I – O valor da causa – que representa a utilidade económica imediata do pedido – pode influir na competência do tribunal, na forma de processo, na admissibilidade dos recursos e na obrigatoriedade de patrocínio judiciário, e o valor tributável – valor da causa para efeitos de custas (ns. 1 e 3 do artigo 296º do CPC) – correspondem a diferentes conceitos, visando distintas finalidades.
II – O valor tributável de determinada acção pode coincidir, em concreto, com o valor da causa, porquanto, em regra geral, o valor da causa serve de critério para a fixação do valor tributável e, muitas vezes, como critério único.
III – Cabe ao tribunal de primeira instância fixar o valor da causa no despacho saneador - salvo nos processos a que se refere o n.º 4 do artigo 299.º e naqueles em que não haja lugar a despacho saneador, sendo então fixado na sentença -, segundo as regras previstas nos artigos 297.º e sgs., isto, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes - se a parte interessada não concordar com o valor indicado pela outra parte ou o fixado pelo juiz, deve suscitar o respetivo incidente.
IV – Não se enquadrando a situação em qualquer um dos casos especiais que se encontram previstos no artigo 12º do RCP, em que a fixação do valor tributável se encontra sujeita a regras distintas, a sua determinação será feita com recurso à regra geral, do artigo 11º: a base tributável da acção corresponderá ao valor da causa, fixado de acordo com as regras previstas na lei do processo respetivo.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Processo n.º 746/21.0T8GRD-A.C1
(Juízo Central Cível e Criminal da Guarda - Juiz 2)
Acordam os Juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
1.Relatório
Os Réus, ora Apelantes, vieram reclamar da conta de custas elaborada, invocando:
1. que o valor devido a título de taxa de justiça se encontra duplicado;
2. que os réus não são solidariamente responsáveis pela conta elaborada;
3. que o valor a ter em consideração para a elaboração da conta não é o valor da acção, mas o da sua sucumbência, correspondente ao montante do quinhão hereditário, e na proporção da responsabilidade de cada um dos réus.
Requerem, por isso, que a conta a elaborar seja efectuada de acordo com essa responsabilidade, e invocando, por fim, a dispensa de pagamento remanescente da taxa de justiça devida, nos termos do art. 6.º n.º 7 do RCP.
O Magistrado do M.º P.º no âmbito do contraditório escreve:
“Analisada a conta reclamada verifica-se que o ilustre contador considerou, como base tributável, o valor da acção.
Fora dos casos especiais previstos no artigo 12º do RCP, a determinação do valor tributário da acção é feita com recurso à regra geral do artigo 11º do RCP, pelo que, a base tributável da ação corresponderá ao valor da causa, fixado de acordo com as regras previstas na lei do processo respetivo.
Nestes termos, fixado o valor da causa (por decisão de 29-11-2021, transitada em julgado cfr. ref. 28928967), mostra-se desprovido de fundamento o alegado pelos reclamantes no que concerne à determinação de quaisquer outros valores como critério para aferir do montante das taxas de justiça.
Por outro lado, nos termos do art. 6.º n.º 1 do RCP, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A
Assim, atendendo ao teor da tabela IA, anexa ao RCP são devidas, a título de taxa de justiça, 16 UC, a que acresce, a final, por cada (euro) 25 000 ou fracção, 3 UC, no caso da col. A, no caso dos recursos, o valor de 8 UC, a que acresce, a final, por cada (euro) 25 000 ou fracção, 1,5 UC.
A mencionada remanescente que deveria ser paga pela parte vencedora, não se verificando qualquer lapso ou erro.
Com efeito, nos termos do art. 14.º n.º 9 do RCP: nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final.
Por outro lado, no que concerne à elaboração de uma conta para cada um dos réus, repartindo-se a sua responsabilidade em partes iguais, entendemos que não assiste igualmente razão aos reclamantes.
Com efeito, conforme dispõe o art. 527.º n.º 3 do RCP:
No caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende-se às custas .
No caso, consideramos que os réus litisconsortes foram condenados solidariamente, tal como estabelece o art. 512.º do CC, pois, cumprindo qualquer um deles a condenação a pagarem as quantias devidas à Fazenda Nacional, no montante total de , acrescidos de juros de mora à taxa legal, até ao valor do quinhão hereditário do herdeiro repudiante AA (alínea d) do dispositivo) todos os demais réus seriam liberados daquela obrigação.
Nestes termos, inexiste fundamento para reformular a conta de custas, no que concerne à responsabilidade solidária dos réus.
Por fim, o art. 6º n.º 7 do RCP, na redação introduzida pela Lei nº 7/12, de 13-2, prevê a dispensa de pagamento da parcela correspondente à taxa de justiça remanescente princípio da proporcionalidade.
No que se refere ao momento para a parte deduzir a dispensa/redução da taxa de justiça remanescente, dada a divergência jurisprudencial, o Supremo Tribunal de Justiça, por preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem lugar, de acordo com o nº 7 do art. 6º do RCP, com o trânsito em julgado da decisão final.
Ora, considerando a data em que foi efectuado o presente requerimento, afigura-se-nos que tal direito se encontra precludido, devendo ser indeferido o requerido.
*
Nestes termos, conforme salienta o ilustre contador no termo com a ref.30386670, a conta encontra-se correctamente elaborada.
Consequentemente, pr. se indefira a reclamação apresentada pelos Réus.
*
..., d.s.
Pelo Juízo Central Cível e Criminal da Guarda - Juiz ..., foi proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, deferindo parcialmente o requerido, o tribunal determina que se reformule a liquidação das custas da responsabilidade dos réus, dividindo as mesmas em partes iguais por cada um dos réus, notificando cada um deles para proceder ao pagamento da conta de custas da sua responsabilidade indeferindo o requerido relativamente ao demais.
Atenta a incorreta liquidação da responsabilidade dos executados, procede a reclamação para efeitos de não tributação do incidente.
Notifique”.
