RECURSO
DEVER DE ALEGAÇÃO
DONO DA OBRA
ESTALEIRO
MEDIDAS DE SEGURANÇA
COORDENAÇÃO DAS ACTIVIDADES
Sumário

I - O direito ao recurso o direito ao recurso não visa conceder à parte um segundo julgamento da causa, mas apenas permitir a discussão sobre determinados pontos concretos, que na perspectiva do recorrente foram incorrectamente mal julgados, para tanto sendo necessário que se enunciem os fundamentos que sustentam esse entendimento, devendo os mesmos consistir na enunciação de verdadeiras questões de direito, as quais lhe compete indicar e sustentar, cujas respostas sejam susceptíveis de conduzir à alteração da decisão recorrida.
II - O facto de não ser aplicável à A... o Decreto-Lei n.º n.º273/2003 e consequentemente não ser dono de obra para os efeitos deste diploma, não exime o recorrente Município [..] dos deveres de coordenação impostos pelo art.º 19.º, daquele diploma, já que este normativo «[..] exige é a coordenação das atividades das “empresas e trabalhadores independentes” que intervêm no estaleiro da aqui arguida, - o que sucedia com o empreiteiro adjudicado pela A... e com as outras 5 empresas/trabalhadores independentes que ali laboravam».

Texto Integral

APELAÇÃO n.º 43/23.6T8OAZ.P1
Recurso Penal
Contra-ordenação laboral
4.ª SECÇÃO

I. RELATÓRIO
I.1 A Autoridade para as Condições do Trabalho proferiu decisão administrativa de condenação do Município ... e da A..., SA, pela prática de uma contraordenação muito grave prevista nos artigos 19.º, n.º 2, alíneas d) e e), e 25.º, n.º 3, alínea a), do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de outubro, aplicando-lhes, respectivamente, a coima de 121 unidades de conta (€ 12.342) e 91 unidades de conta (€ 9.282), e a sanção acessória de publicidade.
O recorrente Município ... impugnou esta decisão administrativa alegando, em síntese, o seguinte:
As ruas que estavam a ser intervencionadas pelo Município tinham postes no seu traçado que tinham que ser retirados, mas inicialmente o Município não conhecia totalmente a propriedade dos postes e suas linhas e, por isso, notificou todos os operadores para reivindicarem a propriedade dos postes e linhas e procederem à sua retirada;
Como os operadores não responderam, o Município teve de iniciar a obra sem conhecer os proprietários dos equipamentos de telecomunicações;
Tendo conhecimento que a A... era proprietária de equipamentos de telecomunicações situados no traçado dos arruamentos, foi notificada várias vezes para a sua retirada, sem resultado.
Na data da inspeção, o Município ainda não tinha sido informado pela A... em que data e de que forma iria realizar a retirada dos seus equipamentos, não tendo conhecimento de que estava a decorrer a sua empreitada, não tendo sido informada pela A... da data de início e fim desta.
Só após a inspeção, o Município teve conhecimento da realização dos trabalhos pela A.... Por isso, o coordenador de segurança do Município não podia ter coordenado as atividades das empresas que intervieram nessa empreitada e um simples conhecimento não possibilita essa coordenação, pois só perante o outro coordenador de segurança se pode efetuar essa coordenação, como uma coordenação conjunta, pelo que não existe culpa do Município.
Pediu a revogação da decisão administrativa e a sua absolvição.
A recorrente A..., SA, impugnou esta decisão administrativa alegando, em síntese, o seguinte:
A A... foi notificada pelo Município ... para retirar os seus cabos nos apoios de telecomunicações (postes) existentes, da propriedade da B..., e transferi-los para a infraestrutura subterrânea criada pela B... e pela C....
A obra da A... limitou-se à transferência desses cabos.
A A... assegurou-se que os operadores que efetuaram a obra tinham formação profissional, divulgou os procedimentos de segurança e verificou os registos de monitorização e prevenção.
Não obteve qualquer benefício económico com a infração.
A empresa D... procedeu à sinalização da sua zona de intervenção.
A recorrente não actou como dona de obra e a obra que foi realizada não integra a previsão da alínea h), do artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 273/2003, pois os cabos de fibra ótica não são infraestruturas de telecomunicações e a sua movimentação não é considerada uma obra de construção – artigos 3.º, n.º 1, alínea h) e n.º 2, alínea b), e 7., n.º 4, do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio.
A coordenação de segurança pertencia ao Município, tendo tido a A... uma intervenção pontual sem controlo dos elementos existentes na obra, não havendo nenhuma ação ou omissão negligente imputada ao coordenador de segurança nomeado pela A....
De qualquer forma, atuou sem culpa, não devendo ser aplicada qualquer sanção e, caso assim não se entenda, a coima deve ser substituída por admoestação ou revisto o seu quantitativo por razões de proporcionalidade.
O recurso foi recebido, tendo sido designada data para realização do julgamento.
I.2 Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
- «Pelo exposto:
Julgo improcedente a impugnação do recorrente Município ... e, em consequência, mantenho a decisão administrativa nesta sede; e,
Julgo procedente a impugnação da recorrente A..., SA, e, em consequência, revogo a decisão administrativa nesta sede e absolvo esta recorrente da infração que lhe estava imputada.
Custas pela recorrente condenada, fixando-se a taxa de justiça em três unidades de conta. Sem custas relativamente à impugnação procedente.
Deposite e notifique.
(…)».
I.3 Discordando desta decisão o arguido Município ... interpôs recurso, o qual foi admitido e fixados o efeito e modo de subida adequados. Apresentou as respectivas alegações, sintetizando-as nas conclusões seguintes:
A. O presente recurso tem por objecto a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, pela qual se manteve a decisão de condenação do Arguido na coima de € 12.342,00, pela prática, a título negligente, da infracção contra-ordenacional, p. e p. pelas alíneas d) e e) do n.º 2 do art.º 19.º do Decreto-Lei n.º 273/2003.
B. Sucede que, a Sentença decidiu mal ao considerar preenchidos os pressupostos do tipo legal de ilícito que lhe permitiu condenar o Arguido, considerando a prova produzida e a absolvição da Co-Arguida A... relativamente aos mesmos factos.
C. De acordo com esta previsão legal, o Tribunal a quo afirmou (…) que como resultou provado, todos os trabalhadores afetos aos trabalhos promovidos pelo “Município ...” e pela “A..., S.A.” trabalhavam no mesmo estaleiro e, frequentemente, lado a lado, no mesmo espaço e tempo sem conhecimento mútuo e coordenação dos respetivos trabalhos.”
