o Acórdão da Relação do Porto, de 28.06.2017, onde se escreveu que “os subsídios de Natal e de férias, que são direitos do trabalhador nos termos gerais (e não complementos facultativos), também estão garantidos pela legislação que garante o salário mínimo (ver artigos 263.º, 264.º e 273.º do Código do Trabalho). Também eles se incluem na garantia de uma subsistência tida por minimamente condigna. Ou seja, essa garantia de um salário mínimo e de uma existência minimamente condigna não diz respeito apenas a doze prestações mensais por ano, mas a catorze. Assim, os subsídios de Natal e de férias (de trabalhadores no activo ou de pensionistas) que sejam inferiores ao montante legalmente fixado para o salário mínimo nacional serão, em qualquer caso, impenhoráveis, nos termos do artigo 738.º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil”.
Mas, como no citado acórdão da Relação do Porto se refere, mesmo para quem entende que o montante garantido pela legislação do salário mínimo (com a consequente impenhorabilidade) corresponde apenas a doze prestações mensais, como parece ser a posição da maioria da jurisprudência das Relações, deve ter-se presente que: “se o montante das pensões auferidas for inferior ao salário mínimo nacional e a essas pensões acrescem subsídios de Natal e de férias, há que considerar o montante global desses rendimentos e dividi-lo por doze; e se o montante apurado com tal divisão for inferior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo os referidos subsídios também serão impenhoráveis. É o que, claramente, impõe a ratio da norma que, em nome da salvaguarda da dignidade humana, impõe a impenhorabilidade de pensões inferiores ao salário mínimo nacional. À luz dessa ratio, não teria sentido admitir a penhora de um subsídio pago num só mês (altura em que, ocasionalmente, a soma da pensão e do subsídio poderá ser superior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo), quando tal não seria admissível se esse subsídio fosse pago em duodécimos (pois, neste caso, já a soma da pensão e de cada um desses duodécimos será inferior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo). Há que considerar a situação global do executado, não uma prestação isolada”. Sufragando este entendimento, são ali apontados o Acórdãos da Relação do Porto, de 08.03.2016, e o da Relação de Guimarães, de 18.04.2013 (proc. n.º 537-A/2002.G1).
Neste último aresto, ao referir que “o que releva para aferir da impenhorabilidade das prestações periódicas pagas ao executado a título de pensões ou de regalia social é o seu valor global e não fraccionado”, explica-se o alcance prático do postulado firmado nos seguintes termos: “se o rendimento anual do devedor, repartido pelos 12 meses do ano, não for inferior ao valor do salário mínimo nacional, nada obsta a que se proceda à penhora do 13º e 14º mês, na parte em que exceda aquele valor”, o que, obviamente, implica que se, pelo contrário, o for, não poderá o mesmo ser penhorado.
O referido acórdão defende esta posição invocando a fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2002, publicado no DR I Série – A, de 02.07.2002, que, de acordo com o próprio voto de vencido do Conselheiro Mota Pinto ali exarado, conduz à conclusão de que “…dentro da própria lógica do aresto…, o critério para a «proibição constitucional de penhora» há-de, com certeza, residir, não tanto na comparação do salário mínimo com o valor (fraccionado ou global) das prestações auferidas pelo devedor, como na comparação com o rendimento que lhe restaria depois da penhora - ou seja, com o seu rendimento remanescente.”.
Dado o espírito da norma que prescreve a impenhorabilidade e a natureza retributiva das prestações em causa que, usando as palavras de Bernardo Gama Lobo Xavier, entendemos constituírem “um salário diferido, que se vai amontoando mensalmente a favor do trabalhador” (cfr. Manual do Direito do Trabalho, pág. 591), também nós aderimos a esta posição.