BB, CC, DD, EE, não se conformando com tal decisão, dela interpõem recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
A. Os recorrentes não se conformam com a decisão que através do despacho de que se recorre, foi proferida relativamente à reclamação por si apresentada da conta dos autos na parte que, não se pronunciando sobre tal matéria, manteve o valor da acção para cálculo do valor das custas da responsabilidade dos reclamantes, daí resultando que a responsabilidade de cada um pelas custas em divida seja, respectivamente, de 11.936,12€, o que não se aceita;
B. No âmbito dos presentes autos o MP em representação do Estado Português/Fazenda Nacional, instaurou a presente acção contra os ora recorrentes e outro peticionando que a Fazenda Nacional seja declarada como aceitante da herança aberta por óbito de FF, por sub-rogação do herdeiro repudiante AA, bem como a condenação dos RR. a reconhecerem que AA deve à Fazenda Nacional a quantia de 2.525.452.96€, a reconhecerem a Fazenda Nacional como aceitante da herança aberta por óbito de FF, por sub-rogação do herdeiro repudiante AA com o direito do Estado receber aquela quantia pelo quinhão hereditário daquele mesmo R. e, caso a herança seja entretanto objecto de partilha, os RR. condenados a pagar as quantias devidas à fazenda Nacional no montante de 2.525.452,96€ na proporção do quinhão hereditário do herdeiro repudiante AA;
C. Realizado o respetivo julgamento foi proferida sentença, posteriormente confirmada pelo TRC, de acordo com a qual, foi declarada a Fazenda Nacional como aceitante da herança aberta por óbito de FF por sub-rogação do herdeiro repudiante AA e foram os RR. condenados a reconhecerem que o R. AA deve à Fazenda Nacional o montante total de 2.525.452,96€, reconhecerem a Fazenda Nacional como aceitante da herança aberta por óbito de FF, por sub-rogação do herdeiro repudiante AA e o direito do Estado a receber aquela quantia pelo quinhão hereditário daquele e caso a herança seja entretanto partilhada, pagarem as quantias devidas à Fazenda Nacional no montante total de 2.525.452,96€, acrescido dos juros de mora à taxa legal, até ao valor do quinhão do herdeiro repudiante AA;
D. Foram ainda os RR. condenados nas custas do processo;
E. Elaborada a respectiva conta veio o Sr. Oficial de Justiça que procedeu à elaboração da mesma, considerar para efeitos de custas devidas, em sede de 1ª instancia e em sede de recurso, a aplicar e a pagar solidariamente por todos os RR., o valor de 2.525.452,96€, incluindo o valor das custas correspondentes à taxa de justiça não liquidada previamente pelo MP, tudo no montante total de 88.448,84€, emitindo e enviando a cada um dos RR., exceção feita ao R. AA, por beneficiar de apoio judiciário, a respectiva guia pelo valor global de, abatidas as custas de parte objecto de previa liquidação, 83.552,64€;
F. Inconformados com o critério seguido na elaboração da referida Conta, como calculo das custas da sua responsabilidade, daquela os RR., ora recorrentes apresentaram a sua Reclamação a qual fundamentaram nos seguintes termos:
- À presente acção foi atribuído o valor de 2.525.452,96€;
- Nos termos do Regulamento das Custas Processuais e de acordo com a tabela I A a taxa de justiça devida na acção tendo por base aquele valor, corresponde ao montante de 29.478,00€, conforme, aliás, consta indicado na conta de que se reclama;
- De acordo com o mesmo Regulamento das Custas Processuais, por aplicação da tabela I B, a taxa de justiça devida pelo recurso interposto corresponde ao valor de 14.739,00€, conforme, aliás, também consta da conta de que se reclama;
- Assim sendo, como efectivamente é, o valor global das custas processuais devidas, nelas incluídas as referentes à acção principal e ao recurso são no montante de 44.217,00€;
- Ora não obstante assim ser, por lapso ou outra razão que não se descortina, o Sr. Oficial de Justiça que procedeu à elaboração da conta em causa, acaba por na mesma apresentar e lançar em duplicado os valores devidos, apresentando uma conta de custas no valor global de 88.434,00€, o qual carece de qualquer suporte legal para a sua determinação e consequentemente se não aceita;
- Formando e lançando no respetivo discriminativo duas vezes, portanto, em duplicado, a mesma conta;
- Transformando, consequentemente, de forma incorrecta e sem base legal, o valor efectivo das custas, calculado face ao valor da acção ali considerado, de 44.217,00€ em 88.434,00€;
- Acresce ainda que o pedido de pagamento correspondente a tal montante, o qual, deduzido das taxas de justiça pagas no processo, se fixou em 83.552,84€, foi efectuado e imputado na sua totalidade, a cada um dos Réus, ou seja, a cada um dos réus foi individualmente apresentada a conta e solicitado o pagamento do valor global indevidamente duplicado;
- Na verdade, no caso, a condenação dos RR., nos termos da sentença proferida nos autos não é uma condenação solidária relativamente aos pedidos formulados pelo A;
- Aliás, nos termos do artigo 513º do Código Civil, a solidariedade entre credores ou devedores só existe se decorrente da lei ou da vontade das partes;
- Situações que, manifestamente, no presente caso, se não verificam;
- Pelo que, não se verificando, no âmbito do processo nenhuma situação de responsabilidade solidária dos RR., relativamente aos pedidos contra si deduzidos, também a condenação em custas não é solidaria, não podendo ser exigido de cada um dos Réus o montante total das mesmas;
- Verificando-se, aliás, que os termos da condenação em custas, de acordo com a sentença proferida são os constantes dos nºs 1 e 2 do artigo 527º do Código do Processo Civil e não do nº 3 da mesma disposição legal;
- Assim sendo, o montante total das custas devidas terá que ser dividido em sete partes iguais, tantas quanto os réus, e solicitado o pagamento no respetivo montante, individualmente a cada um deles, por ser esse e só esse o montante de custas cuja responsabilidade lhes cabe;
- Por outro lado, embora verificando-se que o valor atribuído à acção foi de 2.525.452,96€ e não obstante os RR. terem sido condenados nas respectivas custas, as mesmas terão que ser determinadas, não em função do valor da acção propriamente dita, mas da concreta medida do valor por cujo pagamento, nos termos sentenciados, será da responsabilidade dos RR.;
- Ou seja até ao limite do valor do quinhão hereditário do R. AA, nos termos consignados em d) da douta sentença “até ao valor do quinhão hereditário do herdeiro repudiante AA”;
- Sendo essa medida o valor em que a decisão proferida lhes é desfavorável, ou seja, sendo esse o concreto e real valor da sua sucumbência;
- Ou seja, ainda, nos termos do nº 2 do artigo 527º do Código Processo Civil, invocado pelo Exmo. Juiz na respectiva sentença, “Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.”
