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LIVRANÇA
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário
Face à entrada em circulação da moeda europeia - Euro - e ante a Portaria 28/00, uma livrança preenchida e subscrita em 01/04/15, com data de vencimento de 02/05/31 mantém eficácia executiva.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto
Por apenso aos autos de execução instaurados por Sociedade de Locação Financeira, SA, contra B.........., Lda, C.......... e mulher D........., e E.......... e mulher F........., vieram aqueles C.......... e mulher deduzir embargos de executado, alegando, em síntese, que a livrança dada à execução aparece inscrita em escudos, e que não fora apresentada a pagamento, circunstância esta que invalida a sua utilização como título de crédito, mas não como título executivo enquanto documento particular que consubstancia uma obrigação, importando porém que a exequente invoque a respectiva causa da obrigação, o que não fez no caso vertente, omissão que impossibilita que a mesma possa valer como documento particular de reconhecimento de dívida.
A embargada Banco X.......... contestou, afirmando que a livrança fora subscrita pelos embargados e demais co-avalistas para garantia do pontual cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade executada perante a exequente no âmbito do contrato de locação financeira entre ambos celebrado em Abril de 2001, nos termos do documento que junta aos autos (Condições Especiais), contrato que, mediante carta registada com A/R de 19.4.02, foi resolvido pela embargada por incumprimento da sociedade locatária executada, do que na mesma data fora dado conhecimento aos embargantes, sendo que nem a sociedade nem os avalistas, designadamente os embargantes, procederam ao pagamento das quantias em dívida naquelas cartas reclamadas pela exequente ora embargada, o que motivou que esta, por carta com A/R de 20.5.02, viesse a interpelar os embargantes e demais co-executados para o pagamento da livrança.
Conclui no sentido da improcedência dos embargos.
O Senhor Juiz proferiu despacho saneador, onde, em síntese, depois de identificar as questões a decidir (1ª - saber se o facto de a livrança estar preenchida em escudos lhe retira força executiva; 2ª - saber se havia necessidade de a livrança em causa ser apresentada a pagamento), entendeu que, “face ao princípio da continuidade dos contratos, as letras e livranças emitidas em escudos com data de vencimento igual ou posterior 1/1/2002 não tinham que ser substituídas; na respectiva data de vencimento os correspondentes valores são processados em euros, efectuando-se a respectiva conversão”, pelo que “obstáculo não existe a que a livrança dada à execução continua a gozar força executiva”, mais dizendo que “a embargada mesmo que não apresentasse a letra a pagamento não perdia o seu direito contra os aqui embargantes, uma vez que estes figuram como avalistas da aceitante/ subscritora da livrança”, acabando por julgar improcedentes os embargos de executado, determinando o prosseguimento da acção executiva contra os embargantes.
Inconformados com tal decisão, vieram os embargantes interpor recurso da decisão, oferecendo as suas alegações, que terminam com as seguintes conclusões:
I - Por douta sentença datada de 27 de Fevereiro/04, foram julgados improcedentes, por não provados, os embargos deduzidos pelos Recorrentes;
II - À acção executiva ora em apreço serve de título executivo uma livrança preenchida em escudos emitida em 15 e Abril/01 e com data de vencimento em 31 de Maio/02 que nunca foi apresentada a pagamento;
III - O modelo de livrança empregue pelo Recorrido deixou de estar em circulação a partir de 31 de Dezembro de 2001, pois na sequência da aprovação do novo Código de Imposto de Selo foi igualmente aprovada a Portaria 28/00 de 27 – 01 que estabeleceu o novo modelo de letras e livranças;
IV - De acordo com o estatuído no art. 6 do referido diploma “a adopção dos novos modelos de letras e livranças ocorrerá na data da entrada em vigor do Código de Imposto de Selo. Os impressos de letras e livranças ainda existentes e que não obedeçam aos requisitos definidos na presente portaria, incluindo os modelos anteriores aos aprovados pela Portaria 1042/98, podendo ser utilizados até 30 de Junho de 2000;
V- A livrança é unanimemente considerada pela jurisprudência como um negócio jurídico formal.
VI - A classificação da livrança como negócio jurídico-formal decorre da norma prevista no art. 30º, nº2, do Código de Imposto de Selo.
VII- O modelo uniforme de livrança é de utilização obrigatória em Portugal.
VIII – O modelo de livrança utilizado pelo Recorrido já não tem curso legal desde 1 de Janeiro/02.
