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SENTENÇA PENAL
EXECUÇÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
Sumário
- Os Juízos de Execução são competentes para tramitar as execuções de sentença proferidas pelos Juízos Criminais em que sejam proferidas condenações ilíquidas no pedido de indemnização civil e a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, procedendo-se à liquidação nos termos do disposto no artigo 716º NCPC.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO
A) A executada AA veio deduzir oposição mediante embargos em que é exequente BB, onde conclui requerendo que os embargos sejam a final julgados provados e inteiramente procedentes e, em consequência, seja a presente execução extinta, por ausência de título executivo bastante, ao abrigo do disposto nos artigos 10º, 703º e 729º alínea e) todos do CPC.
Para tanto alega, em síntese, que o exequente intentou a presente execução para cobrança da quantia de €25.000,00, sendo o título executivo uma sentença que a condenou no pagamento do prejuízo referente ao registo de propriedade indevido, em seu favor de um veículo, cuja quantificação se relegou para incidente de liquidação, com o limite do peticionado (€25.000,00), sendo certo que o exequente se limitou a indicar o valor do prejuízo sofrido pelo executado (?), com o registo indevido de propriedade do veículo em favor da executada, correspondente ao valor comercial que o mesmo tinha à data dos factos, mais precisamente em 2014, o qual se fixa em €25.000,00, valor que o exequente determinou, sem mais.
Refira-se que o valor de mercado da aludida viatura que já tem 27 anos, ronda os €800,00, tendo aquela sentença fixado como não provado que, à data dos factos, tinha um valor comercial não inferior a €25.000,00, pelo que não se compreende, nem é aceitável, o valor peticionado pelo exequente, sendo a obrigação exequenda ilíquida e, portanto, inexigível, não dispondo o exequente de título executivo bastante para a presente execução.
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O embargado BB deduziu contestação onde conclui entendendo que a presente oposição à execução deve ser julgada totalmente improcedente, com todos os devidos e legais efeitos.
Alega, para tanto, em síntese, que a presente execução tem por base uma sentença crime que condenou a embargante no pagamento ao embargado de uma quantia indemnizatória cuja quantificação se relegou para incidente de liquidação.
Acrescentou que no processo penal não vigora o ónus de liquidação, ao contrário do que acontece no processo civil, pelo que não tem o embargado de instaurar um prévio incidente de liquidação no âmbito do processo de declaração, bastando intentar um requerimento executivo.
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B) Foi elaborado despacho saneador-sentença que decidiu “na verificação da falta de exequibilidade da sentença, julgar procedentes os embargos de executado e determinar, em consequência, a extinção da instância executiva.”
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C) Inconformado com esta decisão, veio o embargado BB, interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 62).
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Nas alegações de recurso do apelante BB, são formuladas as seguintes conclusões:
1ª Não é verdade que deveria o exequente recorrer primeiramente ao incidente de liquidação em sede declarativa, bem como que se verifica falta de exequibilidade da sentença.
2ª É verdade que a presente execução visa obter a cobrança coerciva de uma quantia indemnizatória que não se encontra, ainda, liquidada e fixada, mas não menos certo é que tal quantia indemnizatória foi determinada por sentença crime, no âmbito de um processo de natureza criminal, que condenou a executada no pagamento ao aqui recorrente de uma quantia indemnizatória cuja quantificação se relegou para incidente de liquidação.
3ª Nos termos do artigo 82º, nº 1 do Código de Processo Penal, “Se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal.”, ou seja, quando o tribunal que profere a sentença penal não dispõe de elementos bastantes para fixar a indemnização, condena no que se liquidar em execução de sentença, sendo que a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença crime.
4ª No processo penal não vigora o ónus de liquidação, ao contrário do que acontece no processo civil (artigo 358.º do Código de Processo Civil),
5ª Quando está em causa a execução de uma decisão judicial na qual não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração, a mesma segue os termos previstos nos artigos 716º, nº 4 e 360º, nº 3 e 4 (por remissão do primeiro) do Código de Processo Civil.