- E nesse conspecto verifica-se que, sendo as alíneas a) e b) do segmento decisório da sentença proferida, meramente instrumentais para a decisão constante das alíneas c) e d) da mesma, terá que ser o ali vertido a determinar o limite da condenação da responsabilidade dos RR;
- Aliás, os ora reclamantes, não questionam ou põem em causa o valor do crédito que o A. diz ter sobre o R. AA, pois o mesmo é inócuo face aos ora reclamantes nos termos constantes da petição inicial e dos pedidos ali formulados;
- Verificando-se que a condenação dos RR., ora reclamantes, teria e tem sempre como limite máximo o valor do quinhão hereditário que o Réu AA tem na herança aberta por óbito de seu pai FF e nada mais do que isso;
- Possuindo os autos todos os elementos necessários ao apuramento do valor de tal quinhão;
- Efetivamente, o A. na sua petição inicial concretiza os bens que compõem e integram a referida herança, concretizando e indicando igualmente o seu respetivo valor;
- Na verdade no nº 6º da petição inicial o A. identifica os seis imóveis que integram e constituem o acervo hereditário que ficou por óbito de FF, no valor total do mesmo, conforme os valores parcelares indicados, de 456.667,04€;
- Cabendo desse valor à R. BB, na sua qualidade de cônjuge meeiro e herdeiro, um quinhão no valor global de 285.416,90€ e cada um dos filhos e herdeiros, AA (ora sub-rogado), CC, DD e EE, respectivamente o quinhão de 42.812,53€;
- Sendo esse o valor real e concreto da condenação dos RR., pelo qual os mesmo são responsáveis, pois é esse valor, 42.812,53€, o valor do quinhão do herdeiro sub-rogado AA;
- Isso igualmente resultando da interpretação, alcance e entendimento do que consta da sentença no que respeita às custas;
- Correspondendo tal valor ao limite da condenação constante das alíneas c) e d) da sentença;
- Sendo esse valor o que, correspondendo à sucumbência dos RR., ora reclamantes, deve ser o relevante e a considerar, para efeitos de custas processuais, nos termos das normas aplicáveis, nomeadamente das constantes do Código do Processo Civil;
- Incluindo, para efeitos das custas devidas pelo recurso interposto pelos ora reclamantes;
- Pelo que o valor total das custas (acção e recurso) da responsabilidade dos RR., ora reclamantes, de acordo com a tabela I-A do RCP, é de 1.071,00€, cabendo a cada um deles, respectivamente, o montante de 153,00€, devendo ser este e não outro, o valor a considerar;
- Aliás, com o devido respeito, entendem os reclamantes ser essa a interpretação do julgador, pois, caso contrário, atento o grau de complexidade da causa, o comportamento das partes e a desproporcionalidade do valor das custas, aquele não deixaria de lançar mão da prerrogativa que lhe confere o nº 7 do artigo 6º do RCP e que lhe caberia, e cabe ainda, apreciar;
- Verifica-se assim que a conta se encontra errada porquanto o Sr. Oficial de Justiça que a elaborou duplicou os processos e recursos, como se existissem dois processos, cada um com dois recursos, quando o que se verifica é a existência de um processo cuja decisão foi objecto de recurso, um e outro, independentemente do números de sujeitos processuais envolvidos;
- Depois, encontra-se a conta igualmente errada porquanto não estando em face de nenhuma situação de responsabilidade ou condenação solidária, o valor das custas apurado terá que ser dividido em partes iguais por cada um dos sete intervenientes processuais enquanto requeridos, individualmente considerados, ou seja, no caso, dividido por sete, sendo cada um responsável apenas pelo pagamento da parte que lhe cabe;
- Finalmente, o valor para determinação das custas, quer da acção quer do recurso, terá que ser o equivalente à repercussão da decisão condenatória na esfera dos requeridos, ora reclamantes, além do mais nos termos do nº 2 do artigo 527º do CPC, ou seja, o equivalente ao valor da sua responsabilidade, o qual no caso corresponde ao valor do quinhão hereditário do requerido AA, na herança aberta por óbito de seu pai FF, o qual de acordo com os elementos existentes nos autos corresponde ao montante de 42.812,53€;
- O que originaria um valor total das custas da responsabilidade dos RR., ora reclamantes, de 1.071,00€, cabendo a cada um deles, respectivamente, o montante de 153,00€, devendo ser este e não outro, o valor a considerar;
- Sendo este o montante a considerar, para efeitos da responsabilidade em custas, por parte dos ora reclamantes, o que aliás resulta da interpretação e alcance da sentença, até porque se assim não fora, atento o grau de complexidade, o comportamento das partes e a desproporcionalidade, o Exmo.Juiz não deixaria de lançar mão da prerrogativa que o nº 7 do artigo 6º do RCP lhe confere e lhe caberia, e ainda cabe apreciar e aplicar;
G. - Tal reclamação foi objecto de decisão através do competente despacho com o qual os ali reclamantes e ora recorrentes se não conformam e, consequentemente, do qual recorrem;
H. Efetivamente por tal despacho foi julgada parcialmente procedente a reclamação apresentada no que tange à não verificação da existência de responsabilidade solidária dos RR., pelo pagamento das custas em causa, indeferindo o demais objecto da reclamação;
I. Como resulta do supra alegado e do teor da reclamação em causa que aqui se dá como reproduzido, a mesma, como aliás consta do despacho de que ora se recorre, incidia sobre as três concretas questões ali invocadas pelos reclamantes;
J. Concretamente, como expressamente é reconhecido no próprio despacho de que se recorre, ali invocavam os reclamantes, ora recorrentes, “…que o valor devido a titulo de taxa de justiça se encontra duplicado, que os réus não são solidariamente responsáveis pela conta elaborada, que o valor a ter em consideração para a elaboração da conta não é o valor da acção, mas o da sucumbência correspondente ao quinhão hereditário, e na proporção da responsabilidade de cada um dos réus,…”;