IX – A inobservância da forma legal inviabiliza que se considere o documento ora em crise numa declaração negocial que tem por objecto o facto constitutivo do direito invocado pelo Recorrido;
X - O documento dado à execução não constitui prova legal para fins executivos;
XI - Nos presentes autos está em causa uma obrigação cambial inserta na livrança que serve de base à execução, e não o contrato de locação financeira nº ...... junto sob o doc. nº 1 com a contestação aos embargos.
XII – Está vedado ao Recorrido invocar nos presentes autos a relação material subjacente ao título de crédito por tal implicar uma alteração da causa de pedir.
Do exposto resulta terem sido violadas as normas constantes dos art.s 30 do Cód. Imposto de Selo, art. 220º e 364º do Cód. Civil e 46º, al. c) do Cód. Proc. Civil.
Conclui no sentido da revogação da decisão recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Apontemos as questões objecto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (art.s 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do CPC).
Para o efeito, reunamos aqui a matéria de facto que foi considerada provada:
1 – Dá-se como integralmente reproduzido o teor da livrança junta aos autos da execução (a fls. 7) subscrita pela co- executada B.........., Lda, e avalizada, entre outros, pelos aqui embargantes C......... e D........., no montante de Esc. 3.517.138$00, vencida em 31.5.2002;
2 – À data do vencimento o valor do capital em dívida era de € 6.072,04;
3 – A livrança exequenda foi subscrita pelos embargantes e demais co-avalistas para garantir o pontual cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade executada, por virtude do contrato de locação financeira celebrado entre esta e a embargada em Abril de 2001, cuja cópia se encontra a fls. 20 a 30 dos presentes autos de embargos e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido;
4 – Tal contrato foi declarado resolvido pela embargada, por incumprimento da locatária, mediante carta registada com a/r de 19 de Abril de 2002;
5 – Dessa resolução foram os embargantes notificados, na mesma data;
6 – A embargada interpelou os embargantes para pagamento da livrança por carta registada com a/r de 20 de maio de 2002.
Apreciemos, antes do mais, a natureza jurídica da livrança e do aval:
Começaremos por referir que a livrança constitui um título de crédito à ordem, pelo qual o subscritor se compromete a pagar certa quantia.
Tal como os restantes títulos de crédito, a livrança está sujeita a um regime especial que radica, na necessidade de tornar estes títulos em instrumentos adequados à circulação dos próprios créditos, e, bem assim, à concessão de uma ampla e enérgica tutela da boa fé de terceiros adquirentes.
Daí que o apontado regime seja informado por princípios próprios tendentes à consecução daquele desiderato, tais como o da incorporação da obrigação no título, da literalidade, da abstracção, da independência recíproca e autonomia, sobre os quais teceremos algumas breves considerações.
A incorporação do direito no título significa que entre o documento e o direito nele contido intercorre uma relação de cariz especial, por força da qual só o possuidor do título pode exercer o direito nele contido, desempenhando uma função de legitimação do portador.
No que toca ao princípio da literalidade da obrigação cambiária, expresso no artigo 17º, da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças aplicável às livranças por força do disposto no artigo 77º "in fine", todos da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (como os mais adiante citados sem menção do diploma de origem, e cujo âmbito de aplicação sempre resulta da conjugação com este último preceito), significa este que a existência, validade e persistência daquela não podem ser postas em causa com o auxílio de elementos exteriores ao título, de tal modo que o conteúdo, extensão e modalidades da obrigação cartular são os que a declaração objectivamente defina e revele ([Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, volume III, página 41]), e daí que o autor da declaração cambiária não possa opor ao portador de boa fé a nulidade daquela, se tal não ressaltar do próprio documento cartular.
Por sua vez, o princípio da abstracção diz-nos que a causa do negócio cambiário é separada deste, ou seja, não obstante a subscrição de um título de crédito, como a letra ou a livrança, ter subjacente uma outra relação (a fundamental ou causa remota), sem a qual não se explica a criação daquela, essa causa está fora da obrigação cambiária ([Confronte o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9/3/1988, in B.M.J. nº 375, página 385]). Como corolário do princípio exposto e de acordo com o preceituado no artigo 17º, temos que a obrigação cambiária é vinculante, independentemente de eventuais vícios que ocorram na relação subjacente ou fundamental, sendo estes inoponíveis ao portador de boa fé.
Ora, constata-se pelo exame objectivo da livrança que os embargantes ao aporem as suas assinatura, no verso desta, por baixo das palavras "Dou o nosso aval ao subscritor" quiseram assumir a obrigação pelo pagamento da quantia nela inscrita, de harmonia com o preceituado nos artigos 30º e 31º.