6ª Em conformidade, nos termos do artigo 716º, nº 5 do Código de Processo Civil, a presente execução corre nos termos do artigo 716º, nº 4 e nº 3 e 4 do artigo 360º do mesmo código,
7ª Razão pela qual, ao contrário do que refere a Sentença recorrida, não teria o recorrente de “recorrer primeiramente ao incidente de liquidação em sede declarativa”, bastando intentar, como intentou, um requerimento executivo!
8ª Não se mostrava necessário, nem possível, liquidar a obrigação ilíquida indemnizatória numa ação declarativa intentada para o efeito, podendo a liquidação ter lugar no âmbito da ação executiva instaurada para o efeito, como foi o caso,
9ª Sendo o executado citado para contestar a execução, em oposição à execução, mediante embargos, com a advertência de que, na falta de contestação, a obrigação considera-se fixada nos termos do requerimento executivo, salvo o disposto no artigo 568º, e, havendo contestação, ou sendo a revelia inoperante, aplicam-se os nº 3 e 4 do artigo 360º, nomeadamente seguindo-se os termos subsequentes do processo comum declarativo.
10ª Aliás, tal questão já foi decidida nos autos principais pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13/10/2022, assim ordenando a prossecução da execução que foi liminarmente indeferida.
11ª Assim se conclui que não se verifica a falta de exequibilidade da sentença, sendo certo que uma sentença condenatória proferida no âmbito de um processo de natureza criminal, ainda que consubstanciando uma condenação genérica, vale como título executivo.
12ª Razão pela qual mal andou o tribunal a quo ao julgar procedentes os Embargos de Executado e, consequentemente, determinar a extinção da instância executiva.
Termina entendendo que deverá dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se na íntegra a douta Sentença recorrida, com todos os devidos e legais efeitos.
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Pela embargante foi apresentada resposta onde entende que o presente recurso dever ser julgado totalmente improcedente, por não provado, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
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D) Foram colhidos os vistos legais.
E) A questão a decidir no recurso é a de saber se deve ser revogada a sentença que considerou verificada a falta de exequibilidade da sentença penal que condenou a embargante no pagamento ao embargado de uma quantia indemnizatória cuja quantificação se relegou para incidente de liquidação, sem que o exequente tenha recorrido previamente ao mesmo.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigos 608º nº 2, 635º nº 2 e 3 e 639º nº 1 e 2, todos do NCPC).
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C) O recurso visa exclusivamente a reapreciação da matéria de direito.
A questão de que trata a presente apelação é a de saber se deve ser revogada a sentença que considerou verificada a falta de exequibilidade da sentença penal que condenou a embargante no pagamento ao embargado de uma quantia indemnizatória cuja quantificação se relegou para incidente de liquidação, sem que o exequente tenha recorrido previamente a tal incidente.
Vejamos.
Conforme se escreveu no Acórdão desta Relação de Guimarães de 13/10/2022, no processo 6374/21.2T8GMR.G1, relativo a um conflito negativo de competência, relatado pelo ora relator, disponível em www.dgsi.pt, “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (artigo 10º nº 5 NCPC).
Refere o Dr. Lebre de Freitas “A Ação Executiva, 2ª Edição, página 56, “o título executivo extrajudicial ou judicial impróprio é um documento que constitui prova legal para fins executivos e que a declaração nele representada tem por objeto o facto constitutivo do direito de crédito ou é, ela própria, este mesmo facto”.
Conforme se diz no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/05/2009, disponível na Base de Dados do Ministério da Justiça no endereço www.dgsi.pt, “o título executivo é condição necessária e suficiente da ação.
Necessária porque não há execução sem título.
Suficiente porque, perante ele, deve ser dispensada qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere.
Efetivamente a obrigação exequenda tem de constar no título o qual, como documento que é, prova a existência de tal obrigação.
O título executivo é um pressuposto da ação executiva na medida em que confere ao direito à prestação invocada um grau de certeza e exigibilidade que a lei reputa de suficientes para a admissibilidade de tal ação.