K. Ora, acontece que o despacho recorrido analisa apenas duas das três questões que lhe são colocadas, que enuncia e que tinha que conhecer e sobre elas estava obrigado a pronunciar-se e a decidir;
L. Efetivamente o despacho de que se recorre pronuncia-se e decide sobre a questão da alegada duplicação do valor devido a titulo de taxa de justiça e sobre a questão da invocada não existência de responsabilidade solidaria dos RR., no pagamento das custas;
M. Inexistência de responsabilidade solidaria decidia pelo tribunal e aceite pelos RR, que determina que cada um deles, ora recorrentes, seja, ainda assim, individualmente responsável pelo pagamento, respectivamente, de 11.936,12€ cada um;
N. Omitindo, não obstante o enunciar como fundamento a apreciar, não apreciando, não se pronunciando nem decidindo, sobre se o valor a ser considerado relativamente a cada um dos RR. Para efeitos do valor das custas da sua responsabilidade é o valor da acção ou o valor da repercussão da decisão na sua esfera pessoal, ou seja o valor da sua sucumbência;
O. E apesar de igualmente reconhecer que da condenação conjunta proferida pelo tribunal “resultam obrigações com autonomia para cada um dos réus, que se encontrarão vinculados ao cumprimento do determinado, em ultima analise, até ao valor do quinhão hereditário do réu AA – mas não respondendo pelo pagamento da prestação integral de que só o réu AA é responsável”;
P. Ora tal omissão de pronúncia consubstancia, nos termos do artigo 615º do Código do Processo Civil, uma nulidade, nulidade essa que desde já e para todos os efeitos se invoca;
Q. E no que a este aspecto da reclamação, e agora recurso, respeita, os recorrentes reiteram que, embora verificando-se que o valor atribuído à acção foi (correctamente) de 2.525.452,96€ e não obstante os RR. terem sido condenados nas respectivas custas, as mesmas terão que ser determinadas, não em função do valor da acção propriamente dita, mas da concreta medida do valor por cujo pagamento, nos termos sentenciados, será da responsabilidade de cada um dos RR.;
R. No caso dos RR., ora recorrentes, tal responsabilidade para efeitos de custas tem como limite o valor do quinhão hereditário do R. AA, nos termos, aliás, consignados na alínea d) da douta sentença “até ao valor do quinhão hereditário do herdeiro repudiante AA”;
S. Sendo essa medida o valor em que a decisão proferida lhes é desfavorável, ou seja, sendo esse o concreto e real valor da sua sucumbência;
T. Ou seja, ainda, nos termos e de acordo com o nº 2 do artigo 527º do Código Processo Civil, invocado pelo Exmo. Juiz na respectiva sentença, disposição legal aquela onde se diz que, “Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for”;
U. E nesse conspecto verifica-se que, sendo as alíneas a) e b) do segmento decisório da sentença proferida, meramente instrumentais para a decisão constante das alíneas c) e d) da mesma, terá que ser o ali vertido a determinar o limite da condenação da responsabilidade de cada um dos RR, o que releva para efeitos de determinação da sua responsabilidade pelas custas;
V. Aliás, os ora recorrentes, não questionam ou põem em causa o valor do crédito que o A. diz ter sobre o R. AA, pois o mesmo é inócuo face aos ora reclamantes nos termos constantes da petição inicial e dos pedidos ali formulados e por cujo pagamento é aquele R., o único responsável;
W. Verificando-se que a condenação dos RR., reclamantes e ora recorrentes, teria e tem sempre como limite máximo o valor do quinhão hereditário que o Réu AA tem na herança aberta por óbito de seu pai FF e nada mais do que isso;
X. Possuindo os autos todos os elementos necessários ao apuramento do valor de tal quinhão;
Y. Efetivamente, o A. na sua petição inicial concretiza os bens que compõem e integram a referida herança, concretizando e indicando igualmente o seu respetivo valor, valor esse que nenhum dos RR. questionou ou colocou em causa;
Z. Na verdade no nº 6º da petição inicial o A. identifica os seis imóveis que integram e constituem o acervo hereditário que ficou por óbito de FF, no valor total do mesmo, conforme os valores parcelares indicados, de 456.667,04€;
AA. Cabendo desse valor à R. BB, na sua qualidade de cônjuge meeiro e herdeiro, um quinhão no valor global de 285.416,90€ e cada um dos filhos e herdeiros, AA (ora sub-rogado), CC, DD e EE, respectivamente o quinhão de 42.812,53€;
BB. Sendo esse o valor real e concreto da condenação dos RR., aqui recorrentes, pelo qual os mesmo são responsáveis, pois é esse valor, 42.812,53€, o valor do quinhão do herdeiro sub-rogado AA;
CC. Isso igualmente resultando da interpretação, alcance e entendimento do que consta da sentença no que respeita às custas;
DD. Correspondendo tal valor ao limite da condenação constante das alíneas c) e d) da sentença;
EE. Sendo esse valor o que, correspondendo à sucumbência dos RR., ora reclamantes, deve ser o relevante e a considerar, para efeitos de custas processuais, nos termos das normas aplicáveis, nomeadamente das constantes do Código do Processo Civil;
FF. Incluindo, para efeitos das custas devidas pelo recurso interposto pelos reclamantes ora recorrentes;
GG. Pelo que o valor total das custas (acção e recurso) da responsabilidade dos reclamantes, ora recorrentes, de acordo com a tabela I-A do RCP, é de 1.071,00€, cabendo a cada um deles, respectivamente, o montante de 153,00€, devendo ser este, e não outro, o valor a considerar;
HH. O que os recorrentes pretendem que seja decretado;
II. Aliás, tal entendimento dos ora recorrentes, relativamente à matéria em apreço, tem tido o acolhimento de diversas decisões dos tribunais superiores;
JJ. A decisão de que se recorre, entre outras disposições legais viola os artigos, 527º nºs 1 e 2, 528º nº 3, 607º e 608º, todos do Código Processo Civil, 6º e 11º do Regulamento das Custas Processuais e o decidido, entre outros, pelos Acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça, nº 2209/14.0TBBRG-C.G1.S1 de 2/03/2023 e 1934/16.6T8VCT.G1.S.1.