D. Concluindo, deste modo que “resulta claramente uma falta de coordenação ao nível da coordenação de segurança de cada um dos donos de obra que efetuaram, naquela data e nos dias anteriores, obras no local, através das várias empresas que estavam em obra, que sujeita o conjunto de trabalhadores em obra, independentemente da empresa a que pertencem e da obra a que estavam afetos, a riscos de segurança que transcendem os relativos a esta obra, exigindo uma coordenação adequada entre coordenadores de segurança e, nesta medida, entre donos de obra.”
E. As obrigações resultantes destas alíneas d) e e) do n.º 2 do art.º 19.º do Decreto-Lei n.º 273/2003 constituem obrigações de meios e não de resultados.
F. A imputação de factos que se subsumam às previsões legais resumem-se ao facto de os Co-Arguidos não terem coordenado entre si a segurança das duas obras.
G. Não resultando dos factos dados como provados nenhum facto que se permita concluir a falta de coordenação e verificação da fiscalização das medidas de segurança em obra pelo director de segurança do Arguido
Por outro lado,
H. O Tribunal a quo considerou que a actuação da Co-Arguida A... não consubstancia uma obra para os efeitos previstos no Decreto-Lei n.º 273/2003.
I. De acordo com o exposto na factualidade dada como provada, nenhum dos Arguidos tinham promovido e verificado as circunstâncias de segurança e saúde no que à coordenação das obras de ambos os Arguidos.
J. Mas, o Tribunal a quo, entendeu que a actividade promovida pela Co-Arguida A... não se consubstancia numa actividade prevista no Decreto-Lei n.º 273/2003.
K. Não sendo a Co-Arguida A... um dono de obra, conforme previsto no referida norma, não era exigível ao aqui Arguido Recorrente a promoção e verificação das circunstâncias de segurança e saúde no que à coordenação das obras com aquela diz respeito.
L. Nomeadamente porque, de acordo com a Sentença, a actividade da Co-Arguida A... não se trata de uma obra para efeitos do Decreto-Lei n.º 273/2003.
M. E, não sendo este dono de obra ou executante de obra, não podia o Co-Arguido recorrente ser obrigado à coordenação de segurança com quem não era interveniente, para efeitos do Decreto-Lei n.º 273/2003.
N. Deste modo, também por este motivo não se encontram apurados factos que integram o ilícito contra-ordenacional imputado ao Arguido, devendo este ser, em consequência, absolvido.
I.4 Notificado do requerimento do recurso e respectivas alegações, o Ministério Público apresentou contra-alegações, finalizadas com as conclusões seguintes:
1. As alíneas d) e e) do n.º2 do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º n.º273/2003 de 29.10 impõe que o coordenador de segurança em obra deve verificar a coordenação das atividades das empresas e dos trabalhadores independentes que intervêm no estaleiro, tendo em vista a prevenção dos riscos profissionais, incumbindo-lhe também promover e verificar o cumprimento do plano de segurança e saúde, bem como das outras obrigações da entidade executante, dos subempreiteiros e dos trabalhadores independentes, nomeadamente no que se refere à organização do estaleiro e outras.
2. Na presente situação, foi julgado provado que o recorrente, nomeadamente quanto aos trabalhadores que executavam trabalhos para a A... que a recorrente nem sabia que ali se encontravam, que trabalhos executaram, que riscos importavam, que medidas deviam ser tomadas para os prevenir, nem informou o arguido Município ... os trabalhadores das outras empresas que também ali trabalhavam e que por isso estavam expostos aos mesmos riscos, coordenando-os e assim incorrendo em violante infração do dever que sobre si impendia como dona de obra por força da disposição legal acima referida.
3. Não diligenciou o arguido pela devida coordenação entre as várias entidades que ali trabalhavam, tendo todos laborado como se estivessem a trabalhar isoladamente em estaleiros diferentes, quando na verdade trabalhavam todos em simultâneo, no mesmo local, sem conhecimento das ações uns dos outros e dos riscos que resultavam das mesmas, assim potenciando a concretização desses riscos.
4. É exemplo disso o estado do estaleiro no dia da visita inspetiva, os inúmeros riscos verificados no local pelo inspetor e acima mencionados, resultado da realização em simultâneo de várias obras, quer de construção de passeios, de remoção de postes, etc, que envolviam 10 trabalhadores afetos a pelo menos 6 entidades diferentes e pelo menos uma retroescavadora, todos desconhecedores dos trabalhos de uns e de outros e dos riscos que corriam ao executar as suas tarefas, riscos esses que decorriam não da sua atividade, mas das atividades dos outros.
5. Não é assim verdade o alegado pelo arguido no seu ponto 14.º quando afirma que não resulta dos factos provados qualquer facto que permita concluir pela falta de coordenação e verificação da fiscalização das medidas de segurança em obra pelo coordenador de segurança do arguido, esses factos são os que constam dos factos provados em h), k), n) a gg) e especificamente no ponto hh) – “todos os trabalhadores afetos aos trabalhos promovidos pelo Município ... e pela “A..., S.A. trabalhavam no mesmo estaleiro e, frequentemente, lado a lado, no mesmo espaço e tempo, sem conhecimento mútuo (recorde-se o facto provado em dd) nem se conheciam sequer) e coordenação dos respetivos trabalhos”.
6. Trata-se de falta de coordenação das atividades das empresas e dos trabalhadores que intervém no estaleiro, tal como expressamente mencionado no artigo 19.º, n.º2, alínea d) e e), infração imputável ao arguido Município ..., na qualidade de dono de obra, nos termos do disposto no artigo 25.º, n.º3, alínea a) todos do Decreto-Lei n.º n.º273/2003 de 29.10.
7. Compara o arguido Município ... a sua situação à da arguida A... que foi absolvida da prática desta contraordenação.
8. No entanto, trata-se de situação diferente pois quanto à A... julgou-se provado que o trabalho que ali estava a executar traduzia-se numa mera transferência de cabos de fibra ótica de uma infraestrutura aérea com base em postes para uma infraestrutura subterrânea, não numa construção enquanto intervenção na infraestrutura de telecomunicações e por isso considerou-se que não se tratava de obra sujeita ao regime previsto no Decreto-Lei n.º 273/2003, mas de uma situação à qual era aplicável o Decreto-Lei n.º 123/2009 de 21.05 relativo à instalação de redes de comunicações eletrónicas.
9. Já quanto ao arguido Município ... nenhuma questão se coloca quanto ao âmbito de aplicação deste Decreto-Lei, por ser dona de obra em que se procede a construção, manutenção, conservação e alteração de vias de comunicação rodoviária, nos termos previstos no seu artigo 2.º, n.º1 e 2, alínea f).