O aval, prestado pela forma já enunciada, constitui uma obrigação cambiária pela qual, um terceiro garante o pagamento da livrança pelo subscritor, ou melhor, ao lado da obrigação deste último, caucionando-a - artigo 30º -.
Trata-se de uma obrigação de garantia que, nos termos do disposto no artigo 32º, nº 1, responsabiliza o dador do aval da mesma maneira que o avalizado ([Confronte os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31/1/1988, 9/3/1988 e 17/12/1991, in Boletim do Ministério da Justiça nºs 375, páginas 385 e 399, e nº 412, página 504]).
O que significa por um lado, que o avalista fica na situação de devedor cambiário perante aquele em face do qual o avalizado é responsável, e por outro lado, que qualquer limitação de responsabilidade expressa no título aproveita ao avalista.
Contudo, como salienta o Professor Ferrer Correia "a obrigação do avalista não é, senão imperfeitamente, uma obrigação acessória relativamente à do avalizado, pois trata-se de uma obrigação materialmente autónoma, uma vez que a obrigação do avalista se mantém, mesmo que a obrigação garantida seja nula" ([Lições de Direito Comercial, volume III, página 215]) ([Confronte os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25/7/1978 e da Relação de Coimbra de 29/11/1988, in Boletim do Ministério da Justiça nº 279, página 214 e Colectânea de Jurisprudência, 1988, tomo 5, página 78, respectivamente]).
Por outro lado, importa igualmente salientar que os avalistas não são sujeitos da relação subjacente, pelo que não lhes aproveita a invocação de qualquer vício ocorrido no domínio dela.
Na verdade, trata-se de excepções pessoais, cuja relevância apenas se manifesta no âmbito das relações imediatas, conforme prescreve o artigo 17º.
Destarte, e não tendo sido efectuado o pagamento da quantia constante da livrança, nem pela emitente, nem pelos dadores dos avales, é legítimo que o portador exerça os seus direitos contra qualquer dos obrigados cambiários, nos termos do disposto nos artigos 47º e 48º da LULL.
Indo já algo longa a introdução á nossa tarefa, adequemos o que ficou dito ao nosso caso.
Antes porém, importará apreciar a primeira das questões suscitadas pelos embargante na petição de embargos e agora em sede de recurso, que se prende com saber se face à Portaria nº 28/2000 de 27 de Janeiro continuou a livrança dos autos a valer como título executivo.
A livrança em causa foi preenchida e subscrita pelos obrigados cambiários em 15 de Abril de 2001, tendo a data de vencimento de 31 de maio de 2002.
Trata-se de saber se, face à entrada em circulação da moeda Europeia (€), que se verificou em 1 de Janeiro de 2002, e ante a Portaria nº 28/2000, manteve aquele título eficácia executiva.
No preâmbulo da dita portaria diz-se que “em consequência da entrada em vigor do Código do Imposto de Selo, aprovado pela Lei nº 150/99 de 11 de Setembro, e respectiva tabela geral, resulta a abolição definitiva da forma de arrecadação do imposto do selo por meio de papel selado, ainda subsistente na espécie de papel para letras, e a sua substituição por meio de guia. Torna-se, pois, necessário adequar a esta realidade os modelos das letras e das livranças”, o que determinou que, em conformidade com o disposto o disposto no art. 30º nº 2 do Código de Imposto de Selo acima referido, estes títulos de crédito tenham passado a ter as características técnicas constantes da referida portaria.
Dispõe o art. 6º da dita Portaria que “a adopção dos novos modelos de letras e livranças ocorrerá na data da entrada em vigor do Código do Imposto de Selo. Os impressos de letras e livranças ainda existentes e que não obedeçam aos requisitos definidos na presente portaria, incluindo os modelos anteriores aos aprovados pela Portaria nº 1042/98 de 19 de Dezembro, poderão ser utilizados até 30 de Junho de 2000 ou, neste último caso e relativamente às letras seladas, até à data da entrada em vigor do citado Código”.
No preâmbulo desta última portaria pode ler-se: “Face á realidade da adesão de Portugal à UEM, à evolução tecnológica entretanto verificada ao nível do tratamento de documentos e tendo ainda em linha de conta o princípio da “ não obrigação, não proibição”, surge a necessidade de criação de modelos que possibilitem a emissão de letras e livranças em euros e de reformulação dos modelos até aqui existentes em escudos, de modo a uniformizar a respectiva estrutura”.