Nestes termos deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, nos termos e com os fundamentos supra alegados, tudo com as legais consequências, como é de JUSTIÇA.
O Ministério Público, notificado das alegações apresentadas pelos Apelantes GG, CC, DD e EE, apresentar a sua resposta, assim concluindo:
(…).
2. Do objecto do recurso
1.Da nulidade por omissão de pronuncia;
Alegam, desde logo, os recorrentes:
“7. Como resulta do supra alegado e do teor da reclamação em causa que aqui se dá como reproduzido, a mesma, como aliás consta do despacho de que ora se recorre, incidia sobre as três concretas questões ali invocadas pelos reclamantes;
18. Concretamente, como expressamente é reconhecido no próprio despacho de que se recorre, ali invocavam os reclamantes, ora recorrentes, “…que o valor devido a titulo de taxa de justiça se encontra duplicado, que os réus não são solidariamente responsáveis pela conta elaborada, que o valor a ter em consideração para a elaboração da conta não é o valor da acção, mas o da sucumbência correspondente ao quinhão hereditário, e na proporção da responsabilidade de cada um dos réus,…”;
19. Ora, acontece que o despacho recorrido analisa apenas duas das três questões que lhe são colocadas, que enuncia e que tinha que conhecer e sobre elas estava obrigado a pronunciar-se e a decidir;
20. Efetivamente o despacho de que se recorre pronuncia-se e decide sobre a questão da alegada duplicação do valor devido a titulo de taxa de justiça e sobre a questão da invocada não existência de responsabilidade solidaria dos RR., no pagamento das custas;
21. Omitindo, não obstante a enunciar como fundamento a apreciar, não apreciando, não se pronunciando nem decidindo sobre se o valor a ser considerado relativamente a cada um dos RR. Para efeitos do valor das custas da sua responsabilidade é o valor da acção ou o valor da repercussão da decisão na sua esfera pessoal, ou seja o valor da sua sucumbência;
22. E apesar de igualmente reconhecer que da condenação conjunta proferida pelo tribunal “resultam obrigações com autonomia para cada um dos réus, que se encontrarão vinculados ao cumprimento do determinado, em ultima analise, até ao valor do quinhão hereditário do réu AA – mas não respondendo pelo pagamento da prestação integral de que só o réu AA é responsável”;
23. Ora tal omissão de pronúncia consubstancia, nos termos do artigo 615º do Código do Processo Civil, uma nulidade, nulidade essa que desde já e para todos os efeitos se invoca”.
Salvo o devido respeito, não têm razão.
Como é sabido, as nulidades da sentença/despacho encontram-se taxativamente previstas no art.º 615º do Código do Processo Civil – será o diploma a citar sem menção de origem – e têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença/despacho, também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença/despacho, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.
Ora, a nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito, o que não é, manifestamente o caso dos autos.
O dever de fundamentação tem por objectivo a explicitação por parte do julgador acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido, dirimindo determinado litígio que lhe foi colocado, de forma a que os destinatários possam entender as razões da decisão proferida e, caso o entendam, sindicá-la e reagir contra a mesma.
Os Apelantes fundamentam, desde logo, a sua discordância relativamente à decisão apelada sustentando que esta decisão é omissa quanto à questão por si suscitada na reclamação da conta apresentada com a ref. 2192390, no que concerne ao valor da acção para efeitos de custas, invocando a sua nulidade por omissão de pronúncia, defendendo que a conta de custas deverá ser elaborada, não com base no valor da acção, mas da sucumbência.
Na 1.ª instância escreveu o julgador:
“Ref.ª 2192390: os réus vieram reclamar da conta de custas elaborada, invocando que o valor devido a título de taxa de justiça se encontra duplicado, que os réus não são solidariamente responsáveis pela conta elaborada, que o valor a ter em consideração para a elaboração da conta não é o valor da ação, mas o da sua sucumbência, correspondente ao montante do quinhão hereditário, e na proporção da responsabilidade de cada um dos réus, requerendo que a conta a elaborar seja efetuada de acordo com essa responsabilidade, e invocando, por fim, a dispensa de pagamento remanescente da taxa de justiça devida, nos termos do artigo 6º/7 do Regulamento das Custas Processuais.
(…)
Compulsados os autos verifica-se que, no despacho saneador proferido no dia 29/11/2021, o tribunal fixou à causa o valor de 2.525.452,96€ - decisão esta que não foi objeto de qualquer reclamação/recurso e que, neste momento, tendo transitado em julgado, se impõe processualmente ao autor e aos réus.
Daqui decorre que, tendo as partes que autoliquidar e pagar a taxa de justiça devida até ao montante de 275.000€, a liquidação do remanescente do valor da taxa de justiça devida deve ser efetuada pela secretaria do tribunal na conta a elaborar a final – cfr. artigo 6º/1, 2 e 7º, e Tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais”.
Terminando, neste particular, assim:
“Em todo o caso, a responsabilidade de cada um dos réus litisconsortes, devendo ser liquidada em partes iguais, deve ser aferida em função do valor atribuído à causa e já coberto pelo efeito do caso julgado formal”.
Fundamentação simples, mas suficiente.
Como escreve a magistrada do M.º P.º junto do Juízo Central Cível e Criminal da Guarda, “ da análise da decisão recorrida extrai-se, claramente, que a mesma não é omissa quanto à questão suscitada pelo recorrente.
Com efeito, o Tribunal é claro ao concluir que a liquidação do valor da causa deverá ser aferido pelo valor da acção (e não pelo valor da sucumbência, conforme suscitam os recorrentes).
Consequentemente, a decisão recorrida não enferma de qualquer nulidade, designadamente por omissão de pronúncia”.
Improcede, pois, a alegada nulidade.