10. Nem se diga, como alega o recorrente que, por não ser à A... considerado aplicável o Decreto-Lei n.º n.º273/2003 e consequentemente não ser dono de obra para os efeitos deste diploma, ao arguido Município ... não era exigível a coordenação de obras com aquela.
11. Ora, o que o artigo 19º exige é a coordenação das atividades das “empresas e trabalhadores independentes” que intervêm no estaleiro da aqui arguida, - o que sucedia com o empreiteiro adjudicado pela A... e com as outras 5 empresas/trabalhadores independentes que ali laboravam - não a coordenação entre donas de obra, pelo que o facto de a arguida A... ter sido absolvida por não se lhe considerar aplicável este diploma, em nada afeta a responsabilidade do arguido Município ..., pois a obrigação de coordenação que sobre a arguida impendia era sobre todos os que intervinham no estaleiro da arguida como sucedia com os trabalhadores que executavam os trabalhos contratados pela A....
Em face do exposto, entendemos que o tribunal recorrido apreciou corretamente os factos e o direito aplicável, pelo que deve ser negado provimento ao recurso interposto pela recorrente.
I.5 Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (art.º 416.º do CPP), pronunciando-se pela improcedência do recurso, acompanhando as contra-alegações apresentadas em 1.ª instância e na consideração do seguinte:
-[..]
5. Sobre o dono da obra incidem as obrigações previstas no art.º 17º do DL 273/2003, de 29 de Outubro, nomeadamente de elaborar ou mandar elaborar o plano de segurança e saúde, de acordo com os artigos 5º e 6º, e nomear os coordenadores de segurança em projecto e em obra, e, se intervierem em simultâneo no estaleiro duas ou mais entidades executantes, designar a que, nos termos da alínea i) do n.º 2 do artigo 19.º, tomar as medidas necessárias para que o acesso ao estaleiro seja reservado a pessoas autorizadas.
O autor do projecto deve elaborar o projecto da obra de acordo com os princípios definidos no artigo 4.º e as directivas do coordenador de segurança em projecto; b) Colaborar com o dono da obra, ou com quem este indicar, na elaboração da compilação técnica da obra; c) Colaborar com o coordenador de segurança em obra e a entidade executante, prestando informações sobre aspectos relevantes dos riscos associados à execução do projecto, nos termos do art.º 18º
E sobre o Coordenador de segurança incidem as obrigações previstas no art.º 19º do mesmo DL, entre as quais, as violadas neste caso, que se referem os artigos 19.º, n.º 2, alíneas d) e e), e 25.º, n.º 3, alínea a), do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de outubro: Verificar a coordenação das actividades das empresas e dos trabalhadores independentes que intervêm no estaleiro, tendo em vista a prevenção dos riscos profissionais; e) Promover e verificar o cumprimento do plano de segurança e saúde, bem como das outras obrigações da entidade executante, dos subempreiteiros e dos trabalhadores independentes, nomeadamente no que se refere à organização do estaleiro, ao sistema de emergência, às condicionantes existentes no estaleiro e na área envolvente, aos trabalhos que envolvam riscos especiais, aos processos construtivos especiais, às actividades que possam ser incompatíveis no tempo ou no espaço e ao sistema de comunicação entre os intervenientes na obra;
Constitui contra-ordenação muito grave: a) Imputável ao dono da obra, a violação … das alíneas a), c) e d) do n.º 1 e das alíneas b), d), e), h) e n) do n.º 2 do artigo 19.º;
6. Sendo o Recorrente o dono da obra a ele competia tomar todas estas medidas a que se refere o art.º 17º do DL 273/2003, de 29 de outubro.
Em visita inspectiva, a ACT verificou que essas obrigações não estavam a ser cumpridas e que não havia qualquer coordenação entre os trabalhadores das empresas executantes.
Por isso, salvo melhor opinião, estão verificados os factos que integram a referida contraordenação.
7. Sendo certo que a absolvição da A..., não tem que acarretar a absolvição do Recorrente. Sobre este impendia sempre a obrigação de garantir a segurança a trabalhadores executantes da obra ou parte dela, qualquer que fosse a natureza dos trabalhos.
Acompanhamos, assim, a resposta da Sra. Procuradora da República e a sentença recorrida, para que se remete, entendendo-se que deve ser confirmada.
[..]».
I.6 Foi cumprido o disposto no art.º 418.º do CPP, remetendo-se o processo aos vistos e o projecto de acórdão por via electrónica, após o que se determinou a sua inscrição para julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (art.ºs 403.º nº 1, e 412º n.º 1, do CPP), as questões colocadas para apreciação consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
i) Por não resultar dos factos dados como provados nenhum facto que se permita concluir a falta de coordenação e verificação da fiscalização das medidas de segurança em obra pelo director de segurança do Arguido [conclusões B a G];
ii) Não sendo a arguida A... dono de obra ou executante de obra, não podia o Co-Arguido recorrente ser obrigado à coordenação de segurança com quem não era interveniente, para efeitos do Decreto-Lei n.º 273/2003.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
1. Factos provados:
a) É arguida a entidade “Município ...” NIF ... com sede no Largo ... Oliveira de Azeméis, na qualidade de Dono da Obra “Execução de três arruamentos na entrada da área de acolhimento empresarial E...”, legalmente representada pelo presidente da edilidade, AA NIF ... com domicílio profissional na sede da arguida;
b) É, ainda, arguida a “A..., S.A.” NIF ..., com sede na Rua ..., ... Lisboa, na qualidade de Dono da Obra “Desvio de Rede CM ... ...”, legalmente representada pelo presidente do conselho de administração, BB NIF ... com domicílio profissional na sede da arguida;
c) Ambas as arguidas têm a qualidade adjudicantes de trabalhos no estaleiro de construção civil localizado na Rua ..., na entrada da área de acolhimento empresarial E..., na freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis;
d) Em 2021 a arguida A... S.A. apresentou um volume de negócios de 133.628.712,00 Euros;
e) A arguida “Município ...” tem condenações em contraordenação grave ou muito grave nos 5 anos anteriores;
f) A arguida “A..., S.A.” não tem condenações em contraordenação grave ou muito grave nos 5 anos anteriores;
g) No dia 21 de março de 2022 pelas 11h30m o senhor inspetor do trabalho autuante realizou visita inspetiva a um estaleiro localizado na Rua ..., na entrada da área de acolhimento empresarial E..., freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis.