O que se pretende fundamentalmente estabilizar com estes diplomas é, face à realidade na nova moeda europeia (€), a adequação dos títulos para o seu preenchimento em Euros, a sua uniformização para tratamento informático, para além dos interesses fiscais a proteger relacionados com o Imposto de Selo.
Contudo, se for utilizada uma letra ou livrança de modelo anterior ao que estes diplomas prescrevem como sendo os da modernidade facial, nem por isso a validade de tais títulos ficará em causa.
De facto, o elemento tributário não é um requisito essencial à validade do título como letra ou como livrança.
Tal como refere Pinto Furtado [Títulos de Crédito, Almedina, Outubro de 2000, pág. 141], “a clássica letra de câmbio é, como qualquer título de crédito, antes de mais, um pedaço de papel onde se inscrevem os elementos literais e o tributário que acabámos de analisar. Estes não se compreenderão plenamente, se dissociados da realidade material que lhes serve de corpus mechanicum e que alguns autores qualificam de novo e autónomo elemento, a acrescer àqueles: o instrumentum.”
E continua “o artigo 1º não se lhes refere concretamente, o que tem levado uma parte da doutrina a apoiar a omissão, ponderando que, em rigor, este não é um elemento em si, autónomo dos outros que a Lei Uniforme refere, não passando de mero pressuposto global de todos eles [J.G. Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial – As Letras, 1942, 1ª parte, p.48]”.
E esclarece “a obrigatoriedade do emprego de impressos nas condições oportunamente referidas, para servirem de instrumentum a uma letra de câmbio, é obviamente de natureza tributária, não afectando a sua violação, por isso, a validade das obrigações cambiárias respectivas”.
Assim, no caso vertente, a livrança não deixará de o ser pelo facto de ter sido utilizado pela sua emitente um papel diferente do impresso oficialmente estabelecido, podendo verificar-se eventual inobservância de imposições fiscais, circunstância esta que não suspende o exercício dos direitos incorporados na livrança, nem obstará á sua realização judicial, cabendo ao tribunal, tão somente, participar a infracção à respectiva Administração Fiscal, para esta adoptar o procedimento adequado á sua cobrança [Neste sentido Pinto Furtado, ob. Cit., pág. 222.].
O que vem de ser dito resulta também da harmonização do sistema jurídico, designadamente dos princípios gerais ao mesmo subjacentes, designadamente os princípios supra referidos balizadores das relações cambiárias (incorporação, literalidade, abstracção, independência recíproca e autonomia), bem como dos princípios gerais, designadamente o da “não obrigação, não proibição” referido do diploma acima apontado, o princípio a que o Senhor Juiz fez referência – da continuidade dos negócios, o princípio da boa fé contratual (que in casu proíbe que os embargantes de venire contra factum proprium, querendo lançar por terra um meio que eles próprios, com a boa fé dos demais contraentes cambiários, utilizaram), entre outros.
Improcede assim a primeira ordem de “razões” vertidas pelos embargantes nas suas conclusões (I a X).
Apreciemos agora a segunda ordem de questões suscitadas pelos agravantes (XI e XII):
Sustentam estes que, estando em causa uma obrigação cambial inserta na livrança que serve de base à execução, e não o contrato de locação financeira nº ...... junto sob o doc. nº 1 com a contestação de embargos, está vedado ao recorrido invocar nos presentes autos a relação material subjacente ao título de crédito por tal implicar uma alteração da causa de pedir.
Apreciando, diremos que tem a agravante razão, estando vedado aos avalistas, que em face da portadora da livrança se encontram no plano das relações mediatas, fazer apelo á relação subjacente.
De facto, como acima deixámos consignado, os avalistas não são sujeitos da relação subjacente, pelo que podem fazer invocação desta.
Só que, para lograr o pagamento da livrança em causa perante os avalistas, não precisa a embargada exequente de lançar mão da relação subjacente ao título cambiário em causa, tal como não fez no caso vertente, limitando-se a reagir perante os obrigados cambiários, ao abrigo dos art. 47º e 48º da LULL, já que nenhum deles, nem o emitente da livrança nem os dadores dos avales, procederam ao seu pagamento na data do seu vencimento.
Mas será necessário, para tanto, que a portadora exequente tenha de protestar o título?