2. As custas em divida são determinadas em função do valor da acção ou da sucumbência – nas palavras dos Apelantes?
Dizem os Apelantes:
“Q. E no que a este aspecto da reclamação, e agora recurso, respeita, os recorrentes reiteram que, embora verificando-se que o valor atribuído à acção foi (correctamente) de 2.525.452,96€ e não obstante os RR. terem sido condenados nas respectivas custas, as mesmas terão que ser determinadas, não em função do valor da acção propriamente dita, mas da concreta medida do valor por cujo pagamento, nos termos sentenciados, será da responsabilidade de cada um dos RR.”
Devassemos os autos:
1. Foi proferida sentença que, julgando totalmente procedente a acção:
a) declarou a Fazenda Nacional a aceitante da herança aberta por óbito de FF, ocorrido a 13 de novembro de 1997, por sub-rogação do herdeiro repudiante AA;
b) condenou os réus a reconhecerem que AA deve à Fazenda Nacional o montante total de 2.525.452,96€;
c) condenou os réus a reconhecerem a Fazenda Nacional como aceitante da herança aberta por óbito de FF, por sub-rogação do herdeiro repudiante AA e o direito do Estado a receber aquela quantia pelo quinhão hereditário do 1.º Réu; e
d) caso a herança seja, entretanto, partilhada, condena os réus a pagarem as quantias devidas à Fazenda Nacional, no montante total de 2.525.452,96€, acrescidos de juros de mora à taxa legal, até ao valor do quinhão hereditário do herdeiro repudiante AA.
Esta decisão condenou ainda os réus nas custas do processo – com aplicação da Tabela I-A anexa ao Regulamento das Custas Processuais (cfr. artigos 527º/1 e 2 e 607º/6 do Código de processo Civil e 6º/1 do Regulamento das Custas Processuais).
2. Este Tribunal da Relação de Coimbra julgou improcedentes as apelações interpostas pelos RR., confirmando a sentença recorrida e condenou os Réus GG e outros nas custas da apelação.
3.Nessa sequência, foi elaborada a conta de custas com a ref. 30354336 que considerou como base tributável o valor da acção: € 2.525.452,96.
4.Os Réus GG e outros vieram reclamar da conta de custas elaborada, invocando que o valor devido a título de taxa de justiça se encontrava duplicado, que os réus não são solidariamente responsáveis pela conta elaborada, que o valor a ter em consideração para a elaboração da conta não é o valor da acção, mas o da sua sucumbência, correspondente ao montante do quinhão hereditário, e na proporção da responsabilidade de cada um dos réus, requerendo que a conta a elaborar seja efectuada de acordo com essa responsabilidade, e invocando, por fim, a dispensa de pagamento remanescente da taxa de justiça devida, nos termos do art. 6.º n.º 7 do RCP.
5. A 1.ª instância proferiu a sua decisão, nos seguintes termos:
“Ref.ª 2192390: os réus vieram reclamar da conta de custas elaborada, invocando que o valor devido a título de taxa de justiça se encontra duplicado, que os réus não são solidariamente responsáveis pela conta elaborada, que o valor a ter em consideração para a elaboração da conta não é o valor da ação, mas o da sua sucumbência, correspondente ao montante do quinhão hereditário, e na proporção da responsabilidade de cada um dos réus, requerendo que a conta a elaborar seja efetuada de acordo com essa responsabilidade, e invocando, por fim, a dispensa de pagamento remanescente da taxa de justiça devida, nos termos do artigo 6º/7 do Regulamento das Custas Processuais.
O senhor escrivão de direito emitiu o seu parecer, tendo o Ministério Público pugnado pelo indeferimento do requerido.
Cumpre apreciar e decidir.
Compulsados os autos verifica-se que, no despacho saneador proferido no dia 29/11/2021, o tribunal fixou à causa o valor de 2.525.452,96€ - decisão esta que não foi objeto de qualquer reclamação/recurso e que, neste momento, tendo transitado em julgado, se impõe processualmente ao autor e aos réus.
Daqui decorre que, tendo as partes que autoliquidar e pagar a taxa de justiça devida até ao montante de 275.000€, a liquidação do remanescente do valor da taxa de justiça devida deve ser efetuada pela secretaria do tribunal na conta a elaborar a final – cfr. artigo 6º/1, 2 e 7º, e Tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais.
Tendo o autor (Ministério Público) vencido a causa na sua totalidade, nos termos do artigo 14º/9 do Regulamento das Custas Processuais, fica o mesmo dispensado do pagamento do valor do remanescente da taxa de justiça devida, valor este que, ainda assim, deve ser imputado à parte vencida e considerado na conta a final.
Daqui resulta que o vencido terá que pagar o valor do remanescente da taxa de justiça que lhe era exigível e terá que pagar o valor que deveria ser imputado à parte contrária, mas que lhe é imputável a si em consequência do seu decaimento na totalidade – tudo isto sem que tal signifique o pagamento em duplicado de um valor devido, antes traduzindo o integral pagamento da taxa de justiça legalmente devida e ainda não paga.
O artigo 6º/7 do Regulamento das Custas Processuais prevê a possibilidade de o juiz dispensar o pagamento do remanescente do valor da taxa de justiça. No entanto, tal como resulta da jurisprudência fixada no acórdão uniformizador de jurisprudência (AUJ) n.º 1/2022 (DR, Iª Série, de 03/01/2022), “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.
Daqui decorre que, não tendo tal questão sido suscitada até à data do trânsito em julgado da decisão final, transitada em julgado a decisão final, ficou precludida a possibilidade de apreciação da dispensa do pagamento do remanescente do valor da taxa de justiça.
Em suma, por extemporânea, encontra-se precludida a possibilidade de apreciação da dispensa do remanescente do valor da taxa de justiça e, por obedecer aos critérios legais, deve a totalidade do valor do remanescente da taxa de justiça ser imputado à parte vencida na sua totalidade, ou seja, aos ora réus, sem que tal traduza uma duplicação do valor da taxa de justiça que lhes era exigível.
Questionam depois os réus se todos os réus são responsáveis solidariamente pelo valor em dívida ou se a sua responsabilidade é meramente conjunta, sendo a sua responsabilidade determinada em função do quinhão hereditário de cada um na ação.
A este respeito, importa ter em consideração o dispositivo da sentença, nos termos da qual: «o tribunal julga a ação totalmente procedente, e em consequência: a) declara a Fazenda Nacional a aceitante da herança aberta por óbito de FF, ocorrido a 13 de novembro de 1997, por sub-rogação do herdeiro repudiante AA; b) condena os réus a reconhecerem que AA deve à Fazenda Nacional o montante total de 2.525.452,96€; c) condena os réus a reconhecerem a Fazenda Nacional como aceitante da herança aberta por óbito de FF, por sub-rogação do herdeiro repudiante AA e o direito do Estado a receber aquela quantia pelo quinhão hereditário do 1.º Réu; e d) caso a herança seja, entretanto, partilhada, condena os réus a pagarem as quantias devidas à Fazenda Nacional, no montante total de 2.525.452,96€, acrescidos de juros de mora à taxa legal, até ao valor do quinhão hereditário do herdeiro repudiante AA.
Condena os réus nas custas do processo – com aplicação da Tabela I-A anexa ao Regulamento das Custas Processuais (cfr. artigos 527º/1 e 2 e 607º/6 do Código de processo Civil e 6º/1 do Regulamento das Custas Processuais)».
O artigo 527º do Código de Processo Civil, que estabelece a regra geral em matéria de custas, segundo o qual:
«1 - A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
3 - No caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende-se às custas».
O artigo 528º, consagrando regras especiais em matéria de litisconsórcio e de coligação, dispõe:
«1 - Tendo ficado vencidos, na totalidade, vários autores ou vários réus litisconsortes, estes respondem pelas custas em partes iguais.
2 - Nos casos de transação de algum dos litisconsortes, aqueles que transigirem beneficiam de uma redução de 50 % no valor das custas.
3 - Quando o vencimento de algum dos litisconsortes for somente parcial, a responsabilidade por custas toma tal circunstância em consideração, nos termos fixados no Regulamento das Custas Processuais.
4 - Quando haja coligação de autores ou réus, a responsabilidade por custas é determinada individualmente nos termos gerais fixados no n.º 2 do artigo anterior».
Nos termos do artigo 529º do Código de Processo Civil:
«1 - As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
2 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
3 - São encargos do processo todas as despesas resultantes da condução do mesmo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa.
4 – As custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais».
E nos termos do artigo 530º:
«1 - A taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais.
2 - No caso de reconvenção ou intervenção principal, só é devida taxa de justiça suplementar quando o reconvinte deduza um pedido distinto do autor.
3 - Não se considera distinto o pedido, designadamente, quando a parte pretenda conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter ou quando a parte pretenda obter a mera compensação de créditos. 4 - Havendo litisconsórcio, o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os litisconsortes.
5 - Nos casos de coligação, cada autor, reconvinte, exequente ou requerente é responsável pelo pagamento da respetiva taxa de justiça, sendo o valor desta o fixado nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
6 - Nas ações propostas por sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, 200 ou mais ações, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
7 - Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que: a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas».
Nos termos do artigo 512º do Código Civil:
«1. A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles.
2. A obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de os devedores estarem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias, ou de ser diferente o conteúdo das prestações de cada um deles; igual diversidade se pode verificar quanto à obrigação do devedor relativamente a cada um dos credores solidários».
De tudo isto resulta que tendo o Ministério Público demandado todos os réus para que a ação pudesse produzir o seu efeito útil normal (litisconsórcio necessário do lado passivo), a condenação proferida pelo tribunal não é uma condenação solidária, mas antes uma condenação conjunta, da qual resultam obrigações com autonomia para cada um dos réus, que se encontrarão vinculados ao cumprimento do determinado, em última análise, até ao valor do quinhão hereditário do réu AA - mas não respondendo pelo pagamento da prestação integral de que só o réu AA é responsável.
Na verdade, sendo certo que havendo uma condenação em obrigação solidária, a solidariedade se estende às custas (cfr. artigo 527º/3), estando em causa uma situação de litisconsórcio necessário passivo (e não uma situação de solidariedade obrigacional), nos termos do artigo 528º do Código de Processo Civil, tendo ficado vencidos, na totalidade, vários réus litisconsortes, estes respondem pelas custas em partes iguais – neste sentido, vide Salvador da Costa (in Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 2009, pgs. 43 a 49).
Na verdade, tal como é entendimento pacífico (cfr. AcRP de 10-12-2019 – rel.Des. Alexandra Pelayo):
«I - Nas obrigações plurais, o regime regra é a “conjunção” e não a “solidariedade”, que apenas existe do lado ativo e passivo, se for determinada por lei, ou estipulada pelos interessados (art. 513º do CC), pelo que tem natureza conjunta a obrigação dos co-réus, condenados no acórdão dado à execução, de restituição do sinal, em consequência da anulação do contrato promessa de compra e venda de quota social.
II - Nas obrigações conjuntas ou parcelares, cada um dos devedores apenas se encontra obrigado à sua parte na prestação total, já que estas obrigações caraterizam-se pela autonomia e independência do vínculo respeitante a cada um dos obrigados de tal modo que os factos relativos a cada um daqueles não produzem qualquer efeito quanto às obrigações dos restantes».
Em todo o caso, a responsabilidade de cada um dos réus litisconsortes, devendo ser liquidada em partes iguais, deve ser aferida em função do valor atribuído à causa e já coberto pelo efeito do caso julgado formal.
Pelo exposto, deferindo parcialmente o requerido, o tribunal determina que se reformule a liquidação das custas da responsabilidade dos réus, dividindo as mesmas em partes iguais por cada um dos réus, notificando cada um deles para proceder ao pagamento da conta de custas da sua responsabilidade – indeferindo o requerido relativamente ao demais.
Atenta a incorreta liquidação da responsabilidade dos executados, procede a reclamação para efeitos de não tributação do incidente”.
Avaliando.
Preceitua o artigo 296.º- atribuição do valor à causa e sua influência:
1- A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.
2 - Atende-se a este valor para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal.
3 - Para efeito de custas judiciais, o valor da causa é fixado segundo as regras previstas no presente diploma (artigos 297.º e sgs. ) e no Regulamento das Custas Processuais”.