h) No dia da visita o senhor inspetor do trabalho identificou no local, a desenvolver trabalhos, os seguintes DEZ trabalhadores ao serviço de SEIS empresas distintas:
1. CC e DD ao serviço da empresa “F..., Lda.”;
2. EE e FF ao serviço da empresa “G... Unip. Lda.”;
3. GG e HH ao serviço da empresa “H..., Lda.”;
4. II ao serviço da empresa “D... S.A.”;
5. JJ e KK ao serviço da empresa “I..., S.A.”;
6. LL Sumoza ao serviço da empresa “J..., S.A.”;
i) No dia seguinte, 22 de março de 2022, pelas 14h30m, o senhor inspetor do trabalho visitou novamente o estaleiro tendo identificado os seguintes dois trabalhadores: MM e NN ao serviço da empresa “I..., S.A.”;
j) Nas visitas inspetivas realizadas o senhor inspetor do trabalho autuante verificou o desenvolvimento de trabalhos de terraplanagem, construção de passeios, instalação de rede, remoção de postes de comunicações e deslocação de cabos de fibra ótica dos postes para infraestruturas subterrâneas;
k) No estaleiro visitado coexistiam dois Donos de Obra: (i) o “Município ...” na qualidade de Dono da obra designada por “Execução de três arruamentos na entrada da área de acolhimento empresarial E...” com data prevista de início em 20 de abril de 2021 e termo em 25 de abril de 2022 - e (ii) a “A..., S.A.” na qualidade de Dono da obra designada por “Desvio de Rede CM ... ...” com duração prevista de 4 dias;
l) Cada uma das arguidas adjudicou os respetivos trabalhos aos respetivos empreiteiros;
m) E nomeou os respetivos coordenadores de segurança: (i) o “Município ...” nomeou OO, para desenvolver as funções de coordenadora de segurança, e (ii) a “A..., S.A.” nomeou a empresa “K..., Lda.” para desenvolver as funções de coordenador de segurança;
n) Não obstante a nomeação, por cada uma das arguidas, dos respetivos coordenadores de segurança as condições de segurança no desenvolvimento dos trabalhos em curso no momento da visita verificavam-se as seguintes situações de riscos identificadas:
Quanto às condições de circulação:
o) O estaleiro não se encontrava organizado de forma a proporcionar o desenvolvimento dos trabalhos em segurança pelo que, a par dos trabalhadores e respetivo equipamento de trabalho, circulava o tráfego normal (intenso) daquela zona industrial: veículos pesados, ligeiros, motociclos e peões, sem zonas diferenciadas de circulação ou sentidos de circulação definidos (para os trabalhos, quer para as entidades externas ao estaleiro), representando risco de atropelamento para os trabalhadores envolvidos;
p) Os trabalhadores afetos a cada uma das empreitadas trabalhavam e circulavam com o respetivo equipamento pelo estaleiro sem que as vias de circulação ou zonas de trabalho estivessem definidas, sem planificação aparente ou coordenação ao nível da segurança;
q) O mesmo sucedia com o tráfego automóvel e de peões que circulava sem qualquer indicação e indistintamente por todo o estaleiro;
Quanto à sinalização de segurança
r) A sinalização de prevenção resumia-se à existência de um sinal de limitação de velocidade, um sinal de “desvio” e um outro de “obras” - os três colocados no sentido poente/nascente, representando risco de atropelamento para os trabalhadores envolvidos;
Quanto à delimitação do perímetro
s) O estaleiro não se encontrava delimitado;
t) A única “delimitação” consistia na existência de um sinal horizontal de “obras” no acesso poente/nascente, representando risco de atropelamento para os trabalhadores envolvidos;
Quanto à manutenção do estaleiro em boa ordem
u) O estaleiro encontrava-se com materiais de construção e postes de comunicação no meio da via pública e equipamentos estacionados um pouco por todo o estaleiro, representando risco de atropelamento para os trabalhadores envolvidos;
Quanto às aberturas no pavimento
v) Existiam várias aberturas no pavimento – as caixas de comunicações localizadas no pavimento encontravam-se abertas na sua quase totalidade;
w) As caixas encontravam-se abertas em toda a extensão do estaleiro, quer no sentido poente/nascente, quer no sentido sul/norte, representando risco de queda em altura para o seu interior;
Quanto à queda de objetos
x) Os postes de comunicações a retirar estavam inclinados sobre a via e zona de trabalhos e com cabos pendentes;
y) Os veículos pesados que circulam na via junto aos postes, tocavam nos cabos pendentes;
z) Os DEZ trabalhadores identificados no ponto 2 do auto de notícia desenvolviam trabalhos junto aos referidos postes, representando risco de esmagamento para os trabalhadores envolvidos nos trabalhos;
Quanto à falta de coordenação através da organização das atividades de segurança e saúde no trabalho
aa) O plano de segurança (PSS) e plano de trabalho com riscos especiais (PTRE) apresentados pela “F..., Lda.”, entidade executante contratada pela adjudicatária “Município ...” e as Fichas de procedimentos de segurança (FPS) apresentadas pela “D..., S.A.” entidade executante contratada pela adjudicatária “A..., S.A.” não preveem a coordenação entre as donas da obra - empresas adjudicatárias e entre empreitadas, prevendo exclusivamente os riscos inerentes a cada uma das respetivas empreitadas isoladamente;
bb) No local visitado não existia qualquer documento que comprovasse alguma coordenação entre ambas as donas de obra;
cc) Os trabalhos afetos a cada uma das “donas de obra” decorria como se de distintos estaleiros se tratassem;
dd) Inclusivamente, os trabalhadores das empresas a desenvolver trabalhos ao abrigo das duas adjudicações: feita pelo “Município ...” e feita pela “A..., S.A.” não se conheciam mutuamente, nem sequer a identificação das empresas para as quais trabalhavam;
ee) A avaliação de riscos apresentada pela entidade executante do “Município ...” prevê a necessidade de “Articular entre si as atividades que existam no local, ou no meio envolvente” na organização do estaleiro – mas essa articulação nunca é feita com entidade externas nem este ponto é desenvolvido posteriormente;
ff) As FPS dos trabalhos adjudicados pela “A..., S.A.” preveem também que “antes de se iniciarem os trabalhos, deverá ser feita a identificação dos locais a intervir, procedendo-se à delimitação dos locais que apresentem riscos (CVP ou outras aberturas no pavimento, zonas de trabalho em altura, etc.) de forma a evitar o acesso ao local de terceiros”;
gg) E ao nível da organização do estaleiro as FPS preveem que “Durante a fase de preparação do estaleiro de apoio a uma obra, existe um conjunto de riscos comuns a todo o estaleiro, que deve ser tomado em consideração para a aplicação das medidas de prevenção correspondentes tendentes a reduzir os riscos de ocorrência de acidentes”, designadamente, “deverá ser colocada sinalização destinada a condicionar o acesso a pessoas estranhas à obra”;