Encurtando razões diremos que, tendo em consideração o preceituado nos artigos 30º e 32º, citados, aderimos à posição jurisprudencial e doutrinalmente dominante e segundo a qual do direito de acção do portador do título não caduca por falta de protesto ([Vejam-se, no sentido propugnado, além dos Acórdãos citados na nota 4, Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, vol. 2º, páginas 6 e 7, Ferrer Correia, in Direito Comercial, vol. III, pág. 199 e Gonçalves Dias, Da Letra e Livranças, vol. VII, pág. 516, e contra, Paulo Sendin e Evaristo Mendes, in A Natureza do Aval e a Questão da Necessidade ou não do protesto para accionar o avalista do aceitante])([Neste sentido o Ac. STJ de 1.10.98, in BMJ 480º, 482; Ac. STJ de 17.3.1988, in BMJ 375º, 399]).
Também sufragamos a tese vertida na decisão recorrida, segundo a qual a falta de apresentação a pagamento da livrança não implica a perda dos direitos do portador em relação ao aceitante, e nessa medida também em relação ao avalista do aceitante, tanto quanto é certo que o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada.
Excepcionando o art. 53º o aceitante, implicitamente estende tal excepção ao avalista daquele (cfr. art. 38º, 53º ex vi do 77º, e 42º, todos da LULL).
A este propósito, acolhemos o ensinamento do Professor José Gabriel Pinto Coelho [Direito comercial, feitas ao curso do 3º ano jurídico, Lisboa, 1947, 2º volume, fascículo VI, pág. 23 e segs.], segundo o qual “impondo a lei ao portador o dever de apresentar a letra a pagamento, ..., cumpre naturalmente examinar as consequências da falta de cumprimento deste dever, por parte do portador. Quando aos obrigados de regresso, pelo menos na letra á vista, não há dúvida que caducam os direitos do portador contra os endossantes, o sacador e os demais obrigados. Sendo esta a sanção estabelecida na primeira parte do art. 53º da LU para o caso de expirarem os prazos fixados “para a apresentação da letra à vista ou a certo termo de vista”, e não tendo a letra à vista senão apresentação a pagamento, sendo para este acto que se fixa prazo no art. 34º, é manifesto que, quanto a esta espécie de letras, a lei contempla naquele preceito a falta de apresentação a pagamento dentro do prazo de um ano ou do que tiver sido especialmente estipulado.
A mesma sanção se estabelece expressamente para a apresentação a pagamento no caso da cláusula “sem despesas”(3ª espécie considerada na 1ª parte do art. 53º); quanto a esta hipótese, o preceito do art. 53º é a lógica consequência das disposições consignadas no art. 46º, no que respeita aos efeitos da cláusula referida: a estipulação da cláusula dispensa o portador de fazer o protesto por falta de pagamento, mas não da apresentação da letra dentro do prazo prescrito. A letra tem pois de ser apresentada a pagamento e no prazo prescrito, que é, quanto às letras que não sejam à vista, o fixado no art. 38º...
A sanção geral é, pois, a perda de direitos contra os obrigados de regresso, contra os garantes. A caducidade não se dá, porém, em relação ao aceitante, que expressamente o art. 53º exceptua no final do preceito da 1ª parte...”
E mais à frente explica que “se, faltando a apresentação a pagamento dentro do prazo fixado no art. 38º, o portador perde o direito de acção contra os garantes, não se concebe que também a estes (abrangidos na fórmula “qualquer devedor” do art. 42º - sublinhado nosso) se assegure em tal caso a faculdade de consignar em depósito. Ora, a expressão usada “qualquer devedor” comporta outro significado, que não o de alusão a todos os possíveis responsáveis da obrigação cambiária. A referência a qualquer devedor, e não apenas ao aceitante, justifica-se especialmente quando se atenda a que, além do aceitante há outros obrigados ou signatários a considerar – os avalistas que garantiram a obrigação deste e que, como já tivemos ocasião de notar no estudo do acto cambiário do aval, não devem considerar-se como obrigados de regresso, como obrigados cambiários autónomos, pois assumem a mesma obrigação, embora subsidiariamente, que o aceitante, e respondem portanto pelo pagamento, sempre que este possa ser exigido ao aceitante”.
Não resistimos a consignar neste nosso trabalho decisório, este excerto da obra que mencionámos, uma vez que o consideramos tão eloquente e claro, e com uma actualidade tal que nos ajuda a dar resposta ao caso sub judice.
(No mesmo sentido o Acórdão da Relação do Porto de 2 de Junho de 1992, in CJ, 1992, Tomo III, pág. 300)
Assim improcedendo todas as conclusões dos apelantes, não há que censurar a decisão recorrida, que deve manter-se.
DECISÃO
Por todo o exposto, Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Porto, 9 de Dezembro de 2004
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha