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ACIDENTE DE VIAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONCORRÊNCIA DE CULPA
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário
I.Entende-se existir culpa, na percentagem de 80% do veículo seguro na ré e 20% do autor, num acidente de viação, em que o motociclo do autor circula atrás do veículo seguro na ré, numa recta com boa visibilidade, e inicia uma ultrapassagem após passar pelo sinal de fim de proibição de ultrapassar, ocupando a faixa contrária, vindo a ser embatido pelo veículo seguro, cujo condutor inicia uma manobra de mudança de direcção para a esquerda, num entroncamento ali existente mas não sinalizado por qualquer placa vertical, sem verificar que o podia fazer em segurança.
II.A atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, varia, essencialmente, em função da idade do lesado, do seu grau de incapacidade geral permanente, das suas potencialidades de aumento de ganho em profissão ou actividade económica alternativa, aferidas, em regra, pelas suas qualificações, factores a que acrescem outros casuisticamente relevantes.
III. Atendendo aos tratamentos a que foi sujeito o autor, as concretas lesões sofridas pelo autor no acidente, as dores físicas sofridas pelo autor, quantificáveis de grau 5, numa escala de 1 a 7 e que as que continuará a sofrer, o período que mediou entre o acidente, ocorrido a 20 de maio de 2017 e a consolidação das lesões, a saber, a 11 de fevereiro de 2018, o défice da integridade física e psíquica de 10 pontos de que ficou a padecer permanentemente, a idade do autor à data do acidente, que era de 48 anos, as circunstâncias do acidente do qual teve culpa de 20%, considera-se justo e adequado fixar-se em € 50.000,00 a indemnização pelos danos não patrimoniais.
Texto Integral
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório: AA, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra a L..., C..., S.A. – Sucursal em Portugal, pedindo a condenação desta a:
a)pagar uma indemnização correspondente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais pelo Autor sofridos em virtude do acidente de viação melhor descrito nos autos, de montante nunca inferior a €154.812,78 (cento e cinquenta e quatro mil, oitocentos e doze euros e setenta e oito cêntimos);
b)pagar ao Autor uma quantia, que acrescerá à peticionada em a), que atualmente é impossível de quantificar e que, por isso, se relega para posterior incidente de liquidação ou execução de sentença, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 378.º do Código de Processo Civil, a título de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros decorrentes:
(i) da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Psiquiatria, Cirurgia Plástica e Ortopedia para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas;
(ii) da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de efetuar vários exames médicos de diagnostico e de aferição da consolidação das lesões e sequelas supra melhor descritas;
(iii) da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de ajuda medicamentosa de forma regular, designadamente analgésicos, anti-depressivos e anti-inflamatórios para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas, e
(iv) da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de se submeter a vários internamentos hospitalares, de efetuar várias despesas hospitalares, de efetuar vários tratamentos médicos e clínicos, ajudas técnicas, de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas melhor descritas.
c)a pagar ao Autor os juros vincendos a incidir sobre as indemnizações supra peticionadas, calculados à taxa legal anual, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Alegou, o autor, em resumo que, no dia 20 de maio de 2017, sofreu um acidente de viação, na Estrada Nacional (E.N.) n.º ..., em ... (...), concelho ..., que consistiu num embate no motociclo de matrícula ..-SI-.., que conduzia, pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-HS, por culpa do condutor deste. Em consequência do acidente, o autor sofreu diversos danos corporais com repercussão patrimonial e não patrimonial.
Ao tempo, o proprietário do referido veículo de matrícula ..-..-HS havia transferido para a ré a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de viação por contrato de seguro válido e eficaz.
O Centro Distrital de ... do Instituto da Segurança Social, I.P., veio deduzir contra a réu o pedido de reembolso de prestações pagas ao autor, a título de subsídio de doença, em consequência do acidente, no montante de 9.811,05 € (Nove mil oitocentos e onze euros e cinco cêntimos).
A ré contestou por impugnação, imputando a responsabilidade do acidente ao autor.
Requereu ainda a intervenção acessória da proprietária e do condutor do veículo de matrícula ..-..-HS, a sociedade “M..., Construções, Lda.” e BB, respectivamente, tendo em vista exercer um futuro direito de regresso sobre os mesmos em virtude de, ao tempo do sinistro, o aludido veículo não ter a inspecção periódica obrigatória em dia.
Deferida a requerida intervenção, apenas o Chamado BB contestou, invocando a ineptidão da contestação quanto à sua responsabilidade e recusando a mesma, em virtude de, ao tempo dos factos, se encontrar no exercício da condução por força das suas funções de calceteiro, sob ordens e direcção da sua entidade patronal, desconhecendo que o veículo não tinha a inspecção válida.
Foi elaborado despacho saneador, onde foi julgada improcedente a arguida ineptidão, tendo sido determinado o prosseguimento da acção.
O Centro Distrital de ... do Instituto da Segurança Social, I.P., veio requerer a ampliação do pedido formulado, invocando ter pago, para além do valor já indicado, também os montantes de 489,92 € (quatrocentos e oitenta e nove euros e noventa e dois cêntimos) e 164,40 € (cento e sessenta e quatro euros e quarenta cêntimos), a título de prestações compensatórias do subsídio de Natal dos anos de 2017 e 2018.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento e proferiu-se sentença que julga parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, decidiu:
A) Condenara R. “L..., C..., S.A. – Sucursal em Portugal” a pagar ao A., AA, a título de danos patrimoniais, a quantia de 7.252,87 € (Sete mil duzentos e cinquenta e dois euros e oitenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% (ou outra que venha a ser fixada legalmente), contados desde a data de citação até efectivo e integral cumprimento; B) Condenar a R. “L..., C..., S.A. – Sucursal em Portugal” a pagar ao A., AA, a título de dano biológico, o montante de 34.000 € (Trinta e quatro mil euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% (ou outra que venha a ser fixada legalmente), contados desde a data de citação até efectivo e integral cumprimento; C) Condenara R. “L..., C..., S.A. – Sucursal em Portugal” a pagar ao A., AA, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 60.000,00 € (Sessenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% (ou outra que venha a ser fixada legalmente), contados desde a data da presente decisão; D) Absolvera R. “L..., C..., SA – Sucursal em Portugal” de todo o restante peticionado pelo A. AA; E) Condenar a R. “L..., C..., S.A. – Sucursal em Portugal” a pagar ao Centro Distrital de ... do Instituto da Segurança Social, I.P., o montante de 10.465,37 € (Dez mil quatrocentos e sessenta e cinco euros e trinta e sete cêntimos); F) Condenaro A. e a R., no pagamento das custas do processo, na proporção do respectivo decaimento;
Condenou a sentença a R. a suportar as custas referente ao pedido formulado pelo Centro Distrital de ... do Instituto da Segurança Social, I.P.
Inconformada veio a ré recorrer da sentença, formulando as seguintes conclusões:
1. Nos termos do disposto nos arts. 662.º e 640.º, ambos do C.P.C., o Tribunal da Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto, no caso vertente, uma vez que o apelante a impugnou, os depoimentos estão gravados e constam dos autos todos os elementos e documentos com base nos quais foi proferida;
2. Tendo em conta o depoimento do chamado BB e das testemunhas CC, DD e EE, o Tribunal “a quo” podia e devia ter julgado de modo diverso a matéria dos pontos 16, 18, 19, 22, 23 e 24 da matéria de facto provada e pontos B6, B7, B8, B9, B10, B11 e B12 da matéria de facto não provada;
3. Dificilmente se entende como foi possível que, arrepio da prova produzida, o Tribunal concluísse que o condutor do veículo seguro na R. não olhou pelos espelhos retrovisores da sua viatura, antes de virar à esquerda, e que o veículo do A. circulava à velocidade de 20km/h;
4. A resposta ao mencionado ponto 16. da matéria de facto deverá ser corrigida e alterada no sentido de passar a ter a seguinte redação: “O motociclo “SI” circulava na referida faixa de rodagem atrás do veículo “HS”, ambos pela metade direita da E.N., aquele a uma velocidade não superior a 80 km/h e este a uma velocidade não superior a 20 km/h [art.ºs 27.º da p.i. e 7.º e 8.º da cont. da R.]..”.
5. Do mesmo modo, e com base nos mesmos testemunhos, deverá ser alterada a resposta positiva aos pontos 18, 19, 22, 23 e 24 da matéria de facto dada como provada, que deverão ser dados como não provados.
6. Também fazendo apreciação crítica e conjugada das provas, deverá este Alto Tribunal alterar a resposta negativa aos pontos B6, B7, B8, B9, B10, B11 e B12 da Matéria de Facto Não provada, que deverão ser dados como provados.
7. Procedendo-se à alteração da matéria factual provada nos moldes que se deixam
preconizados, é nossa firma opinião que a ação terá de improceder in totum.
8. Temos por certo que o veículo seguro na recorrida, no momento do acidente, realizou uma manobra de viragem à esquerda, e que se aproximou com a devida e necessária antecedência do eixo da via, reduziu a velocidade a que circulava, e que o respetivo condutor prestou a devida atenção ao trânsito, olhando para trás, e sinalizando a sua manobra através do acionamento do pisca do lado esquerdo.
9. Aliás, quando ocorreu o embate, na frente esquerda do automóvel seguro na ré, este já estava parcialmente na via destinada ao sentido contrário.
10. O motociclo tripulado pelo autor circulava a uma velocidade excessiva, superior a 50km/h, só assim se explicando o facto de não ter logrado efetuar uma travagem em segurança, ou sequer um esboço de uma travagem, ou desviado do obstáculo.
11. E circulava, ademais, totalmente distraído, sem prestar a devida atenção ao trânsito e à condução, daí que tenha invadido a faixa esquerda de rodagem de forma manifestamente descuidada, imprudente e até precipitada, totalmente alheado do perigo e não cuidando que o veículo seguro na recorrente levava a cabo uma mudança de direção à esquerda, com a devida antecedência e sinalização.
12. Portanto, é correto concluir-se que a génese do acidente é imputável ao condutor do veículo conduzido pelo autor.
13. Por outro lado, no que tange ao comportamento do condutor do veículo seguro na recorrente, não pode dizer-se que tenha violado qualquer norma de condução estradal,
em termos de poder ser-lhe assacada qualquer culpa, ainda que concorrencial, na produção do acidente.
14. Em suma, o acidente ocorreu por facto imputável ao autor, imputação esta exclusiva, visto que nada permite atribuir ao condutor do veículo seguro na recorrente uma conduta culposa, ou sequer concorrencialmente culposa, e, nestas circunstâncias, a ação terá de improceder in totum, com a absolvição da recorrente.
15. Por maioria de razão, improcedendo a ação e absolvendo-se a recorrente dos pedidos formulados pelo autor, terão forçosamente de improceder, também, os pedidos formulados pelo interveniente acidenta Instituto da Segurança Social, I.P..
Sem prescindir,
16. Caso assim não se entenda e se julgue, e quando se decida manter inalterada a matéria de facto dada como provada/não provada, o que não se concede e apenas por cautela de patrocínio se equaciona, é pelo menos certo que existem culpas concorrentes, impondo-se graduar adequadamente essas culpas.
17. Se é certo que o artigo 27.º, n.º 1, do CE impõe aos condutores limites máximos de velocidade, também o é que eles são estabelecidos sem prejuízo do disposto nos artigos 24.º e 25.º do mesmo diploma legal, sendo que tais limites, como resulta da leitura dos citados preceitos legais, reconduzem-se aos princípios gerais de que o condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo ao estado da via e do veículo e a todas as demais circunstâncias relevantes, o possa parar no espaço livre e visível à sua frente, em
condições de segurança.
18. Por outro lado, o artigo 41.º, n.º 1, alínea c), impõe aos condutores uma proibição absoluta de ultrapassagem imediatamente antes dos cruzamentos e entroncamentos.
19. Decorre do disposto no art. 570.º, n.º 1, do Código Civil que quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
20. Ponderando as circunstâncias do caso concreto, comprovadas nos autos, relativas à dinâmica do acidente, constata-se um maior grau de culpa do autor para a ocorrência do evento de colisão.
21. O quadro fáctico apurado, relativo à etiologia do acidente e respetiva dinâmica, permite-nos concluir que, apesar de o condutor do veículo seguro na recorrente não ter olhado pelos retrovisores antes de levar a cabo a mudança de direção à esquerda, a verdade é que o fez lentamente reduzindo a velocidade para menos de 20 km/h.
22. Por outro lado, o autor circulava a uma velocidade clamorosamente excessiva, que não lhe permitiu, perante a predita manobra, abrandar, travar ou contornar o veículo seguro na recorrente, e que efetuou uma manobra de ultrapassagem em entroncamento, proibida pela lei, que o condutor do veículo seguro na recorrente não podia prever.
23. Atendendo ao disposto no artigo 570.º, n.º 1, do Código Civil e à gravidade da contribuição de cada um dos intervenientes para a produção do facto danoso, mostrar-se-á adequado, caso se decida no sentido da existência de responsabilidades concorrenciais, fixar a medida dessa contribuição em 20% para o condutor do veículo seguro na recorrente e em 80% para o autor.
24. Por maioria de razão, apurando-se a existência responsabilidade concorrencial do autor para a produção do sinistro, e consequentemente reduzindo-se as indemnizações arbitradas em função dessa contribuição, terão forçosamente de ser reduzidos, na mesma proporção, os montantes devidos ao interveniente acidental Instituto da Segurança Social, I.P..
Ainda sem prescindir,
25. É manifestamente excessiva a indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo (34.000,00 €) como ponto de partida para ressarcimento do dano consubstanciado no défice funcional permanente (IPG) que afeta o Autor.