Não se discute que o valor da causa – que representa a utilidade económica imediata do pedido – que pode influir na competência do tribunal, na forma de processo, na admissibilidade dos recursos e na obrigatoriedade de patrocínio judiciário, e o valor tributável – valor da causa para efeitos de custas (ns. 1 e 3 do artigo 296º do CPC) – correspondem a diferentes conceitos, visando distintas finalidades.
Contudo, o valor tributável de determinada acção pode coincidir, em concreto, com o valor da causa, porquanto, em regra geral, o valor da causa serve de critério para a fixação do valor tributável e, muitas vezes, como critério único.
No Regulamento das Custas Processuais, a Secção II, dedicada à “Fixação da Base Tributável”, é composta de dois artigos:
- contendo o artigo 11º a regra geral – “A base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela I, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respetivo” –;
- e prevendo o artigo 12º os casos especiais, manda, no seu nº1, atender ao “valor indicado na 1.1. da Tabela I-B”, nos processos aí indicados sob as alíneas a) a f), e, no seu nº2 fixa uma regra especial para os recursos.
De tais normas retiramos que, não se enquadrando a situação em apreço em qualquer um dos casos especiais que se encontram previstos no artigo 12º, em que a fixação do valor tributável se encontra sujeita a regras distintas - e os Apelantes não alegam a verificação de qualquer um deles -, a sua determinação será feita com recurso à regra geral, do artigo 11º: a base tributável da acção corresponderá ao valor da causa, fixado de acordo com as regras previstas na lei do processo respetivo.
Temos, então, que o valor da causa, para efeito de custas, é fixado segundo as regras previstas no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais.
Como se escreve no Acórdão esta Relação de Coimbra de 14.3.2022 (Relatora Maria João Areias), pesquisável em www.dgsi.pt :
“Sendo o artigo 11º do RCP aplicável à generalidade dos processos da área cível, o valor da causa para efeitos de competência do tribunal e do recurso é o que, ora, e quase exclusivamente instrumentaliza a determinação do valor da causa para efeitos de custas, ou seja, aquele valor é agora determinado com base nas leis gerais do processo.
E, como salienta Salvador da Costa[1], tal solução está conexionada com a circunstância de, no sistema civil atual, se impor sempre ao juiz a fixação do valor da causa para efeitos processuais ou, seja, para efeitos da alçada e de competência (artigo 306º, nº1, CPC).
Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal (artigo 299º, nº1, do CPC).
Fora essas duas exceções, é doutrina e jurisprudência unânime a irrelevância para o valor da ação, calculado nos termos do nº1, das vicissitudes posteriores que importem a redução do objeto do processo, seja por indeferimento liminar parcial, absolvição da instancia ou desistência quanto a algum dos pedidos formulados[2].
Ou, como afirma Jorge António Coelho Carreira[3], caso o autor reduza o pedido nos termos do disposto no artigo 265º, nº2, do CPC, a redução não afeta o valor da causa inicialmente dado, nem a taxa de justiça paga em função dele.
Recaindo na regra geral do artigo 11º e do nº1 do artigo 299º (não se tratando de qualquer situação excecional, como é o caso dos processos de liquidação a que se reporta o nº4 do artigo 299º, em que o valor dado à ação é um valor provisório) (…) , a fixação do valor tributável não é relegada para o momento final da elaboração da conta de custas, não havendo lugar a qualquer posterior avaliação do valor da causa para tal efeito, nomeadamente para base de cálculo do valor da taxa de justiça”.
Como é sabido, cabe ao tribunal de primeira instância fixar o valor da causa no despacho saneador - salvo nos processos a que se refere o n.º 4 do artigo 299.º e naqueles em que não haja lugar a despacho saneador, sendo então fixado na sentença -, segundo as regras previstas nos artigos 297.º e sgs., isto, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes.
Isto é, se a parte interessada não concordar com o valor indicado pela outra parte ou o fixado pelo juiz, deve suscitar o respetivo incidente.
Ou seja, as razões que fundamentam o presente recurso – invocadas nas alíneas Q) e sgs., ou seja, que as custas terão que ser determinadas, não em função do valor da acção propriamente dita, mas da concreta medida do valor por cujo pagamento, nos termos sentenciados, será da responsabilidade de cada um dos RR.” – teriam de ser alegadas no âmbito do incidente do valor da causa e não no âmbito do presente recurso.
Por isso, compulsados os autos, verificamos que no despacho saneador, proferido no dia 29.11.2021, o tribunal fixou à causa o valor de 2.525.452,96€, e, que no prazo legal, não foi impugnado tal despacho judicial, como permite o artigo 627.º, n.º 1, nem, ao menos, se reclamou de tal despacho por eventual erro de cálculo.
Assim, podendo ser tal despacho reclamável ou impugnável e não tendo os ora Apelantes accionado tais procedimentos legais perante o tribunal competente, “sibi imputet”. Transitado em julgado, impõe-se processualmente às partes e ao julgador - ainda que a decisão (implícita ou explícita) sobre o valor da causa tenha subjacente um erro de julgamento, resultante da circunstância de tal valor se encontrar em flagrante oposição com os critérios consagrados na lei para o determinar, tal decisão, na medida em que transite em julgado, tem força obrigatória dentro do processo, não se configurando qualquer nulidade.
Nestes termos, fixado o valor da causa - por decisão de 29-11-2021, transitada em julgado – cfr. ref. 28928967 -, e salvo o devido e merecido respeito, mostra-se desprovido de fundamento o alegado pelos Apelantes no que concerne à determinação de quaisquer outros valores como critério para determinação das custas.
Improcede, por isso, a Apelação.
As conclusões (sumário):
(…).
3.Decisão
Assim, na improcedência do recurso, mantemos a decisão proferida pelo Juízo Central Cível e Criminal da Guarda - Juiz ....
As custas ficam a cargo dos Apelantes.
Coimbra, 10 de Outubro de 2023
(José Avelino Gonçalves - Relator)
(Paulo Correia – 1.º adjunto)
(Arlindo Oliveira – 2.º adjunto)