Na verdade «…a relevância especial dos títulos executivos que resulta da lei deriva da segurança, tida por suficiente, da existência do direito substantivo cuja reparação se pretende efetivar por via da ação executiva.
O fundamento substantivo da ação executiva… é a própria obrigação exequenda, sendo que o título executivo é o seu instrumento documental legal de demonstração, ou seja, constitui a condição daquela ação e a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas» - Ac. do STJ de 18.10.2007, www.dgsi.pt, p.07B3616.
( … )
A realização coativa da prestação exige a anterior definição dos elementos – objetivo e subjetivo - da relação jurídica de que ela é objeto, isto é, que tal relação, nestes elementos, está assente e é incontroversa.
Tanto assim que, e como se viu, é legalmente imposto que o título constitui a base da execução e determina o fim e os limites da mesma, ou seja, o tipo de ação e o seu objeto.
Aliás, tal juízo de certeza não se impõe inexoravelmente ao tribunal, pelo que, para aferir de tal, pode e deve o julgador proceder à prévia interpretação do título, sendo que, em caso de fundadas dúvidas, ele não é exequível – cfr. Lebre de Freitas, ob. cit., p.35.”
No caso que nos ocupa, por sentença proferida no processo nº 1203/14.... (Juízo Local Criminal ... – Juiz ...), transitada em julgado, a executada foi condenada no pagamento ao exequente do valor do prejuízo resultante da conduta daquela no que se refere ao registo de propriedade indevido, em seu favor, do veículo com a matrícula .., marca ..., cuja quantificação se relegou para incidente de liquidação, com o limite do peticionado (não superior a €25.000,00), a que deverão acrescer os respetivos juros moratórios, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.”
( … )
O artigo 82º nº 1 do Código de Processo Penal estabelece que “se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal.”
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30/01/2019, no processo 2263/15.8JAPRT.P2, disponível em www.dgsi.pt, “em termos de direito processual civil, o artigo 358º, do Código de Processo Civil (C. P. C.) fixa os momentos em que se pode tornar líquido o pedido genérico – antes de começar a discussão da causa se estiver perante uma universalidade ou as consequências de um facto ilícito (nº 1) ou depois de proferida a sentença de condenação genérica se não tiver havido elementos para fixar o objeto ou a quantidade (nº 2, do artigo 609º, do C. P. C.), considerando-se a instância renovada se for admitido - nº 2, do mesmo artigo 358º -.
E, em consonância, o artigo 704º, nº 6, do C. P. C., determina que a liquidação é condição necessária para se formar título executivo judicial, sendo assim obrigatório este incidente para se poder executar a sentença condenatória genérica - Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Sousa, Código de Processo Civil anotado, I volume, página 415.
E daí ainda que o artigo 716º, nº 4, do C. P. C. determine que «quando a execução se funde em título extrajudicial e a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, o executado é citado para a contestar, em oposição à execução, mediante embargos, com a advertência de que, na falta de contestação, a obrigação se considera fixada nos termos do requerimento executivo, salvo o disposto no artigo 568º; havendo contestação ou sendo a revelia inoperante, aplicam-se os nºs 3 e 4 do artigo 360º.».
Mas o nº 5 refere que «o disposto no número anterior é aplicável às execuções de decisões judiciais ou equiparadas, quando não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração, bem como às execuções de decisões arbitrais.».
Há assim decisões judiciais cíveis condenatórias genéricas que podem ser liquidadas no âmbito do processo executivo, «bastando» que aí não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração (por exemplo, aquelas cuja liquidação «só» dependa de cálculo aritmético).
No processo criminal, no pedido de indemnização civil, não vigora este ónus não só por processualmente não estar prevista a existência deste tipo de incidente como o eventual recurso ao disposto no C. P. C. por força do disposto no artigo 4º, do C. P. P. está, na nossa opinião, afastado por haver norma expressa e especial (citado artigo 82º, nº 1, do C. P. P.) que determina que pode haver uma condenação genérica exequível, tal significando que não é necessário liquidar antes da execução essa condenação genérica.
Ressalvando o artigo 82º, nº 1, do C. P. P. que em caso de condenação genérica em pedido de indemnização civil a execução corre perante o tribunal civil, o legislador determina que toda essa sentença transite para os tribunais cíveis onde será liquidado o respetivo valor, não existindo o ónus de primeiro se liquidar a sentença e só depois se executar, podendo fazê-lo, ao abrigo do citado artigo 716º, nº 1, ex vi nº 5, do mesmo diploma, do C. P. C. intentando desde logo a ação executiva no tribunal civil.
E assim fazendo o credor, como ainda a lei processual civil prevê, na execução da sentença criminal genérica principia-se por liquidar os valores nos termos do citado artigo 716º, nº 4, ex vi, nº 5, do C. P. C..
O legislador previu assim que, quando não seja necessário primeiro liquidar a sentença antes de executar (como sucede em processo penal), essa liquidação é realizada na própria execução.
O artigo 82º, nº 1, do C. P. P. não foi expressamente revogado nem, na nossa opinião, há uma revogação tácita do artigo pois as normas em causa não são incompatíveis sendo ainda possível haver liquidação em sede de execução como aliás este caso é um dos exemplos – neste sentido, que vimos seguindo, Ac. da R. L. de 08/05/2018, www.dgsi.pt e ainda, o Ac. da R. P. de 30/09/2015, em sede de resolução de conflito de competência onde se exara que «Na economia do instituto da adesão a disposição do art.º 82º nº 1 do Código de Processo Penal ao consagrar, nos casos de necessidade de prévia liquidação, a competência é do tribunal civil, constitui a exceção, já que a regra é a competência do tribunal criminal para executar as suas decisões mesmo em matéria de indemnização.» - no mesmo sítio.
Por fim, o artigo 129º, da L. O. S. J. determina que «compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil» sendo que, nos termos do nº 2, «estão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal da propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, aos juízos de família e menores, aos juízos do trabalho, aos juízos de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas em processos de natureza criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível.».
Ou seja, estando em causa condenações criminais na parte cível (o processo de execução de decisão criminal está previsto no C. P. P. – artigos 467º e seguintes -), são da competência do juízo de execução todas aquelas que devam correr perante um tribunal civil – as ilíquidas por força do artigo 82º, nº 1, do C. P. P. - e são da competência do tribunal criminal aquelas que sejam condenatórias líquidas.
É esta a opção do legislador que assim mantém a competência para a tramitação e decisão do incidente de liquidação de sentença de condenação genérica proferida em sede criminal que incida sobre matéria cível nos tribunais cíveis (juízo de execução).”
Estando em causa uma sentença em que, apreciando o pedido de indemnização civil, foi decidido condenar a executada,” e ora apelada, no pagamento ao exequente, e ora apelante, do valor do prejuízo resultante da conduta daquela no que se refere ao registo de propriedade indevido, em seu favor, do veículo com a matrícula .., marca ..., cuja quantificação se relegou para incidente de liquidação, com o limite do peticionado (não superior a €25.000,00), a que deverão acrescer os respetivos juros moratórios, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, torna-se necessária a prévia liquidação, motivo pelo qual a competência é do tribunal cível, (ali) recorrido (neste mesmos sentido, cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 25/02/2021, no processo 13705/20.0T8SNT.L1-2 e Acórdão do STJ de 09/11/2016, no processo 1453/10.4TAPVZ-E.P1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).”
Por todo o exposto resulta que a liquidação, no caso presente, terá de se fazer na própria execução, motivo pelo qual a apelação terá de proceder e, em consequência, revogar-se a douta decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento da execução, com a liquidação, nos termos do disposto no artigo 716º NCPC.
Face à procedência da apelação, sobre a apelada recai o encargo de suportar as custas devidas (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a douta decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento da execução, com a liquidação, nos termos do disposto no artigo 716º NCPC. Custas pela apelada.
Notifique.
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Guimarães, 19/10/2023
Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Eva Almeida
2ª Adjunta: Desembargadora Alcides Rodrigues