26. In casu, haverá que ressarcir não uma perda de rendimentos – que não existe – mas sim a maior penosidade e esforço acrescido que a autora terá de desenvolver na sua vida diária e profissional para atingir os mesmos resultados.
27. A indemnização atinente à incapacidade ou défice parcial permanente que afeta a autora, enquanto dano biológico de cariz não patrimonial, mesmo não implicando qualquer perda efetiva de rendimentos, deverá corresponder a um capital produtor dos rendimentos abstratamente perdidos, que se extinga no final do período em que, previsivelmente, esses rendimentos seriam obtidos.
28. Será, se assim suceder, pertinente recorrer, como mero auxiliar de cálculo, às conhecidas “tabelas financeiras” comumente utilizadas no cômputo das indemnizações.
29. Nesse cálculo haverá que ponderar vários fatores, tais como a idade da vítima, a retribuição líquida auferida, a incapacidade provada e o período previsível duração da vida ativa.
30. Fazendo-se as contas através do uso das conhecidas “tabelas financeiras”, tendo em consideração a idade da autora à data do acidente (48 anos), o valor do seu rendimento líquido mensal (1100,00€), o défice funcional permanente (10 pontos) e o tempo previsível de vida ativa restante (cerca de 22 anos) atingimos um montante na casa dos 21.000,00 €.
31. A tal montante, assim fixado, sempre deverá ser deduzido o benefício obtido em virtude do recebimento antecipado, na proporção de ¼.
32. De modo que, o “dano biológico”, enquanto dano de natureza patrimonial, indexado à (teórica e ficcionada) perda de rendimentos salariais, merecerá ser ressarcido com indemnização que não excede os 14.000,00 €.
33. O montante de 60.000,00 €, que o Tribunal a quo entendeu atribuir como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrido, afigura-se manifestamente excessivo.
34. Com efeito, apesar de se reconhecer que os danos não patrimoniais sofridos pelo autor são relevantes e dignos de uma compensação pecuniária expressiva, entende a ora recorrente que o montante indemnizatório fixado a esse título é desajustado, quer face às concretas circunstâncias do caso, quer quando confrontado com o sentido das decisões
que vêm sendo proferidas pela nossa Jurisprudência em casos análogos.
35. Os nossos Tribunais Superiores, em casos substancialmente mais graves do que o presente, veem atribuindo montantes indemnizatórios por danos não patrimoniais muito inferiores àquele que aqui fixado pelo Tribunal a quo.
36. Na ausência de critérios matemáticos auxiliares, a indemnização dos danos não patrimoniais deverá ser calculada com base em critérios de equidade e atendendo a uma série de fatores tais como o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado, devendo ser proporcionado à gravidade do dano.
37. Considerando os factos provados nestes autos, com relevância para a fixação de uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela recorrida e o sentido da Jurisprudência conhecida, a indemnização a arbitrar a título de danos não patrimoniais não deverá situar-se em montante superior a 25.000,00 €, sob pena de não se coadunar à gravidade e extensão do danos morais sofridos.
38. Tal quantia traduz já de forma muito expressiva a gravidade das lesões da recorrida, sendo, ademais, certo que, os danos não patrimoniais se encontram já incluídos, em boa medida, no âmbito do dano biológico.
39. A douta sentença recorrida violou, entre outras normas, os artigos 465.º, 483.º, 495.º n.º 1, 562.º, 564.º, 566.º e 570.º do Código Civil e os artigos 24.º, 27.º e 41.º do Código da Estrada.
NESTES TERMOS,
Concedendo provimento ao presente recurso, revogando a douta sentença recorrida em conformidade com o exposto, ou seja:
a) declarando a ação improcedente e absolvendo a recorrente dos pedidos formulados pelo Autor e ISS.
b) Sem prescindir, quando assim não se entenda, o que não se concebe e apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, decidindo no sentido da existência de responsabilidades concorrenciais, fixar a medida dessa contribuição em 20% para o condutor do veículo seguro na recorrente e em 80% para o autor, reduzindo as indemnizações atribuídas ao Autor e ISS nessa proporção.
c) Ainda sem prescindir, e em qualquer caso, reduzindo as indemnizações fixadas ao Autor, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais nos moldes preconizados.
V. Exas. farão, como sempre, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!
Em sede de contra alegações apresentadas pelo autor e porque entende que a sentença da 1ª Instância fez integral justiça, pelo que merece ser confirmada “in totum”, pugna o mesmo pela improcedência do recurso interposto pela recorrente.
Colhidos os vistos cumpre apreciar.
*
II. Objeto do recurso:
O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Assim sendo, tendo em atenção as alegações/conclusões apresentadas pela recorrente importa aos autos aferir se, face à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, deverá alterar-se a redação do ponto 16. da matéria de facto provada, passando a constar “O motociclo “SI” circulava na referida faixa de rodagem atrás do veículo “HS”, ambos pela metade direita da E.N., aquele a uma velocidade não superior a 80 km/h e este a uma velocidade não superior a 20 km/h”; deverá ser alterada a resposta positiva aos pontos 18, 19, 22, 23 e 24 da matéria de facto dada como provada, que deverão ser dados como não provados; deverá alterar-se a resposta negativa aos pontos B6, B7, B8, B9, B10, B11 e B12 da matéria de facto não provada, que deverão ser dados como provados.
Alterada a matéria de facto nos termos atrás expostos importa aferir se deve atribuir-se, na totalidade, a culpa ao autor, devendo ser julgada improcedente a ação.
A assim não se entender, deve o Tribunal aferir da contribuição de cada um dos condutores na produção do acidente, nos termos do nº 1 do artº 570º do Código Civil e ainda aquilatar dos valores (excessivos) das indemnizações apuradas.
*
III. Fundamentação de facto: A - FACTOS PROVADOS:
Os factos tidos em consideração pelo Tribunal são apenas os que são relevantes para a boa decisão da causa, tendo em consideração as várias soluções plausíveis de direito. São, portanto, excluídas as alegações que contenham matéria de facto irrelevante, repetições, alegações conclusivas ou de direito. 1. No dia 20 de Maio de 2017, pelas 09:00 horas, na Estrada Nacional n.°...04, ao km 25.28724, em ... (...), concelho ..., distrito ..., ocorreu um acidente de viação, no qual intervieram os seguintes veículos:
i. motociclo, de serviço particular, com a matrícula ..-SI-.., de marca ..., modelo ..., denominada ... 950, propriedade de AA, aqui Autor, conduzido pelo próprio; e
ii.veículo ligeiro de mercadorias, de serviço particular, com o número de matrícula ..-..-HS, de marca ..., modelo ..., propriedade de “M... Construções, Lda” (artºs 1º, 2º, 3º e 4º da PI). 2. No dia e hora referidos, a viatura de matrícula ..-..-HS não tinha inspeção periódica obrigatória válida [art.ºs 5.º da p.i. e 45.º da cont. da R.]. 3. E era conduzida por um funcionário da sociedade “M... Construções, Lda.”, BB, por conta e no interesse daquela, que detinha a direção efetiva da viatura [art.º 4.º da p.i.]. 4. Entre aquela sociedade “M... Construções, Lda.”, na qualidade de proprietária do veículo ligeiro de mercadorias, de serviço particular, com o número de matrícula ..-..-HS e a Ré “L..., S.A.”, existia à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos (20/05/2017), um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, válido e eficaz, titulado pela apólice n° ...30, mediante o qual havia transferido para aquela Ré a respetiva responsabilidade civil automóvel emergente de acidente de viação/circulação rodoviária do mesmo automóvel [art.ºs 7.º e 8.º da p.i.]. 5. O Chamado BB era funcionário da Chamada “M... Construções, Lda.” [art.º 13.º da cont. do Chamado]. 6. O condutor BB, no dia, hora e local da ocorrência do acidente descrito nos presentes autos, conduzia o supra referido veículo de matrícula ..-..-HS, naquela ocasião, por conta, às ordens, sob a orientação e instruções que a sua entidade patronal lhe havia transmitido, sob fiscalização, com o conhecimento, autorização e ao serviço da “M... Construções, Lda.”, encontrando-se dentro do seu horário de trabalho e seguindo por um itinerário que aquela lhe havia previamente determinado [art.º 13.º da p.i.]. 7. No dia 20 de Maio de 2017, pelas 09:00 horas, o Autor conduzia/tripulava o motociclo de matrícula ..-SI-.., na Estrada Nacional n° ...04, ao km 25,287, freguesia ..., ..., concelho ..., no sentido de marcha .../..., isto atento o seu sentido de marcha, usando para o efeito o competente capacete [art.º 16.º da p.i.]. 8.Ao km 25.287, o motociclo SI seguia naquela via atrás da viatura HS, ambos no sentido .../... (artº 19º da PI). 9. No local do sinistro, a EN ...04 carateriza-se por ser uma reta, sem separadores, sendo que a circulação se faz nos dois sentidos, em duas faixas de rodagem (uma em cada sentido), divididas por marca rodoviária vulgarmente designada por linha longitudinal descontínua [art.º 20.º da p.i.]. 10. Algumas dezenas de metros antes do que viria a ser o local do sinistro existe uma passagem de nível, que obriga à diminuição da velocidade das viaturas que por ali circulam [art.º 21.º da p.i.]. 11. O piso era em asfalto, sendo que o pavimento se encontrava em bom estado de conservação [art.º 22.º da p.i.]. 12. O piso apresentava-se seco, não tendo ocorrido precipitação no dia do acidente [art.º 23.º da p.i.]. 13. Os condutores dispunham de visibilidade numa extensão da via superior a 50 metros para cada lado [art.º 23.º da p.i.]. 14. Algumas dezenas de metros antes do que viria a ser o local do sinistro existe um sinal vertical indicativo de fim da proibição de ultrapassar (C20C) [doc. n.º ..., junto com a p.i.]. 15. A via de trânsito onde ocorreu o sinistro, tinha uma faixa de rodagem, que em toda a sua largura media cerca de 6,90 metros, dispondo assim cada hemi faixa de rodagem de uma largura de cerca de 3,45 metros [art.º 26.º da p.i.]. 16. O motociclo “SI” circulava na referida faixa de rodagem atrás do veículo “HS”, ambos pela metade direita da E.N., a uma velocidade não superior a 20 km/h [art.ºs 27.º da p.i. e 7.º e 8.º da cont. da R.]. 17. O condutor do motociclo “SI”, aqui Autor, iniciou a manobra de ultrapassagem do veículo "HS" [art.º 34.º da p.i.]. 18. Para o efeito, ocupou a faixa de rodagem que se encontrava desocupada à sua esquerda [art.º 35.º da p.i.]. 19. Aumentando a velocidade para, pelo menos, 50 km/hora [art.º 36.º da p.i.]. 20.Entretanto, o condutor do veículo HS, circulando na referida E.N. ...04, pretendia virar à esquerda, para passar a circular na Travessa ... (artº 10º da cont. da R.). 21. Tal arruamento ficava, como fica, situado à esquerda da EN ...04, atento o sentido de marcha do veículo HS (...) [art.º 11.º da cont. da R.]. 22. Quando o Autor se encontrava na faixa de rodagem do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha, lado a lado com o veículo “HS”, eis que este iniciou a manobra de viragem à esquerda [art.º 37.º da p.i.]. 23. O condutor do veículo "HS" efetuou aquela manobra sem fazer qualquer tipo de sinalização e sem se assegurar que da mesma não resultaria perigo ou embaraço para o demais trânsito [art.ºs 39.º e 44.º da p.i.]. 24. Dessa forma cortou e obstruiu a passagem e o sentido de marcha ao motociclo "SI" [art.º 48.º da p.i.]. 25. O embate ocorreu na interceção entre a EN ...04 e a Travessa ... (sentido .../...) [art.ºs 51.º da p.i. e 25.º da cont. da R.]. 26. O motociclo “SI” embateu com a sua parte frontal e lateral direita na parte frontal lateral esquerda do veículo “HS”, arrancando o respetivo para choques [art.º 52.º da p.i.]. 27. Depois do embate, o Autor perdeu o controlo do motociclo "SI", embateu de imediato na porta lateral esquerda do veículo “HS”, foi projetado pelo ar e caiu no chão [art.º 54.º da p.i.]. 28. O veículo “HS” ficou com o seu para-choques frontal danificado [art.º 61.º da p.i.]. 29. O motociclo "SI", por sua vez, ficou com a parte lateral direita totalmente destruída [art.º 62.º da p.i.]. 30. Nos instantes que sucederam ao sinistro, o Autor teve necessidade de ser transportado pelos serviços da VMER, de ambulância, para o Serviço de Urgência do Hospital ..., E. P. E., sito no Campo ..., ... ..., onde foi internado e assistido, naquele dia 20/05/2017, pelas 09:58:09 horas [art.º 78.º da p.i.]. 31. Ali chegado imobilizado com colar cervical e pano duro, o Autor apresentava:
(a) dor a nível do membro inferior direito (joelho);
(b) feridas a nível do membro inferior direito (joelho);
(c) esfacelos da camada superficial do joelho direito [art.ºs 79.º a 82.º da p.i.]. 32. Muito embora tenha tido alta no próprio dia, posteriormente, no dia 30/05/2017, o Autor foi novamente internado no Centro Hospitalar do ..., E. P. E., sito em ..., por esfacelo infetado da perna direita, até ao dia 7/06/2017 [art.º 86.º da p.i.]. 33. Durante este novo internamento, o Autor foi submetido a desbridamento cirúrgico de tecidos necróticos e fibrina e fez ajuste de AYB intravenosas segundo antibiograma [art.º 87.º da p.i.]. 34. Apresentava ainda ferida traumática na região do joelho direito, com 90% de tecido de granulação e 10% de tecido desvitalizado nos bordos da ferida [art.º 88.º da p.i.]. 35. Na face anterior da perna, apresentava duas pequenas escoriações com presença de tecido de epetilização, tendo sido realizado penso com placa de hidrocoloide [art.º 89.º da p.i.]. 36. No dia 14/07/2017, o Autor apresentava ainda área cruenta de cerca de 6x3 cm de área, pelo que ainda mantinha cuidados de penso [art.º 90.º da p.i.]. 37. Mantinha tumefação da anca direita e dismorfia do braço direito [art.º 91.º da p.i.]. 38. Em 11/09/2017, o Autor apresentava ainda traumatismo na área direita, com bursite traumática trocantérica e défice muscular [art.º 93.º da p.i.]. 39. Sofria ainda de sequelas traumáticas no cotovelo direito [art.º 94.º da p.i.]. 40. Foram-lhe receitadas 15 sessões de fisioterapia [art.º 95.º da p.i.]. 41. No dia 26/09/2017, o Autor apresentava necessidade de prosseguir com reabilitação funcional do traumatismo do joelho direito, que apresentava ainda sequelas de ferida lacerante e contusa, atrofia muscular e dor residual [art.º 96.º da p.i.]. 42. Tendo-lhe sido ministradas mais 15 sessões de fisioterapia [art.º 97.º da p.i.]. 43. No dia 10/10/2017, o Autor realizou ressonância magnética ao joelho direito, através da qual foi possível constatar:
(i) alterações morfológicas e de sinal do ligamento cruzado posterior compatíveis com antecedentes de rotura parcial deste ligamento.