Também no acórdão da Relação de Lisboa, de 21.05.2020, Proc. 41750/04.6YYLSB-A.L1-2, disponível in www.dgsi.pt, se decidiu que:
“I - Para efeitos do disposto no art. 738.º do CPC, o subsídio de Natal integra o conceito de vencimentos ou salários em sentido amplo ou, pelo menos, quando o executado aufira o salário mínimo nacional, o conceito de “prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado”, sendo, em regra, impenhorável 2/3 da parte líquida do rendimento a que se refere esse artigo.
II - Ademais, atento o limite previsto no n.º 3 desse artigo, o rendimento mensal líquido ou disponível do executado, incluindo, quando seja caso disso, o valor duodecimal do subsídio de Natal, não pode nunca ficar abaixo do montante equivalente ao salário mínimo nacional ilíquido, à data da (pretendida) penhora; se isso acontecer, não pode ser efectuada a penhora (a menos que o executado tenha outra fonte de rendimento).”
E no acórdão da mesma Relação de Lisboa, de 03.02.2022, Proc. 910/04.6YYLSB-A.L1-6, também disponível in www.dgsi.pt, que:
“Auferindo a executada uma pensão de reforma que, somada aos duodécimos dos “montantes adicionais” (v.g. subsídios de férias e de Natal) a que tem direito nos termos do artº 41º do DL 187/2007, de 10/05, seja inferior ao salário mínimo nacional, os referidos “subsídios/montantes adicionais” e a pensão são impenhoráveis, nos termos do artigo 738º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil.”.
No caso, mostra-se assente que o valor da pensão auferida pelo executado é de € 634,18 mensais.
Multiplicado este valor por catorze, concluímos que o valor anual da pensão do executado é de € 8.878,52; e, dividido este valor por doze, encontramos o montante de € 739,88, ainda inferior ao salário mínimo nacional que, como se referiu, é de € 760,00 mensais.
Conclui-se por isso que os subsídios de férias e de Natal do executado são impenhoráveis”.
Já a exequente entende que a decisão recorrida viola o princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança, entendido o mesmo como a afirmação de “um mínimo de certeza e segurança, nomeadamente, e no caso em concreto, no direito do credor e nas consequentes expectativas juridicamente criadas com vista ao ressarcimento necessário”.
Certamente não ignora a exequente que o seu direito à realização coactiva da prestação pecuniária que emerge da celebração do contrato de mútuo com hipoteca e fiança não se apresenta com carácter absoluto, antes estando limitado, para além do mais, pelo seu fim económico e social. O que significa, desde logo, que o princípio geral que emerge do art.º 601º do Código Civil, segundo o qual “pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora”, não significa a possibilidade de a exequente executar todo e qualquer bem e/ou direito do executado AA J., antes estando limitado (e como bem se refere no despacho recorrido) pela necessidade de garantir a este uma sobrevivência condigna, e ainda que com sacrifício do direito do credor, já que só assim se respeita o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. O que conduz à determinação de limites de penhorabilidade do património do executado AA J. que se assumam como concretizadores da referida garantia constitucional.
Dito de outra forma, na colisão entre o direito da exequente e o direito do executado AA J. verifica-se a opção pela prevalência deste último, na medida do necessário a fazer cumprir o referido princípio fundamental.
E, nessa medida, ao tribunal recorrido cumpre observar e fazer observar tal opção constitucional, o que significa que, colocado perante uma concreta interpretação e aplicação do art.º 738º do Código de Processo Civil que se apresente como desconforme à referida opção, está obrigado a corrigir tal desconformidade, afirmando a interpretação e aplicação da norma legal que se reconduz à conformidade constitucional perdida.
Pelo que, por esta via, não se pode afirmar que a actuação do tribunal recorrido, declarando a impenhorabilidade dos subsídios de férias e de Natal que são entregues ao executado AA J., configura uma violação do referido princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança.
Todavia, entende igualmente a exequente que a interpretação que o tribunal recorrido fez dos limites de impenhorabilidade que decorrem dos nº 1 e 3 do art.º 738º do Código de Processo Civil não respeita a letra e o espírito da norma, que aponta para a consideração de uma “aferição mensal dos rendimentos e não anual”, sendo esse “o sentido em que todos os Agentes de Execução trabalham e notificam as Entidades Patronais dos Executados”. E, nessa medida, conclui que os subsídios de férias e de Natal pagos em conjunto com pensões não devem ser considerados pela sua natureza ou origem, mas antes pelo seu valor ou montante, sendo considerados acréscimos da pensão e não parte da pensão, para efeitos de se apurar da sua (im)penhorabilidade.
Não se negando a divergência jurisprudencial evidenciada no confronto entre a fundamentação constante do despacho recorrido e a alegação da exequente, é de acompanhar o entendimento do tribunal recorrido e a jurisprudência indicada pelo mesmo.
Com efeito, não se pode esquecer que o que está na génese da indexação dos limites de penhorabilidade de rendimentos do trabalho ou prestações sociais ao valor do salário mínimo nacional é a consideração de que este representa a medida da subsistência tida por minimamente condigna.
Assim, se “o nº 1 [do art.º 738º do Código de Processo Civil] estabelece a regra geral da impenhorabilidade da parte líquida de dois terços dos rendimentos periódicos do executado (pessoa singular), no pressuposto de que realizam uma função alimentar (“subsistência do executado”)” (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2020, pág. 105), se resulta dos art.º 263º e 264º do Código do Trabalho que o trabalhador tem direito a subsídio de Natal e a subsídio de férias, por força do trabalho prestado e nos mesmos termos em que tem direito à retribuição mensal, assim se entendendo pacificamente que tais subsídios integram o conceito amplo de retribuição, e se resulta ainda do art.º 273º do Código do Trabalho a garantia de uma retribuição mensal mínima, então é de concluir que a impenhorabilidade dos referidos subsídios também se verifica quando os mesmos são em valor inferior ao salário mínimo, porque o princípio da subsistência minimamente condigna que está subjacente à necessidade de fixação do salário mínimo nacional é transversal a toda e qualquer retribuição auferida, assegurando a subsistência de quem a recebe, e ainda que tal retribuição seja paga anualmente em catorze prestações periódicas.
Dito de outra forma, se o que está na génese da impenhorabilidade de qualquer quantia mensal recebida a título de salário ou pensão, que seja igual ou inferior ao salário mínimo nacional, é a necessidade de garantir a subsistência mínima do executado, tendo presente a sua função alimentar, e se as quantias recebidas a título de subsídio de férias e de Natal preenchem igualmente essa função alimentar, devendo por isso ser de valor igual às primeiras e equiparando-se às mesmas, então devem igualmente beneficiar da mesma impenhorabilidade que beneficiam as quantias recebidas a título de salário ou pensão, na medida em que todas elas têm a mesma natureza e asseguram o mesmo fim, independentemente do momento em que são pagas.
Nessa medida não se pode afirmar, como pretende a exequente, que as prestações recebidas a título de subsídio de férias e de subsídio de Natal devam ser consideradas como mero complemento ou acréscimo das retribuições auferidas periodicamente pelo seu titular, para efeitos de não integrarem o mínimo necessário à existência condigna do mesmo e, nessa medida, não serem individualmente abrangidas pela impenhorabilidade a que respeitam os nº 1 e 3 do art.º 738º do Código de Processo Civil.
Pelo contrário, é de acompanhar o afirmado no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 13/7/2023 (relatado por Ana Paula Olivença e disponível em www.dgsi.pt), e bem ainda o afirmado no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 3/2/2022 (relatado por Adeodato Brotas, disponível em www.dgsi.pt e identificado no despacho recorrido), os quais acompanham e seguem de perto o afirmado no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 21/5/2020 (relatado por Laurinda Gemas, subscrito pelo ora 2º adjunto também como 2º adjunto, disponível em www.dgsi.pt e igualmente identificado no despacho recorrido), bem como toda a jurisprudência e doutrina referida neste último, designadamente a declaração de voto constante do acórdão do Tribunal Constitucional nº 770/2014, de 12/11/2014 (na parte que já está reproduzida no despacho recorrido e que, por isso, torna inútil nova reprodução).
Assim, resulta claro do aí exposto que a interpretação da regra da impenhorabilidade não se deve ater à expressão “à data de cada apreensão” constante do nº 3 do art.º 738º do Código de Processo Civil, já que “não é o momento em que são pagas [as prestações periódicas a que se refere o nº 1 do art.º 738º] que as torna ou não indispensáveis à subsistência condigna do executado, mas sim o seu valor, uma vez que é este que lhe permite adquirir os meios necessários a essa subsistência”. Pelo contrário, o que releva (e relevou na jurisprudência do Tribunal Constitucional, que esteve na génese do princípio da impenhorabilidade, tal como o mesmo foi positivado), é a consideração do valor do salário mínimo nacional como valor de referência para determinar o mínimo de subsistência, e não deixando de ter presente que o mesmo é pago catorze vezes ao ano.
O que é o mesmo que dizer que os subsídios de férias e de Natal constituem igualmente retribuições a partir das quais o seu titular visa adquirir meios de subsistência, devendo ser garantidos, como as demais doze prestações periódicas mensais entregues (seja a título de salário, seja a título de pensão), na parte em que são iguais ou inferiores ao salário mínimo nacional, e não havendo que os considerar como meros acréscimos ou complementos do valor mensal entregue através das referidas doze prestações periódicas, para efeitos de ficarem sujeitos a penhora, nos termos gerais.
Nessa medida, e reconduzindo tais considerações ao caso concreto dos autos, desde logo é de repudiar a afirmação da exequente, reveladora de um total desprezo pelo princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, quando sustenta que se o executado AA J. consegue sobreviver durante dez meses com a quantia mensal de € 634,18 que lhe é entregue a título de pensão de velhice, então os montantes que recebe nos outros dois meses, a título de subsídios de férias e de Natal, não farão diferença relevante para a economia do mesmo, como se, no caso concreto, a garantia de uma existência minimamente condigna se bastasse com a consideração de doze valores mensais inferiores ao salário mínimo nacional, entendendo os restantes valores recebidos como um “luxo financeiro”, apenas porque se constata que o executado AA J. não “morre de fome” durante os meses em que recebe “só” € 634,18 de pensão de velhice.
Do mesmo modo, é de afastar a tentativa da exequente de encontrar qualquer equilíbrio ou concordância entre os direitos em conflito, fundando esse aparente equilíbrio no desrespeito do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana que está subjacente à garantia da existência minimamente condigna do executado AA J., e dando prevalência ao seu interesse puramente patrimonial, no sentido da satisfação do seu crédito em prejuízo daquele valor fundamental e estruturante do Estado de Direito, como bem se assinalou no despacho recorrido.
Assim, quer considerando individualmente o valor de cada um dos subsídios (de férias e de Natal), quer considerando a inclusão do valor dos mesmos no valor anual recebido, dividido por doze meses (como no despacho recorrido), sempre há que afirmar que o rendimento mensal disponível para o executado AA J., e destinado à sua subsistência (atenta a natureza do mesmo), nunca ultrapassa o valor do salário mínimo nacional. Pelo que, por uma via ou por outra sempre há que afirmar a impenhorabilidade de tais subsídios de férias e de Natal, nos termos conjugados dos nº 1 e 3 do art.º 738º do Código de Processo Civil.
O equivale a concluir pela improcedência das conclusões do recurso da exequente, também nesta parte, não havendo que fazer qualquer censura à decisão recorrida.
***
DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

26 de Outubro de 2023
António Moreira
Inês Moura
Arlindo Crua