hh) O que não acontecia - todos os trabalhadores afetos aos trabalhos promovidos pelo “Município ...” e pela “A..., S.A.” trabalhavam no mesmo estaleiro e, frequentemente, lado a lado, no mesmo espaço e tempo sem conhecimento mútuo e coordenação dos respetivos trabalhos;
ii) O trabalho de remoção dos postes e passagem dos cabos de comunicação por via subterrânea decorreu em simultâneo com as obras em curso na via e construção de passeio;
jj) Envolvendo, pelo menos, uma retroescavadora, como verificou o senhor inspetor do trabalho autuante no dia da visita realizada no dia 21 de março de 2022;
kk) Todos os trabalhadores estavam expostos aos riscos dos trabalhos promovidos pelo outro dono de obra, sem que as condições de segurança estivessem asseguradas ao nível da coordenação dos trabalhos de todas as empresas envolvidas no estaleiro;
ll) O recorrente Município ... não atuou com o cuidado de coordenar todas as empreitadas que decorriam naquele estaleiro de modo a não sujeitar todos os trabalhadores aos riscos de cada uma das obras que estavam a ser executadas;
mm) As ruas que estavam a ser intervencionadas pelo Município tinham postes no seu traçado que tinham de ser retirados, mas inicialmente o Município não conhecia totalmente a propriedade dos postes e suas linhas e, por isso, notificou todos os operadores para reivindicarem a propriedade dos postes e linhas e procederem à sua retirada;
nn) Como os operadores não responderam, o Município iniciou a obra sem conhecer os proprietários dos equipamentos de telecomunicações;
oo) Tendo conhecimento que a A... era proprietária de equipamentos de telecomunicações situados no traçado dos arruamentos, foi notificada várias vezes para a sua retirada;
pp) Na data da inspeção, o Município ainda não tinha sido informado pela A... em que data e de que forma iria realizar a retirada dos seus equipamentos, não tendo conhecimento de que estava a decorrer a sua empreitada, não tendo sido informada pela A... da data de início e fim desta;
qq) Só após a inspeção, o Município teve conhecimento da realização dos trabalhos pela A...;
rr) A A... foi notificada pelo Município ... para retirar os seus cabos nos apoios de telecomunicações (poster) existentes, da propriedade da B..., e transferi-los para a infraestrutura subterrânea criada pela B... e pela C...;
ss) A obra da A... limitou-se à transferência desses cabos;
tt) A A... assegurou-se que os operadores que efetuaram a obra tinham formação profissional, divulgou os procedimentos de segurança e verificou os registos de monitorização e prevenção;
uu) No local decorriam ou tinham decorrido empreitadas de remoção dos postes e de construção das infraestruturas subterrâneas para receberem os cabos, designadamente os cabos de fibra ótica propriedade da recorrente A... e outros existentes no local;
vv) A A... não obteve qualquer benefício económico com a realização daquela obra naqueles termos.
2. Factos não provados:
a) A empresa D... procedeu à sinalização da sua zona de intervenção.
II.2 MOTIVAÇÃO
No plano do direito substantivo, às questões em apreço aplica-se o Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de outubro - Procede à revisão da regulamentação das condições de segurança e de saúde no trabalho em estaleiros temporários ou móveis, constante do Decreto-Lei n.º 155/95, de 1 de Julho, mantendo as prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho estabelecidas pela Directiva n.º 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de Junho, ex vi artºs 281.º e 284.º do CT
No que concerne ao direito adjectivo, cumpre atender ao regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro. E, por determinação do art.º 60.º, subsidiariamente, desde que o contrário não resulte daquela lei, “(..), com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra –ordenações”, isto é, no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-lei n.º 356/89, de 17 de Outubro e n.º 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro. Por último, nos termos do disposto no art.º 41.º, deste diploma, caberá aplicar subsidiariamente o direito processual penal.
II.2.1 O recorrente insurge-se contra a sentença, alegando que “decidiu mal ao considerar preenchidos os pressupostos do tipo legal de ilícito que lhe permitiu condenar o Arguido, considerando a prova produzida e a absolvição da Co-Arguida A... relativamente aos mesmos factos”
Alega que a “ imputação de factos que se subsumam às previsões legais resumem-se ao facto de os Co-Arguidos não terem coordenado entre si a segurança das duas obras” e que não resulta “dos factos dados como provados nenhum facto que se permita concluir a falta de coordenação e verificação da fiscalização das medidas de segurança em obra pelo director de segurança do Arguido”.
Alega, ainda, que “Por outro lado, [O]Tribunal a quo considerou que a actuação da Co-Arguida A... não consubstancia uma obra para os efeitos previstos no Decreto-Lei n.º 273/2003. [..] entendeu que a actividade promovida pela Co-Arguida A... não se consubstancia numa actividade prevista no Decreto-Lei n.º 273/2003”.
Nesse pressuposto, defende que “Não sendo a Co-Arguida A... um dono de obra, conforme previsto na referida norma, não era exigível ao aqui Arguido Recorrente a promoção e verificação das circunstâncias de segurança e saúde no que à coordenação das obras com aquela diz respeito [..] não sendo este dono de obra ou executante de obra, não podia o Co-Arguido recorrente ser obrigado à coordenação de segurança com quem não era interveniente, para efeitos do Decreto-Lei n.º 273/2003”.
Conclui que, também por este motivo não se encontram apurados factos que integram o ilícito contra-ordenacional imputado ao Arguido, devendo este ser, em consequência, absolvido.
Contrapõe o Ministério Publico nas contra alegações o seguinte:
- quanto ao primeiro fundamento, após enunciar os factos verificados na acção inspectiva, no essencial, não ser verdade o alegado pelo arguido no seu ponto 14.º quando afirma que não resulta dos factos provados qualquer facto que permita concluir pela falta de coordenação e verificação da fiscalização das medidas de segurança em obra pelo coordenador de segurança do arguido, esses factos são os que constam dos factos provados em h), k), n) a gg) e especificamente no ponto hh) – “todos os trabalhadores afetos aos trabalhos promovidos pelo Município ... e pela “A..., S.A. trabalhavam no mesmo estaleiro e, frequentemente, lado a lado, no mesmo espaço e tempo, sem conhecimento mútuo (recorde-se o facto provado em dd) nem se conheciam sequer) e coordenação dos respetivos trabalhos”; trata-se de falta de coordenação das atividades das empresas e dos trabalhadores que intervém no estaleiro, tal como expressamente mencionado no artigo 19.º, n.º2, alínea d) e e), infração imputável ao arguido Município ..., na qualidade de dono de obra, nos termos do disposto no artigo 25.º, n.º3, alínea a) todos do Decreto-Lei n.º n.º273/2003 de 29.10.