(ii) condropatia patelar difusa predominantemente com áreas focais de grau II;
(iii) pequeno quisto sinovial ou gangliónico póstero-externamente em relação à região metafisária inferior do fémur;
(iv) higroma/bursite da bursa pré-patelar [art.ºs 98.º a 102.º da p.i.]. 44. Em 24/10/2017, foram receitadas ao Autor mais 15 sessões de fisioterapia para tratamento de sequelas de entorse traumática do joelho direito, com lesão do ligamento cruzado posterior e condropatia patelar [art.º 103.º da p.i.]. 45. Em 5/12/2017 foram receitadas ao Autor mais 15 sessões de fisioterapia para tratamento de reabilitação funcional de sequelas traumáticas do joelho direito [art.º 104.º da p.i.]. 46. Durante alguns dias, o Autor necessitou de usar canadianas [art.º 108.º da p.i.]. 47. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo Autor é fixável em 11.02.2018 [art.º 112.º da p.i.]. 48. O Autor, em consequência das lesões traumáticas resultantes do acidente de viação descrito nos presentes autos, sofreu dores durante todo o tempo que mediou entre o acidente, o seu internamento hospitalar, os vários tratamentos médicos, os vários tratamentos clínicos, a recuperação funcional a que foi submetido, todos eles dolorosos, o seu período de convalescença, a sua alta hospitalar e médica, e ainda sente dores na zona anatómica afetada [art.ºs 113.º e 188.º da p.i.]. 49. Em resultado das lesões sofridas, o período de recuperação, o tipo de traumatismo e os tratamentos, o quantum doloris conferido ao Autor é valorável no grau 5 de 7 [art.º 189.º da p.i.]. 50. Em virtude do acidente, o Autor ficou afetado por um défice permanente parcial de 10 pontos, atentas as sequelas permanentes de que ficou a padecer [art.º 124.º da p.i.]. 51. As sequelas sofridas pelo Autor são compatíveis com o exercício da profissão habitual deste, de diretor financeiro, mas implicam esforços suplementares (artº 121º da PI). 52. O Autor, à data do acidente de viação descrito nos presentes autos, tinha 48 anos [art.º 128.º da p.i.]. 53. O Autor, à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos autos exercia, por conta de outrem, as funções remuneradas de “diretor financeiro”, na firma denominada “Óptica Médica ..., Lda”, NIPC ..., com sede na Av. ..., ... ... [art.º 129.º da p.i.]. 54. O Autor, à data da ocorrência do acidente de viação dos autos, pelo exercício da sua categoria profissional de “diretor financeiro” auferia um salário mensal líquido na ordem dos €1.147,93, discriminado da seguinte forma:
(i) €1.435,24, a título de vencimento base mensal;
(ii) €51,20 a título de subsídio de alimentação;
(iii) €141,60, a título de diuturnidades [art.ºs 130.º a 133.º da p.i.]. 55. O Autor auferia uma retribuição anual na ordem dos €16.071,02 [art.º 134.º da p.i.]. 56. Ainda como consequência direta e necessária do supra descrito embate, ficou o Autor com as seguintes peças de vestuário e de uso pessoal irremediavelmente danificadas e inutilizadas:
(i) Capacete, no valor de €486,99; e
(ii) Casaco, no valor de €268,25 [art.ºs 158.º a 160.º da p.i.]. 57. No dia 26/04/2017, o Autor efetuou o pagamento do prémio de seguro anual, no valor de €489,84, o qual teria validade até ao dia 1/05/2018 [art.º 165.º da p.i.]. 58. Em virtude do acidente dos presentes autos, ocorrido a 20/05/2017, e as consequências que do mesmo resultaram para o motociclo objeto daquele contrato de seguro – perda total – ficou o Autor impedido de usufruir daquele contrato de seguro pela totalidade do período [art.º 166.º da p.i.]. 59. Do acidente resultou para o Autor a perda total do motociclo IS, que havia sido adquirida 22 dias antes do sinistro [art.º 171.º da p.i.]. 60. Para aquisição do motociclo IS, o Autor despendeu a quantia total de € 14.249,79 (artº 172º da PI). 61. A “Companhia de Seguros A..., S.A.” já liquidou ao Autor a quantia de €11.520,00, a título de danos materiais por perda total e referente à venda do salvado [art.º 177.º da p.i.]. 62. Em virtude do sinistro, o Autor ficou impedido de exercer as suas funções laborais [art.º 179.º da p.i.]. 63. Como tal, desde o mês de Junho de 2017 que o Autor não aufere qualquer quantia a título de retribuição [art.º 180.º da p.i.]. 64. Entre 20.05.2017 e 12.04.2018, o Instituto da Segurança Social, I.P., pagou ao Autor 9.811,05 € (nove mil oitocentos e onze euros e cinco cêntimos), a título de subsídio de doença, 489,92 € (quatrocentos e oitenta e nove euros e noventa e dois cêntimos) e 164,40 € (cento e sessenta e quatro euros e quarenta cêntimos), a título de prestações compensatórias do subsídio de Natal dos anos de 2017 e 2018, respectivamente [art.ºs 183.º da p.i., 4.º do pedido de reembolso do CDBSS e 3.º do req.º ampliação do pedido de reembolso do CDBSS]. 65. Em virtude das sequelas de que ficou a padecer, atualmente, o Autor continua e continuará no futuro a sofrer de dores físicas, incómodos e mal estar durante o resto da sua vida, designadamente a nível motor e membro inferior direito [art.º 191.º da p.i.]. 66. As quais se exacerbam e agravam com as mudanças de temperatura, com a exposição ao frio e com os esforços, que, até a data do acidente dos presentes autos, o Autor não sentia [art.º 192.º da p.i.]. 67. O Autor tem renitência em participar em atividades sociais por vergonha da cicatriz e das alterações de coloração da região afetada [art.º 197.º da p.i.]. 68. O Autor tem dificuldades em exercer parte das suas funções profissionais de diretor financeiro, designadamente pela necessidade constante de deslocação [art.º 198.º da p.i.]. 69. Por força do acidente, o Autor ficou com cicatriz não linear de 7 x 13 cm de comprimento, na face lateral do joelho e terço superior da perna [art.º 199.º da p.i.]. 70. O que provoca um dano estético fixável no grau 4, numa escala de sete graus, de gravidade crescente (artº 200º da PI). 71. O Autor era uma pessoa bem disposta, sendo grande a sua alegria de viver [art.º 205.º da p.i.]. 72. O Autor exerce, e exercia ao tempo do acidente, o cargo de Presidente da Associação Comercial Industrial ... (...) [art.º 206.º da p.i.]. 73. Exercia também a atividade profissional de diretor financeiro, em ..., gostando muito do que fazia [art.º 208.º da p.i.]. 74. O Autor é ainda sócio das sociedades “R..., Lda.” e “O..., Lda.”, às quais dava apoio [art.º 209.º da p.i.]. 75. O Autor é Vice-Presidente da Associação ... Concelho com Futuro [art.º 210.º da p.i.]. 76. O Autor é Vice-Presidente do Conselho Empresarial da Região do ... – ... [art.º 211.º da p.i.]. 77. O Autor é também Diretor da Associação Portuguesa de Parafarmácias [art.º 212.º da p.i.]. 78. O Autor não consegue permanecer sentado durante muito tempo sem que tenha dores [art.º 218.º da p.i.]. 79. Por isso mesmo, não consegue o Autor, desde a data do acidente, usufruir de algumas atividades de lazer – como visionamento de televisão, ou uma caminhada, de que tanto gostava [art.º 219.º da p.i.]. 80. Desde o sinistro que o Autor está absolutamente impedido de fazer qualquer tipo de exercício [art.º 221.º da p.i.]. 81. Sendo certo que antes do acidente o Autor semanalmente andava de bicicleta e corria [art.º 222.º da p.i.]. 82. Era também hábito do Autor andar de mota, uma paixão com mais de 20 anos [art.º 223.º da p.i.]. 83. Atualmente, está o Autor impedido de fazer qualquer tipo de exercício, bem como de andar de mota [art.º 224.º da p.i.]. 84. Por força da sua mobilidade reduzida, o Autor passou a ficar em casa [art.º 231.º da p.i.]. 85. Antes do sinistro, o Autor pelo menos uma vez por mês participava em convívios com amigos motards, o que lhe dava profundo prazer (artº 238º da PI). 86. O Autor tornou-se uma pessoa mais triste, cansado de ter dores e de se sentir fisicamente diminuído [art.ºs 240.º e 241.º da p.i.].
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B - FACTOS NÃO PROVADOS:
B.1. A velocidade máxima permitida no local é de 90 km/h [art.º 25.º da p.i.]. B.2. O A. sinalizou a intenção de iniciar manobra de ultrapassagem do veículo "HS" [art.º 34.º da p.i.]. B.3. A manobra aludida em 22 foi efectuada de modo completamente inesperado, inadvertido e repentino [art.º 37.º da p.i.]. B.4. O condutor do veículo "HS" efetuou aquela manobra sem abrandar a velocidade a que circulava [art.º 39.º da p.i.]. B.5. A intenção do condutor do “HS” era a de inverter o sentido de marcha [art.º 46.º da p.i.]. B.6. Assim, ao aproximar-se desse entroncamento, situado à esquerda atento o seu sentido de marcha, sensivelmente ao Km 25 [art.º 12.º da cont. da R.]. B.7. O condutor sinalizou a sua manobra de mudança de direcção à esquerda através do accionamento do sinal luminoso de pisca à esquerda [art.º 13.º da cont. da R.] B.8. Abrandou ainda mais a sua velocidade de marcha [art.º 14.º da cont. da R.]. B.9. Encostou-se ao eixo da via [art.º 15.º da cont. da R.]. B.10. Depois de se certificar que podia executar a manobra em total segurança, isto é, olhou para a sua frente e para trás de si, através do espelho retrovisor [art.ºs 16.º e 17.º da cont. da R.]. B.11. O HS foi embatido pelo SI, que, em manobra de ultrapassagem, em pleno cruzamento, e em claro excesso de velocidade, superior a 90 Km/h [art.º 15.º da cont. da R.]. B.12. Já tinha passado a circular pela metade esquerda da referida EN ...04., tendo, para o efeito, ignorado por completo a sinalização de pisca à esquerda efectuada pelo condutor do veículo HS [art.ºs 22.º e 23.º da cont. da R.]. B.13. Apercebendo-se daquela conduta, o Autor ainda tentou evitar o embate, guinando a direção para a esquerda (artº 49º da PI). B.14. O embate ocorreu cerca de cinco metros depois da interceção entre a EN ...04 e a Travessa ... [art.º 51.º da p.i.]. B.15. Ato contínuo, uma vez que o motociclo se encontrava a tentar evitar o choque, depois do embate com a parte frontal, a parte traseira do motociclo e as respetivas malas levantaram e foram embater na parte lateral esquerda, designadamente na porta esquerda do veículo “HS” [art.º 53.º da p.i.]. B.16. Após o embate o Autor perdeu temporariamente os sentidos art.º 55.º da p.i.]. B.17. Ali chegado, o Autor apresentava diagnóstico de politraumatizado [art.º 53.º da p.i.]. B.18. Ao chegar ao Serviço de Urgência do Hospital ..., o Autor apresentava:
(a) dor a nível da anca direita;
(b) extensa equimose da anca direita e no membro superior direito;
(c) contusões nas partes moles do membro superior direito e anca direita [art.ºs 83.º a 85.º da p.i.]. B.19. De dia 20/05/2017 até 30/05/2017, o Autor movimentou-se através de cadeira de rodas [art.º 105.º da p.i.]. B.20. Ao Autor foi imposta a imobilização do membro inferior direito até final de Junho de 2017 [art.º 106.º da p.i.]. B.21. Desde o dia .../.../2017 até início do mês de Agosto, o Autor necessitou de usar canadianas [art.º 108.º da p.i.]. B.22. Movimentando-se com o auxílio de bengala até final do mês de Agosto [art.º 109.º da p.i.]. B.23. O Autor, teve alta hospitalar para o seu domicílio no dia 7/06/2017, mantendo tratamento em regime de ambulatório na F..., Centro de Enfermagem e Médico, Lda, sito no Edifício ..., Rua ..., ... ..., encontrando-se submetido a tratamento de Medicina Física e de Reabilitação até à presente data [art.º 110.º da p.i.]. B.24. O Autor é ainda hoje acompanhado, em consulta ambulatória, na C... – Gestão Hospitalar, SA, sita no Estádio ..., ... ... (artº 111º da PI). B.25. O Autor necessita atualmente e necessitará no futuro, de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Psiquiatria, Cirurgia Plástica e Ortopedia para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas [art.º 116.º da p.i.]. B.26. O Autor necessita atualmente e necessitará no futuro, de efetuar vários exames médicos de diagnóstico e de aferição da consolidação das lesões e sequelas supra melhor descritas [art.º 117.º da p.i.]. B.27. O Autor necessita atualmente e necessitará no futuro, de ajuda medicamentosa de forma regular, designadamente analgésicos, anti-depressivos e anti-inflamatórios para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas [art.º 118.º da p.i.]. B.28. O Autor terá necessidade no futuro de se submeter a vários internamentos hospitalares, de efetuar várias despesas hospitalares, de efetuar a vários tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas, de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas melhor descritas [art.º 119.º da p.i.]. B.29. As lesões e sequelas sofridas poderão reduzir sucessivamente o período de vida ativa do Autor [art.º 123.º da p.i.]. B.30. Cada deslocação do Autor às instalações da C... - Gestão Hospitalar, S. A., sitas no Estádio ..., ... ... implicou a realização de 80 km, o pagamento de parque de estacionamento e o pagamento da respetiva taxa de portagem [art.º 148.º da p.i.]. B.31. Por cada deslocação, o Autor despendeu as quantias de:
(i) €28,80 em combustível;
(ii) €2,70 em parque de estacionamento; e
(iii) €3,10 em taxas de portagem [art.ºs 149.º a 152.º da p.i.]. B.32. Tendo efetuado 60 deslocações, despendeu o valor total, a tal título, de €2.035,50 [art.º 153.º da p.i.]. B.33. No Hospital ..., o Autor despendeu a quantia de € 361,19 (artº 155º da PI). B.34. no Centro de Saúde, o Autor despendeu a quantia de €27,00 [art.º 156.º da p.i.]. B.35. Em farmácia, o Autor despendeu a quantia de €109,26 [art.º 157.º da p.i.]. B.36. O Autor ficou com as seguintes peças de vestuário e de uso pessoal irremediavelmente danificadas e inutilizadas:
(i) Luvas, no valor de €60,97;
(ii) Calças, no valor de €162,60;
(iii) Sapatilhas, no valor de €105,65; e
(iv) Relógio de marca ..., no valor de €3.571,42 [art.ºs 161.º a 164.º da p.i.]. B.37. Na altura do acidente, o Autor sofreu angústia de poder a vir a falecer [art.º 190.º da p.i.]. B.38. Em consequência das lesões e sequelas supra referidas, o Autor, padece atualmente de alterações de humor, de sono e alterações afetivas [art.º 194.º da p.i.]. B.39. O Autor, por vezes, não consegue dormir por força das dores que sente [art.º 195.º da p.i.]. B.40. O Autor não consegue permanecer sentado durante mais de 30 minutos sem que tenha dores, não tendo posição que lhe permita encontrar conforto, ou sequer, sossego [art.º 218.º da p.i.]. B.41. Durante o seu internamento, o Autor iniciou medicação para dormir, necessidade que perdura até à presente data [art.º 226.º da p.i.]. B.42. O Autor nunca tinha tido necessitado de tal medicação [art.º 227.º da p.i.]. B.43. Em Setembro de 2017, o Autor teve necessidade de iniciar, por indicação médica, a medicação com antidepressivo, tratamento que ainda faz [art.º 228.º da p.i.]. B.44. pós o sinistro, o Autor emagreceu mais de 10 kg [art.º 230.º da p.i.]. B.45. O que o levou a entrar num estado depressivo, contra o qual ainda hoje se depara [art.º 232.º da p.i.]. B.46. O facto de o Autor ter ficado obrigado a permanecer em casa levou mesmo à cessação do seu contrato de trabalho com a sociedade Óptica Médica ..., Lda, já que a sua entidade patronal tinha necessidade de dispor de um diretor financeiro presente (artº 233º da PI). B.47. Exigência que o Autor, por força das lesões decorrentes do acidente de que foi vítima, ficou impedido de satisfazer [art.º 234.º da p.i.]. B.48. O Autor deixou também de dar apoio a empresas de que é sócio, designadamente das sociedades R..., Lda e O..., Lda. [art.º 236.º da p.i.].
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IV.Da impugnação da matéria de facto:
Como resulta das conclusões apresentadas impugna a recorrente a decisão da matéria de facto, pretendendo que se altere a redação dada ao ponto 16 dos factos provados, que se deem como não provados os factos dados como provados nos pontos 18, 19, 22, 23 e 24 e como provados os pontos B6, B7, B8, B9, B10, B11 e B12 da matéria de facto não provada.
Antes de mais importa aferir, em termos gerais, os contornos em que deve ser a (re)apreciada em 2ª instância.
Estabelece o nº 1 do artº 662º, do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto” que, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Daqui decorre que, os recursos da decisão da matéria de facto podem visar objetivos distintos, a saber:
a)a alteração da decisão da matéria de facto, considerando provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, e vice-versa, com base na reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa (no caso de ter sido apresentado documento autêntico, com força probatória plena, para prova de determinado facto ou confissão relevante) ou em resultado da apreciação de documento novo superveniente (nº 1 do artº 662º do Código de Processo Civil);
b)a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova, matéria de facto alegada pelas partes e que se mostre essencial para a boa resolução do litígio (art. al. c) do nº 2 do artº 662º, do Código de Processo Civil);
c)a apreciação de patologias que a decisão da matéria de facto enferma, que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios (também nos termos da al. c) do nº 2 do artº 662º, do Código de Processo Civil).
Ora, no caso sub judice, invoca a recorrente, o erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, pretendendo a alteração da decisão da matéria de facto.
Conforme refere o D. Acordão desta Relação de Guimarães, de 7 de abril de 2016, in www.dgsi.pt, “Incumbe à Relação, enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.
Ora, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova, não pode em tal operação esquecer a Relação os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
Como refere o Dr Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed ,pág. 245, “(…) ao nível da reapreciação dos meios de prova produzidos em 1ª instância e formação da sua própria e autónoma convicção, a alteração da decisão de facto deve ser efectuada com segurança e rodeada da imprescindível prudência e cautela, centrando-se nas desconformidades encontradas entre a prova produzida em audiência, após a efectiva audição dos respectivos depoimentos, e os fundamentos indicados pelo julgador da 1ª instância e nos quais baseou as suas respostas, e que habilitem a Relação, em conjunto com outros elementos probatórios disponíveis, a concluir em sentido diverso, quanto aos concretos pontos de facto impugnados especificadamente pelo recorrente; Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida - que há de ser reanalisada pela Relação mediante a audição dos respetivos registos fonográficos -, deverá prevalecer a decisão proferida em 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso, nessa parte.”
Ou seja, a reapreciação da prova pela 2ª instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto.
De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil.
Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Em suma, a este tribunal da Relação caberá apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de primeira instância, face aos elementos de prova considerados, sem prejuízo de, como supra referido, com base neles, formar a sua própria convicção.
Aqui chegados importa aos autos aferir se a recorrente que veio impugnar a decisão da matéria de facto, cumpriu os requisitos de ordem formal que permitem a este Tribunal apreciar aquela impugnação, a saber, seespecifica, como a lei impõe, os concretos pontos da matéria de facto que pretende ver apreciada e os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa para cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, indicando com exatidão as concretas passagens da gravação dos depoimentos em que se funda o recurso.
A este propósito, estabelece o artº 640º do Código de Processo Civil que:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
Da leitura do preceito atrás citado resulta que, sem embargo da arguição de nulidades da sentença que visem a matéria de facto, o recurso pode versar a impugnação da decisão da matéria de facto provada ou não provada, devendo o recorrente concretizar quer os segmentos que entende erradamente julgados, quer os meios de prova que determinam uma decisão diversa.
Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de outubro de 2015, in www.dgsi.pt“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Também o Acórdão de 19 de fevereiro de 2015, daquele mesmo Tribunal, in www.dgsi.pt, refere que “(...), a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. (…) Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no nº 1 do artigo 662º do CPC. (…) É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640º, nº 1, proémio, e nº 2, alínea a), do CPC”. (…) Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1 do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada”.
Como refere o recente Acordão desta Relação de Guimarães, de 30 de março de 2023, relatado pela Srª Desembargadora Fernanda Proença Fernandes, in www.dgsi.pt e que aqui de perto seguimos, “Com este novo regime, em contraposição com o anterior, pretendeu-se que fosse rejeitada a admissibilidade de recursos em que as partes se insurgem em abstracto contra a decisão da matéria de facto. Nessa medida, o recorrente tem que especificar os exactos pontos que foram, no seu entender, erradamente decididos e indicar, também com precisão, o que entende que se dê como provado. A imposição de tais indicações precisas ao recorrente, visou impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., p.153)”.
A fim de evitar impugnações abstratas e genéricas da matéria de facto, incumbe ainda ao recorrente especificar os concretos meios de prova que entende serem determinantes para a impugnação de cada um dos factos que reputa erradamente decididos (neste sentido Dr Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª Edição, pág. 155),
Ou seja, ao recorrente que impugna a decisão da matéria de facto incumbe, quanto a cada um dos factos que entende ter sido erradamente decidido e pretende ver decidido de forma distinta, indicar, com detalhe, como se refere no último dos Acordãos citado, “(…) os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, discriminadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada, evitando-se assim que sejam apresentados recursos inconsequentes, e sem fundamentação que possa ser apreciada e analisada. Ou seja, não são admissíveis impugnações em bloco que avolumem num ou em vários conjuntos de factos diversos a referência à pertinente prova que motiva a pretendida alteração das decisões e que, na prática, se reconduzem a uma impugnação genérica, ainda que parcelar”.
Neste sentido decidiram os Acordãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de dezembro de 2017 e 5 de setembro de 2018, in www.dgsi.pt., quando, respetivamente, nos pontos II e III - IV dos respetivos sumários referem que “II. Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.” (o primeiro) e “III - Limitando-se o impugnante a discorrer sobre os meios de prova carreados aos autos, sem a indicação/separação dos concretos meios de prova que, relativamente a cada um desses factos, impunham uma resposta diferente da proferida pelo tribunal recorrido, numa análise crítica dessa prova, não dá cumprimento ao ónus referido na al. b) do n.º 1 do art. 640.º do CPC”. e “IV - Ou seja, o apelante deve fazer corresponder a cada uma das pretendidas alterações da matéria de facto o(s) segmento(s) dos depoimentos testemunhais e a parte concreta dos documentos que fundou as mesmas, sob pena de se tornar inviável o estabelecimento de uma concreta correlação entre estes e aquelas.” (o segundo).
Acresce que incumbe, a quem pretende impugnar a decisão da matéria de facto, pondo em causa a convicção do Tribunal, sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência, em sede de motivação e conclusões, fazer uma análise crítica da prova, apresentando razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados (neste sentido Acordão da Relação de Guimarães de 11 de julho de 2017, in www.dgsi.pt).
E a este ónus de impugnação, acresce o ónus de conclusão, previsto no nº 1 do artº 639º, do Código do Processo Civil, que estabelece que o “recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”, definindo-se assim o objecto do recurso.
Assim, nas conclusões cabe ao recorrente indicar, de forma resumida, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão, para que seja possível delimitar o objecto do recurso de forma clara, inteligível, concludente e rigorosa (neste sentido, Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de junho de 2013, in www.dgsi.pt).
Ora, da leitura das alegações e conclusões resulta ter a recorrente cumprido o triplo ónus da impugnação e, assim sendo, incumbe ao Tribunal apreciar da mesma.
Assim, vejamos agora se, conforme pretende a recorrente a prova produzida deveria conduzir a uma distinta redação do facto dado como provado sob o nº 16, a darem-se como não provados os factos elencados como provados sob os nºs 18, 19, 22, 23 e 24 e como provados os elencados como não provados sob os itens B6, B7, B8, B9, B10, B11 e B12, tendo-se em atenção que, foi a seguinte a motivação do Tribunal a quo, quanto a tais factos: “O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto de toda a prova produzida nos presentes autos, analisada à luz das regras da experiência e da normalidade do acontecer, designadamente nos seguintes elementos: (…) No tocante à dinâmica do acidente e morfologia do local onde o mesmo sucedeu, o Tribunal confrontou-se, como tantas vezes sucede nestas situações, com duas versões dos factos: a do A. e a da R., também veiculada pelo Chamado BB. Na ponderação de ambas, à luz dos elementos probatórios disponíveis, tornou-se indispensável efetuar uma valoração que, a final, viesse a refletir a verdade mais provável, permitindo validar uma das teses, ou uma tese mitigada ou até nenhuma delas. (…) Isto dito, no caso vertente, não deixou de se atender a que, em situações similares à que é objecto do julgamento, a experiência nos diz que cada um dos condutores envolvidos tende habitualmente a apresentar uma narrativa favorável à sua actuação. Não se afigurou, pois, estranho que o Chamado BB, para mais pressionado pelo chamamento ao processo impetrado pela R. Seguradora, a prenunciar uma eventual futura acção de regresso sobre si, tenha prestado declarações no sentido da completa lisura do seu comportamento estradal, designadamente dando nota de ter cumprido com as regras aplicáveis na situação, abrandando o veículo que conduzia, verificando no espelho retrovisor a inexistência de veículos à sua esquerda, aproximando-o do eixo da via, accionando o sinal luminoso de “pisca” do lado esquerdo, só após tendo iniciado a mudança de direcção para a esquerda, para entrar na Travessa .... Esta versão, opõe-se, naturalmente, à vertida pelo A. na sua petição. Ora, desde logo, para a compreensão das características do local, o Tribunal socorreu-se da participação de acidente de viação junto com a p.i. como doc. n.º ... (fls. 21 a 22), elaborado pela testemunha EE, militar da GNR ..., GNR, que confirmou o seu conteúdo, e do teor do croquis que da mesma consta – trata-se de um documento autêntico emitido por um oficial público no exercício das suas funções, pelo que aquilo que aí consta como tendo sido atestado pelo mesmo (designadamente as medições) faz prova plena, nos termos do art.º 371.º, n.º 1, do Código Civil; forma igualmente valoradas as fotografias juntas com a p.i. como docs n.ºs 3 a 6 (fls 23 vº a 25) e as que integram o relatório de averiguação levado a cabo a solicitação da seguradora “A...” – junto por esta a fls. 111 a 133 vº. Ainda para este efeito, foi positivamente valorado o testemunho de FF, perito averiguador, que presta serviços para a R., o qual se deslocou ao local para tirar fotografias do mesmo para enviar para a Companhia. Em face desse seu conhecimento, descreveu o cenário do acidente como sendo uma reta extensa que, a meio, era atravessada por uma linha de caminho-de-ferro. O local do embate situava-se 200 metros depois da linha do comboio, junto a um entroncamento, do lado esquerdo, atento o sentido dos veículos. Confirmou que a faixa de rodagem estava dividida por uma linha longitudinal contínua junto à passagem de nível; 50 metros depois desta passava a linha mista – descontínua à direita e contínua à esquerda – e, pouco antes do entroncamento, passava a linha descontínua. Confirmou ainda, no tocante à sinalização vertical ali existente, o teor das fotografias juntas a fls. 120 a 121 e da fotografia junta com a p.i. como doc. n.º ... (esclareceu, aliás, que este sinal de fim de proibição de ultrapassar se encontra no local em que a linha longitudinal contínua passa a mista); declarou, por fim, que não existia qualquer sinal a assinalar o entroncamento da E.N. ...04 e a Travessa .... Só há um sinal que assinala um cruzamento muito próximo ou mesmo junto à linha de comboio. Este conjunto de elementos documentais e testemunhais mostrou-se um valioso auxílio para a compreensão da dinâmica, propriamente dita, do acidente. Para tanto, além das declarações de parte do Chamado BB, foram apresentadas duas testemunhas oculares do acidente: CC e DD. Ora, sobre o valor probatório das declarações de parte dispõe o n.º 3 do art.º 466.º do C.P.C., que o “tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão”. Naturalmente, apesar de sujeito ao princípio da livre apreciação da prova, a valoração deste meio deverá sempre revestir-se de algumas cautelas. Com efeito, não poderá esquecer-se que, até à reforma de 013, o Código de Processo Civil, acolhia a máxima nemo debet esse testis in propria causa, refletindo uma desconfiança ancestral – e natural – no valor das declarações da parte. Daí que, mesmo depois da alteração legislativa, e não obstante algumas opiniões avalizadas em contrário (Luís Filipe Pires de Sousa, As declarações de parte. Uma Síntese, www.trl.pt/PDF/As%20Declarações%20de%20parte.%20Uma%20sintese.%202017.pdf, 37), grande parte da doutrina e da jurisprudência continuem a entender que a sua valoração tenha em conta a especificidade deste meio de prova. Assim, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (Primeiras Notas ao Código de Processo Civil – Os Artigos da Reforma, 2ª edição, 2014, 395) afirmam que a “experiência sugere que a fiabilidade das declarações em benefício próprio é reduzida. Por esta razão, compreende-se que se recuse ao depoimento não confessório, força para, desacompanhado de qualquer outra prova, permitir a demonstração do facto favorável ao depoente”. Neste sentido, Estrela Chaby (O Depoimento de parte em Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, 50, nota 124, e Carolina Henrique Martins (Declarações de Parte, Dissertação de Mestrado, Coimbra, (2015), 48, https://eg.uc.pt/bitstream/10316/28630/1/Declarações%20de %20parte.pdf).
(…) No caso vertente existem outros elementos de prova referentes à forma como se deu o acidente – designadamente testemunhais -, sendo certo que as declarações de parte do Chamado BB não surgiram – no que tange aos específicos aspetos que relevam para a presente ação – apoiadas por qualquer um deles. Por outro lado, a descrição do acidente efetuada por aquele Chamado quase se poderia afirmar ter sido retirada de um compêndio de ensino de condução. Ora, uma tal perfeição não é conforme às regras da experiência comum e, na situação em apreço, como se verá infra, a referida descrição não se afigura coerente com os demais elementos probatórios carreados para os autos.
Vejamos. Quanto às aludidas testemunhas, CC e DD. O primeiro, residente em ..., contabilista, circulava ao volante do seu automóvel, no mesmo sentido de marcha dos veículos envolvidos, cerca de 15 metros à frente do HS. Deu nota de a passagem de nível que antecede o local do embate ser uma lomba desnivelada, o que obriga à sua transposição a baixa velocidade. Por isso, afirmou, quando ocorreu o embate, circularia a não mais de 40 km/h, pelo que a carrinha HS não poderia circular mais depressa do que isso. Não visualizou o embate, sabendo apenas que terá ocorrido já na hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido de marcha de todos os veículos. O segundo revelou-se bastante mais relevante: declarou que o acidente ocorreu na estrada entre ... e ..., depois de uma passagem de nível. Esta obrigava as viaturas a passar em baixa velocidade, sobretudo o seu carro, um A..., que era muito baixo. Admite ter vencido a passagem de nível a não mais de 20 km/h. Depois de passar a passagem de nível, preparou-se para ultrapassar a carrinha branca, tipo ..., atrás da qual circulava. No entanto, nesse momento foi ultrapassado por um motociclo, que se colocou entre o seu carro e a carrinha, pelo que teve de esperar. Entretanto, o motociclo efectuou a ultrapassagem à carrinha e, quando aquele já se encontrava na faixa de rodagem contrária, esta virou para a esquerda, cortou o caminho ao motociclo, e deu-se o embate. Afirmou que a carrinha não fez o sinal de pisca para a esquerda antes de efetuar a manobra. Referiu que, quando o motociclo iniciou a manobra de ultrapassagem à carrinha, preparou-se também para a ultrapassar, para o que acelerou para cerca de 50 km/h. Contudo, teve de parar por causa do embate. Já não conseguiu passar a carrinha, pelo que encostou o seu carro à direita. O condutor do motociclo foi parar a cerca de 30 metros à frente do local do embate. No local, o limite de velocidade era 50 km/h; era uma localidade e umas centenas de metros antes existia uma passagem de nível. É certo que estas testemunhas não foram identificadas logo na participação de acidente, porém, cada uma delas explicou, de forma plausível, como foram contactadas posteriormente: o primeiro, por só mais tarde ter sabido que o condutor do motociclo sinistrado era o presidente da Associação Comercial e Industrial de ..., tendo-se apresentado por esse motivo; e o segundo, por, no mesmo dia, aquando do seu regresso de ..., ter parado no mesmo local por ter lá visto o reboque e a polícia, e para saber como tinha ficado o condutor do motociclo – que havia visto cair. Nesse momento, uma pessoa que lá se encontrava e se identificou como irmão do condutor do motociclo, pediu-lhe para ser testemunha. Em qualquer circunstância, ambos os referidos depoimentos se afiguraram credíveis, tendo as testemunhas respondido sempre de forma assertiva, pormenorizada e congruente. Refira-se que, apesar de constarem da participação de acidente as declarações dos condutores, relativamente ao conteúdo destas aquele documento não faz prova plena, mas apenas de que foram prestadas perante o oficial público [Ac. RC de 28.06.2022, proc.º n.º 2734/19.7T8ACB.C1, relator Henrique Antunes; e Ac. RE 14.07.2020, proc.º n.º 1580/18.0T8EVR.E1, relatora Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite, ambos em www.dgsi.pt]. No entanto, as declarações do A. vertidas na referida participação de acidente – que o A. não confirmou -, não se afiguram patentemente contrárias às declarações daquelas testemunhas. Com efeito, a afirmação “...não vi a outra viatura a dar o pisca e fui embatido ao ultrapassar” tanto pode significar que o autor da mesma não viu o pisca porque, por algum motivo, ia desatento, ou que não viu o pisca porque ele não foi accionado pelo condutor do veículo HS. Assim, verifica-se que a descrição dos eventos aportada pela testemunha DD se coaduna melhor com a história que contam os danos verificados nos dois veículos envolvidos. Como se surpreende do teor das fotografias de fls. 112 vº e 113 – e da análise do averiguador da companhia de seguros “A...” -, o impacto no veículo HS deu-se sobre a parte lateral esquerda, zona da porta do lado do condutor e para-choques, e o impacto no motociclo SI deu-se sobretudo na parte frontal e lateral direita, sendo os demais danos na parte esquerda resultantes da queda subsequente. Quer isto dizer que o embate terá ocorrido num momento em que os dois veículos já se encontravam em paralelo – daí os danos em ambos serem sobretudo nas zonas laterais onde existiu contacto - e não, como declarou o Chamado BB, quando o veículo HS já se encontrava atravessado na via – circunstância em que os danos no motociclo teriam necessariamente de surgir apenas na parte frontal. Esta versão coaduna-se com a circunstância de o condutor do HS não ter atentado na presença do motociclo antes de iniciar a manobra de mudança de direcção à esquerda. Refira-se que aquele demonstrou inicialmente alguma dúvida sobre se teria ou não olhado para o espelho retrovisor lateral esquerdo antes de iniciar a manobra, tendo acabado por responder que sim, embora sem a necessária convicção. Acresce que não se vislumbra qualquer motivo para que o referido condutor do HS não atentasse no motociclo, pois ambos os veículos seguiam a velocidade reduzida, sendo a do motociclo não superior a 50 km/h, conforme declarou a testemunha DD. Desta forma, e em jeito conclusivo, os supra aludidos elementos probatórios permitiram alicerçar a convicção do Tribunal relativamente à forma como o acidente se desenrolou. À luz destes dados, e perante as regras do ónus probatório aplicáveis ao caso concreto, temos como atingido o standard de prova exigível na situação, surgindo a tese de que o embate ocorreu devido à distracção e falta de cuidado do condutor do HS e à omissão pelo mesmo do accionamento do sinal luminoso – pisca – antes da mudança de direcção para a esquerda, interceptando a trajectória do A., quando este se encontrava em plena manobra de ultrapassagem, como a que recolhe mais elementos de confirmação, afigurando-se como a mais plausível entre as alternativas. Beneficia, pois, esta versão dos factos do critério da probabilidade prevalecente. (…)”.
Apreciemos agora os factos impugnados dizendo-se, antes de mais, que o Tribunal ouviu, apesar da má qualidade da gravação, na integralidade os depoimentos de BB, condutor do veículo seguro na ré, CC e DD, que seguiam na mesma faixa de rodagem dos veículos intervenientes, a saber, no sentido ... e EE, guarda da GNR que foi chamado ao local e elaborou o auto de polícia, tendo ainda em atenção as fotos juntas aos autos e o referido auto de polícia.
a)Deu-se como provado sob o nº 16 que “O motociclo “SI” circulava na referida faixa de rodagem atrás do veículo “HS”, ambos pela metade direita da E.N., a uma velocidade não superior a 20 km/h”, pretendendo-se que o mesmo passe a ter a seguinte redação. “O motociclo “SI” circulava na referida faixa de rodagem atrás do veículo “HS”, ambos pela metade direita da E.N., aquele a uma velocidade não superior a 80 km/h e este a uma velocidade não superior a 20 km/h”, isto com base nos depoimentos das testemunhas atrás referidas.
Antes de mais se diga que da audição dos depoimentos já atrás referidos, nada nos levou a não acreditar, na presença das testemunhas CC e DD no local do sinistro.
Diga-se então que, em relação às velocidades tanto o condutor do veículo HS, BB como as atrás referidas, que seguiam, respetivamente, à frente e atrás deste, referiram que tiveram que reduzir a velocidade a que seguiam quando cruzaram uma passagem de nível com lomba, seguindo depois entre os 30 e os 40 km/h.
Refira-se ainda que apenas a testemunha DD, que seguia atrás da carrinha HS referiu que, após cruzar a passagem de nível e quando se preparava para ultrapassar aquela carrinha, não o fez pois foi ultrapassado pelo motociclo do autor que se colocou à sua frente, ou seja, entre si e a carrinha HS. Referiu ainda que, este iniciou a manobra de ultrapassagem à carrinha HS tendo aquela cortado a sua linha de trânsito ao infletir para a esquerda.
Acrescente-se que, do auto de notícia nada se retira quanto a velocidade a que seguia o motociclo, sendo certo que, atenta a pouca distância entre o local do embate e o local onde ficou o motociclo nos leva a concluir que também aquele não seguiria a muito mais de 40, 50Km/h.
Assim sendo, improcede, nesta parte, a impugnação porque, da prova produzida não se retira o pretendido pela recorrente. b)pretende a recorrente que os factos dados como provados, a saber: 18. Para o efeito, ocupou a faixa de rodagem que se encontrava desocupada à sua esquerda [art.º 35.º da p.i.]. 19. Aumentando a velocidade para, pelo menos, 50 km/hora [art.º 36.º da p.i.]. 22. Quando o Autor se encontrava na faixa de rodagem do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha, lado a lado com o veículo “HS”, eis que este iniciou a manobra de viragem à esquerda [art.º 37.º da p.i.]. 23. O condutor do veículo "HS" efetuou aquela manobra sem fazer qualquer tipo de sinalização e sem se assegurar que da mesma não resultaria perigo ou embaraço para o demais trânsito [art.ºs 39.º e 44.º da p.i.]. 24. Dessa forma cortou e obstruiu a passagem e o sentido de marcha ao motociclo "SI" [art.º 48.º da p.i.], se deem como não provados atentos os depoimentos prestados por aquelas mesmas testemunhas.
Como já atrás se referiu, dúvidas não se nos colocaram quanto aos depoimentos prestados pelas testemunhas CC e DD que seguiam, respetivamente, à frente a atrás do veículo de matrícula HS.
Diga-se que apesar de não constarem como testemunhas no auto de policia, os mesmos justificaram a razão de terem abandonado o local do sinistro, depois de se aperceberem que ali se juntaram várias pessoas.
Acresce ainda que os seus depoimentos foram prestados de forma que nos pareceu isenta (não se demonstrou qualquer interesse dos mesmos no desfecho desta ação), com conhecimento direto dos factos, porque os presenciaram e de forma desapaixonada.
Diga-se, sobretudo que o depoimento da testemunha DD se mostrou, tal como já se mostrara para a convicção do Tribunal a quo, da maior relevância, na medida em que, referiu o mesmo ter sido, após cruzar a passagem de nível e quando seguia a cerca de 30, 40 km/h, pretendendo ultrapassar o veículo HS, ultrapassado pela sua esquerda, pelo motociclo conduzido pelo autor. Referiu que, este se colocou à sua frente na faixa de rodagem onde seguia a testemunha e o HS, precisamente entre os dois veículos e posteriormente iniciou aquele motociclo a manobra de ultrapassagem ao HS, sendo que, naquela altura e sem sinalizar a manobra, este HS cortou a linha de trânsito daquele, infletindo para a esquerda. O motociclo embateu na parte lateral esquerda, porta do condutor e foi projetado para a berma da estrada no sentido oposto.
Diga-se que tal como o Tribunal o depoimento do Chamado BB não logrou convencer este Tribunal e assim afastar a posição assumida pelo Tribunal a quo, precisamente porque não se mostra normal, como referiu aquele ter acionado o sinal de pisca para a esquerda, numa reta, na qual conforme referiu não havia mais trânsito, a cerca de 100 metros do local do entroncamento. Acresce que, também não nos parece normal que àquela distância do entroncamento à esquerda, se aproximasse do eixo da via e olhasse para o retrovisor não vendo trânsito.
Acresce que, este depoimento contradiz o croquis constante do auto de polícia elaborado pela GNR e que foi junto aos autos pelo Autor, uma vez que deste resulta que o local do embate se situa depois da entrada para o entroncamento à esquerda, sendo de assinalar que o militar da GNR, que elaborou aquele documento, faz referência a que tal local do embate lhe foi indicado precisamente pelo condutor do HS.
Assim sendo, entende-se que, face à reapreciação dos elementos de prova referidos, nada há a censurar à posição assumida pelo Tribunal a quo, mantendo-se a mesma e julgando-se improcedente não só a impugnação destes factos como, consequentemente, dos não provados sob os nºs B6, B7, B8, B9, B10, B11 e B12, a saber, a versão oposta àqueles.
Nestes termos, julgo improcedente a impugnação da matéria de facto, mantendo a fundamentação de facto alcançada pelo Tribunal a quo.
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V.Da reapreciação do direito.
Uma vez que não procedeu a impugnação da matéria de facto, importa aos autos aferir se, como pretende a recorrente haverá lugar à concorrência de culpas, devendo, ponderadas as circunstâncias do caso concreto, atribuir um maior grau de culpa do autor para a ocorrência do evento de colisão, a saber, 80% para o autor e 20% para o condutor do HS.
O autor veio demandar a ré, pedindo a condenação da mesma a indemniza-lo por responsabilidade civil por facto ilícito.
Em sede de sentença entendeu-se atribuir ao condutor do veículo seguro na ré a responsabilidade pelo eclodir do acidente e, consequentemente, condenou-se a ré a reparar os danos suportados pelo autor.
Ora, importa agora e uma vez que não procedeu a impugnação da matéria de facto, aferir se, como pretende a ré/recorrente haverá lugar à culpa exclusiva do autor ou a concorrência de culpas, devendo, ponderadas as circunstâncias do caso concreto, atribuir um maior grau de culpa do autor para a ocorrência do evento de colisão, a saber, 80% para o autor e 20% para o condutor do HS.
Assim sendo, importa, analisar os factos provados à luz do regime da responsabilidade civil, de forma a aquilatarmos da justiça da sua pretensão.
Existe responsabilidade civil quando uma pessoa deve reparar um dano sofrido por outra.
Estabelece o nº 1 do artº 483º do Código Civil que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrém ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Acrescenta-se no nº2 desse art. que “só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.
Decorre deste preceito que são elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual, a prática de um facto ou acto humano qualificado como ilícito, imputável à conduta censurável do agente (culpa), o qual deu origem a um prejuízo ou dano, havendo entre aquele facto e este dano o correspondente nexo de causalidade.
O facto voluntário, que se traduz em algo controlável pela vontade, pode consistir numa acção que importe a violação do dever jurídico de não ingerência na esfera de acção do titular do direito, ou numa omissão quando exista, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever jurídico de praticar um acto que seguramente impediria a consumação do dano, conforme resulta do artº 486º do Código Civil.
Resulta ainda do atrás citado artº 483º que o facto ilícito seja caracterizado pela culpa do lesante, atuando com culpa quem é imputável e, quando podia e devia ter agido de outro modo, face às concretas circunstâncias do caso. Este juízo de censura pode revestir as modalidades de dolo ou negligência, sendo que na sua modalidade de negligência existe culpa quando o agente actua sem o cuidado devido a que, segundo as circunstâncias do caso concreto, está obrigado a observar e é capaz de observar.
Face ao nº 2 do artº 487º do Código Civil, a culpa, será apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias do caso concreto, sendo que, e em virtude de a mesma constituir um elemento constitutivo do direito à indemnização, conforme decorre do nº 1 do artº 342º, nº 1 do referido diploma legal, cabe, ao lesado fazer prova da culpa do lesante, sem prejuízo das presunções que a lei estabeleça.
Quanto à existência de dano, tal pode revelar-se como reflexo sobre a situação patrimonial do lesado, compreendendo os danos emergentes e os lucros cessantes, bem como abranger também aqueles outros que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao lesado.
Entre o facto e o dano deve ainda existir um nexo de causalidade, sendo que a obrigação de indemnizar, conforme resulta do disposto no artº 563º do Código Civil, só existe em relação a todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
No que à responsabilidade civil emergente de acidentes de viação diz respeito, a lei estabelece algumas presunções de culpa e consagra uma responsabilidade pelo risco, ou seja, sem culpa e meramente objectiva.
Sendo a condução de veículos uma atividade perigosa, esta encontra-se regulamentada através de um conjunto de disposições legais que tem por finalidade que a condução se faça com a máxima segurança.
Conforme refere o Acórdão da Relação de Guimarães de Guimarães, 30 de novembro de 2022, relatado pela Srª Desembargadora Fernanda Proença Fernandes “É pela apreciação dos deveres de diligência a que o agente está obrigado, nas circunstâncias concretas do caso, face àquelas normas, e a verificação da omissão desses deveres e comportamentos, ou a prática de outros, por desadequados, que tenham provocado o acidente, que se realiza o juízo de censura revelador da culpa do infractor.
Partindo de um conceito de culpa, que significa uma actuação em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito, esta conduta será reprovável quando pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas do caso se conclua que ele podia e devia ter agido de outro modo (vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 1994, Vol. I, pág. 571). De qualquer modo, mais do que a violação frontal de uma regra estradal, importa essencialmente determinar o processo causal da verificação do acidente, ou seja, a conduta concreta de cada um dos intervenientes e a influência dela na sua produção”.
Revertamos ao caso em apreço.
A sentença apelada julgou a acção parcialmente procedente, concluindo que apenas o condutor do veículo segurado na ré agiu com culpa, sendo certo que a recorrente pugna pela concorrência de culpas, entendendo que a culpa do autor se deve graduar nos 80% e a culpa do condutor do veículo por si seguro se deve graduar nos 20%.
Vejamos.
Quanto à exclusão da culpa do condutor seguro, terá de improceder a pretensão da ré, e isto não só não procedeu a impugnação da matéria de facto como da matéria de facto apurada resulta que:
a)ocorreu um acidente de viação, no qual intervieram os seguintes veículos:
i. motociclo, de serviço particular, com a matrícula ..-SI-.., de marca ..., modelo ..., denominada ... 950, propriedade de AA, aqui Autor, conduzido pelo próprio; e
ii.veículo ligeiro de mercadorias, de serviço particular, com o número de matrícula ..-..-HS, de marca ..., modelo ..., propriedade de “M... Construções, Lda”.
b)no dia 20 de Maio de 2017, pelas 09:00 horas, o Autor conduzia/tripulava o motociclo de matrícula ..-SI-.., na Estrada Nacional n° ...04, ao km 25,287, freguesia ..., ..., concelho ..., no sentido de marcha .../..., isto atento o seu sentido de marcha, usando para o efeito o competente capacete.
c)ao km 25.287, o motociclo SI seguia naquela via atrás da viatura HS, ambos no sentido .../....
d)no local do sinistro, a EN ...04 carateriza-se por ser uma reta, sem separadores, sendo que a circulação se faz nos dois sentidos, em duas faixas de rodagem (uma em cada sentido), divididas por marca rodoviária vulgarmente designada por linha longitudinal descontínua.
e)algumas dezenas de metros antes do que viria a ser o local do sinistro existe uma passagem de nível, que obriga à diminuição da velocidade das viaturas que por ali circulam.
f)o piso era em asfalto, sendo que o pavimento se encontrava em bom estado de conservação, apresentava-se seco, não tendo ocorrido precipitação no dia do acidente.
g)os condutores dispunham de visibilidade numa extensão da via superior a 50 metros para cada lado.
h)algumas dezenas de metros antes do que viria a ser o local do sinistro existe um sinal vertical indicativo de fim da proibição de ultrapassar (C20C).
i)a via de trânsito onde ocorreu o sinistro, tinha uma faixa de rodagem, que em toda a sua largura media cerca de 6,90 metros, dispondo assim cada hemi faixa de rodagem de uma largura de cerca de 3,45 metros.
j)o motociclo “SI” circulava na referida faixa de rodagem atrás do veículo “HS”, ambos pela metade direita da E.N., a uma velocidade não superior a 20 km/h.
l)o condutor do motociclo “SI”, aqui Autor, iniciou a manobra de ultrapassagem do veículo "HS", ocupando, para o efeito a faixa de rodagem que se encontrava desocupada à sua esquerda, aumentando a velocidade para, pelo menos, 50 km/hora.
m)entretanto, o condutor do veículo HS, circulando na referida E.N. ...04, pretendia virar à esquerda, para passar a circular na Travessa ..., arruamento que ficava, como fica, situado à esquerda da EN ...04, atento o sentido de marcha do veículo HS (...).
n)quando o Autor se encontrava na faixa de rodagem do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha, lado a lado com o veículo “HS”, eis que este iniciou a manobra de viragem à esquerda, sem fazer qualquer tipo de sinalização e sem se assegurar que da mesma não resultaria perigo ou embaraço para o demais trânsito, cortando e obstruindo a passagem e o sentido de marcha ao motociclo "SI".
o)o embate ocorreu na interceção entre a EN ...04 e a Travessa ... (sentido .../...).
Resulta destes factos que o condutor seguro na ré, e que conduzia o HS, violou o disposto no nº 2 do artº 3º, nº 1, do artº 21º, nº 1 do artº 35º e nº 1 do artº 39º, todos do Código da Estrada.
Mas será que, face aos factos apurados será de aplicar, como pretende a recorrente, o disposto no nº 1 do artº 570º do Código Civil, segundo o qual “quando o facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultarem, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
Em anotação ao preceito atrás citado, refere o Dr. Brandão Proença, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, pág 579, que “Para o exame ponderativo previsto no n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil, a norma exige não só uma presença de duas condutas culposas mas que tenham sido causalmente concorrentes para o evento lesivo ou para o agravamento dos danos (neste caso, e em rigor, não sendo em cada caso, o agravamento um efeito mediato da ação lesiva, o lesante apenas concorre para o dano inicial). O teste da concausalidade não se basta com uma averiguação condicionalista (X e Y causaram Z, não ocorrendo Z sem X e Y), mas exige a presença de critérios jurídicos, seja o da causalidade adequada, seja o da causalidade normativa. (…) o tribunal, na imputação das consequências indemnizatórias e para poder concluir pela concessão, redução ou exclusão da indemnização, deverá ponderar a gravidade das culpas (v.g., em função das regras legais violadas) e ter em conta os efeitos que delas decorreram, pois nem sempre a culpa mais intensa provoca os danos mais extensos.”
Ora, atendendo aos factos apurados entendemos, de forma distinta da sentença recorrida, que a conduta do condutor do veículo HS, seguro na ré, é a principal causa do embate e isto porque iniciou uma manobra de mudança de direção, sem se assegurar que o poderia fazer em segurança, não atentando no trânsito que se fazia sentir, não tendo conseguido demonstrar que sinalizou a manobra de mudança de direção à esquerda, usando para o efeito os piscas e que se tenha aproximado do eixo da via.
Diga-se ainda que a manobra de ultrapassagem feita pelo motociclo conduzido pelo autor, não foi a causa principal do embate, já que, como atrás vimos, o que provoca o embate é a manobra do HS ao invadir a faixa de rodagem contrária para mudar de direção.
Efetivamente, o embate não se verificaria, se o condutor do veículo seguro, antes de mudar de direcção e, assim, cortar a via de marcha em que seguia o veículo do autor, tivesse verificado que estava a ser ultrapassado, pois que então facultaria a ultrapassagem que estava a ser efectuada.
Desta forma violou o mesmo, como a outro propósito se referiu, disposto no nº 2 do artº 3º, nº 1, do artº 21º, nº 1 do artº 35º e nº 1 do artº 39º, todos do Código da Estrada.
Lançando mão ao Acordão da Relação de Guimarães atrás citado e fazendo igual exercício de imaginação, vemos uma recta sem separadores, sendo que a circulação se faz nos dois sentidos, em duas faixas de rodagem (uma em cada sentido), divididas por marca rodoviária vulgarmente designada por linha longitudinal descontínua. O piso era em asfalto, sendo que o pavimento se encontrava em bom estado de conservação, apresentava-se seco, não tendo ocorrido precipitação no dia do acidente e os condutores dispunham de visibilidade numa extensão da via superior a 50 metros para cada lado.
Ora, é nessa reta que circula o veículo seguro na ré, de matrícula HS, a velocidade não superior a 20 km/h, sendo seguido pelo condutor do motociclo SI, o aqui autor.
Entende-se, dada a baixa velocidade a que seguia o HS, a necessidade de o motociclo o ultrapassar, o que aconteceu após passar pelo sinal vertical de fim de ultrapassagem.
O autor iniciou então a manobra de ultrapassagem do veículo HS, ocupando, para o efeito, a faixa de rodagem que se encontrava desocupada à sua esquerda e aumentando a velocidade para, pelo menos, 50 km/hora, em total segurança pois não se demonstrou existir trânsito em sentido contrário, não criando, neste momento qualquer situação de perigo.
Efetivamente e se o condutor do veículo seguro na ré, o HS, não tivesse iniciado uma manobra de mudança de direção para a esquerda, o motociclo do autor tê-lo-ia ultrapassado e retomado a sua faixa sem qualquer sobressalto ou problema.
Foi a realização da manobra de mudança de direcção à esquerda, com vista ao acesso ao entroncamento existente à esquerda, sem verificar se o poderia fazer em segurança a causa principal do embate, sendo este o comportamento mais grave de todos os que ficaram provados.
Acontece que, como ficou apurado, apesar de na hemi faixa de rodagem onde seguiam os veículos existir, após a passagem de nível, um sinal vertical que indica o fim da proibição de ultrapassagem, a verdade é que, em razão da existência de um entroncamento à esquerda, a manobra de ultrapassagem acaba por ser feita em local em proibido.
O argumento da existência de sinal de fim de proibição de ultrapassar, não retira ilicitude à conduta do autor, pois que tal sinal significa apenas e tão só que estamos em zona em que é permitida a ultrapassagem mas que tal manobra deve ser efetuada com respeito pelas demais normas estradais, designadamente, atentando a proibições decorrentes da existência de cruzamentos ou entroncamentos.
Digamos assim que, ao contrário da sentença em crise, se verifica uma contribuição de ambos os condutores para o embate, entendendo-se, porém, numa distribuição de responsabilidades de 80% para o veículo seguro na ré, com a matrícula HS e 20% para o autor, cuja conduta agravou os danos.
Assim sendo, procede parcialmente o recurso.
*
Aqui chegados importa aos autos aferir se, como pretende a ré/recorrente, atentos os factos provados, se mostra o montante arbitrado a título de IPG excessivo, devendo fixar-se indemnização em € 14.000,00 e também em relação à indemnização pelos danos não patrimoniais peca a mesma do mesmo vício, devendo ser fixada, no montante € 25.000,00.
Importa apreciar, separadamente, cada um dos danos em causa.
Vejamos o que dizer quanto ao montante da indemnização arbitrada pela IPG do autor, o designado dano biológico (dano patrimonial, não patrimonial ou um tertium genus).
A este propósito se pronunciou o Acordão desta Relação de Guimarães, de 17 de novembro de 2022, relatado pela Srª Desembargadora Anizabel Sousa Pereira, in www.dgsi.pt nos seguintes termos, com os quais concordamos “Prima facie, importa recordar, que a maioria da jurisprudência, reconhecendo a existência das três vertentes em que tem sido feito o enquadramento do dano biológico (dano patrimonial, dano não patrimonial ou tertium genus), entende aquela primeira ( dano patrimonial) como a mais adequada e que o chamado dano biológico reconduz-se a um dano corporal que consiste na diminuição ou lesão da integridade psicofísica da pessoa em si e por si considerada sendo que qualquer que seja o enquadramento jurídico, o que é indiscutível é que a perda genérica de potencialidades laborais e funcionais do lesado constitui um dano ressarcível, pelo que haja ou não afetação da capacidade de ganho do lesado impõe-se sempre o ressarcimento autónomo do dano biológico. A propósito, lê-se no recente AC do STJ de 21.01.21 o seguinte “Como se escreveu, por exemplo, no acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Novembro de 2020, www.dgsi.pt, proc. n.º 5572/05.0TVLSB.L1.1, “Como se disse já no acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Março de 2012 (www.dgsi.pt, 1145/07.1TVLSB.L1.S), na linha dos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 203/99.9TBVRL.P1.S1) ou de 20 de Maio de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 103/2002.L1.S1), “É sabido que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz esta incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial. No que aos primeiros respeita, o Supremo Tribunal de Justiça já por diversas vezes frisou que «os danos futuros decorrentes de uma lesão física “não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)” (cfr. também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).» – acórdão de 30 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B2978); a perda de rendimento que resulte da redução, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar (cfr. o acórdão de 20 de Outubro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. Nº 428/07.5TBFAF.G1-S1). A lesão que a incapacidade revela pode, naturalmente, causar danos patrimoniais que se não traduzem em perda de ganho (…)”. Assim, cfr, ainda os acórdãos de 4 de Junho de 2015, www.dgsi.p, proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, de 3 de Dezembro de 2015, www.dgsi.pt, proc.n.º 3969/07.0TBBCL.G1.S1, ou de 19 de Setembro de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1.”. 8 Em suma, seguimos o entendimento jurisprudencial segundo o qual “a conceptualização do dano biológico não veio «tirar nem pôr» ao que, em termos práticos, já vinha sendo decidido pelos Tribunais, quanto a indemnização pelos danos patrimoniais de carácter pessoal ou compensação pelos danos não patrimoniais”, porquanto “onde releva é na fundamentação para se chegar a tal indemnização, afastando as dúvidas que poderiam surgir perante a não diminuição efectiva de proventos apesar da fixação da IPP ou, em casos de verificação muito rara, como aqueles em que o lesado já estava totalmente incapacitado para o trabalho antes do evento danoso ou até, no que respeita aos danos não patrimoniais, em que ficou definitivamente incapacitado para ter consciência e sofrer com a sua situação”( cfr. entre outros, AC do STJ de 26-01-2012, in dgsi)”.
Ora, no caso em apreço, a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psicossomático do que, propriamente, um dano patrimonial.
Por outro lado, o dano biológico sofrido pelo autor tem uma componente patrimonial (incapacidade permanente geral de 10 pontos, face à Tabela Nacional de Incapacidades) e uma tónica não patrimonial, as dores sofridas num grau de 5 numa escala de 1 a 7, sendo as sequelas sofridas pelo Autor são compatíveis com o exercício da profissão habitual deste, de diretor financeiro, mas implicam esforços suplementares, sendo que em virtude das sequelas de que ficou a padecer, atualmente, o Autor continua e continuará no futuro a sofrer de dores físicas, incómodos e mal estar durante o resto da sua vida, designadamente a nível motor e membro inferior direito, as quais se exacerbam e agravam com as mudanças de temperatura, com a exposição ao frio e com os esforços, que, até a data do acidente dos presentes autos, o Autor não sentia.
O Autor tem dificuldades em exercer parte das suas funções profissionais de diretor financeiro, designadamente pela necessidade constante de deslocação, não conseguindo permanecer sentado durante muito tempo sem que tenha dores e por isso mesmo, não consegue o Autor, desde a data do acidente, usufruir de algumas atividades de lazer – como visionamento de televisão, ou uma caminhada, de que tanto gostava , encontrando-se absolutamente impedido de fazer qualquer tipo de exercício, sendo certo que antes do acidente o Autor semanalmente andava de bicicleta e corria e era também hábito do Autor andar de mota, uma paixão com mais de 20 anos, encontrando-se atualmente impedido de o fazer.
Por força da sua mobilidade reduzida, o Autor passou a ficar em casa.
Ora, como refere o Acordão citado “Em qualquer das vertentes, patrimoniais ou não patrimoniais, a indemnização pelo dano biológico deve ser calculada segundo a equidade: artigos 496º, nº 3 e 566º, nº 3 do Código Civil. Por outro lado, e como já referimos supra, a equidade, todavia, não dispensa a observância do princípio da igualdade; o que obriga ao confronto com indemnizações atribuídas em outras situações”.
Ora, a sentença em crise fixou uma indemnização de € 34.000,00 para dano biológico e pelos danos não patrimoniais em € 60.000,00 tendo, como já atrás se disse, por base um défice funcional de 10 pontos.
Diga-se que a limitação funcional em que se traduz a incapacidade, se mostra apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial, sendo certo que na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual (que no caso sub judice se não verifica), mas também as consequências da afetação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras atividades profissionais ou económicas, suscetíveis de ganhos materiais, as quais como vimos ocorrem in casu, dado o esforço acrescido e suplementar que terá de ser realizado.
Seguindo a posição maioritária da jurisprudência e por uma questão de rigor, dado que o dano biológico é distinto do dano não patrimonial, este regulado no artº 496º do Código Civil e que se reconduz à dor, ao desgosto, ao sofrimento de uma pessoa que se sente diminuída fisicamente para toda a vida, entendemos (tal como se fez na decisão recorrida) autonomizar, como dano patrimonial futuro esse maior esforço que a autora/recorrente terá de efetuar ao longo da sua vida ativa. Dir-se-á ainda, desde já, e como já afirmado acerca da natureza do dano biológico, que, conforme se refere no Acordão da Relação de Guimarães que se vem citando “(…) é de realçar a dificuldade e delicadeza subjacente ao cálculo do dano biológico na vertente patrimonial, enquanto perda futura de capacidade de ganho, pois exige a previsão, sempre problemática, de dados que apenas são constatáveis no futuro e por um muito longo período de tempo, como seja a evolução da economia, da produtividade, do emprego, dos salários ou da inflação (cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 19.10.2017, in www.dgsi.pt ). Constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional ativa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma, aos 65 anos) ( neste sentido, entre outros Acórdão desta RG de 12.01.2017 e AC do STJ de 10.11.2016)”.
Relevante é, pois, a idade do lesado à data do acidente (assim analisada na sentença), o esforço ou sacrifício acrescido, não só no exercício das tarefas laborais, mas também na vida pessoal, pretendendo-se ressarcir conforme se refere no Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de dezembro de 2012, in www.dgsi.pt “não o dano consubstanciado na perda de rendimentos salariais decorrente do grau de incapacidade fixado ao sinistrado no processo de acidente de trabalho (compensado pela entrega do capital de remição), mas antes o dano biológico decorrente das sequelas das lesões sofridas, perspectivado não como fonte de uma perda de rendimentos laborais, mas antes como diminuição global das capacidades gerais do lesado, envolvendo uma verdadeira capitis deminutio para a realização de quaisquer tarefas, que passam a exigir-lhe um esforço acrescido, compensado precisamente com o arbitramento desta indemnização”.
Assim e, independentemente da eventual perda de rendimentos, “(…) o dano biológico enquanto défice funcional de que passou a padecer o lesado no plano específico das atividades profissionais, tem ainda uma dupla repercussão pois, por um lado, implica um esforço acrescido que o lesado terá que despender para compensar tal défice, de modo a prosseguir uma atividade laboral ( caso a tenha) e, por outro lado, implica uma limitação de oportunidades profissionais, e tudo reportado à data do acidente e não da alta clínica”, in Acordão da Relação de Guimarães citado.
No caso em apreciação, o lesado tinha à data do acidente 48 anos de idade era diretor financeiro, tendo sofrido danos do acidente que, apesar de serem compatíveis com o exercício da sua atividade profissional, exigem esforços suplementares.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. acórdãos de 20/10/2011, proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1, de 10/10/2012, proc. nº 632/2001.G1.S1, de 07/05/2014, proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1, de 19/02/2015, proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1, de 04/06/2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, e de 07/04/2016, e de 06-12-2017, proc. 559/10.4TBVCT.G1, todos in www.dgsi.pt), a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função da idade do lesado, do seu grau de incapacidade geral permanente, das suas potencialidades de aumento de ganho em profissão ou actividade económica alternativa, aferidas, em regra, pelas suas qualificações. A estes factores acrescem outros casuisticamente relevantes.
Refere o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de fevereiro de 2022, proc. 1082/19.7T8SNT.L1.S1, in www.dgsi.pt que “Temos assim que, numa formulação mais completa e rigorosa, os critérios a ter em conta serão os seguintes: (i) a idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a sua esperança média de vida à data do acidente); (ii) o seu grau de incapacidade geral permanente; (iii) as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; (iv) a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências).”
No caso dos autos, temos de ter em conta que o autor/lesado tinha, à data do acidente, 48 anos de idade; que a esperança de vida, à data do acidente, dos homens nascidos nos anos 70, será de cerca de 78 anos, conforme dados estatísticos; que o autor/lesado ficou a padecer de incapacidade geral permanente de q0 pontos; que, em consequência das lesões sofridas com o acidente o mesmo continuará a sentir no futuro necessidade de realizar esforços suplementares caso venha a desempenhar a mesma profissão ou similar e isto dadas as dificuldades em estar muito sentado e em deslocar-se.
Vejamos alguns casos de indemnizações por dano biológico:
- No Acordão do STJ de 6 de janeiro de 2021, Proc. 688/18.6T8PVZ.P1.S1, in www.dgsi.pt, atribui-se, à lesada, com 55 anos, considerando-se a esperança média de vida de 83 anos para o sexo feminino, com 5 pontos de défice funcional, compatíveis com o exercício da atividade profissional, mas a implicar esforços acrescidos no uso do membro inferior esquerdo, desempregada, à data do acidente, sendo trabalhadora na área têxtil, o montante de € 9 000,00;
- No Ac. do STJ de 29 de outubro de 2019, Proc. 7614/15.2T8GMR.G1.S1, in www.dgsi.pt, atribui-se ao lesado, com 34 anos, com um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (vendedor e empresário de materiais de construção civil e produtos agrícolas), o montante de € 36.000,00;
- No Ac. do STJ de 29 de outubro de 2020, Proc. 111/17.3T8MAC.G1.S1, Rel. Maria da Graça Trigo, em www.dgsi.pt, atribuiu-se à lesada, professora, com 61 anos, com vencimento mensal base de € 2.230,94, o défice funcional fixado em 9,71 pontos, sendo as sequelas sofridas pela autora, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, mas implicando esforços suplementares, o montante de € 32 000,00.
- No Ac. do STJ de 18 de março de 2021, Proc. 1337/18.8T8PDL.L1.S1, in www.dgsi.pt, foi atribuído à lesada, com 50 anos, médica, que ficou afectada de uma incapacidade permanente parcial de 13 pontos, que, sendo compatível com o exercício da sua profissão habitual, todavia exige maiores esforços físicos, além de ter passado a sofrer de dor crónica e permanente no pé esquerdo, o montante de €45 000,00.
-No Acordão do STJ de 3 de fevereiro de 2022, Proc 24267/15.0T8SNT.L1.S1, in www.dgsi, foi atribuído ao lesado, professor, com 50 anos à data do acidente, que em razão das sequelas: Sa 0112: Status pós fratura da órbita direita, com diplopia monocular; Ma 0207: Limitação da mobilidade do ombro esquerdo (membro passivo), com antepulsão e abdução de 110º, permitindo, na mobilidade conjugada levar a mão à nuca, ao ombro oposto e à região dorsal; Md 0801: Cervicalgia residual; Sb 0303: Síndrome vertiginoso, por analogia, ficou afetado de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 10 pontos, que sendo compatível com o exercício da atividade profissional habitual do autor implicamesforços suplementares, além de ficar afetado de um quantum doloris é fixado em 4 pontos, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, de um dano estético é fixado em 2 pontos, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, atendendo às cicatrizes operatórias, sendo a repercussão permanente das sequelas nas atividades de lazer é fixada em 3 pontos, numa escala de 7 graus de gravidade crescente o montante de €35 000,00.
Tudo ponderado, a indemnização por “dano biológico” – nos termos supra equacionados, e em função dos parâmetros que têm vindo a ser adotados pelo Supremo Tribunal deverá ser fixada no caso concreto, como o foi, pelo tribunal a quo, em € 34.000,00.
Deste modo, considera-se justa e adequada a fixação da indemnização pela perda da capacidade de ganho no montante de € 34.000,00, julgando-se, nesta parte, improcedente o recurso.
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Em termos de danos não patrimoniais, fixou a sentença em crise o valor de € 60.000,00, entendendo a recorrente que a mesma não se deveria situar em valor superior a € 25.000,00.
Importa antes de mais ter em atenção que a indemnização por danos não patrimoniais não tem por objetivo repor as coisas no estado anterior, mas tão só dar ao lesado uma compensação pelo dano sofrido, proporcionando-lhe situação ou momentos de prazer e alegria que neutralizem, quanto possível, a intensidade da dor física ou psíquica sofrida (neste sentido o Dr Vaz Serra, BMJ 278º, 182).
Como refere o Acordão da Relação de Guimarães que já atrás citamos “Acresce que “o juiz deve procurar um justo grau de compensação, sendo fundamental, pois, a determinação do mal efectivamente sofrido por cada lesado, as suas dores e o seu sofrimento psicológico” ( Ac do STJ de 25-02-2009, processo n.º 3459/08-3ª; e AC do STJ de 15-04-2009, processo n.º 3704/08-3ª). Como se lê no citado AC do STJ de 21-04-2022 ( o qual por sua vez cita o Ac. do STJ de 25.11.2009, proc. 397/03.0GEBNV.S1 ), “ Neste particular, tem sido salientado que o dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo: (i) o chamado quantum (pretium) doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, a analisar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico; (ii) o “dano estético” (pretium pulchritudinis), que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; (iii) o “prejuízo de distracção ou passatempo”, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, vg., com renúncia a actividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas; (iv) o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra na “alegria de viver”; (v) o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; (vi) os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; (vii) o prejuízo juvenil “pretium juventutis”, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida, privando a criança das alegrias próprias da sua idade; (viii) o “prejuízo sexual”, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; (ix) o “prejuízo da auto-suficiência”, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária, decorrente da impossibilidade, de se vestir, de se alimentar…”. Acresce que a concreta determinação do quantitativo da compensação, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjetivismo e procurar alcançar uma aplicação tendencialmente uniformizadora – ainda que evolutiva – do direito, devem ser considerados os padrões indemnizatórios geralmente adotados na jurisprudência em casos análogos, como já supra afirmámos”.
Em termos jurisprudenciais e porque se pronunciam sobre danos/lesões semelhantes às dos autos, teremos em atenção os seguintes arestos que se encontram disponíveis em www.dgsi.pt:
- Acórdão de 21.01.2016 (P. nº 1021/13): foi fixada a indemnização de €50.000,00 a um jovem de 27 anos, com múltiplos traumatismos, sequelas psicológicas, quantum doloris de grau 5, dano estético de 2 pontos, incapacidade parcial de 16 pontos, com limitação nas actividades desportivas e de lazer, claudicação na marcha e rigidez na anca;
- Acórdão de 19.09.2019, (P. 2706/17): indemnização de €50.000,00 a lesado que, à data do acidente tinha 45 anos, ficou afectado de uma IPG de 32 pontos, com internamento hospitalar, sofreu intervenção cirúrgica, dores muito intensas, com repercussões na sua actividade profissional e particular que deixou de poder exercer ou praticar;
- Acórdão de 16.12.2020 (P. 6295/15): confirmou a indemnização de €25.000,00 fixada na Relação a um sinistrado em acidente de viação que à data do acidente tinha 43 anos, que sofreu fratura da tíbio e perónio; com dores de grau 5 numa escala de 7; dano estético de 4; 17 meses de incapacidade (total e parcial), tendo ficado afectado de uma IPG de 6 pontos;
- Acórdão de 10.12.2020, P. 8040/15, que confirmou a decisão da Relação que fixou a indemnização por danos não patrimoniais em €55.000,00, num caso em que o lesado em acidente de viação sofreu intervenções cirúrgicas; ficou com sequelas no membro inferior esquerdo; com limitações físicas que o impossibilitam de correr e se agachar, quando anteriormente não tinha qualquer limitação; esteve 125 dias com ITA e 1157 de ITP; quantum doloris de 6 numa escala de 7; prejuízo estético e limitações na actividade sexual e que ficou afectado de IPG de 16 pontos.
Revertamos ao caso em apreciação.
Para a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, importa ter em atenção:
a)os tratamentos a que foi sujeito: o autor teve necessidade de ser transportado pelos serviços da VMER, de ambulância, para o Serviço de Urgência do Hospital ..., E. P. E., sito no Campo ..., ... ..., onde foi internado e assistido, naquele dia 20/05/2017, pelas 09:58:09 horas; ali chegado imobilizado com colar cervical e pano duro;muito embora tenha tido alta no próprio dia, posteriormente, no dia 30/05/2017, o Autor foi novamente internado no Centro Hospitalar do ..., E. P. E., sito em ..., por esfacelo infetado da perna direita, até ao dia 7/06/2017; durante este novo internamento, o Autor foi submetido a desbridamento cirúrgico de tecidos necróticos e fibrina e fez ajuste de AYB intravenosas segundo antibiograma; porque apresentava na face anterior da perna, duas pequenas escoriações com presença de tecido de epetilização, tendo sido realizado penso com placa de hidrocoloide; no dia 14/07/2017, o autor apresentava ainda área cruenta de cerca de 6x3 cm de área, pelo que ainda mantinha cuidados de penso; foram-lhe receitadas 15 sessões de fisioterapia; no dia 26/09/2017, o autor apresentava necessidade de prosseguir com reabilitação funcional do traumatismo do joelho direito, que apresentava ainda sequelas de ferida lacerante e contusa, atrofia muscular e dor residual, tendo-lhe sido ministradas mais 15 sessões de fisioterapia; no dia 10/10/2017, o autor realizou ressonância magnética ao joelho direito; em 24/10/2017, foram receitadas ao autor mais 15 sessões de fisioterapia para tratamento de sequelas de entorse traumática do joelho direito, com lesão do ligamento cruzado posterior e condropatia patelar, em 5/12/2017 foram receitadas ao autor mais 15 sessões de fisioterapia para tratamento de reabilitação funcional de sequelas traumáticas do joelho direito; durante alguns dias, o autor necessitou de usar canadianas;
b)as concretas lesões sofridas pelo autor no acidente, a saber, dor a nível do membro inferior direito (joelho); feridas a nível do membro inferior direito (joelho); esfacelos da camada superficial do joelho direito; esfacelo infetado da perna direita, até ao dia 7/06/2017; apresentava ainda ferida traumática na região do joelho direito, com 90% de tecido de granulação e 10% de tecido desvitalizado nos bordos da ferida; na face anterior da perna, apresentava duas pequenas escoriações com presença de tecido de epetilização; no dia 14/07/2017, o autor apresentava ainda área cruenta de cerca de 6x3 cm de área; mantinha tumefação da anca direita e dismorfia do braço direito; em 11/09/2017, apresentava ainda traumatismo na área direita, com bursite traumática trocantérica e défice muscular; sofria ainda de sequelas traumáticas no cotovelo direito; no dia 26/09/2017, apresentava ainda sequelas de ferida lacerante e contusa, atrofia muscular e dor residual; no dia 10/10/2017, o Autor realizou ressonância magnética ao joelho direito, através da qual foi possível constatar: (i) alterações morfológicas e de sinal do ligamento cruzado posterior compatíveis com antecedentes de rotura parcial deste ligamento. (ii) condropatia patelar difusa predominantemente com áreas focais de grau II; (iii) pequeno quisto sinovial ou gangliónico póstero-externamente em relação à região metafisária inferior do fémur; (iv) higroma/bursite da bursa pré-patelar; o autor apresentava ainda sequelas de entorse traumática do joelho direito, com lesão do ligamento cruzado posterior e condropatia patelar;
c)as dores físicas sofridas pelo autor, quantificáveis de grau 5, numa escala de 1 a 7 e que as que continuará a sofrer;
d)período que mediou entre o acidente, ocorrido a 20 de maio de 2017 e a consolidação das lesões, a saber, a 11 de fevereiro de 2018;
e)o défice da integridade física e psíquica de 10 pontos de que ficou a padecer permanentemente;
f)a idade do autor à data do acidente, que era de 48 anos;
g)as circunstâncias do acidente do qual teve culpa de 20%.
Em suma, e tendo em consideração os critérios jurisprudenciais habitualmente seguidos e que supra explanamos, a necessidade de nos afastarmos de critérios miserabilistas, as circunstâncias do caso concreto e dadas como provadas, designadamente, o longo período que mediou entre o acidente e a alta, considera-se justo e adequado fixar-se em € 50.000,00 a indemnização pelos danos não patrimoniais.
Por tudo o exposto, julgamos parcialmente procedente o recurso interposto pela ré e nessa medida, revogando-se, na parte impugnada, a sentença recorrida e condenando-se a ré a indemnizar o autor:
- por “dano biológico”, no sentido de consequências patrimoniais da afetação da capacidade geral ou funcional deste, em 80% do montante de € 34.000,00, acrescida de acrescida de juros de mora legais civis desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
- pelos danos não patrimoniais em 80% do montante de € 50.000,00, acrescida de juros de mora civis legais contados desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até efeito e integral pagamento.
*
VI. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação intentado pela ré L..., C..., S.A. – Sucursal em Portugal, revogando-se, na parte impugnada, a sentença recorrida e condenando-se a ré a indemnizar o autor pelo “dano biológico”, em 80% do montante de € 34.000,00, acrescida de acrescida de juros de mora legais civis desde a data da citação até efetivo e integral pagamento e pelos danos não patrimoniais em 80% do montante de € 50.000,00 acrescida de juros de mora civis legais contados desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até efeito e integral pagamento.
Custas pelo autor e ré/recorrente na proporção do decaimento.
Guimarães, 12 de outubro de 2023
Relatora: Margarida Gomes
Adjuntos: José Manuel Flores
Sandra Melo.