- no que concerne ao segundo fundamento, nem se diga, como alega o recorrente que, por não ser à A... considerado aplicável o Decreto-Lei n.º 273/2003 e consequentemente não ser dono de obra para os efeitos deste diploma, que ao arguido Município ... não era exigível a coordenação de obras com aquela; o que o artigo 19º exige é a coordenação das atividades das “empresas e trabalhadores independentes” que intervêm no estaleiro da aqui arguida, - o que sucedia com o empreiteiro adjudicado pela A... e com as outras 5 empresas/trabalhadores independentes que ali laboravam - não a coordenação entre donas de obra, pelo que o facto de a arguida A... ter sido absolvida por não se lhe considerar aplicável este diploma, em nada afeta a responsabilidade do arguido Município ..., pois a obrigação de coordenação que sobre a arguida impendia era sobre todos os que intervinham no estaleiro da arguida como sucedia com os trabalhadores que executavam os trabalhos contratados pela A....
Por seu turno, o Digno Procurador Geral Adjunto, acompanhando aquelas contra-alegações, refere, no essencial, que sendo o Recorrente o dono da obra a ele competia tomar todas estas medidas a que se refere o art.º 17º do DL 273/2003, de 29 de outubro. Verificando-se na visita inspectiva que essas obrigações não estavam a ser cumpridas e que não havia qualquer coordenação entre os trabalhadores das empresas executantes, estão verificados os factos que integram a referida contraordenação. Por outro lado, sendo certo que a absolvição da A..., não tem que acarretar a absolvição do Recorrente, sobre este impendia sempre a obrigação de garantir a segurança a trabalhadores executantes da obra ou parte dela, qualquer que fosse a natureza dos trabalhos.
II.2.2 Atentando na fundamentação da sentença recorrida, no essencial do que aqui releva, lê-se o seguinte:
-«[..]
Mais se diga que, ao nível da organização do estaleiro as FPS preveem que “Durante a fase de preparação do estaleiro de apoio a uma obra, existe um conjunto de riscos comuns a todo o estaleiro, que deve ser tomado em consideração para a aplicação das medidas de prevenção correspondentes tendentes a reduzir os riscos de ocorrência de acidentes”, designadamente, “deverá ser colocada sinalização destinada a condicionar o acesso a pessoas estranhas à obra” - cf. fls. 58/59 das Fichas de procedimentos de segurança da “D... S.A.” juntas ao auto de notícia como documento nº 10.
Sucede, porém, que como resultou provado, todos os trabalhadores afetos aos trabalhos promovidos pelo “Município ...” e pela “A..., S.A.” trabalhavam no mesmo estaleiro e, frequentemente, lado a lado, no mesmo espaço e tempo sem conhecimento mútuo e coordenação dos respetivos trabalhos.
Resultou provado que o trabalho de remoção dos postes e passagem dos cabos de comunicação por via subterrânea decorreu em simultâneo com as obras em curso na via e construção de passeio, envolvendo, pelo menos, uma retroescavadora, como se verificou no dia da visita inspetiva realizada no dia 21 de março de 2022. Trabalho este desenvolvido com o risco acrescido atentas as condições de segurança exíguas do estaleiro e melhor descritas no auto de notícia.
Foi evidente para o senhor inspetor do trabalho, e resultou provado, que os trabalhadores afetos aos trabalhos promovidos por um dono de obra estavam expostos aos riscos dos trabalhos promovidos pelo outro dono de obra. Ou seja, todos os DEZ trabalhadores identificados no ponto 2 do auto de notícia, ao serviço dos respetivos empregadores, encontravam-se expostos aos riscos decorrentes dos trabalhos desenvolvidos por ambos os donos de obra, sem que as condições de segurança estivessem asseguradas ao nível da coordenação dos trabalhos de todas as empresas envolvidas no estaleiro.
(…)».
Daqui resulta claramente uma falta de coordenação ao nível da coordenação de segurança de cada um dos donos de obra que efetuaram, naquela data e nos dias anteriores, obras no local, através das várias empresas que estavam em obra, que sujeita o conjunto de trabalhadores em obra, independemente da empresa a que pertencem e da obra a que estavam afetos, a riscos de segurança que transcendem os relativos a esta obra, exigindo uma coordenação adequada entre coordenadores de segurança e, nesta medida, entre donos de obra.
Não afasta, antes reforça, esta falta de coordenação, a invocação de desconhecimento sobre o momento da entrada em obra da empreiteira contratada pela A.... Na realidade, se o Município sabe que a A... e outras entidades terão de entrar em obra em algum momento, para que a finalidade da sua obra se concretize e se todas as outras empresas têm de fazer uma intervenção em espaço público que está a ser intervencionado, cabe-lhe estabelecer um sistema adequado para evitar descoordenações que coloquem os trabalhadores das várias empresas em risco.
[..]
……Em nosso entendimento, a intervenção da A..., não atuando sobre os postes e na construção da infraestrutura subterrânea, mas apenas na deslocação dos cabos de fibra ótica da instalação aérea para a instalação subterrânea constitui uma instalação de redes de comunicações eletrónicas, embora não se traduza na construção de uma infraestrutura apta ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas. Por isso, parece que está em causa apenas um «mero acesso físico a infraestruturas aptas para instalação» (ou reinstalação) «de cabos de comunicações eletrónicas». Logo, não estamos perante uma obra de construção ou um trabalho de construção, traduzido numa intervenção na infraestura de telecomunicações, pelo que consideramos que não é aplicável o Decreto-Lei n.º 273/2003. Por isso, esta recorrente não pode ser condenada pela infração que lhe está imputada, pois, na realidade, como estamos perante uma infração negligente, não pode haver comparticipação, mas apenas uma autoria paralela e, como tal, só se a recorrente for um dono de obra de construção ou engenharia civil, com obrigação de nomear um coordenador de segurança nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 273/2003 é que pode ser sancionado nos termos deste diploma».
Passando à apreciação, como resultas das conclusões - sendo de assinalar que das alegações também não se retira mais do que isso-, no que concerne ao primeiro fundamento invocado pelo recorrente, este limita-se a afirmar que não resulta “dos factos dados como provados nenhum facto que se permita concluir a falta de coordenação e verificação da fiscalização das medidas de segurança em obra pelo director de segurança do Arguido”.
Sucede, como se constata pela sentença, desde logo, da primeira parte transcrita, e é evidenciado pelo Ministério Público nas contra-alegações, que o Tribunal a quo firmou o seu juízo relativamente ao recorrente atendendo à matéria provada, além do mais, a que segue:
h) No dia da visita o senhor inspetor do trabalho identificou no local, a desenvolver trabalhos, os seguintes DEZ trabalhadores ao serviço de SEIS empresas distintas:
1. CC e DD ao serviço da empresa “F..., Lda.”;
2. EE e FF ao serviço da empresa “G... Unip. Lda.”;
3. GG e HH ao serviço da empresa “H..., Lda.”;
4. II ao serviço da empresa “D... S.A.”;
5. JJ e KK ao serviço da empresa “I..., S.A.”;
6. LL Sumoza ao serviço da empresa “J..., S.A.”;
j) Nas visitas inspetivas realizadas o senhor inspetor do trabalho autuante verificou o desenvolvimento de trabalhos de terraplanagem, construção de passeios, instalação de rede, remoção de postes de comunicações e deslocação de cabos de fibra ótica dos postes para infraestruturas subterrâneas;
n) Não obstante a nomeação, por cada uma das arguidas, dos respetivos coordenadores de segurança as condições de segurança no desenvolvimento dos trabalhos em curso no momento da visita verificavam-se as seguintes situações de riscos identificadas:
Quanto às condições de circulação:
o) O estaleiro não se encontrava organizado de forma a proporcionar o desenvolvimento dos trabalhos em segurança pelo que, a par dos trabalhadores e respetivo equipamento de trabalho, circulava o tráfego normal (intenso) daquela zona industrial: veículos pesados, ligeiros, motociclos e peões, sem zonas diferenciadas de circulação ou sentidos de circulação definidos (para os trabalhos, quer para as entidades externas ao estaleiro), representando risco de atropelamento para os trabalhadores envolvidos;
p) Os trabalhadores afetos a cada uma das empreitadas trabalhavam e circulavam com o respetivo equipamento pelo estaleiro sem que as vias de circulação ou zonas de trabalho estivessem definidas, sem planificação aparente ou coordenação ao nível da segurança;
q) O mesmo sucedia com o tráfego automóvel e de peões que circulava sem qualquer indicação e indistintamente por todo o estaleiro;
Quanto à sinalização de segurança
r) A sinalização de prevenção resumia-se à existência de um sinal de limitação de velocidade, um sinal de “desvio” e um outro de “obras” - os três colocados no sentido poente/nascente, representando risco de atropelamento para os trabalhadores envolvidos;
Quanto à delimitação do perímetro
s) O estaleiro não se encontrava delimitado;
t) A única “delimitação” consistia na existência de um sinal horizontal de “obras” no acesso poente/nascente, representando risco de atropelamento para os trabalhadores envolvidos;
Quanto à manutenção do estaleiro em boa ordem
u) O estaleiro encontrava-se com materiais de construção e postes de comunicação no meio da via pública e equipamentos estacionados um pouco por todo o estaleiro, representando risco de atropelamento para os trabalhadores envolvidos;
Quanto às aberturas no pavimento
v) Existiam várias aberturas no pavimento – as caixas de comunicações localizadas no pavimento encontravam-se abertas na sua quase totalidade;
w) As caixas encontravam-se abertas em toda a extensão do estaleiro, quer no sentido poente/nascente, quer no sentido sul/norte, representando risco de queda em altura para o seu interior;
Quanto à queda de objetos
x) Os postes de comunicações a retirar estavam inclinados sobre a via e zona de trabalhos e com cabos pendentes;
y) Os veículos pesados que circulam na via junto aos postes, tocavam nos cabos pendentes;
z) Os DEZ trabalhadores identificados no ponto 2 do auto de notícia desenvolviam trabalhos junto aos referidos postes, representando risco de esmagamento para os trabalhadores envolvidos nos trabalhos;
Quanto à falta de coordenação através da organização das atividades de segurança e saúde no trabalho
aa) O plano de segurança (PSS) e plano de trabalho com riscos especiais (PTRE) apresentados pela “F..., Lda.”, entidade executante contratada pela adjudicatária “Município ...” e as Fichas de procedimentos de segurança (FPS) apresentadas pela “D..., S.A.” entidade executante contratada pela adjudicatária “A..., S.A.” não preveem a coordenação entre as donas da obra - empresas adjudicatárias e entre empreitadas, prevendo exclusivamente os riscos inerentes a cada uma das respetivas empreitadas isoladamente;
bb) No local visitado não existia qualquer documento que comprovasse alguma coordenação entre ambas as donas de obra;
cc) Os trabalhos afetos a cada uma das “donas de obra” decorria como se de distintos estaleiros se tratassem;
dd) Inclusivamente, os trabalhadores das empresas a desenvolver trabalhos ao abrigo das duas adjudicações: feita pelo “Município ...” e feita pela “A..., S.A.” não se conheciam mutuamente, nem sequer a identificação das empresas para as quais trabalhavam;
ee) A avaliação de riscos apresentada pela entidade executante do “Município ...” prevê a necessidade de “Articular entre si as atividades que existam no local, ou no meio envolvente” na organização do estaleiro – mas essa articulação nunca é feita com entidade externas nem este ponto é desenvolvido posteriormente;
ff) As FPS dos trabalhos adjudicados pela “A..., S.A.” preveem também que “antes de se iniciarem os trabalhos, deverá ser feita a identificação dos locais a intervir, procedendo-se à delimitação dos locais que apresentem riscos (CVP ou outras aberturas no pavimento, zonas de trabalho em altura, etc.) de forma a evitar o acesso ao local de terceiros”;
gg) E ao nível da organização do estaleiro as FPS preveem que “Durante a fase de preparação do estaleiro de apoio a uma obra, existe um conjunto de riscos comuns a todo o estaleiro, que deve ser tomado em consideração para a aplicação das medidas de prevenção correspondentes tendentes a reduzir os riscos de ocorrência de acidentes”, designadamente, “deverá ser colocada sinalização destinada a condicionar o acesso a pessoas estranhas à obra”;
hh) O que não acontecia - todos os trabalhadores afetos aos trabalhos promovidos pelo “Município ...” e pela “A..., S.A.” trabalhavam no mesmo estaleiro e, frequentemente, lado a lado, no mesmo espaço e tempo sem conhecimento mútuo e coordenação dos respetivos trabalhos;
Por conseguinte, se o Tribunal a quo alicerçou o seu juízo nestes factos para concluir que o recorrido praticou a infracção contra-ordenacional imputada, entendendo este que “dos factos dados como provados nenhum facto que se permita concluir a falta de coordenação e verificação da fiscalização das medidas de segurança em obra pelo director de segurança do Arguido”, tal afirmação só pode ser entendida no sentido de que discorda da interpretação e aplicação do direito que conduziu à decisão, ou seja, que há erro de direito.
Como já afirmámos em casos similares, o direito ao recurso o direito ao recurso não visa conceder à parte um segundo julgamento da causa, mas apenas permitir a discussão sobre determinados pontos concretos, que na perspectiva do recorrente foram incorrectamente mal julgados, para tanto sendo necessário que se enunciem os fundamentos que sustentam esse entendimento, devendo os mesmos consistir na enunciação de verdadeiras questões de direito, as quais lhe compete indicar e sustentar, cujas respostas sejam susceptíveis de conduzir à alteração da decisão recorrida [Cfr. Ac. de 26-06-2023, proc.º 20081/21.2T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt].
Em poucas palavras, o recorrente deve expor ao tribunal ad quem as razões da sua discordância, procurando convencer da sua pertinência, a fim de que este tribunal se debruce sobre elas e decida se procedem ou não.
No mesmo sentido, no acórdão desta Relação e Secção de 17-01-2022 [Proc.º 2157/17.2T8MTS.P1, Desembargador Nelson Fernandes, disponível em www.dgsi.pt] afirma-se o que segue: «III - Impende sobre o recorrente, em sede de recurso, o ónus de invocar, também no domínio da aplicação da lei, os argumentos (jurídicos) que na sua ótica justificam o afastamento dos fundamentos constantes da decisão recorrida para sustentar o modo como interpretou e/ou aplicou a lei, de tal modo que o tribunal superior os possa apreciar, no sentido de lhes dar ou não sustentação – versando o recurso sobre matéria de direito, deve o Recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.º, n.º 2, do CPC)”.
Em poucas palavras, o recorrente deve expor ao tribunal ad quem as razões da sua discordância, sustentadas em argumentos jurídicos, procurando convencer da sua pertinência, a fim de que este tribunal se debruce sobre elas e decida se procedem ou não.
Ora, assim não procedeu o recorrente, cingindo-se a deixar aquela afirmação discordante, meramente conclusiva, desamparada de qualquer argumento jurídico para evidenciar o eventual desacerto da decisão recorrida na aplicação do direito ao elenco factual apurado.
Como explicámos, a discordância do recorrente não é argumento suficiente para sustentar o recurso. O recurso não visa um segundo julgamento, nem pode o Tribunal superior substituir-se ao recorrente para descortinar eventuais argumentos jurídicos que pudessem sustentar a sua discordância.
Assim sendo, improcedem as conclusões C a G.
Avançando para o segundo fundamento, consiste este, no essencial, na afirmação de que não sendo a Co-Arguida A…, de acordo com a sentença, e para efeitos do Decreto-Lei n.º 273/2003, “[..] dono de obra ou executante de obra, não podia [..] o Co-Arguido recorrente ser obrigado à coordenação de segurança com quem não era interveniente, para efeitos do Decreto-Lei n.º 273/2003”.
Pois bem, tal como quanto ao outro fundamento, o recorrente limita-se a fazer esta afirmação sem cuidar de a sustentar com qualquer argumento jurídico devidamente estruturado para evidenciar o alegado erro, nomeadamente, partindo das normas aplicáveis e que estão na base da confirmação da decisão administrativa pelo Tribunal.
Daí que, valendo aqui o que acima se deixou dito, tal seja suficiente para a improcedência do recurso também nesta parte.
Não obstante, para que não lhe restem dúvidas, o ponto não suscita dificuldade na resposta. Como bem assinala o Ministério Público nas suas contra-alegações, em posição que acompanhamos e dispensa outras considerações, as situações dos arguidos não são comparáveis: “quanto à A... julgou-se provado que o trabalho que ali estava a executar traduzia-se numa mera transferência de cabos de fibra ótica de uma infraestrutura aérea com base em postes para uma infraestrutura subterrânea, não numa construção enquanto intervenção na infraestrutura de telecomunicações e por isso considerou-se que não se tratava de obra sujeita ao regime previsto no Decreto-Lei n.º 273/2003, mas de uma situação à qual era aplicável o Decreto-Lei n.º 123/2009 de 21.05 relativo à instalação de redes de comunicações eletrónicas”. Por outro lado, o facto de não ser aplicável à A... o Decreto-Lei n.º n.º273/2003 e consequentemente não ser dono de obra para os efeitos deste diploma, não exime o recorrente dos deveres de coordenação impostos pelo art.º 19.º, daquele diploma, já que este normativo «[..] exige é a coordenação das atividades das “empresas e trabalhadores independentes” que intervêm no estaleiro da aqui arguida, - o que sucedia com o empreiteiro adjudicado pela A... e com as outras 5 empresas/trabalhadores independentes que ali laboravam - não a coordenação entre donas de obra, pelo que o facto de a arguida A... ter sido absolvida por não se lhe considerar aplicável este diploma, em nada afeta a responsabilidade do arguido Município ..., pois a obrigação de coordenação que sobre a arguida impendia era sobre todos os que intervinham no estaleiro da arguida como sucedia com os trabalhadores que executavam os trabalhos contratados pela A...».
Para que melhor se perceba, atente-se no art.º 19.º do DL 273/2003, onde se estabelece, para além do mais, o seguinte:
«[..]
2 - O coordenador de segurança em obra deve no que respeita à execução desta:
[..]
d) Verificar a coordenação das actividades das empresas e dos trabalhadores independentes que intervêm no estaleiro, tendo em vista a prevenção dos riscos profissionais;
e) Promover e verificar o cumprimento do plano de segurança e saúde, bem como das outras obrigações da entidade executante, dos subempreiteiros e dos trabalhadores independentes, nomeadamente no que se refere à organização do estaleiro, ao sistema de emergência, às condicionantes existentes no estaleiro e na área envolvente, aos trabalhos que envolvam riscos especiais, aos processos construtivos especiais, às actividades que possam ser incompatíveis no tempo ou no espaço e ao sistema de comunicação entre os intervenientes na obra;
[..]».
Ora, salvo o devido respeito, é isso que se retira em termos lógicos da sentença, desde que lida com a devida atenção. Assim, cabia à recorrente, se porventura discorda deste entendimento, rebatê-lo com verdadeiros argumentos jurídicos.
Pelo exposto, resta concluir pela improcedência do recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, em consequência mantendo a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC [artigos 513º, n.º 1 do CPP, ex vi do artigo 74º, nº 4 do RGCO e 59º e 60º, ambos da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro e 8º, nº 9 e Tabela III do RCP].

Porto, 27 de Setembro de 2023
Jerónimo Freitas
António Luís Carvalhão
Nelson Fernandes